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ESPECIFICIDADES DA GESTÃO DE
EMPREENDIMENTOS NA ECONOMIA SOLIDÁRIA:
BREVE ESTADO DA ARTE SOBRE O TEMA
Ósia Alexandrina Vasconcelos Magalhães*
Maria Suzana de Souza Moura**
Luiza Reis Teixeira***
Manuela Ramos da Silva****
Jeová Torres Silva Junior*****
RESUMO
A reflexão teórica sobre as especificidades da gestão de empreendimentos soli-
dários ainda é incipiente, por isso, fizemos um trabalho de pinçar idéias e referenciais
utilizados por alguns autores que discutem as organizações da economia solidária na
atualidade. Apesar desse tema não ser o foco de muitos estudos sobre economia
solidária, a problemática dos seus desafios já foi bastante explorada. A observação
desses estudos é um caminho que vamos seguir para aprofundar a nossa reflexão.
Este artigo é um dos frutos da pesquisa “Gestão de Empreendimentos Solidários: em
busca de novos referenciais teóricos”. Temos como premissa a especificidade dos em-
preendimentos solidários, que nos desafia repensar as áreas funcionais e as técnicas
gerenciais comumente ensinadas nas escolas de administração. A conclusão aponta
os desafios conceituais e metodológicos, e nos coloca questionamentos: Os empreen-
dimentos de Economia Solidária praticam um novo modo de gestão? Em que medida os
empreendimentos solidários estão criando novos processos e ferramentas de gestão?
Quais as repercussões deste tipo de empreendimento sobre as conhecidas áreas fun-
cionais da administração? E, finalmente, quais as repercussões da introdução desse
conteúdo no ensino da administração?
INTRODUÇÃO
Neste artigo, pretendemos apresentar subsídios para responder às duas primeiras
perguntas: Os Empreendimentos de Economia Solidária praticam um novo modo de gestão?
Quais as repercussões deste tipo de empreendimento sobre as conhecidas áreas funcio-
nais da administração? Destarte, para atingir nosso objetivo, pressupomos que há uma
especificidade no campo da gestão dos empreendimentos que compõem a economia solidá-
ria. Esta especificidade perpassa desde um repensar das áreas funcionais até muitas das
técnicas gerenciais comumente ensinadas nas escolas de administração.
* Formanda do curso de Administração da Escola de Administração/UFBa (osia_alexandrina@yahoo.com.br).
Bolsista de IC/PIBIC no âmbito do projeto de pesquisa “A Gestão de Empreendimentos Solidários - em busca
de novos referenciais teóricos”.
** Profª NEPOL/NPGA/EAUFBa (suzmoura@ufba.br). Coord. do projeto de pesquisa “A Gestão de Empreen-
dimentos Solidários...” e fundadora do Bansol.
*** Aluna do mestrado acadêmico do NPGA da Escola de Administração/UFBa (luizarteixeira@hotmail.com).
Pesquisadora do NEPOL no projeto “A Gestão de Empreendimentos Solidários...”, e membro do Bansol.
**** Especialista em Administração pela EAUFBa e aluna especial do mestrado acadêmico do NPGA da
EAUFBa (mrs@ufba.br).
***** Prof. Substituto da EAUFBa e aluno do mestrado acadêmico do NPGA da EAUFBa (jeovatorres@uol.com.br).
Integra o grupo de pesquisa “A Gestão de Empreendimentos Solidários...”.
Assistencialista; Instrumental
Estatais Pública
Burocrática. e substantiva
Reciprocidade;
Sociedade civil Rel. de Proximidade. Substantiva Social
características que poderão vir a compor o quadro teórico de uma gestão social. Só que esta
busca começou pelo estudo das referências bibliográficas sobre o tema da gestão dos empre-
endimentos solidários, cujos resultados apresentaremos páginas mais à frente. Primeira-
mente, abordaremos a compreensão de diversos autores sobre empreendimentos solidários
e sobre a temática da economia solidária. Construtos estes que se não forem bem definidos
e contextualizados não produzirão o efeito que pretendemos obter com este artigo.
A ECONOMIA SOLIDÁRIA E OS
EMPREENDIMENTOS SOLIDÁRIOS – O QUE
COMPREENDE ESTA TEMÁTICA
A primeira atitude que se tem de tomar diante da economia solidária é reconhe-
cer que sua existência, enquanto fenômeno social, é real. De fato, desde meados da
década de 80, o mundo verifica a elevação da contenda sobre a resignificação do papel do
Estado. Ao mesmo tempo, acontece um redesenhamento de todo o tecido social que
sustenta este Estado - através da participação cada vez mais ativa da sociedade civil em
projetos locais - e, por último, o capitalismo, diante da consagração do neoliberalismo,
produziu - alicerçado na especulação financeira e na abertura de mercados dos países
em desenvolvimento - uma massa de pobres e excluídos como jamais se viu.
