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681/2006
Inquérito Civil n.º 14.161.446/06-1
Promotoria de Justiça do Consumidor
Representantes: Comissão de Representantes do Empreendimento
Residencial Edifício “Torres da Mooca” e outros
Representados: Diretoria e membros do Conselho Fiscal da Cooperativa
Habitacional dos Bancários de São Paulo Ltda. - BANCOOP
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do Estatuto da Cooperativa) de todos os cooperados para as
assembléias, de tal sorte que todas as decisões sempre foram
tomadas com base em menos de 10% dos cooperados; (iv) na
não-construção de imóveis em vários empreendimentos e
paralisação das obras em outros; (v) na exigência do
pagamento de diferenças, a título de reforço de caixa e
apuração final dos empreendimentos, sem a devida
demonstração de sua necessidade, de modo a elevar
sobremaneira o preço final dos imóveis, tornando-os
compatíveis ou superiores aos preços de mercado; (vi) na fusão
das contas de todos os empreendimentos (cerca de cinqüenta)
em uma só conta, de molde a dificultar ou inibir a prestação de
contas dos recursos obtidos em cada um dos
empreendimentos, decorrentes do recebimento das
mensalidades pagas pelos cooperados; e (vii) repasse de
unidades residenciais a construtoras, que não podiam associar-
se à cooperativa, a título de pagamento de serviços por elas
prestados à própria cooperativa – Hipótese de cooperativa
aparente ou de “fachada” - Embora tenha sido constituída como
cooperativa, de há muito apenas aparenta ser uma cooperativa,
uma vez que, na realidade, vem atuando no mercado como
uma empresa incorporadora ou vendedora de imóveis,
desvirtuando, assim, o propósito de uma verdadeira cooperativa
habitacional, que deve ser o de uma associação de pessoas
que se organizam com o objetivo de se ajudarem mutuamente,
com prestação de serviços aos seus associados-cooperados,
suscetíveis de resultar na construção de imóveis a preços
inferiores aos de mercado, de modo a atender às necessidades
de todos quantos individualmente (ou seja, sem associar-se na
forma de cooperativa) não podem realizar o objetivo de adquirir
a casa própria – Aplicação, na espécie, da teoria da aparência
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jurídica, tida pela doutrina e jurisprudência, nacionais e
alienígenas, como um princípio que visa à proteção da
confiança de terceiros de boa-fé (boa-fé subjetiva ou boa-fé
crença), que acreditaram na aparência criada pelo
comportamento de outrem – No caso concreto, tal
comportamento consistiu na criação, pelo corpo diretivo da
cooperativa, da aparência de uma verdadeira cooperativa para
as pessoas que nela ingressaram de boa-fé e foram, por isso,
iludidas e prejudicadas – Os dirigentes da cooperativa atuaram
como se fossem fornecedores de produtos ou serviços, nos
moldes do art. 3.º do CDC, promovendo, de forma disfarçada, a
venda de unidades residenciais aos cooperados, ilaqueados em
sua boa-fé, os quais, assim, devem ser tratados como
consumidores, nos termos do art. 2.º, caput, do CDC –
Aplicabilidade, por decorrência lógica, das normas de proteção
dos consumidores aos cooperados, previstas no CDC –
Incidência da doutrina ou teoria do “diálogo das fontes”, que, in
casu, se traduz na aplicação coordenada do Código Civil, da
Lei do Cooperativismo e do Código de Defesa do Consumidor,
numa relação harmônica de complementaridade e
subsidiariedade – Aplicação essa que favorece os cooperados
(favor debilis), indiscutivelmente vulneráveis na relação
estabelecida com o Órgão de Administração da cooperativa, de
modo a justificar-se a aplicação das regras e dos princípios do
CDC – Rejeição da promoção de arquivamento do inquérito
civil, para o fim de ajuizamento de ação civil pública em face da
cooperativa e de seus dirigentes.
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VOTO
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Ltda. e Master Fish Psicultura e Lazer Ltda., com a participação do então
presidente da Cooperativa, e outras empresas (Empreendimento
Planejamento, Assessoria e Participações; Vídeo Temple Ltda. Me;
Conservix Limpeza e Serviços Ltda., etc.), com a participação de
membros do corpo diretivo e do Conselho Fiscal.
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cotistas seniores um retorno equivalente ao rendimento do IGP-M/FGV,
mais um spread ou sobretaxa de 12,5% ao ano. Afiançou-se que, caso
houvesse descasamentos potenciais entre os ativos de crédito (contratos
atualizados monetariamente pelo índice CUB/SINDUSCON, sem qualquer
incidência de juros, durante a fase de obras) e o rendimento alvo das
cotas do fundo (IGP-M/FGV mais uma sobretaxa de 12,5% ao ano), a
cooperativa cobriria o investimento dos cotistas. Tal operação, no
mercado financeiro, captou 43 milhões de reais. Esse fundo foi criado em
afronta à Lei n.º 5.764/1971 e ao Estatuto da Cooperativa, pois estes
proíbem esse tipo de operação financeira. Os cooperados do Edifício
“Torres da Mooca”, sem terem dado consentimento à realização da
mencionada operação financeira na Bolsa de Valores de São Paulo,
suportaram o pagamento de R$ 163.627,03, sendo R$ 140.723,41 em
julho de 2005 e R$ 22.903,62 em agosto do mesmo ano, de modo a
serem “vítimas de um grande engodo, engendrado pelos dirigentes da
cooperativa”; (iv) a cooperativa não apresenta isenção política,
conforme exige o artigo 4.º, inciso IX, da Lei das Cooperativas, em virtude
de: ter sido fundada pelo então Diretor Nacional do Partido dos
Trabalhadores, Ricardo José Ribeiro Berzoini; o ex-presidente da
cooperativa (de 1996 a 2004), Luiz Eduardo Saeger Malheiro, já falecido,
ter sido presidente do Partido dos Trabalhadores na cidade de Praia
Grande, São Paulo, e candidato, no ano de 2004, a vice-prefeito da
mesma cidade, pela coligação PT, PRB e outros partidos; o atual
presidente da cooperativa, João Vaccari Neto, ter uma vida pública
extensa e ligada diretamente ao Partido dos Trabalhadores, sendo o
segundo suplente na chapa que elegeu Aloísio Mercadante senador de
São Paulo pelo PT. Demais, embora tenha sido conduzido ao cargo de
presidente da cooperativa após o falecimento de Luiz Malheiro, sempre
esteve ligado à direção da cooperativa, ora como conselheiro fiscal ou
administrativo, ora como membro da diretoria. Esse envolvimento político
levou à publicação de matéria na Revista Época, edição n.º 376, de
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agosto de 2005, intitulada “Cooperativa dos companheiros – Sindicalistas
controlam a segunda maior incorporadora de imóveis de São Paulo”;
dessa reportagem consta que a BANCOOP “foi criada (...) pelo presidente
do Sindicato dos Bancários de São Paulo (...) mas cresceu muito além de
seu objetivo inicial. A cooperativa dos sindicalistas virou uma potência
empresarial. Hoje (...) não atende só bancários. Tem 15 mil cooperados,
movimenta R$ 150 milhões por ano (...) De acordo com a Amaral D’Ávila
Engenharia de Avaliações, a cooperativa dos bancários virou a segunda
maior incorporadora de São Paulo (...) Ao passar o chapéu no mercado,
a BANCOOP conseguiu R$ 43 milhões. Desse total, mais da metade veio
dos fundos de pensão de empresas estatais. A PETROS, dos funcionários
da Petrobrás, foi a primeira a apostar no produto e aplicou R$ 10,6
milhões – um quarto do total. A FUNCEF (empregados da Caixa
Econômica Federal) entrou com R$ 11 milhões e a PREVI (Banco do
Brasil) deu mais R$ 5 milhões. Outros quatro fundos de pensão estatais,
de menor porte, também compraram cotas do fundo da BANCOOP.
