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ARISTOTELES texto B POLITICA EDIGAO BILINGUE NOTA PREVIA Jo&o Bettencourt da Cémara IS.CSR./ Universidade Técnica de Lisboa PREFACIO E REVISAO LITERARIA Raul M. Rosado Fernandes RL, I Universidade Cllsica de Lisboa INTRODUCAO E REVISAO CIENTIFICA Mendo Casiro Henriques (Gepolis Universidade Catsica Portuguesa ‘TRADUCAO E NOTAS Anténto Campelo Amaral e Carlos de Carvalho Gomes RCH, eT / Universidade Catiica Portguess INDICES DE CONCEITOS E NOMES ‘Manuel Silvestre Gepotis/ Universidade Cetiica Portes NoME Pros Wostacoe” COD wert PASTA ZS a oe 9a 55 vega ‘SBD-FFLCH-USP pe LE -L2 a CT eee S.soxQa 7 PS~ 1, Comunidade e cidade. Observamos que toda a cidade é uma certa forma de comunidade (") 1252a e que toda a comunidade é constituida em vista de algum bem. E que, em todas as suas acgdes, todos os homens visam o que pensam sero bem. E, entiio, manifesto que, na medida em que todas as comunidades visam algum bem, a comunidade mais elevada de todas e que engloba todas as. outras visaré o maior de todos os bens. Esta comunidade é chamada ‘cidade’, aquela que toma a forma de uma comunidade de cidadios. Nao pensam bem os que pretendem que as fungdes de um governante, de um rei, de um senhor de uma casa, ¢ de um senhor de escravos sio uma e a mesma coisa, como se ndo existisse uma grande diferenga entre uma grande casa e uma pequena cidade; é que imaginam que essas diversas formas de autoridade apenas diferem no maior ou menor mimero de subordinados, mas nao na qualidade. Se, por exemplo, um homem governa pouca gente, é um senhor de escravos; se governa varias pessoas, € um senbor da casa; e se governa ainda mais, teré a func&o de rei ou de governante. E em relaco ao rei e ao governante consideram que, quando um homem controla pessoalmente, tem a fungdo de rei; quando, conforme as regras da ciéncia politica @), toma a fangiio ora de mandar ora de obedecer, é um. governante. Mas tais assergdes so falsas. A questo tomar-se-A clara se examinarmos o problema de acordo com 0 processo de investigago que seguimos até agora. E que, tal como nas outras ciéncias temos de analisar um composto até aos seus elementos mais simples (que sio as mais pequenas partes do todo) assim também examinaremos as partes componentes de uma cidade, vendo methor como as diversas formas de autoridade diferem entre si, compreendendo de modo positive cada uma das fungdes men- cionadas. 5 49 2. Origem da cidade: casal, familia, aldeia. Neste, como noutros dominios, obteremos a melhor apreciagio das coisas se olharmos para o Seu processo natural @), desde o principio. Em primeiro lugar, aqueles que no podem existir sem 0 outro devem formar um par. E 0 caso da fémea e do macho para procriar (¢ isto nada tem a ver com uma escolha j que, como nos animais ¢ nas plantas, a necessidade de progenitura 6, em si, um facto natural); é ainda 0 caso daquele que, por natureza, manda e daquele que obedece, para seguranga de ambos. E que quem pode usar 0 seu intelecto para prever, é por natureza, governante e senhoz, enquanto quem tem forga fisica para tabalhar, é governado e escravo por natureza, Assim, senhor ¢ escravo convergem nos interesses. Assim, é a natureza que diferenciou fémea ¢ escravo (‘). A natureza nada produz segundo o modo mesquinho dos fabricantes de facas de Delfos, mas destina cada coisa para um tinico uso; é que cada ferramenta seré mais eficaz se servir apenas para uma funco, e nfo para varias. Os barbaros, nao obstante, atribuem a mulher e ao escravo a mesma condigio porque nao possuem quem mande por natureza e a respectiva comunidade tomna-se na de um escravo e de uma escrava. Por isso, como dizem os poetas, assumindo que birbaro ¢ escrava sao idénticos por natureza, “é justo que os gregos deveriam dominar os barbaros”. (°) Assim, foi destas duas comunidades que a familia surgiu primeiro, ¢ Hosiodo esté certo a0 dizer na sua poesia “a casa primeiro que tudo, mulher ¢ boi para 0 arado” (8); com efeito, 0 boi € 0 servo do homem pobre. Assim, a familia é uma comunidade formada de acordo com a natureza para satisfazer as necessidades quotidianas; e aos seus membros chama Carondas “companheiros de messe” e Epiménides de Creta, “comensais”. 