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P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessídade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.


Pe. EstevSo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
27
M A R

1 9 ó

" vi A III
ÍNDICE

L CIENCIA E RELIGIAO

1) "A Medicina pode realmente provar que se obtém a cura


de verrugas por mera sugestdo ?" JJ5

n. DOGMÁTICA

2) "Que se entende por 'natural, sobrenatural, preternatural'?


Quais as relajees désses elementos com o 'milagroso'?" j.?<y
3) "Quais as conseqüéncias do pecado de Addo para o genero
humano ?
Após a Redencáo por Cristo, poderío os dons paradisíacos ser
recuperados em casos especiáis ?" 13g

IH. SAGRADA ESCRITURA

A) "Como se explicam as palavras de Jesús em Mt 8,;22 :


'Segue-Me, e deixa os mortos sepultarem os seus morios'?" J47

5) "A Sagrada Escritura ensina que as línguas humanan tém


sua origem no famoso episodio da torre de Babel ? Vejase Gcne-
^n,i-9" l50

TV. MORAL

6) "Como se há de apreciar, do ponto de vista cristdo, a


coeducacáo de meninos e meninas ?" m?

V. HISTORIA DO CRISTIANISMO

7) "Porque existem tantas crengas baseadas sobre o mesmo


fundamento, a Biblia, e, nao obstante, divergentes entre si, as
vézes até hostis urnas as outras ?
Nao deveriam todoa os quo se inspiram do Evangellio, profes-
sar as mesmas proposicoes ?" jg^

VI. LITURGIA

8) "Quais as posigóes que os fiéis devem tomar durante a


celebragáo da S. Missa ? Há diversos costumes referentes ao ajoe-
Ihar-se, ao levantarse e ao sentarse" ig9

CORRESPONDENCIA MIÜDA , 17S

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Ano III — N? 28 —Abril de 1960

I. CIENCIA E RELIGIÁO

PERITO (Curitiba) :

1) «A Medicina pode realmente provar que se obtém a


cura de verrugas por mera sugestao ? Cf. «P. R.» 27/1960,
qu. 1».

No citado artigo de «P.R.» (pág. 98) fizemos a afirmagáo


ácima referida, baseando-nos ñas indicacóes do Dr. Silva Mello
em seu livro «Misterios e Realidades déste e do outro Mundo»
(Rio de Janeiro 1950, pág. 421).
Podemos hoje mencionar a mais recente experiencia nesse
setor, a qual confirmou de maneira muito clara quanto já se
dizia sobre o assunto.
Dois médicos da Universidade de Aberdeen (Escocia),
A.H.C. Sinclair-Gieben e Derek Chalmers, resolveram subme-
ter a. prova quatorze pacientes que muito sofriam de verrugas
numerosas e rebeldes. Estes, pois, foram colocados em estado
de sonó hipnótico, durante o qual os operadores Ihes sugeriram
que todas as verrugas de um lado de seu corpo iam desapa
recer, ficando, porém, as do outro lado. Désses quatorze doen-
tes, dez puderam ser hipnotizados até o grau necessário para
o sucesso do tratamento : com efeitoj o seu transe foi suficien
temente profundo para que, ao despertaren!, executassem urna
ordem recebida durante o sonó sem saberem por que agiam
assim e sem se recordarem do preceito recebido. Ora, dessas
dez pessoas hipnotizadas em tal grau, nove viram de fato
desaparecer as suas verrugas do lado indicado, permanecendo,
porém, as do outro lado do corpo.
Tal experiencia tem significado no plano nao sómente da
técnica medicinal, mas também no da Filosofía e Religiáo,
pois mostra como é vá a associacáo, apregoada pelo curan-
deirismo, entre cura de doencas e intervencóes de fórcas ou
poderes do Além. Na verdade, o vocabulario e as artes do
curandeiro desenvolvem primariamente a acáo de sugestionar;
por esta via geralmente é que obtém a cura dos pacientes,
quando esta de fato se dá...