Fundos privados respondem pelo resto do investimento. Os grandes
fundos de pensão estatais são dirigidos por sindicalistas. Wagner
Pinheiro, da PETROS, e Sérgio Rosa, da PREVI, foram inclusive diretores
do Sindicato dos Bancários. O presidente da FUNCEF, Guilherme
Lacerda, é militante histórico do PT. Com ou sem dinheiro dos fundos, a
BANCOOP cresce num ritmo espantoso e é a menina-dos-olhos do
movimento sindical. Em 2004, lançou 52% mais imóveis do que em 2003.
O mercado caiu 15%. A BANCOOP tem obras em andamento no valor de
R$ 420 milhões”; (v) ausência de adequada convocação para as
assembléias e aprovação de contas. Com efeito, a direção da
cooperativa não envia aos cooperados carta de convocação para as
assembléias gerais e extraordinárias. Em virtude da ausência de
informação ou informação insuficiente, os cooperados não
comparecem às assembléias, de modo a não votarem. As decisões, em
sua grande maioria, são tomadas pelos votos dos presentes, que não
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correspondem a 10% (dez por cento) do número de associados da
cooperativa, de tal forma que os assuntos principais não acabam
sendo votados pela maioria dos cooperados, o que fez com que, em
várias oportunidades, fossem lesados. A aprovação das contas não passa
de mero cumprimento de protocolo, porquanto os cooperados não têm
acesso aos processos de licitação, contratos, comprovantes de despesas,
etc.; (vi) os documentos, reportagens e jornais da própria cooperativa
evidenciam que ela não se enquadra mais no regime jurídico de
cooperativa; os aportes financeiros atualmente exigidos de diversos
empreendimentos (chamados de seções) demonstram que a BANCOOP
pratica preços de mercado (cf. laudos anexados aos autos), com
indisfarçável intenção de lucro. Sob a justificativa de estar autorizada,
pela cláusula 16.ª do Termo de Adesão e Compromisso de Participação, a
cobrar dos cooperados os valores devidos a título de apuração final, a
cooperativa “recebe reforço de caixa condizente com a estrutura
operacional das incorporadoras imobiliárias. Assim, utiliza o seguinte
estratagema (ato ardiloso): faz a captação de clientela (novos
cooperados) pela atratividade do preço (40% abaixo do preço de
mercado, em virtude de gozar de benefícios e incentivos fiscais) e, depois
de concluída a obra, repassa a diferença aos adquirentes das unidades
habitacionais, chamada de saldo residual, prevista contratualmente; (vii)
diversos membros do Corpo Diretivo e do Conselho Fiscal – que deveriam
zelar pelos interesses legítimos dos cooperados – atendem a inúmeros
interesses pessoais, uma vez que “além de serem beneficiários de
diversas vantagens econômicas (pagamento de prestação em condições
facilitadas, aquisição de várias unidades residenciais em diversos
empreendimentos, etc.), ainda constituíram diversas empresas, que
prestam serviços para a cooperativa”, como antes se mencionou.
8
atualmente, a uma incorporadora imobiliária, com fins lucrativos,
devendo, por isso, os seus dirigentes, responder pelos atos praticados,
para que seja restaurada a credibilidade e a segurança jurídica dos
negócios que realiza. Com efeito, “a BANCOOP, ao ter transgredido
inúmeros dispositivos legais e estatutários, desviando-se do regime
cooperativo, ficou descaracterizada por sua própria iniciativa, tendo
agido em inúmeras situações como uma sociedade empresária com fins
lucrativos, concorrendo com inúmeras incorporadoras imobiliárias”,
devendo, por isso, sujeitar-se integralmente à Lei n.º 4.591/1964. Devem,
assim, os dirigentes da cooperativa, proceder ao registro da incorporação
imobiliária, na forma da lei, a fim de que aqueles que pagaram
integralmente o preço previsto no contrato e anunciado no lançamento do
empreendimento possam obter as respectivas escrituras de suas
unidades residenciais.
1
Ensaio publicado na obra Promotorias de Justiça do Consumidor: atuação prática, Ministério
Público de São Paulo, 1997, p. 169 e ss. Tal estudo foi publicado, posteriormente, com o título
“Cooperativas Habitacionais e Algumas Considerações sobre Associações”, na Revista de
Direito Imobiliário, ano 22, n. 46, janeiro-junho de 1999, p. 134-182.
9
bem como não tiveram conhecimento das práticas abusivas do Corpo
Diretivo”.