30 1252 10 5 Por outro lado, a aldeia é a primeira coraunidade formada por varias familias para satisfagdo de caréncias além das necessidades diéries. A aldeia parece ser por natureza ¢ no mais elevado grau, uma colénia de lares; segundo alguns autores, os seus membros sao filhos do mesmo leite, e filhos dos filhos. Esta é a razo pela qual as cidades foram primeiro governadas por reis como o so ainda hoje as tribos; porque cidades ¢ tribos resultaram da unido de individuos submetidos ao dominio régio. Tal como toda a familia esté sob o dominio do membro mais velho, assim também sucede nas colénias devido ao parentesco entre 0s seus membros, E 0 que diz Homero: “Cada um dita a lei aos filhos e ds mulheres” () visto que fos Ciclopes] viviam dispersos em tempos remotos. Por esta razio, também, todos os homens dizem que os deuses sto governados por um rei, porque os proprios homens foram originariamente governados por reis e alguns ainda o sao. Tal como os homens modelam os deuses & sua imagem, também Ihes atribuem um modo de vida. A cidade, enfim, é uma comunidade completa, formada a partir de varias aldeias e que, por assim dizer, atinge 0 maximo de auto-suficién- cia. (*) Formada a principio para preservar a vida, a cidade subsiste para assegurar a vida boa. (*) E por isso que toda a cidade existe por natureza, se as comunidades primeiras assim 0 foram. A cidade é 0 fim destas, ¢ a natureza de uma coisa é 0 seu fim, j4 que, sempre que o processo de génese de uma coisa se encontre completo, é a isso que chamamos a sua natureza, seja de um homem, de um cavalo, ou de uma casa. Além disso, 2 causa final, o fim de uma coisa, é 0 seu melhor bem, ¢ a auto-suficiéncia é, simultaneamente, um fim ¢ © melhor dos bens. Estas consideragdes evidenciam que uma cidade & uma daquelas coisas que existem por natureza © que-o homem &, por natureza, um ser vivo politico. (") Aquele que, por natureza e nfo por acaso, nao tiver 20 25 30 1253a 53 j | i cidade, sera um ser decaido ou sobre-humano, tal como o homem con- denado por Homero como “sem familia, nem lei, nem lar” ("); porque aquele que é assim por natureza, esté, além do mais, sedento de ir para a guerra, e & compardvel & pega isolada: de um jogo. () A razio pela qual o homem, mais do que uma abelha ou um animal gregario, é um set vivo politico em sentido pleno, é ébvia. A natureza, conforme dizemos, nao faz nada ao desbarato, e s6 o homem, de entre todos os seres vivos, possui a palavra. Assit , enquanto a voz indica prazer ou sofrimento, ¢ nesse sentido é também atributo de outros animais (caja natureza também atinge sensagGes de dor e de prazer e ¢ capaz de as indicar) 0 discurso, por outro lado, serve para tomar claro 0 titil eo prejudicial e, por conseguinte, 0 justo e 0 injusto. E que, perante os outros seres vivos, o homem tem as suas peculiariedades: s6 ele sente 0 bem ¢ omal, o justo ¢ 0 injusto; é a comunidade destes sentimentos que produz a familia ¢ a cidade. AAlém disso, a cidade é por natureza anterior familia e a cada um de nés, individualmente considerado; € que 0 todo 6, necessari- amente, anterior parte, Se 0 corpo como um todo é destruido, nao havera nem pé nem mio, excepto por homonimia ('), no sentido em que falamos de uma mao feita de pedra: uma mio deste género ser uma mio morta; tudo é definido segundo a sua capacidade ou fungao. Ora, todas as coisas definem-se pela sua funcao e pelas suas