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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO
DIREITO PENAL
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Quem adquire um bem deve pagar o preço. Paga-se em dinheiro ou por meio de
um documento denominado cheque. A vista ou a prazo. Quem contrata está obrigado e
adquire direitos.
2 - Direito Penal – Ney Moura Teles
Todos os valores importantes para a sociedade estão sob a tutela do direito, por
meio das várias regras jurídicas. Vida, liberdade, integridade física, trabalho, lazer,
meio ambiente, família, propriedade, patrimônio, Estado etc. são valores sociais
amparados pelo Direito.
qualquer outro bem, de outra pessoa, será compelido, pelo Estado – a pedido da pessoa
prejudicada –, a pagar o valor da coisa destruída. O Direito está presente na vida dos
indivíduos exatamente para proteger seus interesses contra as várias formas de
agressões praticadas pelas pessoas.
Os bens jurídicos têm valores diferentes – uns mais, outros menos importantes
– do mesmo modo que existem agressões mais e outras menos graves.
Sua modalidade mais grave, para os crimes mais graves, em certos países,
consiste na própria morte do infrator da norma e, no Brasil, na privação de sua
liberdade por um tempo determinado, com a segregação do infrator da norma num
estabelecimento estatal destinado ao cumprimento das penas, denominado
penitenciária.
1.1.2 Definições
Ao conjunto das normas jurídicas que tratam dos crimes e das sanções penais
4 - Direito Penal – Ney Moura Teles
VON LISZT definia o Direito Penal como “o conjunto das prescrições emanadas
do Estado, que ligam ao crime, como fato, a pena como conseqüência”.1 E MEZGER o
entende como “o conjunto das normas jurídicas que regulam o exercício do poder
punitivo do Estado, associando ao delito, como pressuposto, a pena como
conseqüência”.2
É o Direito Penal que define o crime, mas também é ele que diz quando um fato
aparentemente criminoso é, entretanto, permitido, ou quando, mesmo proibido, não
ensejará a aplicação da sanção penal.
Melhor, por ser mais completa, a definição de JOSÉ FREDERICO MARQUES, que
DAMÁSIO E. DE JESUS abraça: Direito Penal
Ciência prática, cultural, não visa ao estudo da realidade social; todavia, segundo
8 Direito penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. v. 1, p. 62.
9 Lições de direito penal: parte geral. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 3.
10 Direito penal: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 5.
11 Op. cit. p. 2.
6 - Direito Penal – Ney Moura Teles
A ciência penal tem caráter dogmático, posto que seu objeto é o direito positivo;
todavia, não pode o cientista ignorar a dinâmica e os interesses da sociedade, que, em
última análise, é, a um só tempo, fonte e destinatária do Direito Penal. Sociedade
brasileira que – após longo período autoritário – fez clara e indiscutível opção por um
regime democrático, no qual as liberdades públicas e individuais foram consagradas
de modo cristalino e brilhante na Carta Magna de 1988, pilar de toda a ordem jurídica
em vigor e da sociedade que a gente brasileira está construindo.
1.1.4.1 Positivo
O Direito Penal é positivo: é aquele que o Estado promulgou. Positivo quer dizer
posto, colocado, mostrado à sociedade, publicado, dado a conhecer a todos os
indivíduos, em vigor, por meio de um conjunto de documentos emanados do Poder
Legislativo, as leis, que são obrigatórias.
Dizer que é positivo, contudo, não é o mesmo que afirmar que fora do direito
legislado não existiria Direito Penal. A afirmação de sua positividade, como ensina
BETTIOL, só tem sentido desde que não se queira fazer dela
Além disso, não pode fazer impedir a crítica do ordenamento penal, destinada
não apenas à obtenção das modificações que se fizerem necessárias, mas,
principalmente, à sua aplicação mais justa, que atenda aos interesses da sociedade, que
o constrói.
1.1.4.2 Público
O Direito Penal tem natureza pública, uma vez que a proteção dos bens jurídicos
colocados sob sua tutela interessa a toda a sociedade. Ainda que sejam, muitas vezes,
individuais, dada sua importância, a natureza e a gravidade dos ataques proibidos sob a
ameaça da pena criminal, a proteção desses bens é indispensável à manutenção e ao
desenvolvimento da vida social.
Para os adeptos da primeira idéia, a norma penal estabelece uma sanção mais
severa para a violação de preceitos contidos, primariamente, noutros ramos do
ordenamento jurídico. Assim, diversas normas jurídicas protegem a vida humana,
cabendo, porém, ao Direito Penal protegê-la de sua destruição por ato humano. A
norma penal seria secundária, acessória, em relação a outras normas do direito civil,
entre elas, em geral, a do art. 186 do novo Código Civil, que considera ilícito o ato
daquele que tiver violado direito e causado dano, inclusive moral, e a do art. 927 da Lei
Civil, que obriga à reparação do dano.