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sócios os membros diretores da BANCOOP, de modo a se tornar
necessária a realização de uma perícia para constatação da área total
construída, materiais gastos, custo global da obra a ser concluída, etc.;
sem tal perícia, “é difícil para os Cooperados aceitarem os balanços e
despesas apresentados pelo Grupo Econômico do Corpo Diretivo da
BANCOOP”; (iv) “se forem exigidos dos cooperados valores iguais ou
superiores aos do mercado imobiliário, qual a vantagem de ter sido
cooperado? Qual a razão de terem firmado o Termo de Adesão? Onde
encontrar as premissas do cooperativismo?”; (v) a construção e a
prestação de serviços feitas pelas empresas dos dirigentes da
Cooperativa apresentam vícios de qualidade por inadequação e
insegurança; (vi) a BANCOOP não cumpriu as normas que regem a
habitação e urbanismo, especialmente o artigo 32 da Lei n.º 4.591/1964,
em virtude de haver lançado o empreendimento imobiliário sem ter a
aprovação do projeto na Prefeitura do Município de São Paulo e o registro
do memorial de incorporação imobiliária.
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4. Os representados defenderam-se argumentando, em
síntese, que: (i) a cooperativa foi constituída em 1996, por iniciativa do
Sindicato dos Bancários, tendo por finalidade propiciar aos cooperados a
construção de apartamentos a custos mais baixos que os de mercado; (ii)
as adesões à cooperativa se fizeram – e se fazem – pelo sistema de
preço de custo, pois não há finalidade de lucro; (iii) no lançamento de
cada obra é divulgado um custo estimado, estando fixada em contrato - e
na conformidade dos estatutos – cláusula de “apuração final”, segundo a
qual, ao final de cada obra, será apurada a diferença entre o custo
estimado e o realizado, promovendo-se o rateio das sobras ou perdas
verificados no cotejo. Como, atualmente, há saldo devedor, está sendo
exigido o rateio dessa perda dos cooperados; (iv) a cooperativa chegou a
ter 49 (quarenta e nove) empreendimentos em construções, dos quais já
foram entregues mais de cinco mil apartamentos, havendo cerca de três
mil em fase de construção; (v) a atual diretoria, sob a presidência de João
Vaccari Neto, constatou dificuldades na administração, decorrentes do
crescimento da cooperativa, e deliberou “profissionalizar” a gestão,
emprestando-lhe maior controle, eficiência e transparência, sendo
contratadas empresas para as áreas de planejamento construtivo,
engenharia e tecnologia e, também, organização administrativa e
financeira; (vi) os cooperados sempre foram informados sobre as
atividades da cooperativa, por meio de boletim mensal, sendo que as
convocações para as assembléias foram feitas mediante ampla
divulgação em jornal de grande circulação, afixação de circular na sede
da cooperativa, comunicação no portal eletrônico na Internet e publicação
no jornal Folha Bancária, por ser a maioria dos cooperados constituída
por bancários; (vii) foi comunicada, nas assembléias das seccionais (dos
empreendimentos), a existência de déficit a ser rateado entre os
cooperados, os quais, inconformados, reagiram de forma intensa e
agressiva; (viii) atualmente, há várias obras atrasadas, em virtude de
insuficiência de recursos, decorrente da mora e inadimplência dos
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próprios cooperados; (ix) não existiu nenhum superfaturamento nas
obras, estando toda a escrituração contábil à disposição dos interessados
em examiná-las.
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Para sustentar a ausência de relação de consumo, o
Doutor Cornacchioni parte do pressuposto de que, na fattispecie, se está
diante de uma autêntica cooperativa, constituída de acordo com os
ditames da Lei n.º 5.764/1971, e que vem atuando como tal desde a sua
origem, malgrado todas as irregularidades e práticas abusivas que lhe são
imputadas pelos autores das representações que justificam a presente
investigação. Não se trata, assim, das chamadas cooperativas “de
fachada” (simuladas), nas quais a relação entre elas e os cooperados tem
a natureza de relação de consumo, pois, em verdade, é uma relação
entre empresas incorporadoras (fornecedoras), disfarçadas de
cooperativas (para enganar os incautos), e consumidores dos produtos
por ela fornecidos (imóveis).
14
uma sociedade de pessoas, enquanto a sociedade empresarial é uma
sociedade por ações. Distinguem-se, ademais, pela finalidade social: as
sociedades empresariais visam a lucro, ao passo que a cooperativa não
tem finalidade lucrativa.
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A guisa de exemplo, aponta os seguintes remédios
jurídicos: (i) na ausência de regular convocação dos cooperados para as
assembléias gerais, qualquer um deles pode recorrer à via judicial para
obtê-las, ex art. 54 da Lei n.º 5.764/1971; (ii) os cooperados, reunidos em
assembléia geral, tem a opção de deliberar sobre a dissolução da
cooperativa (dissolução voluntária – art. 63, I, da L. 5.764/1971), com
subseqüente liquidação (art. 46 da L. 5.764/1971). Se não for promovida
voluntariamente, “a medida poderá ser tomada judicialmente, a pedido de
qualquer associado ou por iniciativa de órgão executivo federal” (art. 64
da L. 5.764/1971); (iii) o cooperado administrador ou fiscalizador pode ser
destituído do cargo, mediante deliberação dos cooperados em assembléia
geral (art. 33 da L. 5.764/1971), ou ser eliminado da própria associação
(art. 33 da L. 5.764/1971); (iv) ao lado dessas sanções, a gestão contrária
à lei e aos estatutos implica responsabilização dos administradores, a
título de dolo ou culpa, pelos prejuízos dela decorrentes (art. 49 da L.
5.764/1971), sendo concorrente e disjuntiva a legitimidade para tanto: da
própria cooperativa ou de qualquer cooperado, agindo isolada ou
conjuntamente com outros cooperados (art. 54 da L. 5.764/1971); (v) no
que tange à responsabilidade criminal, os administradores da cooperativa
respondem em condição equiparada, ex vi legis, à dos administradores
das sociedades anônimas (art. 53 da L. 5.764/1971).
16
De outra parte, a situação dos cooperados não é
homogênea, de modo a dificultar a atuação do Parquet. Com efeito,
conforme apurado no inquérito civil, não obstante existam seccionais que
apresentam déficit, a exigir a cobrança de resíduo, há outras que se
mostram superavitárias, a impor a divisão de sobras, nos termos do artigo
89 da Lei n.º 5.764/1971 e da denominada cláusula contratual (do termo
de adesão) de “apuração final”. Assim, “o universo dos cooperados da
Bancoop estará dividido entre os que terão valores a receber (rateio de
sobras) e os que haverão importâncias a desembolsar (rateio de perdas).
A estes o afastamento do regime de cooperativismo e anulação da
“apuração final” poderão ser mesmo interessante. Àqueles, porém,
certamente não o serão”.