facul- dades; quando ja néo se encontram operantes nao devemos afirmar que so a mesma coisa, mas apenas que tem o mesmo nome. E evidente que a dade 6, por natureza, anterior ao individuo, porque se um individuo separado nao € auto-suficiente, permaneceré em relagio 4 cidade como as partes em relagdo ao todo. Quem for incapaz de se associar ou que ndo sente essa necessidade por causa da sua auto- ~suficiéncia, nfic faz parte de qualquer cidade, ¢ seré um bicho ou um deus, E decerto natural a tendéncia que existe em todos os homens para formar uma comunidade deste género, mas quem primeiro a estabeleceu foi causa de grandes beneficios. Tal como o homem é 0 melhor dos 10 15 20 25 30 55 animais quando atinge o seu pleno desenvolvimento, do mesmo modo, quando afastado da lei e da justiga, seré 0 pior. A injustiga armada é, efectivamente, a mais perigosa; 0 homem nasceu com armas que devem servir a sabedoria pratica a virtade (*) mas que também podem ser usadas para fins absolutamente opostos. E por isso que o homem sem virtude é a criatura mais impia e selvagem, e a mais grosseira de todas no que diz respeito aos prazeres do sexo € da alimentagao. (¥) A justica é propria da cidade, j que a justiga é a ordem da comunidade de cidadios € consiste no discernimento do que € justo. ('*) 3. A economia e as suas partes. Teoria da escravatura. Agora que é claro quais as partes que compéem a cidade, é fundamental fala: da administracdo da casa em primeiro lugar, ja que toda a cidade é composta por varias familias, A administrago da casa divide- se em tantas partes quantos os membros que formam a propria familia que, desde que completa, é constitufda por escravos e homens livres. Mas como temos de investigar cada coisa na sua altura prépria, a partir dos elementos mais pequenos; ¢ como as primeiras ¢ mais pequenas partes da familia so senhor e escravo, marido ¢ mulher, pai filhos, teremos de examinar 0 que é cada uma destas trés relagdes ¢ 0 que ela deveria ser, a saber: a capacidade de ser senhor, “de ser marido” (no existe termo proprio para a unigo de um homem com uma mulher) ¢.a capa- cidade de procriar (que também no possui um nome proprio). Admitamos estas trés relagdes mencionadas. Ha ainda um outro elemento que seguado alguns, se confunde com a administrago da casa e que, segundo outros, até constitui a sua parte mais importante. A nossa tarefa consiste em considerar 0 papel do que é chamado ‘a arte de adquirir bens’. ("") Em primeiro lugar tratemos do senhor e do escravo ("), a fim de indagar as necessidades indispensdveis da existéncia e, simultaneamente, saber se podemos alcangar sobre tal relago um conhecimento mais exacto do que é corrente. Alguns supdem que o officio de senhor é uma ciéncia & 35 1253 10 5 57 1, Definigiio de cidadio. No que se refere aos regimes politicos, quem examinar o que eles so ¢ quais os atributos de cada qual, a primeira questio 2 colocar, 30 relativamente 4 cidade, teré de ser “o que é a cidade?” (') Em primeiro lugar, a natureza da cidade é, hoje em dia, uma questio disputada, Enquanto uns afirmam que foi a cidade que praticou este ou aquele acto, outros afirmam que nio foi a cidade, mas sim a oligarquia ou 0 tirano, Por outro lado, vemos que toda a actividade do politico e 35 do legislador esti obviamente relacionada com a cidade. Em suma, um regime politico resulta de um certo modo de ordenar os habitantes da cidade. A cidade é, pois, uma realidade composta, da mesma maneira que © sio todas as outras coisas que, ndo obstante possuirem diferentes partes, formam um todo compasto (*). Toma-se evidente, portanto, que devemos ‘comegar por orientar 0 nosso estudo para o cidado, visto que uma cidade 12753 &, por assim dizer, um composto de cidadios. Nesse sentido, cabe-nos considerar, entio, quem deveria ser chamado cidadio, ¢ 0 que é um