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ucação e Pssicologia
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Neste trabaalho, fazend do contemmplar a criiação escriita, mas uutilizando como
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proddutos obserrváveis algguns excerttos de auto ores que, na
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neiam tessiituras acerrca da sua p própria criiação. Inten ntaremos u uma abordaagem
interrna, fulcrall, cognitivaa/criativa, de um auttor que, noo próprio aacto de criação
(logoo, no próóprio texto o criado, metalinguiisticamentee), se con nfronta co om a
edificação escrrita que fazz erigir, mais do quee partir parra um estu
udo basead do na
críticca legitimadora da artte literária3.
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Depaartamento de P Psicologia ‐ Un niversidade de Évora
2 Biblioteca de Cultu
uras Estrangeirras
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A respeito desta leegitimação, Csikszentmihaly yi criou uma co oncepção sistéémico‐triádica que vai ao en ncontro
do percurso da criaação e seus co
omponentes in d caminhada criativa: o ca
ndissociáveis da ampo, o âmbiito e o
indivííduo. O camppo é todo o conjunto
c de coonceptualizaçõ ões padronizad das orientado oras / directrizes do
percurso do indivídduo, o que, noo caso da literratura, será a estipulada porr uma crítica literária canónica; o
âmbitto é o círculo de indivíduos avaliadores / legitimadoress de um determ minado produ uto, a fim de o tornar
apto para
p a entradaa no campo, i.e., os agentess de aceitação ou recusa dee um produto criativo, denttro dos
CANDEIAS, A. & Ferreira, A. (2007) Uma abordagem cognitivo‐criativa à análise da
criação literária a partir de fragmentos metaliterários, de arte poética, em alguns
escritores portugueses. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A
Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
Numa construção ensaística dialógica entre a criação do escritor hic et hoc,
entrosaremos os estudos acerca do domínio cognitivo‐criativo, criando um
constructo de análise produto‐teoria‐produto, a fim de aferirmos, ou, mais do que
isso, levantarmos questões prementes no âmbito dos trâmites cognitivos, quer os
que levam à criação, quer os que enchem a psique dos autores no exacto momento
da produção literária, sobretudo quando deixam transparecer uma certa
consciência de momento criativo, de motivo criativo e/ou de factor de criação,
naqueles tempo e espaço específicos. Neste domínio, faremos especial uso das
teorias do fluxo de Csikszentmihalyi, por acharmos serem deveras pertinentes no
decurso das leituras atentas dos excertos poéticos dos escritores, uma vez que
estes possuem a consciência deste fluir de imagens, ideias e visões supra‐reais que
os enlevam naturalmente para um nível supra‐humano, senão deificado, pelo
menos de plenitude criativa, de êxtase produtor.
Apanhando a ponta da epígrafe de um trecho poético de Ramos Rosa, partimos
para a exploração do que nos deixam entrever os poetas acerca da sua criação, na
própria criação. Escrever, em frases, acerca de frases, é a introspecção íntima do
momento criador, num registo discursivo que, em literatura, denominamos
metalinguística. No âmbito da psicologia, para o estudo da criatividade existem
dois condicionantes incontornáveis que não podemos, de forma alguma, descurar:
a inspiração (ou insight, ou flow), e o contexto histórico‐sócio‐cultural e / ou de
corrente artístico‐literária, também conhecido por zeigeist, que pode, como
aferiremos infra, impulsionar ou travar a criação.
Aquilo a que Csikszentmihalyi chama actividades de fluxo [2002] pode muito
bem ir ao encontro do que Ramos Rosa verbaliza, no excerto do poema supra, em
Uma frase cosida ao fôlego, ou um relâmpago / estancado / nos espelhos, i.e., flashes
que, embora ordenados, fluem para a fruição última de quem escreve e de quem lê.
parâmetros estipulados; o indivíduo é, naturalmente, o agente criador do produto, ou seja, o detentor‐
produtor da criatividade observável.
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CANDEIAS, A. & Ferreira, A. (2007) Uma abordagem cognitivo‐criativa à análise da
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Indo ainda ao encontro do investigador húngaro, o percurso criativo pelo fluxo
proporciona e / ou busca o extra‐quotidiano, o extra‐banal, o novo, o original.