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individuais homogêneos, não se afigura presente o requisito da relevância
social para a sua defesa pelo MP, por ausência de lesão expressiva para
a coletividade, como se dá nos casos em que há danos de massa, como
consta da Súmula n.º 7 do E. Conselho Superior do Ministério Público.
Esta é a baliza para a legitimação do Ministério Público para a defesa de
interesses individuais homogêneos. Nenhum de seus requisitos, dentre
eles a “extraordinária dispersão de lesados” (existem cerca de três mil
apartamentos ainda em construção, número este que, diante de mais de
quarenta milhões de habitantes do Estado, não caracteriza tal dispersão),
se verifica no caso vertente. Portanto, falece legitimação ao MP para, “no
âmbito da defesa do consumidor, demandar em juízo os interesses dos
cooperados, objeto das representações neste inquérito civil
apresentadas”.
18
expediente que resultou na instauração de inquérito policial, distribuído a
um dos Promotores de Justiça Criminais da Capital.
É o relatório.
19
abusos praticados pelos seus dirigentes no exercício de sua
administração, os quais redundaram - ou em muito contribuíram - para a
situação caótica em que ela se encontra atualmente, com diversos
imóveis não construídos e vários outros com as construções paralisadas,
de modo a suscitar uma série de demandas judiciais, por cooperados e
associações ou comissões de cooperados de diversos empreendimentos
ou seccionais.
20
consentimento à realização dessa operação na Bolsa de Valores de São
Paulo, suportaram o pagamento de vultosas importâncias, sendo forte os
indícios de desvio de eventuais receitas dos empreendimentos, de sorte a
serem vítimas de um grande engodo. Essa conduta antijurídica levou a
Doutora Deborah Pierre, ilustre Promotora de Justiça do Consumidor, a
determinar o encaminhamento de representação ao Ministério
Público Federal, a fim de ser investigada “a ocorrência de ilicitude por
parte dos administradores dos fundos, tendo em vista a Resolução
do Conselho Monetário Nacional 3121/03, especialmente artigos 6º e
7º (...)” (fls. 636/639), encontrando-se em curso tal investigação; (iv)
ausência de adequada convocação dos cooperados, na forma
exigida pela lei, para as assembléias, inclusive as de aprovação de
contas e da criação do fundo sobredito. Com efeito, a direção da
cooperativa não enviou – como não envia - aos cooperados cartas de
convocação para as assembléias gerais e extraordinárias. Em virtude
da ausência de informação ou informação insuficiente, os cooperados
não comparecem às assembléias, de modo a não votarem. As decisões,
em sua grande maioria, são tomadas pelos votos dos presentes, que não
correspondem a 10% (dez por cento) do número de associados da
cooperativa, de tal forma que os assuntos principais não acabam
sendo votados pela maioria dos cooperados; (v) a aprovação das
contas não passa de mero cumprimento de protocolo, porquanto os
cooperados não têm acesso aos processos de licitação, contratos,
comprovantes de despesas, etc.; (vi) a cooperativa atua no mercado
como se fosse verdadeira incorporadora, como se depreende de seus
anúncios publicitários, relativos ao lançamento de empreendimentos
imobiliários, e de outras práticas comerciais, de modo a se afastar do
regime jurídico de cooperativa, ainda que de forma culposa; (vii) os
aportes financeiros atualmente exigidos em diversos empreendimentos
demonstram que a BANCOOP pratica preços de mercado (cf. laudos
anexados aos autos), com indisfarçável intenção de lucro. Sob a
21
justificativa de estar autorizada, pela cláusula 16.ª do Termo de Adesão e
Compromisso de Participação, a cobrar dos cooperados os valores
devidos a título de apuração final, a cooperativa recebe reforço de caixa
que seria condizente com a estrutura operacional das incorporadoras
imobiliárias. Para tanto, utiliza o seguinte estratagema ou ato ardiloso:
faz a captação de clientela (novos “cooperados”) pela atratividade do
preço (40% abaixo do preço de mercado, em virtude de gozar de
benefícios e incentivos fiscais) e, depois de concluída a obra, repassa a
diferença aos adquirentes das unidades habitacionais, chamada de saldo
residual, prevista no Termo de Adesão; (viii) não-construção de edifícios
ou paralisação das obras em vários empreendimentos, sob alegação de
falta de recursos financeiros; (ix) fusão das contas dos
empreendimentos - que devem ser separadas, de acordo com o estatuto
da cooperativa -, em uma só conta, de modo a dificultar a prestação de
contas das receitas e despesas de cada um desses empreendimentos; (x)
repasse de unidades residenciais a construtoras – que não podem
associar-se à BANCOOP, como cooperados - como parte do
pagamento de seus serviços. Tal permuta, para os dirigentes da
cooperativa, é comum, “para que seja possível lançar novos
empreendimentos com bons preços”, sendo certo que o seu
conhecimento e eficiência “fizeram com que a construtora procurasse a
Bancoop para prestar esse serviço”, no que foi imitada por outras
construtoras (fls. 2485).
22
e com a vantagem de não se submeter às exigências legais que estas
estão obrigadas a cumprir, como o registro da incorporação imobiliária,
nos moldes do artigo 32 da Lei n.º 4.591/1964, 3 de modo a restar
descaracterizada a sociedade cooperativa. Viola, com isso, a norma
residente no artigo 3.º da Lei n.º 5.764/1971, que estatui que “celebram
contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se
obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma
atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro”.4
3
Como foi salientado pelo Doutor Ademir Perez, culto e combativo Promotor de Justiça que
atuou nos autos do inquérito civil e interveio, como custos legis, em algumas ações coletivas
promovidas por associações de adquirentes de unidades residenciais de seccionais da
BANCOOP, esta “atuou como verdadeira incorporadora, com a obrigação de registrar no
cartório imobiliário a incorporação, nos moldes do artigo 32 da Lei n. 4.591/64, o que não fez”.
Adverte que “os associados da autora estão em situação de risco em relação aos imóveis
adquiridos, visto que a ausência da incorporação impede que os adquirentes possam inscrever o
negócio jurídico no registro público, com todas as conseqüências daí decorrentes, sobretudo a
impossibilidade de serem titulares de direito real sobre os imóveis e a possibilidade do terreno
onde os prédios foram edificados ser objeto de negociação, penhora ou de qualquer outra
restrição ou constrição judicial ou extrajudicial” (fls. 2.829).