MIRABETE defende que, em princípio, o ilícito penal não tem autonomia, não se
podendo, portanto, falar em caráter constitutivo do Direito Penal, já que “a norma
penal é sancionadora, reforçando a tutela jurídica dos bens regidos pela legislação
extrapenal”. 15
Apesar disso, o Direito Penal protege outros bens não tutelados por outros
ramos do direito e, de conseguinte, “o mais correto é afirmar, como Zaffaroni, que ‘o
14 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Comentários à lei dos juizados
especiais cíveis e criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 256.
Na verdade, ainda que muitas vezes o preceito civil e o preceito penal cuidem
dos mesmos bens jurídicos, não se pode olvidar que o primeiro visa à proteção de um
interesse privado, ao passo que o segundo objetiva à tutela do interesse social. “Ainda
quando pareça que um interesse privado é amparado pela norma penal, isso ocorre
(...) apenas por via indireta, pois é sempre e apenas um interesse estatal a ser
garantido.” 17
A sanção penal não é acessória, nem secundária, mas estabelecida não só pela
verificação da insuficiência ou ineficácia das outras sanções – civis, administrativas,
tributárias, previdenciárias, trabalhistas etc. –, o que não quer dizer venha incidir a
posteriori, em segundo plano, num outro momento, ou alternativamente, mas,
principalmente, em razão da importância do bem jurídico e da gravidade do ataque a
ele dirigido, que se quer evitar. Até porque a definição de crime independe da prévia
existência de um ilícito civil, tributário ou administrativo, que nem precisa ser
construído, quando se verificar previamente a sua ineficácia.
1.1.4.4 Valorativo
16 Idem. p. 25.
17 BETTIOL. Op. cit. p. 112.
Introdução ao Estudo do Direito Penal - 11
Direito Penal objetivo é o conjunto das normas jurídicas que definem os crimes,
cominam as penas, bem assim as demais normas de natureza penal, que tratam dos
institutos e das questões penais. São as normas contidas no Código Penal e nas demais
leis penais, ou, no dizer de DAMÁSIO E. DE JESUS, “é o próprio ordenamento jurídico-
penal, correspondendo à sua definição”. 19
20 Op. cit. p. 8.
12 - Direito Penal – Ney Moura Teles
no referido Estatuto”.21
Assim, o Direito Penal e a justiça militar, bem como o Direito Penal eleitoral e a Justiça
Eleitoral. A Justiça Eleitoral não se realiza pela justiça comum, apenas,
circunstancialmente, a maioria dos juízes eleitorais são, simultaneamente, integrantes
da justiça comum, por uma questão de economia e praticidade. Indiscutível sua
especialização, que decorre da autonomia do direito eleitoral, da natureza dos crimes
por ele definidos, de seus sujeitos, do bem jurídico tutelado e, ainda, das normas do
processo eleitoral.
Além disso, não é o Direito Penal instrumento para a transformação dos homens
em seres perfeitos.
É óbvio que, ao proteger os bens jurídicos, o Direito Penal, por extensão, empresta
uma contribuição importante para o combate à criminalidade, como conseqüência
natural de sua atuação. Mas não mais que isso.
Não pode intervir a todo momento, nem onde não seja indispensável, e só pode
atuar para proteger o bem jurídico.
A liberdade é bem de maior valor que a vida, pois vida sem liberdade não é vida.
Para esta teoria, a pena não tem uma finalidade, pois contém um fim em si
mesma: realizar a justiça, mediante a retribuição do malfeito pelo infrator da norma
penal, infligindo-lhe outro mal, que é o sofrimento da pena criminal, seja ela de morte,
de suplício, de privação de liberdade, perpétua ou por tempo determinado.
Tal teoria não apresenta um objetivo a ser alcançado com a pena, o que, de
plano, é um absurdo, pois não é lógico, racional, nem humano, possa o Estado infligir
um mal a um cidadão, sem nenhum objetivo, sem nenhuma finalidade a ser alcançada.
Não fundamenta nem limita o poder do Estado que a partir daí pode construir
as definições de crimes que bem entender, e impor as penas que bem quiser, na
qualidade e quantidade que desejar, porque se trata, pura e simplesmente, de retribuir
o mal causado a um interesse do indivíduo ou da sociedade.