Segundo afirma, Nos nossos estudos verificámos que todas as actividades de fluxo,
independentemente de envolverem competição, acaso ou qualquer outra dimensão
da experiência, tinham em comum o facto de proporcionarem uma sensação de
descoberta, um sentimento criativo de transporte para uma nova realidade.
Impeliam a pessoa para níveis mais altos de desempenho e levavam a estados
de consciência nunca antes sonhados. Em suma, transformavam o eu
tornandoo mais complexo4 [2002, 110].
CRIATIVIDADE OU METACRIATIVIDADE
Apesar de haver inúmeras importantes e proveitosas aproximações à
compreensão do que é a criatividade, os estudos no domínio do conhecimento
cognitivo‐criativo baseiam‐se muito mais nos processos e estruturas cognitivos,
que ficam ainda aquém do pensamento criativo [FINKE, SMITH, WARD, 1995].
Então partimos para a grande questão: O que é a criatividade? O que define um ser
criativo?
Desde a nossa infância, desde o mais elementar que a vida nos proporciona,
Chacun de nous, en jetant un coup d’oeil rétrospectif sur son histoire, constatera que
sa personnalité d’enfant, quoique indivisible, réunissait en elle des personnes diverses
(…). Mais les personnalités qui s’entrepénètrent deviennent incompatibles en
grandissant, et, comme chacun de nous ne vit qu’une seule vie, force lui est de faire un
choix. Nous choisissons en réalité sans cesse, et sans cesse aussi nous abandonnons
beaucoup de choses [BERGSON, 1996). A partir destes elementos basilares na
constituição do ser na sua consciência / inteligência cognitiva, cada sujeito partirá
para uma evolução particular de conceitos elementares para os transformar em
criações únicas, originais, muitas vezes até constituindo espécies de hybris sociais,
pondo em causa a norma, o dogma e o próprio conceito de verdade.
Na literatura, um dos conceitos cúmplices de quem explora os corpora é o da
inspiração, como se se tratasse de um sopro divino, ou de um momento de clímax
quase transcendente. Mas O poeta sabe que um dia uma sombra cairá sobre a
página / sem nenhuma nesga branca onde possa escrever uma palavra [ROSA, 2001]
ou que Agora as mãos regressam, folheiam / os desenhos e espalham a confusão / e a
arritmia. o autor foi ver o tempo / que faz lá fora. ou medir o sono do lago. ou /
hesita entre um verso / e outro verso. [GUSMÃO, 1996]. Apesar de aparentemente
contraditórios às teorias do fluxo de Csikszentmihalyi, pela noção de desnorte que
o poeta deixa transparecer, num verbalizado vazio de inspiração ou motivos de
composição poética, o facto é que é precisamente essa consciência que os
versos trazem a lume, a razão pela qual a complexidade da fluência
4 Sublinhado nosso.
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CANDEIAS, A. & Ferreira, A. (2007) Uma abordagem cognitivo‐criativa à análise da
criação literária a partir de fragmentos metaliterários, de arte poética, em alguns
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cognitivoconscienciosa aumenta como resultado das experiências de fluxo5,
i.e., embora aparentemente apossados de uma frustração do branco da página, é
pela negação de uma arte poética ou de inspiração que ela própria nasce, como o
fénix das cinzas.
Embora Mandler [1995] afirme que o original, o novo, possa ser tanto
deliberado quanto não intencional, essas criações aplicam‐se, segundo acrescenta,
ao quotidiano e, sobretudo, à infância, na qual criamos naturalmente e
inconscientemente termos novos aplicados a conceitos já conhecidos. Ora, no
âmbito da criação literária, nada surge ao acaso, nem mesmo a dolorosa
consciência do “pânico da página em branco”: Antigamente escrevia poemas
compridos / Hoje tenho quatro palavras para fazer um poema / São elas: desalento
prostração desolação desânimo / E ainda me esquecia de uma: desistência [BELO,
1997]. A partir destes versos de aparente nulidade inspiradora e criativa, aferimos
que é dela que surgiu a produção literária, numa artificial (in)consciência do real
ficcional transmitido a partir de uma possível realidade factual, vivida,
conscientemente, no momento da criação.