4
Bem ilustra esta situação o texto publicado no site www.bancoop.com.br: “Na sua criação, a
BANCOOP – Cooperativa Habitacional dos Bancários encerrou o ano com três
empreendimentos lançados (...). De lá para cá não para de trabalhar e crescer. Hoje, são 55
empreendimentos com a marca BANCOOP que totalizam 8.794 imóveis, sendo 5.196 entregues
e 3.598 em produção”.
23
‘(...) a BANCOOP, cada vez mais, vem se destacando no
mercado como uma das melhores empresas na garantia
do investimento’”.
24
Brasil”. Procura, com isso e outras publicações acostadas aos autos,
passar a impressão de que se trata de uma verdadeira sociedade
cooperativa, de modo a ilaquear a boa-fé dos futuros compradores de
unidades residenciais, pois o seu modus operandi é característico de
uma incorporadora.
25
A sociedade cooperativa, segundo João Batista Brito
Pereira, “é uma associação de pessoas que se organizam com o
propósito de se ajudarem mutuamente, e tem por finalidade a prestação
de serviços a seus associados, de tal modo que possibilite o exercício de
uma atividade econômica comum que, na oferta de bens e serviços,
minimize custos, elimine o intermediário, etc. É, em resumo, a união de
esforços em proveito comum, sem finalidade lucrativa”.5
5
Cooperativa, uma alternativa. In: Marcus Elidius Michelli de Almeida e Ricardo Peake Braga.
Cooperativas à luz do Código Civil. São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2006, p. 101.
6
João Batista Brito Pereira. Cooperativas, uma alternativa, cit., p. 101.
26
objetivo de ter a casa própria. Daí a necessidade de se associarem sob a
forma de sociedade cooperativa.
27
responsabilidade e solidariedade com o alter, representado por cada um
dos que fizeram, a duras penas, tal investimento e, agora, batem à porta
do Ministério Público e do Judiciário, em busca de providências que
redundem na tutela de seus direitos. Tal assertiva se faz, evidentemente,
em vista daqueles que aderiram à cooperativa pensando que, de fato, se
tratava de autêntica cooperativa – e não de uma cooperativa aparente
(ou “de fachada”, numa linguagem vulgar), que encobre uma atividade
empresarial, com fins outros que não aqueles buscados por uma
verdadeira cooperativa.
28
c) a existência e o efetivo controle, pelos cooperados,
dos três órgãos sociais internos básicos da
Cooperativa.7
7
Dora Bussab Castelo. Cooperativas habitacionais e algumas considerações sobre associações.
Revista de Direito Imobiliário, n. 46, ano 22, janeiro-junho de 1999, p. 179.
29
distanciamento existente entre a massa dos associados ou cooperados e
o respectivo grupo dirigente”.8
8
Dora Bussab Castelo, ob. cit., p. 163. A autora acrescenta que o requisito “da vulnerabilidade
do associado ou cooperado, em geral, anda junto com o requisito da oferta da prestação de
serviços para um público anônimo e despersonalizado, posto que é justamente a partir da coleta
de adesões por um público anônimo que se formam Cooperativas ou Associações, com a
característica do distanciamento para com os cooperados ou associados, distanciamento esse a
lhes colocar em uma situação de vulnerabilidade” (ibidem).
9
Dora Bussab Castelo, ibidem.
30
poderiam adquirir a casa própria por preço de custo, abaixo do de
mercado.
10
Ver, a propósito, Jean Calais-Auloy. Essai sur la notion d’apparence en droit commercial,
Paris, 1959.
11
Arnoldo Wald. A teoria da aparência e o direito bancário. Revista de Direito Mercantil, n. 106,
ano XXXVI, abril-junho de 1997, p. 10.
12
Para uma análise mais aprofundada sobre a teoria da aparência, consultar, no Direito
brasileiro, entre outros: Arnoldo Wald, ob. cit., p. 7-19; Álvaro Malheiros. A aparência de
direito. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, ano 2, outubro-dezembro
de 1978, p. 41-77; David Cury Júnior. A teoria da aparência no direito sucessório. Dissertação
de mestrado. PUC-SP, 2000; Arnaldo Rizzardo. Teoria da aparência, cit., p. 222-231; Hélio
Borghi. Ausência e aparência de direito, erro e simulação. Revista dos Tribunais, v. 734, ano 85,
dezembro de 1996, p. 763-771; Vicente Ráo. Ato jurídico. 4.ed. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 1997, passim; Orlando Gomes. Transformações gerais do direito das obrigações.
2.ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1980; Carlos Nelson Konder. A proteção pela
aparência como princípio. In: Maria Celina Bodin de Moraes (Coord.). Princípios do direito
civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 111-133. No Direito estrangeiro (onde
há extensa bibliografia), além das obras citadas neste voto, vejam-se as referidas por Paulo
Mota Pinto, in Aparência de poderes de representação e tutela de terceiros. Boletim da
Faculdade de Direito. Coimbra, vol. LXIX, 1993, p. 602, nota 23, segundo parágrafo.
13
Cf., entre outros: Arnoldo Wald, ob. cit., p. 10; Álvaro Malheiros. Aparência de Direito, cit.,
p. 60; David Cury Júnior. A teoria da aparência no direito sucessório, cit., p. 29.
31
nele foi induzido, dolosamente, pela outra parte”.14 A teoria da aparência é
uma criação da jurisprudência,15 que, numa evolução construtiva, a partir
de decisões da Corte de Cassação, tem admitido a sua incidência sempre
que o erro cometido por terceiros de boa-fé, em face da aparência, seja
legítimo, isto é, razoável e justificado pelas circunstâncias específicas do
caso, e não invencível (erro inevitável para a coletividade),16 como se
entendia originalmente.
14
Mazeaud e Mazeaud. Leçons de droit civil, 5.ed., t. II, n. 51, cit. por Arnoldo Wald, ob. cit., p.
10.
15
Cf. Jacques Ghestin e Gilles Goubeaux. Traité de droit civil: introduction générale. Paris:
LGDJ, 1994, p. 845.
16
Arnoldo Wald, ob. cit., p. 11.
17
Cf. Arnoldo Wald, ob. cit., p. 11.
18
Citado por Arnoldo Wald, ob. cit., p. 11.
32
necessária “uma situação jurídica objetiva que a justifique”.19 Ao seu lado,
“deve existir um elemento moral, qual seja, a boa-fé do terceiro, que é
induzido a erro quanto à existência de uma dada situação jurídica, na qual
o homem médio, de normal diligência e prudência, diante das
circunstâncias do caso, também incidiria, de tal modo a tornar esse erro
escusável”.20 Ocorre a conjunção de dois elementos: um material,
representado pela situação objetiva de aparência jurídica, e outro moral,
consistente na boa-fé do terceiro.