24 ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Lisboa: Vega, 1986. p. 19.
16 - Direito Penal – Ney Moura Teles
ela será fixada “conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção
do crime”.
A pena como exclusiva retribuição não pode ser aceita porque está
absolutamente divorciada da missão do Direito Penal, que é a proteção dos bens
jurídicos.
Para esta teoria, o fim da pena é prevenir novos delitos do infrator da norma
penal. Enquanto preso, não cometeria novos crimes. Se o condenado fosse corrigível,
seria corrigido. Se apenas intimidável, ficaria intimidado e, se nem corrigível, nem
intimidável, restaria, pelo menos, neutralizado, durante o cumprimento da pena.
ROXIN faz objeções. Essa teoria, tanto quanto a da retribuição, não permite
delimitação do conteúdo do poder punitivo do Estado, seja na criação dos crimes, seja
na quantificação das penas. Além disso, para ser coerente, teria que manter o corrigível
preso até que se lhe desse a correção – mesmo que precisasse permanecer preso
indefinidamente –, o que seria um absurdo.
Por outro lado, se a idéia é prevenir novos crimes do infrator da norma penal,
não haveria necessidade da pena quando se verificasse a inexistência de perigo de
repetição da infração.
Esta teoria só consegue justificar a pena para aqueles que, tendo cometido um
crime, voltariam, necessariamente, a cometer outros, mas como descobrir quem é esse
Impossível tal descoberta, pelo menos enquanto Deus não vier a operar o direito
dos homens.
Tanto quanto as duas teorias anteriores, também esta não delimita o campo do
que pode ser definido como crime, deixando ao Estado plena liberdade para criar
novas figuras criminosas e estabelecer toda a espécie de penas, em qualidade e
quantidade. Daí o grande perigo de, com o objetivo de intimidar e prevenir novos
crimes, exacerbar, em demasia, as quantidades das penas e criar novos delitos. É o que
vem ocorrendo no Brasil nos últimos anos, infelizmente.
Apesar de tudo, não se pode negar que a pena exerce, na prática, essa função, já
que muitas são as pessoas que deixam de cometer crimes exatamente pelo medo de
Conquanto seja a mais severa das sanções, a pena criminal só pode ser utilizada
em último caso, excepcionalmente.
Dessa forma, não pode o Estado proibir comportamentos não lesivos, ainda que
sejam imorais. Assim, o Direito Penal está limitado pelo grau elevado da importância
do bem jurídico e pela alta gravidade da lesão a ele causada.
Nesse sentido, a pena criminal – bem limitada – só pode ter como primeira
finalidade a prevenção geral. Abstratamente, intimidar a generalidade das pessoas com
o fim de prevenir as lesões mais graves aos bens mais importantes. Sendo o objetivo do
Direito Penal a proteção de apenas alguns bens, os mais importantes, de apenas
algumas formas de lesões, as mais graves, então é claro que a criação dos crimes, com a
cominação das penas, tem como fundamento prevenir, de modo geral, a ocorrência
desses ataques. Nesse sentido, admite-se a prevenção geral, mas, é claro, apenas para
as lesões mais graves aos bens mais importantes.
Só faz sentido a pena que tiver como finalidade educar o homem que delinqüiu,
para mostrar-lhe a importância e as vantagens do respeito aos bens alheios, de modo
que, apreendendo novos conceitos, possa voltar a viver em liberdade.
Em síntese:
“uma teoria unificadora dialética, como a que aqui se defende, pretende evitar
os exageros unilaterais e dirigir os diversos fins da pena para vias socialmente
construtivas, conseguindo o equilíbrio de todos os princípios, mediante
restrições recíprocas”. A “idéia de prevenção geral vê-se reduzida à sua justa
medida pelos princípios da subsidiariedade e da culpa, assim como pela
exigência de prevenção especial que atende e desenvolve a personalidade”.27
A maior parte dos que violam as normas penais não pode sofrer penas severas,
que, longe de trazerem qualquer benefício a quem as sofre, proporcionam, ao contrário,
males irreparáveis, que se transmitem a todos os familiares do condenado.
1.3.5 Conclusão
face da Terra. O Direito Penal, enquanto protetor dos bens jurídicos mais importantes,
das lesões mais graves, deve, nesse sentido, encontrar outras modalidades de penas,
para responder aos delitos praticados.
A privação da liberdade não intimida e, o que é mais grave, não só não recupera
o condenado, como também o transforma negativamente. Não podia ser diferente, pois
não se ensina a viver em liberdade, respeitando os valores sociais, suprimindo a
liberdade do educando.