5 Cf. esquema ilustrativo dos índices de ansiedade / tédio, atravessados transversalmente por esse canal de
fluxo, que vão progredindo ou regredindo à medida que os índices de perícia / desafio sobem
(CSIKSZENTMIHALYI, 2002, p. 111).
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CANDEIAS, A. & Ferreira, A. (2007) Uma abordagem cognitivo‐criativa à análise da
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Ao encontro destas ideias da evolução das imagens e/ou conceitos gravados na
memória, Bachelard [1989] acrescenta que a transubjectividade da imagem exige
uma compreensão que ultrapassa, sobremaneira, o campo de qualquer
objectividade. Só a fenomenologia – isto é, consideração do início da imagem numa
consciência individual – pode ajudarnos a reconstituir a subjectividade das imagens
e a medir a amplitude, a força, o sentido da transubjectividade da imagem. A partir
destes desenvolvimentos de uma ideia/imagem/palavra primordial, o indivíduo
criativo parte para a ramificação em direcção ao novo, ao original, ao que o
estimula e que faz expressar pelo modo como vê o constructo de imagens vividas
em simultâneo com as idealizadas (imaginadas).
Manuel Gusmão [1996] parece dar conta dessa transmutação da imagem
primeira nas subsequentes (cf. Smith, supra) e do percurso que, embora dúbio,
poderá desenhar nos meandros da criação, desta feita literária: Em algum
momento te reclinas e por dentro do livro/olhas em frente para a música fora do
livro: é como se // visses a hora da noite e os fragmentos de uma alegria./Estaria já
então escrevendo com a mão mental? como/vibram aqui as figuras acesas? Em que
tempo, para que futuro // se movem? Os raios dos dedos põem a girar a hélice:
chamas,/chamas fazem a imagem. Ao longo deste excerto, o poeta/criador debate‐
se mentalmente com a consciência de um devir que flúi a partir de fragmentos de
uma alegria, ou seja, de um passado que advém em flashes que acendem e apagam,
sem a linearidade de um filme; com eles, o poeta avança para um simultâneo físico‐
mental, em que os dedos que discorrem pelas páginas acompanham o momento de
concentração cognitiva em determinadas imagens, imagens essas serão postas em
transfiguração passado‐futuro, i.e., são verbalizadas, dedilhadas para o produto
que será essa mescla do momento criativo entre a memória, a inspiração presente,
e a inclinação em direcção ao leitor (logo, a um novo momento (re)criativo,
posterior à criação do produtor), daí que o tempo deixe de ser contável, para se
tornar um concentrado centrífugo, pel’ Os raios dos dedos [que] põem a girar a
hélice, a imagem, e, consequentemente, o produto cognitivo‐criativo, que, neste
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Do latim imago, inis, o étimo imagem abarca, já na sua etimologia, a dupla significação representação e
lembrança, que irão confluir no percurso psicológico‐fenomenológico da própria construção de um produto
criativo.
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CANDEIAS, A. & Ferreira, A. (2007) Uma abordagem cognitivo‐criativa à análise da
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caso, será o da arte poética. Assim, este percurso iniciático de imagem/ns
multiplica‐se e metamorfoseia‐se num constructo labiríntico, numa
transversalidade de momentos mnemónico‐criativos, de súbitas sequências (ou
actividades de fluxo) de insight e memória.
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CANDEIAS, A. & Ferreira, A. (2007) Uma abordagem cognitivo‐criativa à análise da
criação literária a partir de fragmentos metaliterários, de arte poética, em alguns
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Num curto, mas interessante artigo do crítico Jean Cocteau [1985], este dá‐nos
conta de que a ideia de inspiração muitas vezes tomada como quase divinal,
religiosa, é errónea e falsa. Na verdade, acrescenta com veemência que
consciousness must take precedence over the unconscious and that it becomes
necessary to find the means which permit the unformed work to take form, to render
it visible to all. Com efeito, é dentro dos parâmetros do que Csikszentmihalyi
apelida campo, dentro do qual um criativo, por muito arrojado e inovador que seja,
terá de se movimentar, correndo o risco de, fugindo em demasia aos portões dos
âmbitos, ser‐lhe negada a entrada nos domínios do cânone, o que, na literatura,
poderá ir desde a simples publicação até ao galardoar dos trabalhos.