19
Orlando Gomes. Transformações gerais do direito das obrigações. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 1980, p. 118.
20
David Cury Júnior, ob. cit., p. 41.
21
Apparenza del diritto. Novissimo digesto italiano, 3.ed., Torino, 1957, v. 1, p.716-717.
22
Alberto Trabucchi. Instituzioni di diritto civile, 16.ed., p. 206, cit. por Arnoldo Wald, ob. cit.,
p. 11.
23
Trabucchi, Instituzioni di diritto civile, p. 206, cit. por Arnoldo Wald, ob. cit., p. 12.
33
come vero” (“o que no comércio aparece como verdadeiro, deve valer
como verdadeiro”).24
24
Ob. cit., p. 12.
25
Orlando Gomes. Transformações gerais do direito das obrigações, cit., p. 116.
34
verá. E o Direito do consumidor, tal como o Direito comercial, é um campo
fértil para a sua aplicação, na tutela da confiança de consumidores
enganados por situações de aparência de fornecedores de produtos e
serviços.
26
Ob. cit., p. 12.
27
Ob. cit., p. 12.
28
Karl Larenz. Derecho de obligaciones, t. II, p. 430, tradução espanhola, Ed. Revista de
Derecho Privado, 1959, cit. por Arnoldo Wald, ob. cit., p. 12.
29
Paulo Mota Pinto. Aparência de poderes de representação e tutela de terceiros, cit., p. 602.
35
“É verdade que a tutela da aparência jurídica
(Rechtsschein) tem na Alemanha tradições de peso, e
que foi tendencialmente erigida em princípio geral, no
que parece ser uma relevante diferença (é certo que pelo
menos de grau) em relação a direitos de matriz mais
acentuadamente romanística, como é o nosso (…)
” (grifos nossos).
36
basear-se as conclusões predominantemente em argumentos
comparatísticos, pois elas podem ser inferidas diretamente da doutrina e
jurisprudência brasileiras, já que elas – a exemplo da doutrina germânica
– também têm elevado a aparência jurídica a um princípio geral do
direito.
33
José Puig Brutau. Estudos de derecho comparado. La doctrina de los actos propios,
Barcelona: Ed. Ariel, 1951, p.103.
34
José Puig Brutau, ob. cit., p. 103.
35
Arnaldo Rizzardo. Teoria da aparência. AJURIS, n. 24, ano IX, março de 1982, p. 224.
37
A doutrina argentina tem assinalado, também, que “a
proteção da aparência é um princípio jurídico e, como tal, pode ser
extendido além dos casos legalmente previstos. Para isso, é necessário
uma situação de fato que, por sua notoriedade, seja objetivamente idônea
para induzir a erro (ou engano) os terceiros acerca do estado real
daquela; e, ainda, que o terceiro não tenha logrado conhecer a verdadeira
situação, empregando uma diligência média” (grifos nossos).36 Por
derivação da segurança e confiança no comércio, existem situações
objetivas nas quais a aparência criada e a atuação com base na
confiança autorizam a imputar obrigações, onde o sujeito não as
estabeleceu expressamente.37
36
Ricardo Luis Lorenzetti. La oferta como apariencia y la aceptación basada en la confianza, cit.,
p. 22.
37
Ricardo Luis Lorenzetti, ob. cit., p. 23.
38
Ricardo Luis Lorenzetti, ob. cit., p. 25.
38
aparência, obrigam a pensar no sentido da extensão da regra sobredita”.
Assim, “a regra é a autonomia da vontade e a aparência é uma exceção,
que tem sua base na responsabilidade extracontratual”.39
39
Ricardo Luis Lorenzetti, ob. cit., p. 27.
40
Karl Larenz. Derecho civil – Parte general. Edersa, 1978, p. 824, cit. por Lorenzetti, ob. cit., p.
28.
41
Arnoldo Wald, ob. cit., p. 14. Na mesma direção, vide Álvaro Malheiros, A aparência de
direito, cit., p. 74 e ss.: “A aparência se configura (…) como um verdadeiro princípio de direito,
sendo uma verdadeira forma de expressão do Direito, uma vez que, por seu intermédio,
verificamos o aparecimento de um direito subjetivo, novo, não existente, cujos titulares serão
sempre os terceiros de boa-fé, induzidos em erro escusável pela situação aparente”. O autor
(ibid.) cita Falzea, que refere que a situação mais recente da jurisprudência (italiana) é no
sentido de “reconhecer a aparência como princípio geral aplicável sempre que a causa da
situação objetiva de que deriva a errônea inferência do terceiro de boa-fé seja um
comportamento doloso ou culposo do titular real”. Ver, também, entre outros, Carlos Nelson
Konder, A proteção pela aparência como princípio, ob. cit., p. 129-133. Este autor afirma que “a
39
Trata-se de um princípio que, a exemplo do que ocorre
no direito estrangeiro, como acima se mencionou, visa à proteção da
confiança de terceiros de boa-fé que acreditaram na aparência gerada
pelo comportamento da outra parte. No caso, tal comportamento consistiu
– como ainda consiste – na criação, pelos dirigentes da Bancoop, da
aparência de uma verdadeira cooperativa, aos olhos daqueles que nela
ingressaram ou ingressam.
proteção daquele que confia em uma aparência de direito por meio da conversão do negócio
aparente em negócio jurídico efetivo e regular pode ser considerada um princípio de nosso
ordenamento, uma vez que encontra fundamento da tutela da confiança e justificação entre os
princípios constitucionais, em especial o da solidariedade social” (op. cit., p. 133).
40
8. A propósito da atuação de entidades que realizam
negócios jurídicos sob o disfarce de cooperativas, encobrindo
verdadeiros compromissos de venda e compra da casa própria, como
ocorre na espécie, veja-se o acórdão proferido na Apelação Cível n.
106.944-4/Sorocaba, pela Colenda Quarta Câmara de Direito Privado do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em que foi Relator o
eminente Desembargador Narciso Orlandi, j. 19/10/2000, v.u., LEX 236, p.
59, cuja ementa oficial abaixo se transcreve:
41
efetivo espírito cooperativo que predomina nessas
entidades’ (...)”.
42
despacho que mandou o processo à mesa” (TJSP,
Agravo de Instrumento nº 290.722-4-1/1–Mauá, Rel. Des.