Contudo, nem o Mercado e nem o Estado, pelos seus mecanismos econômicos e
redistributivos tradicionais, conseguem mais equacionar este problema. Essa incapacida-
de de solução para os problemas, antes mencionados, se traduz no surgimento de uma
tipologia de experiências que nascem do seio da sociedade civil, sob a égide dos mecanis-
mos de reciprocidade e do voluntarismo, que não possuem fins lucrativos e que preten-
dem trabalhar para a eliminação da exclusão social e por uma cultura da solidariedade.
Diante de toda esta composição existem as organizações que se enquadram no terceiro
setor; as cooperativas e empresas autogestionárias; as organizações filantrópicas; e os
empreendimentos da economia solidária.
O que se pretende, neste ponto, é revelar o conceito de economia solidária e filiá-lo
a algumas abordagens. As abordagens que se apresentam com maior vigor são: a que credi-
ta à economia solidária como sendo um modelo de regulação econômica das relações de
produção (Corrente Econômico-Ideológica/Movimento da Alternativa de Produção); e a
que defende a economia solidária diante de uma lógica da solidariedade com empoderamento
do local como caminho de convivência na sociedade mercantil (Corrente Político-Socioló-
gica/Movimento de Construção de Espaços Públicos Ampliados). Enfim, num primeiro
momento, se um sentido de preservação das experiências de economia solidária se sobres-
sair, tenderemos a acreditar que o fenômeno da economia solidária é uma nova lógica
econômica que caminha ao lado das relações capitalistas e não em completa oposição.
Fica claro, que em um embate de forças com a lógica econômica mercantil, a
economia solidária seria derrotada, já que é um pensamento emergente que ainda
precisa de sólidas bases, de aglutinação de esforços e de capilaridade. Diante desses
argumentos, o melhor seria pensar numa maneira de “conviver para transformar”.
Devemos, inclusive, aceitar a diversidade de instituições e de propostas diante da
compreensão de que mudando a propriedade dos meios de produção não se modificará
tudo. De acordo com (SINGER, 2002b, p. 86) - que percebe a economia solidária mais
como fenômeno econômico e a reconhece como um modo alternativo de produção -,
“mesmo sendo hegemônico, o capitalismo não impede o desenvolvimento de outros
modos de produção porque é capaz de inserir dentro de si toda a população economica-
mente ativa”. Para ele, a economia solidária cresce em função das crises sociais que a
competição cega dos capitais privados ocasiona, periodicamente, em cada país.
Numa abordagem que favorece a corrente econômica, Souza Santos (2002) relembra
a tradição do cooperativismo que remonta ao séc. XIX e as práticas de mutualismo. Em
seguida, ele indica uma revalorização destas experiências nos dias atuais. Segundo este
autor, a economia solidária seria um modelo econômico que encontraria correspondência
nas formas diversas de produção associativa em que se destacam as cooperativas e as
A ESPECIFICIDADE DA GESTÃO DE
EMPREENDIMENTOS SOLIDÁRIOS
Carolina Andion (1998; 2001) nos lembra que a gestão de organizações na economia
solidária é “um campo inexplorado”, associando tal fato a possíveis preconceitos ideológi-
cos e à “inexistência de fundamentos teóricos adaptados à natureza dessas organiza-
ções”, o que vem ao encontro da premissa da nossa pesquisa. Para a autora, a adminis-
tração é uma área que se reflete a partir da “economia formal”. Ela ainda acrescenta que
o foco da administração e do ensino da administração tem sido, fundamentalmente, a
realidade da empresa privada, de um lado, e das organizações públicas estatais, de outro.
Constatamos que organizações de outra natureza foram, certamente, incorporadas
aos estudos organizacionais nos últimos anos, principalmente com a emergência do cha-
mado Terceiro Setor, ainda assim, vejamos o que escreve Andion (1998, p. 21):
A quase totalidade desses trabalhos (sobre gestão de organizações do terceiro setor)
baseia-se numa visão tradicional e unívoca da gestão, a qual é importada das ativi-
dades econômicas lucrativas. Assim, nesses textos recomenda-se que técnicas de
planificação, estratégia, marketing, contabilidade e diversas outras – utilizadas
nas empresas privadas – sejam aplicadas à gestão de empresas sem fins lucrativos,
sem nenhuma preocupação com as singularidades dessas últimas.
elaborada por Jürgen Habermas; a noção de economia plural, proposta por Karl Polanyi; a
noção de autonomia social, desenvolvida por Edgar Morin; e a teoria das organizações
substantivas, desenvolvida por Guerreiro Ramos. A partir dessas referências, Andion
(2001) construiu e apresentou um modelo de análise, identificando quatro dimensões
interdependentes da gestão dos empreendimentos solidários: social, econômica, ecológi-
ca e organizacional e técnica.