(…) na maioria das culturas, a arte, o jogo e os rituais consomem provavelmente
mais tempo e energia do que o trabalho. § Podendo estas actividades servir outros
fins, o facto de proporcionarem desfrute é a razão principal da sua
sobrevivência. O homem começou a decorar cavernas há pelo menos trinta mil
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O termo poiesis, do verbo grego poiein (fazer, moldar com as mãos, forjar), designa toda a produção
psicossomática artístico‐literária.
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CANDEIAS, A. & Ferreira, A. (2007) Uma abordagem cognitivo‐criativa à análise da
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anos. Estas pinturas tinham certamente significado religioso e prático. Contudo, é
provável que a principal razão de ser da arte fosse, no Paleolítico, a mesma que é
hoje, isto é, uma fonte de fluxo para o pintor e para o observador.
[CSIKSZENTMIHALYI, 2002: 113, sublinhado nosso]. Esta componente da criação
artística não pode nunca ser descurada, uma vez que está, incontornavelmente,
intrínseca à própria constituição natural do ser humano, pela sua vertente de
desfrute, de deleite, de prazer físico e mental. É contra natura privar um indivíduo
do prazer da criação e/ou da leitura/contemplação de um belo livro ou de uma
peça de arte. Por isso criamos – mesmo que, muitas vezes, sem nos apercebermos –
todos os dias, desde o modo como nos vestimos até à forma como nos
posicionamos na nossa ida para o emprego. Borges [2002] afirma, numa sua
conferência, algo que nos acicata pela aparente simplicidade, mas consciente
verdade inesgotável: acerca de uma quadra pertencente a um soneto de finais do
século XIX, de um poeta boliviano considerado menor, Ricardo Jaime Freire, Borges
afere simplesmente, perante a sua plateia, que Não querem dizer nada, não
pretendem querer dizer nada; mas impõem‐se. Impõem‐se como objecto belo. São
– pelo menos para mim – inexauríveis. É este deleite gratuito, sem um rebuscado
porquê, que todo o homem busca no seu dia‐a‐dia, e que todo o indivíduo criativo,
em especial, vivifica, fecunda, na sua existência.
Mas para que a criação tenha lugar é necessário conjugar dois vectores da
constituição cognitiva do ser humano em geral, e do sujeito criativo em particular:
a inteligência e o instinto. Bergson [1996] tece alguns intrincados
desenvolvimentos acerca desta matéria, pois o conhecimento formal da
inteligência tem uma enorme vantagem sobre o conhecimento material do instinto
[cf. p. 152], uma vez que um ser inteligente traz em si a inerência de procurar
sempre um modo de se ultrapassar a si próprio. E conclui: La différence que nous
allons signaler entre l’instinct et l’intelligence est celle que toute notre analyse
tendait à dégager. Nous la formulerions ainsi: Il y a des choses que l’intelligence
seule est capable de chercher, mais que, par ellemême, elle ne trouvera
jamais. Ces choses, l’instinct seul les trouverait; mais il ne les cherchera
jamais (152, sublinhado do autor). É, com efeito, a inteligência que nos faz
encontrar aquilo que, num momento primordial, procurámos por instinto; Bergson
aponta para algo inegável e importantíssimo no escalonamento do percurso
cognitivo de aquisição de saber. Contudo, não será esse útero iniciático (o instinto)
o proliferador fulcral, i.e., a semente de toda a criação, que será, depois, fecundada
pela inteligência aliada a uma cognição criativa? – como este verso de Ruy Belo,
miscigenadamente instintivo e pleno de inteligência: a sabedoria da criança é não
saber que morre.
