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Â.P. do Prado
Universidade de Campinas (UNICAMP)
Instituto de Biologia
Departamento de Parasitologia
Campinas/SP
E-mail: apprado@unicamp.br
A ordem Diptera engloba as moscas e os mosquitos, Muscidae e Calliphoridae, como vírus, bactérias, fun-
insetos de grande importância sanitária, pois são gos, protozoários e helmintos, além de alergias, míases
vetores biológicos e mecânicos de agentes patogênicos e pseudomíases (GREENBERG, 1971; GUIMARÃES et
das principais enfermidades que afetam o homem e al.,1983; FURLANETO et al., 1984; LECLERQ , 1990; M ARILUIS
animais domésticos, além de causarem incômodo e et al., 1989; FOTEDAR et al., 1992; CHAVASSE et al.,1999;
produzirem as chamadas bicheiras e pseudomíases. GUIMARÃES & PAPAVERO, 1999; KOBAYASHI et al., 1999;
As moscas provavelmente desenvolveram a GRACZYK et al., 2000; FISCHER, 1999; OLSEN & HAMMACK ,
sinantropização, i.é., associação intima com o ambiente 2000; FISCHER et al., 2001).
modificado pelo homem, desde o início da jornada O controle dessas moscas não é muito fácil. De um
evolutiva de nossos ancestrais hominídeos, aprovei- modo geral o uso exclusivo de praguicidas pode
tando os depósitos de restos alimentares, carcaças de provocar o desenvolvimento da resistência aos inse-
animais e fezes acumuladas; com o início da ticidas químicos e impactar o ambiente, contaminando
domesticação dos animais também se associaram o solo, a água e os alimentos. Em hospitais, restau-
várias espécies de moscas coprófagas e rantes, hotéis e plantas processadoras de alimentos
sarcossaprófagas (ROBINSON, 1996). os inseticidas são de uso limitado.
Das 110.000 espécies de dípteros, somente cerca A M. domestica é o exemplo clássico da espécie que
de 20 espécies estão mais intimamente associadas ao desenvolveu resistência à maioria dos inseticidas
homem nas áreas urbanas, distribuídas por 10 famí- químicos conhecida, além de possuir os genes neces-
lias, sendo as mais importantes as famílias Muscidae, sários para o desenvolvimento de resistência aos
Fanniidae, Caliphoridae e Sarcophagidae. produtos mais poderosos atuais (KAUFMAN et al., 2001;
As "moscas domésticas" apresentam metamorfose LEARMOUNT et al., 2002).
completa (holometabolia) e se desenvolvem por vários O Manejo Integrado de Pragas/Vetores é a seleção
estádios: ovo, larva, pupa e adulto. As larvas passam e implementação de métodos de controle (cultural,
por 3 estágios: L1, L2 e L3; após a metamorfose, os químico e biológico) dessas pragas/vetores, levando
adultos emergem do pupário. em consideração as conseqüências econômicas, eco-
Geralmente, os ovos são depositados em matéria lógicas e sociológicas. É um processo de tomada de
orgânica de origem vegetal e/ou animal em decom- decisão que leva em consideração cada grupo de
posição (fermentação ou putrefação), tais como fezes circunstâncias particulares; os ambientes naturais
animais, carcaças de animais, lixo de origem domés- diferem em algum grau, assim, as soluções para o
tica, restaurantes, lixões a céu aberto, terrenos baldios, controle de pragas; vetores devem ser, especificamente,
terra impregnada com águas servidas etc., onde as "desenhadas", à medida que vão aparecendo.