cidadio. Quem € cidadao é uma questio frequentemente disputada (°). Nao hi acordo geral, de facto, em torno de uma definigdo unica de cidadio, pois o homem que é tido por cidadio numa democracia, muitas vezes nfo © numa oligarquia. Deixando de parte os que se tornam cidadios a titulo excepcional, 5 como acontece com os cidadios naturalizados, diremos que nenhum ividuo ¢ cidadio so porque habita num determinado lugar, pois, tal como 0s cidadios, também os metecos e 0s escravos possuem um local para habitar. Nem pode © nome de cidadio, ser dado aqueles que partilham os mesmos direitos civicos, ¢ apenas porque Ihes é consagrado © dircito de acusar ou de se defender em tribunal, visto que tal direito é atribuido, também, a todos os estrangeiros que dele gozam em virtude de um 10 tratado(*) (existem, aliés, muitos lugares onde os metecos residentes, 185 S660 64466 625002 —| no podendo sequer gozar desse direito em toda a sua plenitude, véem- se constrangidos a escolher um patrono local, pelo que, s6 limitadamente, participam na comunidade). De tais casos poder-se-4 afirmar que so cidadaos de modo imperfeito, tal como criangas demasiado jovens para se inscrever como cidadis, ¢ os ancifios ja dispensados de exercer fincBes civicas, Uns e outros podem ser considerados cidadios de algum modo, mas nao no sentido absoluto do termo. Assim sendo, poderemos consi- derar os primeitos como cidadios incompletos, e os segundos como cidadios eméritos, ov entdo admitir qualquer outra designacao dado que ndo importa o termo exacto, pois o que dissemos é suficientemente claro. Procuramos definir 0 cidadao em absoluto, ou seja, aquele cidadio que ndo & desqualificado por nenhuma das deficiéncias que ja vimos, ¢ cuja designagao exige um correctivo; o mesmo tipo de problemas podem ser levantados ¢ resolvidos, tanto em relaco aos destituidos de cidada- nia) como aos condenados ao exilio. Ora, nao hé melhor critério para definir 0 que ¢ 0 cidadao, em sentido estrito, do que entender a cidadania como capacidade de participar na administragao da justica ¢ no governo. De entre os cargos de magis- trados, uns so Himitados em relagdo ao tempo, de tal modo que nao podem, em caso algum, ser desempenhados duas vezes pelo mesmo titular (ou, entdo, este pode desempenhé-lo uma segunda vez, mas depois de um determinado intervalo de tempo); a0 paso que outros ja ndo tém limite de tempo, tal como acontece, por exemplo, com o cargo de juiz ou de membro da assembleia. Talvez se possa objectar, ainda assim, que os juizes ¢ os membros da assembleia no sto detentores de cargos piblicos nem participam no governo da cidade. Todavia, seria ridiculo excluir da categoria de magis- trados cidados com uma autoridade suprema; néo insistamos, porém, nesta questo porque é apenas um problema de termos, nfo existindo denominagao para o que é comum ao juiz ¢ ao membro da assembleia. Come designé-los, entio, conjuntamente? ‘Atribuamos a ambos, para os distinguir dos governantes, o nome de ‘magistratura indefinida’, Podemos estabelecer que siéo cidadios todos aqueles que participam desta magistratura. F esta a definigZo que melhor se adapta a quem se atribui o nome de cidadao. ‘Ainda assim, ndo devemos esquecer que as coisas cujos substratos apresentam diferengas éspecificas (podendo um surgir em primeiro higar, outro em segundo, ¢ assim por diante), ou nada possuem em comur, enquanto tais, ou pouco tém em comum. 