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Exemplo de cidadania.

Foi no ano lectivo de 1967/68. Frequentava a então 3.ª classe. A


Escola, das últimas construções do Estado Novo, de piso térreo, sem
condições, forma rectangular, exposta a nascente, duas salas e um
telheiro na parte posterior. Espaço amplo em redor. Em frente, um
caminho. Nele, junto ao muro, o mini vermelho.

Lá estávamos. Na minha sala, do lado sul, a segunda e terceira


classes. À entrada, do lado esquerdo, sobre o pequeno soalho de
madeira, mais alto que o restante espaço, o palco. Nele, a Senhora
Professora Teresa. Ainda me recordo do nome completo, mas prefiro
omiti-lo. Nos pés, as habituais pantufas vermelhas, tal como o Morris
mini.

Em frente, as velhas carteiras dispostas em quatro filas. Nelas, dois a


dois, sentados, todos iguais, de branco vestidos, os alunos. Todos não,
excepto um. Primeira carteira, fila mais à esquerda, logo de frente
para a Senhora Professora. (assim mesmo, por extenso e em
maiúsculas). Lá estava ele. Sem a bata vestida. De qualquer lado que
olhássemos, logo se distinguia. Acabrunhado, olhar triste. Cabelo em
desalinho, cara e mãos sujas, dentes amarelos apesar dos seus oito
anos. Camisola que já havia conhecido dias melhores, calças
remendadas e com uma das alças, teimosa, sem botão, assim
aproveitada para meter na boca. Nos pés…
sujos como a cara e as mãos.

No recreio, imóvel, a alça e o dedo indicador direito na boca. A


esquerda no bolso das calças. Olhar poisado alternadamente ora num
ora noutro companheiro, com ele “comendo o seu lanche”. Para o
almoço, sempre o primeiro a sair e o primeiro a chegar. Porque seria?
Lá estava ele encostado à porta de entrada da Escola.

Naquele dia, lição estudada. No palco, lá estava a Senhora Professora


Teresa.
Hoje vamos falar sobre o que cada um comeu de manhã (hoje,
percebo porque não terá dito pequeno-almoço). Todos, com mais ou
menos desenvoltura falaram sobre o que haviam comido. Todos,
excepto um. Era ele. Primeira carteira, fila mais à esquerda, logo de
frente para a Senhora Professora.

Nesse dia, ao almoço, não foi o primeiro a sair.


A Senhora Professora, de pantufas vermelhas, (estou a vê-la), retirou
do mini vermelho a alcofa. Atravessou o pátio, entrou e fechou a
porta.

Lá estava a cozinha improvisada. No palco, tacho sobre o pequeno


fogão azul, prato sobre a secretária. Tudo como habitualmente. Tudo
não, havia mais um prato também sobre um pano branco. Lá estava
ele, rabo da colher na boca, olhar fixo na Professora Teresa.

No dia seguinte, logo de manhã, lá estava o Morris mini vermelho.


Dele saíram as pantufas vermelhas e a pasta com os livros, tudo com
habitualmente. De diferente, um pequeno saco nas mãos da
Professora Teresa.
Entrámos. Lá estava ele. Primeira carteira, fila mais à esquerda, logo
de frente para a Senhora Professora. Tudo como antes. Tudo não, ele
já não tinha os pés sujos. Cabeça voltada para baixo, admirando-os,
mas não os via. Não eram vermelhos como o Mini e como as
pantufas. Eram castanhos como a sua pele suja. Ele estava diferente.
Porque seria? Daí para a frente, ao almoço, ele deixou ser o primeiro a
sair, só o primeiro a chegar.

Outros dias, outros sacos saíram do Mini vermelho. Dentro… não


tinham remendos, algumas vermelhas como as pantufas e como o
Mini, outras brancas como a bata.

Lá estava ele, fila mais à esquerda, agora já de branco vestido. A


Professora a crescer por dentro e ele, por dentro e por fora.

Lá estava ele, cabelo em desalinho, cara e mãos sujas, diferente, a


crescer, a crescer com a Professora M. Teresa C.C..

Coimbra, 16 de Novembro de 2008.

J.Rodrigues

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