larvas se desenvolvem. Fatores tais como a tempera- Dessa forma, se aplicarmos ao caso das moscas
tura, umidade e precipitação, i.é., o tempo e o clima em áreas urbanas a idéia do manejo integrado de pra-
são os que mais influem no seu desenvolvimento, pois gas, adaptando seus 5 passos básicos, poderemos
são insetos ectotérmicos. Climas mais quentes tendem manejar de modo mais racional o controle dessas
a acelerar o desenvolvimento e a ovogênese, propician- moscas. Para isso, devemos seguir os passos seguintes:
do o sincronismo de numerosas gerações diferentes, 1) detecção do problema e identificação das espécies
aumentando rapidamente as populações dessas moscas. envolvidas; 2) monitoramento das populações e rela-
Densidades populacionais aumentadas podem ção com o tempo e o clima; 3) decisão e implementação
facilitar a dispersão (por exemplo, a Musca domestica das medidas de controle (cultural, biológico e químico);
L. pode voar 2.3 a 11.8 km por dia) (GREENBERG, 1973; 4) monitoramento permanente de manutenção.
THOMAS & SKODA, 1993) e invasão dos domicílios e Parece fácil e muito razoável. Entretanto, pelo que
estruturas urbanas, incomodando, do ponto de vista sabemos, estritamente, nunca foi executado esse tipo
estético, e mais gravemente pelo aspecto sanitário: de controle no Brasil, apesar das recomendações da
mais de 65 agentes patogênicos para o homem e ani- SUCEN (Superintendência de Controle das
mais domésticos podem ser veiculados pelos Endemias) (BURALLI et al.,1987).
Em verdade, ao nosso ver, tem se praticado A aderência ao manejo integrado acarreta ainda
somente, o uso de inseticida químico de modo os seguintes benefícios: eficácia na eliminação dos
gerenciado, que é muito prejudicial por só privilegiar locais de criação das moscas (criadouros) e efeitos de
este método, em detrimento dos demais, levando longo-prazo, de baixo custo. O uso de inseticidas
inexoravelmente ao esgotamento das moléculas químicos tem a vantagem de reduzir rapidamente as
químicas utilizadas (LEIBEE & CAPINERA, 1995; SHONO populações de moscas, mas seus efeitos são temporá rios,
& SCOTT, 2002). requer uso periódico, com custos elevados, conseqüen-
1. Detecção do problema e identificação das es- temente, aumentando os custos a longo-prazo, desen-
péc ies envolvidas: a inspeção dos locais volve resistência nas populações tratadas, coloca as
peridomiciliares e das estruturas urbanas é indis- pessoas em risco de intoxicação, causa danos e
pensável, pois nos ajuda a detectar os possíveis contaminação ambiental (KEIDING , 1999).
criadouros, onde as formas imaturas se desenvol-
vem. Vários métodos de coleta podem ser utilizados
(puçá, armadilhas com iscas: armadilha ultravioleta, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
armadilhas com feromônio, fita ou cartão com ade-
sivo/cola etc). Se possível deve-se coletar também as AMBRÓS GINARTE , C.M. Efeitos de extratos de plantas e inse-
formas imaturas. A identificação das espécies en- ticidas de segunda e terceira gerações de Musca do-
volvidas é indispensável para nortear as medidas mestica (Diptera: Muscidae). Campinas: 2003. 131p.
de controle (MARICONI et al., 1999) [Tese (Doutorado) - Instituto de Biologia, Univ. Esta-
2. Monitoramento das populações: adultos: pode dual de Campinas].
ser feito por vários métodos (inspeção visual dos AX T E L L , R.C. Fly control in confined livestock and poultry
production.Grensgboro: CIBA-GEIGY Corporation,
locais de agregação, grade de Scudder, "spot/speck
1986. 59p. (Technical Monograph)
cards", "sticky cards" (cartão com cola, armadilhas
BU R A L L I, G.M.; BORN, R.H.; G E R O L A JUNIOR , O.; PIMONT , M.P.
com iscas, com feromônio, "jug trap" etc); larvas e Soil disposal of residues and the proliferation of flies
pupas: método do funil de Berlese, flutuação em água, in the state of São Paulo. Wat. Sci. Tech., v.8, p.121-
etc. (AXTELL , 1986; LYSYK & AXTELL , 1986; HOGSETTE et 125, 1987.