Maia da Cunha, DJ 24/06/2003, v.u., DOE 07/08/2003).
43
“Decisão.
Vistos, etc.
1. Cooperativa Habitacional do Bom Retiro Ltda. agravou
da decisão que negou seguimento ao seu recurso
especial (...) interposto contra acórdão da egrégia Sexta
Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas
Gerais, assim ementado:
‘Ação de nulidade de cláusulas contratuais e devolução
de contribuições quitadas – Cooperativa habitacional –
Bem imóvel – Cláusulas leoninas – Cooperado
desistente – Pedido de restituição imediata do valor pago
– Restrição contratual – Cláusula – Nulidade.
Leonina se revela a disposição contratual que impõe ao
consumidor, que procura adquirir a baixo custo terreno
para construção de sua moradia própria, o recebimento
desse bem urbanizado e pronto ao uso sem um prazo
determinado.
Desimporta qual a pessoa jurídica que está na respectiva
relação consumidora, seja qual for, até mesmo uma
cooperativa poderá ser alvo de corrigenda
consumerista (CDC), cujo objeto é regular as
relações de consumo.
Nulas se vêem as cláusulas contratuais contrárias à boa
clareza e, de conseqüência, devido, de imediato, o
reembolso de importâncias adiantadas para o jaez’ (...).
2. O recurso não merece prosperar.
(...)
3. No que tange à devolução das quantias pagas pelo
cooperado, verifico que o acórdão recorrido
fundamentou sua decisão no Código de Defesa do
44
Consumidor e no art. 5º, XXXII e XX, da CF. Porém, não
houve interposição de recurso extraordinário para
reformar o entendimento constitucional, suficiente por si
só para a manutenção do acórdão (...).
Ademais, era mesmo de aplicar-se o CDC à espécie,
conforme o fez o egrégio Tribunal a quo, porque senão o
cooperado estaria desprotegido da abusividade
praticada pela outra parte. Oportuna a transcrição do
raciocínio do eminente relator da apelação, quanto à real
circunstância que envolve os ora litigantes:
‘Vejo no caso, é certo, uma cooperativa, mas subscrição
e integralização de cotas de capital para a aquisição de
um bem a que persegue o consumidor, ou cooperado,
como queira, contudo, ainda assim, contratação há que,
deveras, deve pautar pela ampla clareza, pena de
intervenção estatal (art. 5º, XXXII, da CF/88) e quiçá
nulidade de ato. Mormente quando nesta cooperativa,
para o alcance de seu objetivo, há que contar com
parceiros, o empreendedor, fornecedor do terreno, e
administradora. Pessoas jurídicas outras, cujo intento
não se pode dizer apenas filantrópicos.
As cláusulas impugnadas na contratação, prazo de
permissão de utilidade da res após a necessária
aprovação do loteamento pelo município,
indeterminadamente, e a devolução do integralizado
capital apenas após 60 meses da contratação respectiva
e, ainda, parceladamente, convenha-se, não afasta a
intervenção do Código de Defesa do Consumidor, lei
afeita às necessidades e dignidade do consumidor
(art. 4º)’ (...).
45
Confiram-se ainda, no mesmo sentido, os seguintes
julgados sobre a aplicabilidade do CDC às relações
de que participa uma cooperativa:
‘Ministério Público. Legitimidade ativa. Código de
Defesa do Consumidor. Cooperativa Habitacional.
Administração em detrimento dos cooperados apurada
em inquérito civil. Precedentes da Corte.
1. Tem o Ministério Público, na forma de vários
precedentes da Corte, legitimidade ativa para defender
interesses individuais homogêneos, presente o relevante
interesse social, assim, no caso, o direito à aquisição de
casa própria, obstado pela administração de cooperativa
habitacional em detrimento dos cooperados, como
apurado em inquérito civil.
2. Recurso Especial conhecido e provido’ (REsp
255947/SP, 3ª Turma, rel. o em. Min. Carlos Alberto
Menezes Direito, DJ 08.04.2002).
(...)
‘Cooperativa – Desligamento de cooperado – Devolução
das parcelas pagas.
I – Afim de evitar enriquecimento injusto de uma das
partes deve a cooperativa reter 10% do valor total das
parcelas pagas, monetariamente corrigido, para
pagamento de encargos por ela suportados.
II – Agravo regimental desprovido’ (AGA 387392/SP, 3ª
Turma, rel. o em. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ
29.10.2001).
Colhe-se do voto proferido no acórdão acima citado:
‘Finalmente, não se pode ignorar que o contrato em
questão está sob a égide do Código de Defesa do
Consumidor e que, sendo assim, suas cláusulas
46
deverão ser interpretadas de maneira mais favorável
ao cooperado’.
Afasto o dissídio pelos motivos acima expostos.
4. Isso posto, nego provimento ao agravo” (AG 505351,
Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 17.06.2003, DJ
04.08.2003) (grifos nossos).
“COOPERATIVA – Empreendimento
habitacional – Relações jurídicas com cooperados –
Incidência do Código de Defesa do Consumidor – Artigos
2º e 3º do referido diploma legal – Preliminar rejeitada
(...)” (TJSP, Apelação Cível nº 237.276-2-São Paulo, Rel.
Des. Ruy Camilo, j. 21/06/1994).
47
268.104-2-Santos, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel.
Des. Ênio Zuliani, j. 22/10/1996, v.u.).
“COOPERATIVA HABITACIONAL –
Equiparação, no caso, a uma relação de consumo
decorrente de compromisso de compra e venda de
imóvel – Abusividade do dispositivo contratual que prevê
a retenção de 30% das prestações pagas, a título de
despesas administrativas – Necessidade de redução
desse percentual para 10%, de modo a assegurar o
equilíbrio do contrato – Recurso parcialmente provido”
(TJSP, Apelação Cível nº 307.727-4-São Paulo, 6ª
Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Sebastião Carlos
Garcia, j. 09/10/2003, v.u.).
48
habitacional – Aplicação do Código de Defesa do
Consumidor – Inocorrência de caso fortuito ou força
maior – Mora caracterizada – Rescisão que deve se
operar por culpa da cooperativa – Restituição de uma
única vez de todos os valores pagos pelo autor, sem
qualquer retenção – Correção monetária a contar do
desembolso de cada parcela – Cabimento – Aplicação do
ICC como índice de atualização – Inadmissibilidade –
Recurso improvido” (TJSP, Apelação Cível com Revisão
nº 327.960-4/0-00 – Guarulhos, 8ª Câmara de Direito
Privado, Rel. Des. Salles Rossi, 27/07/06, v.u.).