Veja-se a noticia da experiencia na crónica «Le monde en marche»


da revista «Science et Vie», dezembro de 1959, pág. 28.

— 135 —
II. DOGMÁTICA

P. P. (Rio de Janeiro) :

2) «Que se entende por 'natural, sobrenatural, preter


natural'?
Quais as relacóes désses elementos com o 'milagroso9 ?»

Pode-se dizer que as quatxo nogóes ácima supóem todas


o conceito de natureza. Será preciso, portante, comegarmos a
nossa explanacáo averiguando o sentido exato déste vocábulo.

1. Natureza e natural

Etimológicamente, natureza vem do radical latino gna, que signi


ficar gerar (donde nasci = nascer). Da! se vé que natura, natureza,
já por sua etimología designa (para falarmos em termos muito
simples) «aquilo que íaz que alguma coisa seja o que ela é».

Na linguagem precisa da Filosofía e da Teología, por


«natureza» de um ser entende-se a esséncia específica désse
ser ou a sua estrutura ontológica. Assim a natureza do homem
(aquilo que própriamente faz que o homem seja homem) é
a sua racionalidade ou a sua composicáo de corpo e de alma
racional.
Define-se conseqüentemente como natural «o que é pro
porcional a natureza» ou «o que é determinado pelas exigen
cias da natureza» ou ainda «o que decorre da natureza».

Assim como há diversos tipos de natureza (a do homem, a do


animal irracional, a da planta...), há também diversos tipos de
«natural»: é, sim, natural, para o homem (nao. porém, para a pedra),
ter urna inteligencia, urna vontade, soírer a doenga, a velhice, a
•norte; para que o dlho veja, é condicáo natural haja luz (o mesmo,
porém, nao se requer para que o ouvido ouca).

A ordem natural, por conseguinte, é a reta disposicáo das


criaturas necessária para que possam conseguir o fim último
correspondente á sua natureza ; no caso do omem :... para
que éste possa chegar á bem-aventuranca de que é capaz
a sua natureza.

2. Sobrenatural

1. Sobrenatural, em relacáo a determinada natureza, é


em termos negativos: aquilo que nao pertence á integri-
dade dessa natureza nem é necessário para que ela se conserve
ou para que consiga a sua perfeigáo ou finalidade natural;

— 136 —
em termos positivos: o que está ácima das exigencias
dessa determinada natureza. O sobrenatural, portante, é sem-
pre um dom gratuito, que sobrevém á natureza já constituida.
O sobrenatural divide-se em

a) sobrenatural simplesmente dito e sobrenatural relativo.

Sobrenatural simplesmente dito é aquilo que excede as exigencias


de tdda e qualquer criatura: tal é, por exemplo, a visáo de Deus
face a face;
Sobrenatural relativamente dito ou segundo determinado aspecto
é aquilo que excede as exigencias de determinada criatura apenas;
assim o raciocinio é natural ao homem; seria sobrenatural porém,
para a pedra.

b) Sobrenatural quanto a substancia e sobrenatural


quanto ao modo.

Sobrenatural quanto a substancia é aquilo que por ai ou por sua


própria esséncia está ácima do alcance de determinada natureza:
assim o conhecimento dos misterios divinos.
Sobrenatural quanto ao modo diz-se aquilo que por sua esséncia
é natural, mas que, pelo modo como é produzido, ultrapassa o alcance
de determinada natureza; assim o desencadeamento de urna tempes-
tade (coisa natural) num momento em que o céu esteja limpo e a
atmosfera serena, é um fenómeno sobrenatural quanto ao modo.
Mais dois exemplos ilustrativos sejam aqui consignados.
A vida milagrosamente restituida a um cadáver é vida natural
(vegetativa e sensitiva) causada de modo sobrenatural por Deus; a
graca santificante, ao contrario, é vida esencialmente sobrenatural,
em relacáo tanto ao homem como ao anjo, pois consiste em parti-
cipacáo da vida íntima de Deus, dispondo a criatura a ver o Criador
face a face.