1S 20 5 30 187 | | Posto isto, as constituigdes diferem especificamente entre si, sendo umas inferiores ¢ outras superiores. Com effito, as constituigdes defei- tmosas ¢ transviadas (mais tarde explicaremos em que sentido podemos usar o termo ‘transviadas’), siio necessariamente inferiores as isentas de defeitos. Daqui se segue que também o cidadio difere, necessariamente, em cada regime. E por isso a nossa definigio de cidadao é, sobretudo, a do cidaddo num regime democratico. Nos demais regimes é possivel aplicar tal definigdo, mas nao necessariamente. Nalgumas cidades, 0 povo néo tem fungdes: nfo se instituem assembleias regulares mas apenas se convocam pontuaimente conselhos, sendo as decisdes judiciais atribuidas a juizes especificos. Assim sucede, por exemplo, em Esparta, onde os éforos julgam as querelas sobre contratos, os gerontes julgam os homicidios, € 08 restantes magistrados julgam os demais processos. Em Cartago, deter- minados magistrados julgam todos os processos. A nossa definicio de cidadio pode ser ainda mais apurada, Convém notar que, em constituigoes néio demoeriticas, nfo é 0 magistrado de “estatuto indeterminado” que exerce cargos na assembleia e nos tribunais mas sim 0 magistrado com competéncias determinadas; ou a todos, ou a alguns destes magistrados, 6 concedido o poder de deliberar e julgar sobre todas as questées ou sobre algumas. A natureza da cidadania decorre, de modo evidente, destas consi- deragdes. Chamamos cidadao Aquele que tem o direito de participar nos cargos deliberativos ¢ judiciais da cidade. Consideramos cidade, em resumo, 0 conjunto de cidadios suficiente para viver em autarquia (*). 2. Continnagio da definic&o do cidada Costuma definir-se como cidadio aquele cujo pai e cuja mile sfo ambos cidadios (’) e nao apenas um dos progenitores. Outros levam mais 12756 10 15 20 189 longe esta exigéncia, defendendo que a condicao de cidadania requer duas, trés, ou mais geragdes de ascendentes (*). Perante tal definic&o concisa ¢ de alcance politico, alguns interro- gam-se como pode um cidadio nascido na terceira ou quarta geragiio tomnar-se ele proprio um cidadio. Reconhecendo o embarago, mas recorrendo a ironia, disse Gérgias de Leontinos: “da mesma forma que sao vasos os vasos produzidos pelos fabricantes de vasos, assim também sao Larissios os cidadaos fabricados pelos magistrados de Larissa, dado que alguns destes fabricam Larissios” (). Na realidade, o problema é bem mais simples; de acordo com a definigiio de cidadania que propuscmos, se esses antepassados participavam no exereicio das magistraturas, entiio eam realmente cida- daos, na medida em que o critério de cidadania, segundo o qual alguém é cidadio quando “nascido de pai ou mae cidadios”, nunca poderia ser aplicado aos primeiros habitantes de uma cidade ou seus fundadores. ‘Uma dificuldade mais grave surge, talvez, a propésito dos que adquiriram direitos de cidadania apés uma mudanga de regime. Foi o que sucedeu em Atenas, quando Clistenes, depois da expulsao dos tiranos ("), integrou nas varias tribos muitos estrangeiros e escravos domicilidrios. A dificuldade nesta questio nfo é sobre quem € ou ndo cidadio, mas sobretudo se o € com causa justa ow injusta ("). A par desta objecgao, pode ser suscitado ainda o seguinte problema: admitindo que “injusto” ¢ “falso” se equivalem, poder-se-4 considerar cidadao aquele que se tormou cidadao de modo injusto? Mas posto que vemos alguns governar de modo injusto, e mesmo assim reconhecemos que so magistrados (apesar de nio governarem com justiga); e posto que a cidadania se define como exercicio de uma magistratura (com efeito, dissemos que cidadao era todo o que participa numa magistratura inde- finida), entio parece evidente que devemos considerar cidaddos mesmo aqueles que, injustamente, adquiriram tal estatuto. 