al., 1993). Monitoramento do tempo e do clima: as tem- C H A V A S S E , D.C.; SHIER , R.P.; M URPHY , O.A.; HUTTLY , S.R.A.;
peraturas máxima e mínima do dia devem ser anotadas C OUSENS , S.N.; AK H T A R , T. Impact of fly control on
para o cálculo dos graus-dia, para previsão dos eventos childhood diarrhoea in Pakistan: community-
fenológicos da praga, baseada nos seus limiares randomised trial. Lancet, v.353, p.22-25, 1999.
mínimo e máximo de desenvolvimento (HIGLEY & FISCHER , O. The importance of diptera for transmission,
WINTERSTEEN, 1997). spreading and survival of agents of some bacterial
and fungal diseases in humans and animals. Vet. Med.
3. Decisão e implementação das medidas de con-
Entomol., v.44, p.133-160, 1999.
trole: cada infestação por moscas é um caso singular;
FISCHER, O.; M ÁTLOVÁ , L.; D UORSKA , L.; S RÁSTOVÁ , P.; BA R T L, J.;
os resultados obtidos nos passos anteriores serão a MELICHÀREK , I.; WESTON , R.T.; PAVLÍK , I. Diptera as vector
base para a tomada de decisão, com a escolha dos of mycobacterial infections in cattle and pigs. Med.
métodos de controle mais adequados ao caso (KEIDING , Vet. Entomol., v.15, p.211, 2001.
1979; LEGNER, 1981). A filosofia do controle integrado FOTEDAR , BANERJEE, U.; S INGH, S.S.; V ERMA , A.K. The housefly
deve ser seguida, i. é., a ênfase será para o uso de (Musca domestica ) as a carrier of pathogenic
práticas que provoquem menor impacto ambiental ou microrganisms in a hospital environment. J. Hosp.
que seja menos tóxica, deve-se levar ainda, em conta, Infect., v.20, p.209-215, 1992.
o estado de resistência da espécie alvo (KEIDING , 1979; FU R L A N E T O , S.M.P.; CAMPOS , M.L.C.; H ÁRSI , C.M.; B U R A L L I,
AMBRÓS GINARTE, 2003); a preferência também deve ser G.M.; ISHIATA , G.K. Microrganisnos enteropatogênicos
em moscas africanas pertencentes ao gênero
pelos métodos culturais preventivos, em vez dos
Chrysomya (Diptera: Calliphoridae) no Brasil. Rev.
tratamentos. Nenhum método de controle sozinho
Microbiol., v.15, n.3, p.170-174, 1984.
será bem sucedido; todas as opções de contr ole GREENBERG , B. Ecology, classification and biotic associations.
devem ser usadas. Muitas das vezes não será neces- In: GR E E N B E R G , B. (Ed.). Flies and diseases. Princeton:
sário nenhum controle como decisão. A mera presen- Princeton University Press, 1971. v.1, 856p.
ça de moscas não é razão suficiente para justificar a GR E E N B E R G , B. Biology and Disease Transmission. In: In:
ação de controle. GR E E N B E R G , B. (Ed.). Flies and diseases. Princeton:
4. Monitoramento permanente: deve ser uma Princeton University Press, 1973. v.2, 447p.
preocupação constante, pois permite a atuação em GRACZYK, T.K.; F AYER, R.; K NIGHT , R.; MHANGAMI-RUWENDE , B.;
nível de prevenção, privilegiando os melhores, mais TR O U T , J.M.; SI L V A , A.J. DA ; P IENIAZEK , N.J. Mechanical
eficientes e menos prejudiciais métodos de controle; transport and transmission of Cryptosporidium parvum
oocysts by wild filth flies. Am. J. Trop. Med. Hyg., v.63,
permite ainda acompanhar a eficácia dos tratamentos
p.178-183, 2000.
empregados.
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