2. A luz de quanto dissemos, depreende-se que ordem


sobrenatural vem a ser a reta disposigáo das criaturas neces-
sária para que possam conseguir o seu fim último sobrenatural
simplesmente dito, ou também :... para que o homem possa
chegar á visáo de Deus face a face.

3. Tornam-se oportunas agora algumas observaedes em torno


de quanto acaba de ser exposto :
1) O sobrenatural nao se opde por si ao natural nem destroi
a estrutura da natureza. Ao contrario, o sobrenatural supSe a natureza
e tende a aperfelcoá-la. Conseqüentemente, os dons sobrenaturais
podem ser comparados ao fogo, que penetra totalmente a barra de
ferro, comunicando-lhe as propriedades de luz e calor características
do fogo, sem, porém, destruir a natureza do ferro; sao também
comparados ao enxerto que, colocado em árvore selvagem, nao extingue
a vida desta, mas, ao contrario, faz que produza melhores frutos.
2) fi lora de proposito dizer-se, com Ripalda, teólogo do séc.
XVII (tl648), que Deus poderia criar urna substancia sobrenatural,

— 137 —
ou seja, urna substancia para a qual o sobrenatural simplesmente
dito íósse natural. O sobrenatural simplesmente dito excede as exi
gencias de toda e qualquer criatura; nunca, portante, pode ser
natural a urna criatura.

3. Preternatural

O preternatural vem a ser u'a modalidade de sobrenatu


ral : é aquilo que aperfeigoa determinada natureza, excedendo
as exigencias dessa natureza, sem, porém, a elevar ácima de
si mesma ; o preternatural, portante, é um dom que liberta a
natureza dos defeitos que lhe sao congénitos, possibilitando-lhe
mais fácil consecugáo de seu fim próprio.

Haja vista o seguinte exemplo. É natural ao homem morrer após


alguns,decenios de vida na térra; admita-se, porém, que a existencia
de determinada pessoa venha a ser prolongada por Deus de modo
a nao conhecer a morte, sem, porém, que essa pessoa deixe de
exercer as facuidades de simples homem (portanto, sem ser elevada
ao plano dos anjos ou dos filhos adotivos de Deus); diz-se entáo
que o dom correspondente a tal prolongado é o dom preternatural
da imortalidade. — «Preter...» denota o que está além das exigencias
da natureza, permanecendo, po.rém, na linha mesma da natureza, nao
passando para plano superior (sobrenatural).
Eis outro exemplo: o homem, como vívente racional, adquire
lentamente as sitas idéias mediante o raciocinio. Dado, porém, que,
em vez de conquistar paulatinamente sua ciencia pelo raciocinio, o
homem venha a possui-la {mediatamente Infundida par Deus no
momento da sua criacáo, diz-se que recebe o dom preternatural da
ciencia; é um dom que nao está própriamente ácima da natureza,
mas está íora de quanto é devido á natureza humana como tal.

Convém por fim notar que «sobrenatural» e «preterna


tural» nao sao termos sinónimos de «espiritual». Todo espirito
tem sua natureza e por esta se acha integrado na sua res
pectiva ordem natural (de alma humana, de anjo...). Pode,
porém, ser elevado a ordem sobrenatural ou preternatural me
diante os dons que acabamos de caracterizar. Paralelamente,
todo ser material tem sua natureza, pertencendo a determi
nada ordem natural (de corpo humano, p. ex.) ; além disto,
pode ser sujeito de dons sobrenaturais (da gloria dos filhos
de Deus...) ou pretematurais (imortalidade da carne, isen-
cáo de dores e miseria...).
Observe-se também que o sobrenatural e o preternatural
nao sao necessáriamente algo de milagroso. Por «milagroso»
(no sentido religioso) entende-se o fenómeno extraordinario
que chame a atencáo dos homens por ser sinal de Deus (cf.
«P. R.» 6/1958, qu. 1). Ora pode-se muito bem admitir que
dons sobrenaturais ou pretematurais sejam concedidos á na
tureza humana sem chamar a atengáo da comunidade, nem

— 138 —
mesmo a do sujeito agraciado. Doutro lado, porém, deve-se
reconhecer que todo milagre é algo de sobrenatural ou, ao
menos,... de preternatural (justamente por derrogar ao curso
normal da natureza é que o milagre chama a atengáo dos
homens).
Estas nocóes já nos fornecem elementos para passarmos
a ulterior questáo.