É indubitável que tudo flúi para a consciência, como a de Herberto Helder
[1995] que nos esclarece: O sentido da literatura, nos muitos que tenha ou não
tenha, é que ela mantém, purificadas das ameaças da confusão, as linhas de força
que configuram a equação da consciência e do acto, com suas tensões e facturas,
suas ambivalências e ambiguidades, suas rudes trajectórias de choque e fuga. O
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CANDEIAS, A. & Ferreira, A. (2007) Uma abordagem cognitivo‐criativa à análise da
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autor é o criador de um símbolo heróico: a sua própria vida. (sublinhado nosso).
Mas para isso é preciso que a vida seja aproveitada como e para uma actividade de
fluxo, uma vez que, caso tal não aconteça, pode dar‐se Um dos paradoxos mais
irónicos do nosso tempo [que] é esta grande disponibilidade para o lazer que, de
algum modo, não consegue traduzir‐se em desfrute. (…) As oportunidades, por si
só, não chegam. Precisamos de habilidade para as aproveitar.
[CSIKSZENTMIHALYI, 2002: 122]. É esta habilidade / criatividade que um
indivíduo criativo busca incansavelmente para transformar uma ideia e/ou
imagem basilar num produto consistente, que proporcione deleite a si próprio,
num momento extático, e a quem o contemple – Essa música que mínima e
interminável / é a escrita por onde a pedra do mundo respira. [GUSMÃO, 2004].
Seja como for, todos nós possuímos algo de criativo, algo que alguém poderá
eventualmente considerar louco, mas que nos dá um enorme prazer: o da
contemplação de uma obra feita, nossa, mas sobretudo o do momento hic et hoc
que foi o clímax criativo, de êxtase, de elevação em relação à imanência e à
efemeridade das coisas pobres da vida. É esta nossa natureza que não podemos
deixar de evocar no final deste brevíssimo ensaio híbrido entre literatura e
psicologia, entre a teoria e os produtos de alguns escritores que versam sobre a
própria criação, na própria criação (como já afirmámos supra). Ex limine,
lançamos mais uns versos que deixam transparecer a grande metáfora que é toda a
arte e toda a criação, num claro‐escuro de superficialidade da matéria observável e
da essência dos conteúdos intrínsecos:
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CANDEIAS, A. & Ferreira, A. (2007) Uma abordagem cognitivo‐criativa à análise da
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Se a palavra dissesse exactamente o que diz
Nunca atingiria a cintilante transparência
Que tem a frescura do que é novo e do que é frágil
[ROSA, 2001]
Este trabalho nunca transporá as portas da interrogação ao que de consciência
cognitiva tem um criativo literário. Os indivíduos produtores de literatura
oferecem‐nos metaliteratura, termo tão aparentemente complexo como o é, de
facto, e tão representativo da contiguidade que codifica entre a realidade factual e
a realidade ficcional, ou, como diria Aristóteles, entre a verdade e a mentira. Mas
este é o grande desafio a que nos propusemos: o de abrirmos as portas à
interrogação, mais do que darmos respostas objectivas e dogmáticas, até porque,
quando se mistura o pensamento do homem com os seus momentos criativos,
nenhuma resposta, por mais especialista que seja, poderá ser tida como verdade
irrefutável.
Deste modo, a nossa fruição foi a de mesclarmos alguns pressupostos teóricos
com produtos observáveis, os quais, mais do que isso, são, eles‐próprios, corpora
híbridos de teoria‐criação metaficcional. Deixámo‐nos confundir e encontrar no
misto intrínseco que é a criação, o pensamento dessa criação, e o pensamento nessa
criação, num constructo labiríntico espacio‐temporal de elevado índice cognitivo‐
criativo.
Sem a pretensão de sermos críticos literários nem especialistas em psicologia, o
exercício ao qual nos lançámos foi o da consciente tangencialidade entre o real e a
ficção, instituída pelo produto criativo metaliterário. Foi esta ténue miscigenação
que nos cativou (e cativa) aquando da leitura atenta de um texto literário, bem
como da contemplação de um quadro, ou da audição fruitiva de uma música; são
momentos de cópula entre várias realidades (a primordial, do momento de criação
e anossa; o nosso presente e o nosso passado revivido mnemonicamente)
evocativas de universos vários, através de exercícios mnemónicos de assimilação
re‐criativa.
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