3. Definigdo de cidade. A questo de saber se a cidadania € concedida de modo justo ou injusto esté relacionada com um debate j4 referido, Alguns interrogam-se quando um determinado acto pode ou nfo ser considerado um acto da propria cidade. Por exemplo, quando se passa de uma oligarquia ou tirania 30 35 1276 191 para uma democracia, surgem os que se recusam a cumprir contratos anteriores (12), argumentando que nao foi a cidade mas sim o tirano que 0s celebrou; também recusam outras obrigagdes da mesma natureza, alegando que alguns regimes assentam na fora, ¢ ndo no interesse comum, E no caso das democracias que esto na mesma situagdo, os actos do regime so actos da cidade, tal como os actos da oligarquia ou tirania. Esta questo parece relacionada com a seguinte dificuldade: a que prinefpio, afinal, devemos recorrer para afirmar que uma cidade mantém, ou ndo, a identidade anterior ou adquire uma outra identidade? © modo mais dbvio de suprir esta dificuldade é atender apenas 20 territério e & populagéo. Pode suceder que 0 texzitério e a populacio tenham sido separados, habitando uns num lugar e outros noutro. Esta dificuldade nao é grave e pode ser facilmente resolvida se nos lembrarmos que a palavra “cidade” & utilizada em muitos sentidos (*). A questiio permanece a propésito dos habitantes de um mesmo territério: quando pode a cidade ser considerada una? Ndo 0 sera certamente devido as muralhas, pois terfamos de circunder todo 0 Peloponeso com uma tinica muralha ("*), Tal era 0 caso de Babilénia, e de todas as povoagies que encerram nos seus limites um povo, mais do que propriamente uma cidade. Consta que dois dias apés a captura de Babil6nia, ainda havia uma parte da populagio que nfo se apercebera do facto ("¥). O estudo desta dificuldade seré remetido para uma outra ocasifio. O politico no deve esquecer a questio das dimensées da cidade, e se ha interesse em ser constituida por uma ou mais etnias. E no caso de ser a mesma populagdo a habitar 0 mesmo territério, dir-se-4 que a cidade mantém a sua identidade, enquanto for habitada pela mesma raga, apesar da sucessao continua de nascimentos e dbitos, da mesma forma que dizemos que 0s rios e as fontes tém identidade apesar do nascimento ¢ fluxo constante de aguas? ("*) Ou, pelo contrério, devemos dizer que a 10 15 20 30 35 193 —4 populagdo permanece idéntica, pelas razies jé apontadas, mas que a cidade € outra? Se a cidade é uma forma de comunidade (¢ uma comunidade de cidadios num regime) quando se altera a forma de governo, ficando diferente do que estava, parece forgoso que a cidade deixe de ser a mesma, tal como dizemos de um coro que é uma coisa quando € cémico e € outra quando ¢ trégico, apesar de os seus membros permanecerem os mesmos. Também dizemos que uma comunidade ou unidade composta & distinta, quando nmuda a forma da sua composigéo(). A harmonia composta pelas mesmas notas seré diferente consoante o modo seja dézio ou frigio. Se este é 0 caso, & Sbvio que o critério para determinar a iden- tidade da cidade € 0 critério de regime, podendo-se-lhe atribuir um nome idéntico ou outro nome, quer tenha os mesmos habitantes ou outros total- mente diferentes. No que se refere a0 dever de cumprir ou néo as obrigagGes contraidas, quando a cidade muda de regime, é uma outra questio. 4. As virtudes do homem bom e do bom cidadao. Em continuidade com o que foi discutido, devemos considerar se a virtude de um homem bom e a de um bom cidadio séo idénticas ou diferentes. Se esta questo tem de ser investigada, devemos comegar por desorever a virtude do cidadio de uma maneira suméria. ‘Assim como o marinheiro é um membro de ume comunidade, assim é 0 cidadio, Os marinheiros diferem uns dos outros em virtude das diferentes tarefas: um é remador, outro € piloto, outro vigia; e outros terao, ainda, outros nomes semelhantes. Sendo este 0 caso, é claro que a definigaio mais exacta da virtude de cada marinheiro sera especifica do individuo em questo; mas também é evidente que uma definigao comm de virtude se aplica a todos, na medida em que a navegagdo segura é um’ objectivo comum que todos 40 1276 0 15 20 195 ws devem cumprir e que cada um deseja. Analogamente quanto aos cidadfos: ainda que sejam desiguais, tém