3) «Quais as conseqüencias do pecado de Adao para o


género humano ?
Após a Kedencáo por Cristo, poderáo os dons paradisía
cos ser recuperados em casos especiáis ?»

Antes do mais, em nossa resposta convém elucidar o que sejam


«dons paradisiacos» ou «estado paradisiaco». A seguir, verificaremos
a que ficou reduzido o género humano em conseqüéncia do pecado
de Adáo.

1. O estado paradisíaco

O «estado paradisiaco» é o estado em que Deus quis colocar o


primeiro casal humano (Adáo e Eva) na fase inicial de sua historia.
Ésse estado se achava associado a um local harmonioso (simbolo
da harmonía que reinava dentro do próprio homem) chamado «paraiso
terrestre»; donde o nome de «estado paradisiaco». Nessa situagáo o
homem usufruia de dons sobrenaturais e preternaturais.
Vejamos . em que consistiam própriamente.

a) Os dons sobrenaturais

Sendo o homem urna criatura intelectiva, ele é natural


mente orientado para Deus ou destinado a encontrar em Deus
sua perfeigáo e bem-aventuranca. Sim; a criatura intelectiva
foi feita para apreender a verdade e déla fruir amorosamente.
Ora a verdade por excelencia é Deus, o Supremo Ser (Ver
dade e Ser sao conceitos que se recobrem, ensina a Filosofía;
cf. «P. R.» 20/1959, qu. 1). Frisemos bem: o homem, por
sua inteligencia, é capaz de apreender o Infinito, de sorte que
ele nao se realiza plenamente senáo na posse do Ser Infinito,
que é Deus.
Contudo podem-se conceber duas modalidades ou duas
vias pelas quais a criatura humana entre na posse de Deus:
a natural e a sobrenatural.
1) A primeira modalidade, natural, é a que decorre
da capacidade da natureza humana como tal. Nessas coudi-
cóes o homem tende a conhecer, sim, a Deus, mas de maneira
análoga. Com efeito, o conhecimento humano tem por objeto
primario as criaturas, e as criaturas tais como elas se apre-

— 139 —
sentam no mundo material que nos cerca ; é a estas que a
inteligencia humana apreende diretamente. Quanto a Deus, o
Ser Infinito, só O apreendemos através das criaturas, por ana-
logia com estas. Tal conhecimento analógico de Daus pode-se
tomar cada vez mais puro e penetrante, proporcionando final
mente ao homem o deleite máximo de que ele seja capaz por
sua própria natureza. Tal é a chamada bem-aventuranca na
tural do homem, que já os filósofos Platáo e Aristóteles pre-
conizaram independentemente da Revelagáo crista.
Observe-se agora o seguinte : Dsus podia ter criado o
homem, destinando-o a conseguir, no curriculo de sua vida
terrestre, a bem-aventuranca natural como fim supremo. O
homem se acharia entáo na ordem natural ou no estado de
natureza pura. Em tal condigáo, ele seria, sem dúvida, afe-
tado das vicissitudes ou enfermidades decorrentes da estru-
tura mesma da natureza humana. O que quer dizer :

sofreria de ignorancia (pois só aos poucos o homem adquire


idéias, nunca chegando a plenltude do saber);
soíreria as dores, doencas e miserias resultantes dos desgastes
do organismo humano e da acáo do ambiente sóhre éste;
soíreria a morte ou a decomposicao, pois todo ser composto
(e o homem é um composto de corpo e alma) tende naturalmente
a se decompor;
soíreria também a hita da carne contra o espirito, pois a nossa
natureza sensivel tem suas tendencias, que por vézes antecedem a
deliberagáo da razüo e nao sempre se harmonizam com os ditamcs
desta.
Apesar de todas essas vicissitudes, porém, o homem poderia, com
o auxilio do Criador, chegar ao conhecimento cada vez mais exato
da Verdade (de Deus), coníormar-se cada vez mais fielmente as
normas da moralidade e assim, terminada esta vida, ir gozar de Deus
para todo o sempre.