49
‘conflito’, daí a necessária ‘solução’ do ‘conflito’ através da prevalência de
uma lei sobre a outra e a conseqüente exclusão da outra do sistema”42.
42
Cláudia Lima Marques. Diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código
Civil: do “diálogo das fontes” no combate às cláusulas abusivas. Revista de Direito do
Consumidor, n. 45, Ano 12, janeiro-março de 2003, p. 71-72.
43
Cláudia Lima Marques, ob. cit., p. 72-73.
44
Cláudia Lima Marques, ob. cit., p. 73.
50
normas, ao diálogo das normas para alcançar a sua ratio, a finalidade
‘narrada’ ou ‘comunicada’ em ambas.
45
Cláudia Lima Marques, ob. cit., p. 73-74.
51
juiz, no caso concreto, da lei que irá “complementar” a ratio da outra; e
(iii) pelo diálogo das influências recíprocas: é a “influência do sistema
especial no geral e do geral no especial, um diálogo de double sens
(diálogo de coordenação e adaptação sistemática).
52
os princípios enumerados no artigo 4.º, caput (princípio da transparência
nas declarações negociais para o consumo, pela informação eficiente), e
nos incisos I (princípio do reconhecimento da vulnerabilidade do
consumidor no mercado de consumo) e III (princípio da boa-fé e
equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores), do Código
de Defesa do Consumidor. Aplicam-se, também, as demais normas de
proteção do consumidor, com ênfase para a norma do artigo 51, inciso IV,
do CDC, que contém, em matéria contratual, a cláusula geral da boa-fé
objetiva (impõe deveres de lealdade, de probidade, de não abusar nem
prejudicar a parte contrária, de corresponder às expectativas criadas, de
proteger a confiança despertada, etc.) e da eqüidade (justiça no caso
concreto).
53
organizada destinada a produção de bens e serviços para o mercado (cf.
art. 2092 do Codice Civile italiano), o termo ingressou no plano jurídico
sem maiores dificuldades’”.47 Diz ainda, com bastante propriedade, que “a
cooperativa se caracteriza pela adesão e pela demissão livres, de modo
que se o associado, que decide ingressar na cooperativa, adere
necessariamente à estrutura que encontra, esta mesma estrutura e não
pode tornar-se uma espécie de anteparo para afastar a aplicação de
normas de natureza pública (art. 1º do CDC), ou seja, as regras ou
condições estipuladas no Estatuto e no contrato celebrado não podem
violar o principio da igualdade dos cooperados e devem ser norteados
pelos critérios de racionalidade e razoabilidade, de tal forma que a
Cooperativa não provoque por qualquer titulo prejuízo aos seus
cooperados”.48
47
Fábio Henrique Podestá, ob. cit., p. 150-151.
48
Fábio Henrique Podestá, ob. cit., p. 152.
54
Relevância social da defesa dos direitos dos cooperados-
consumidores pelo Ministério Público e conseqüente legitimatio ad
causam (artigos 127, caput, e 129, III, ambos da CF, e artigo 82, I, do
CDC)
55
Os direitos dos cooperados em verem construídas as
unidades residenciais que adquiriram é de natureza coletiva, nos termos
do artigo 81, parágrafo único, inciso II, do Código de Defesa do
Consumidor, uma vez que, na dicção desta disposição legal, são direitos
“transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo,
categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária
por uma relação jurídica base”. Com efeito, todos os cooperados estão
ligados entre si e com a cooperativa por uma relação jurídica-base,
materializada nos termos de adesão que subscreveram. São interesses
transindividuais de um grupo acentuado de pessoas plenamente
determinado, havendo, sem dúvida, interesse social na sua defesa.
56
cooperativismo, de gênese constitucional e disciplinado por legislação
infraconstitucional (Código Civil e Lei n.º 5.764/1971).
57
ementa de acórdão do STJ que cai como uma luva no caso sub examine,
já transcrita neste voto, em outra passagem:
51
Dora Bussab Castelo, ob. cit., p. 138.
58
regras da Lei do Cooperativismo e do Código de Defesa do Consumidor)
de tais dirigentes.
52
Aplica-se aos pedidos indenizatórios a norma do artigo 91 do Código de
Defesa do Consumidor, que estatui que “os legitimados de que trata o artigo 82 (entre eles o
Ministério Público) poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus
sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos”,
observando-se as normas dos artigos 94 e ss. do mesmo Codex.
53
No que tange ao enorme contingente de consumidores que
contratou com a Bancoop, podemos falar na defesa de interesses ou direitos transindividuais, de
natureza indivisível, de que é titular um grupo ou categoria de pessoas determinadas, ligadas
com a parte contrária por uma relação jurídica básica (relação jurídica obrigacional), que o
Código de Defesa do Consumidor denomina de interesses ou direitos coletivos (artigo 81,
parágrafo único, inciso II). A sentença, em relação a esse contingente de contratantes, produzirá
efeito ultra partes, na forma do artigo 103, inciso II, do mesmo diploma legal.
59
Em abono desse posicionamento, encontra-se a lição do
eminente NELSON NERY JUNIOR, um dos redatores do Código de
Defesa do Consumidor, assim vazada:
54
O processo civil no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Processo, n.º 61, janeiro-
março de 1991, p. 25-26.
60
monetariamente e no máximo em 6 (seis) parcelas; de obrigações de
não fazer, consistentes em (iv) não realizar o lançamento de nenhum
empreendimento enquanto não forem registradas as incorporações de
todos os empreendimentos lançados, bem como separadas suas
respectivas contas e concluídas as obras dos edifícios paralisadas, (v)
abster-se de cobrar as parcelas de reforço de caixa e apuração final dos
empreendimentos, enquanto não demonstrada a necessidade de sua
cobrança, de acordo com os cronogramas físico-financeiros dos
empreendimentos em construção e concluídos, devidamente aprovados
pela Caixa Econômica Federal; e (vi) desconsiderada a personalidade
jurídica da sociedade cooperativa, nos termos do artigo 28 do Código de
Defesa do Consumidor, pedido de condenação genérica dos dirigentes
da Bancoop a indenizarem os danos (materiais e morais) causados
aos cooperados, nos termos do artigo 95 do Código de Defesa do
Consumidor.
61
convicção do ilustre Promotor de Justiça que promoveu o arquivamento
do inquérito civil.
62