uma tarefa comum que é a seguranga da comunidade. Ora como a comunidade é o regime politico, a virtude do cidado deve necessariamente ser relativa ao regime. Posto que hi diferentes modalidades de regime, nfo pode existir uma tinica virtude perfeita do bom cidadao. Mas 0 homem bom é chamado ‘bom’ devido a uma virtude tinica, a virtude perfeita. E claro, pois, que é possivel ser um bom. cidadio sem possuir a virtude que é a qualidade do homem bom (") Podemos chegar & mesma conclusdo de outro modo (1%), discutindo a questdo na perspectiva do regime melhor. E impossivel que uma cidade se componha inteiramente de homens bons; no entanto, cada cidadio deve cumprir bem a fung#o que Ihe compete ¢ & nisso que consiste a sua virtude. Por outro lado, como também ¢ impossivel que todos os cidadaos sejam iguais, a virtude do cidadao nfo pode ser idéntica a do homem bom. A virtude do bom cidadio deve pertencer a todos porque é esta a condigio necesséria para a cidade ser a melhor; mas, por outro Jado, a virtude do homem bom nio pode pertencer a todos, j4 que no & necessirio que sejam homens bons os cidadios que vivem na cidade perfeita, tanto mais que a cidade & composta por elementos distintos. Assim como um ser vivo € composto de corpo e alma; ¢ a alma de razio ¢ de desejo (""); ¢ a casa de homem ¢ de mulher; ¢ a propriedade de senhor e de escravo; também a cidade € composta por estes elementos ¢ ainda por outros diferentes. Daqui segue-se que ndo pode existir uma virtude idéntica em todos os ¢idadios, assim como nao pode haver uma s6 virtude comum ao corifeu © 20s seus coreutas. E, pois, claro que a virtude do bom cidadao ¢ a do homem bom no sao absolutamente idénticas. Mas poder coincidir em alguém a virtude do bom cidadao e a do homem bom? Nés chamamos homem 30 38 40 127fa 10 197 bom ¢ prudente (*) ao governante responsével e dizemos que o politico deve ser prudente @). Na verdade, alguas sustentam que a preparagio do governante deveria ser especifica; por isso vemos que os filhos dos reis sic educados na equitagdo ¢ na arte da guerra. Como escreve Euripides, supondo que existe educagao especial para o govemnante: “Para mim nada de requin- tes, mas apenas os Saberes que a cidade precisa” (). Se a virmde do govenante é idéntice 4 do homem bom mas se 0 governado também é cidadio, segue-se que a virtude do bom cidadio nfo pode ser idéntica 4 do homem bom, excepto em certos casos. A virtude do cidadio comum ¢ diferente da do govemnante; e talvez Por isso disse Jasiio que “tive fome todas as vezes que ndo fui tiva- no” (*), querendo dizer que nio sabia viver como simples particillar. Por outro lado, louva-se a capacidade de mandar e ser mandado, ¢ a virtude de um cidadao digno parece consistir em bem mandar e em ser bem mandado. Se afirmamos que a virtude do homem bom é a de mandar, enquanto a do bom cidadio é a de mandar e obedecer, as duas virtudes nao podem louvadas do mesmo modo. Se governante ¢ governado, segundo parece, devem adquirir conhe- cimentos distintos, e no os mesmos, ¢ se o cidadéo deve adquirir ¢ partilhar ambos, a consequéncia & ébvia. Existe uma autoridade propria do senhor e com isto queremos dizer a autoridade que se exerce nos servigos indispensdveis. Quem manda nio precisa de saber fazer mas apenas de saber utilizar: a outra capacidade tem um caricter servil e por ‘outra’ entendo a aptidao de realizar tarefas servis. Dizemos que existem varios tipos de servigos, pois hd muitas tarefas a executar. Uma destas formas de servico é a dos trabalhadores manuais. Este servigo, como o seu proprio nome indica, & feito por homens que vive do trabalho com as suas méos, classe a que pertencem 15 25 30 35 08 artesios. Esta € a azo pela qual, em algumas cidades, os artesos 1277 199 eram excluidos dos cargos politicos, até surgir a forma extrema de