As dimensões mencionadas são, então, subdivididas em rubricas e aspectos a
serem analisados: I. A dimensão social - que remete aos atores, aos meios e finali-
dades da comunicação, às formas de interação entre os indivíduos e os grupos e aos
processos e instâncias de tomada de decisão; II. A dimensão econômica - que se
refere aos recursos utilizados e suas aplicações (receita e despesa) e aos processos
de construção da oferta e da demanda; III. A dimensão ecológica - que diz respeito a
interface com o mundo da vida (relação com a comunidade e entre os atores) e a
interface com o mundo do sistema (relação com o mercado e com o Estado); IV. A
dimensão organizacional e técnica - que remete ao processo produtivo, ao conheci-
mento e aprendizagem, aos processos de avaliação individual e coletivo e aos níveis de
satisfação dos atores.
As dimensões apontadas por Andion (2001) ultrapassam a abordagem tradicio-
nal da administração em termos de áreas funcionais - Financeira, Marketing, Recur-
sos Humanos (ou de Pessoas) - apontando para um caminho diferenciado àquele sina-
lizado, de início, pela pesquisa. Em cada uma das dimensões podemos encontrar as-
pectos que remetem a determinadas áreas funcionais e processos gerenciais (comuni-
cação, recrutamento e treinamento, por exemplo) e outros que comumente estão à
margem dos estudos da administração, por exemplo: a interface com o mundo da vida.
O aprofundamento dessa reflexão pressupõe verificar como se operacionaliza a gestão
nos casos analisados por Andion (2001). A dificuldade é que, no momento da análise
das organizações, a autora não utilizou o quadro proposto por ela e detalha, apenas, o
que seriam traços característicos daquelas organizações (Carrefour da Família e Casa
da Ajuda Mútua). Tais características, em parte, já haviam sido abordadas por França
Filho (2001).
As particularidades encontradas nos empreendimentos investigados em Andion
(2001) são: 1 - Gestão de recursos provenientes de fontes distintas - a redistribuição,
o mercado e a reciprocidade (voluntariado e dons provenientes das relações
interpessoais); 2 - Em um momento inicial, essas organizações tendem a se utilizar
mais da reciprocidade, particularmente o trabalho sem remuneração; 3 - O processo
de profissionalização leva a uma diminuição dos recursos da reciprocidade e um au-
mento daqueles resultantes da interface com o mercado e com o Estado; 4 - A oferta,
a demanda e o preço são aspectos elaborados coletivamente pelos trabalhadores, usu-
ários e voluntários; 5 - O trabalho aparece como fonte de satisfação e engajamento
pessoal, contrariamente à visão mecanicista e impessoal de trabalho apresentada
pelas teorias tradicionais da administração; 6 - O enraizamento na comunidade é
produzido na prática, através da participação efetiva da comunidade na organização e
de alianças e parcerias com outras organizações locais, o que, por sua vez, permitem
uma ação conjunta sobre problemáticas comuns, gerando um forte capital social.
Após a leitura e reflexão sobre o que estes autores (Andion, França Filho, Gaiger,
Moura & Meira, Azevedo, Carrion, Singer) apontaram sobre a especificidade da gestão
em empreendimentos solidários, resolvemos elaborar um quadro comparativo entre
as referências (ver quadro 2), tendo como base as dimensões apresentadas por Andion
(2001) que consideramos uma forte tipologia de análise das particularidades da gestão
desses empreendimentos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A título de conclusão, encerraremos com algumas considerações a partir das
referências que utilizamos para construção do quadro de homologação conceitual so-
bre a gestão dos empreendimentos solidários. Praticamente, a principal afirmação
conclusiva já foi defendida por Andion (2001). Para a autora a gestão cotidiana destes
empreendimentos é
tão complexa e dinâmica quanto a própria natureza destas organizações, pois ela é
composta por uma série de desafios e questões singulares que não podem mais ser
negligenciadas, nem pelas pessoas que atuam nestes organismos, nem pelas teorias
que tratam desta temática (ANDION, 2001).
N OTAS
1 Pesquisa iniciada em julho de 2002 na Escola de Administração da UFBA, integrada ao PDGS/NEPOL/
UFBA e a Associação de Fomento à Economia Solidária– BanSol, além de contar com o apoio do PIBIC/CNPq.
2 Nesta obra, da década de 50, Polanyi apresenta a economia plural como sendo a possibilidade de combina-
ção de uma economia mercantil (venda de produto ou de serviço), não-mercantil (subsídios públicos oriundos
da finalidade social da organização) e não-monetária (voluntariado).
3 Mauss é antropólogo e a partir de suas observações sobre a solidariedade e o dom em tribos primitivas,
escreveu o Ensaio sobre a dádiva que serve de referência para os estudiosos de antropologia econômica
abordarem o fenômeno da economia solidária.
4 Adotamos aqui a referência de Boff (1999) quando trata de dois modos do ser humano realizar e relacionar-
se: o trabalho e o cuidado. No “modo-de-ser-cuidado .... a relação não é de domínio sobre, mas de convivência.
Não é pura intervenção, mas interação e comunhão” (p.95). Cuidado que, segundo o autor, expressa-se na
relação consigo, com o outro, com a comunidade, o país e o planeta. A perspectiva da economia solidária
aparece também como a possibilidade de combinação do trabalho com o cuidado.
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