democracia. © homem bom, o politico ¢ © bom cidaddo nfo devem aprender as tarefas desermpenhadas pelos subordinados, excepto em ordem a satis- fazer necessidades pessoais; nesse caso, deixaria de existir senhor de um lado € escravo do outro (#). Pxiste, todavia, uma autoridade que governa os que tém a mesma origem ¢ os que sio livres. E a esta autoridade que podemos chamar ‘politica’ (7) ¢ este € 0 género de autoridade que o governante deve comegar por aprender, sendo governado, tal como se aprende a ser comandante de cavalaria servindo sob outro comandante, e a ser general de infantaria servindo sob outro general como comandante de regimento ou de companhia (”). Por isso é boa maxima afirmar que “ndo pode mandar bem quem nunca obedeceu" (*). Governante e governado tém virtudes diferentes; enquanto 0 born cidadao deve saber ¢ poder governar assim como ser governado, a virnude do cidadio consiste em reconheoer a autoridade dos homens livres, sob os dois pontos de vista. Estas duas aptiddes sao proprias do homem bom (*); e se a tem- peranga ¢ a justica adquirem formas especificas no govenante (porque a temperanga ¢ a justia do cidadao governado mas livre sto de espécie diferente) é evidente que a virtude do homem bom, por exemplo, a sua justiga, no sera apenas de um género, mas de diferentes: um género que Ihe serve para agir como governante ¢ outro que Ihe serve para agit como governado. A temperanga ¢ a coragem também sio diferentes no homem, na rovlher; um homem julgar-se-ia cobarde se a sua coragem fosse somente a mesma de uma mulher corajosa; € setig considerada loquaz uma mulher cuja reserva na conversagdo nao fosse superior ao de um homem bom, Em casa, um homem tem uma fungao diferente da mulher; aquele tem a fungiio de adquirir, esta a de conservar. A prudéncia & a \inica virtude peculiar ao governante. As outras formas parecem pertencer tanto aos governantes como aos governados. A virtude peculiar aos governados nio pode ser a pradéncia, mas sim a opinifo verdadeira () 10 15 20 3 201 Os govemados podem ser comparados aos fabricantes de flautas © os govemantes aos tocadores. Estas considerag6es mostram se a virtude do homem bom e a do bom cidadao so idénticas, ou diferentes, ¢ em que sentido so idénticas ou diferem. 5. A classe dos artesiios na cidade melhor. Ainda hé a questio que permanece por considerar em relago a0 cidadio. B verdadeiramente cidadio aquele que pode partilhar do poder, ou devem os trabalhadores manuais ser incluidos entre os cidadios? (") Se considerarmos cidadaos os que néo participam nas magistraturas, nao & possivel que a virtude do bom cidado pertenga a todos porque sen’io todos seriam cidadaos ¢, com efeito, 0 trabalhador manual ¢ um cida- éfo(*). E se nenhum deles for cidadéo, em que classe devem ser incluidos? Com efeito, nao sao nem metecos nem estrangeiros € to pouco escravos € libertos que pertengam a qualquer das classes mencionadas. A verdade é que ndo podemos considerar cidadiios todos os que sio indispensaveis 4 existéncia da cidade. As criangas ndo sao cida- dios no mesmo sentido que os adultos. Os adultos séo absolutamen- te cidadaos; as oriangas s&io condicionalmente cidadaos mas imperfei- tos. Em tempos remotos ¢ em certos lugares, os trabalhadores manuais cram esoravos ¢ estrangeiros ¢ continuam a sé-lo, hoje, na sua maioria. A cidade mais perfeita nao faré do trabalhador manual um cidadao. Caso © admitir como tal, a definigto de virmde civica, de que jé falimos, nlio alcanga todos os cidadios, nem apenas os homens livres, mas s6 os que estiio isentos de trabalhos indispensaveis 4 sobrevivéncia. Destes, os que esto a servigo de um s6 individuo, so escravos; os que serve a co- munidade, so trabalhadores manuais ou trabalbadores nao qualificados. 30 35 1278a 10 203

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