Criando o homem no estado de natureza pura, está claro


que o Senhor nao faria obra indigna da sabedoria ou da
bondade divinas, pois todo ser criado, por definigáo, significa
sempre perfeicáo finita, falivel, capaz de recair no abismo
do nada donde procedeu ; nao há, nem pode haver, criatura
que por sua natureza mesma nao traga a marca da limitacáo
e da falibilidade. O Ser Ilimitado ou Irifalivel simplesmente
dito só pode ser um. Criado, por conseguinte, em estado de
natureza pura, o homem nao teria motivo de se queixar do
Criador ; seria certamente um artefato belo e bom da Sabe
doria Divina.
Note-se outrossim que, ñas referidas condigóes, a criatura
humana faria uso de seu livre arbitrio, podendo assim rene
gar a Deus, seu Fim Supremo, pelo pecado. Pecando, porém,

— 140 —
o homem nao decairia do seu estado natural, pois o pecado
nao destrói nem diminuí o que é constitutivo da esséncia ou
da natureza das criaturas. •
2) Na verdade, porém, (e é pela Revelacáo Divina que
o sabemos), Deus quis ser estupendamente liberal ao criar o
homem, concedendo-lhe a dignidade máxima que Ele podia
dar a urna criatura intelectual. Sim ; Deus comunicou aos
primeiros país o consorcio da vida divina, fazendo do homem
ofilho adotivo de Deus, mediante um conjunto de dons que
sao chamados sobrenaturais. ... Sobrenaturais, porque, exce-
dendo as exigencias de qualquer natureza criada, habilitavam
o homem a conhecer e amar o Criador nao através do espélho
das criaturas, mas como o próprio Deus conhece e ama a Si.
Os dons sobrenaturais de que gozavam os primeiros pais
no paraíso eram

a gra^a santificante: entidade criada que se poderia comparar a


urna sementé ou a um enxérto da vida divina dentro da alma.
A graca santificante é como urna nova natureza ou um novo
principio de acao, o qual se manifesta mediante seus órgaos próprios,
constituindo com estes de certo modo um «organismo espiritual».
Os órgáos de agáo da graga eram (e ainda sao):
as virtudes infusas, a saber,
as virtudes teologais: a fé, a esperanga,
a caridade;
as virtudes cardeais: a justica, a pru
dencia, a fortale
za, a temperanca;
os dons do Espirito Santo (sabedoria, Inteligencia, ciencia, conse-
lho, fortaleza, piedade, temor de Deus), os quais tornam a alma
particularmente apta para receber moc5es do Espirito Santo.
Possuidor dos dons sobrenaturais, o primeiro homem era chamado
a ver a Deus face a face logo ao terminar a sua peregrinacao na térra.

Eis, porém, que novo elemento surge ante a nossa mente:

b) Os dons prcternaturais

Para facilitar a consecugáo de táo elevado objetivo (sobre


natural), o Criador ainda quis corrigir os defeitos da natureza
humana de Adáo e Eva, mediante dons preternaturais, isto é,
mediante prerrogativas que constituiam a natureza num es
tado de maravilhosa integridade, vigor e retidáo, mas nao a
elevavam ácima do alcance de suas próprias fórc/as. Assim
como a graga santificante e os dons sobrenaturais anexos cor-
roboravam a adesáo do espirito de Adáo a Deus, assim os
dons preternaturais corroboravam a submissáo da carne de
Adáo ao seu espirito, dando origem a estupenda harmonía
dentro do próprio homem.

— 141 —
E quais seriam ésses dons preternaturais ?
Os teólogos enumeram os cinco seguintes:
1) O dom da retidüo ou da imunidade de concupiscencia; era a
prerrogativa mediante a qual os primeiros pais subord.navam todas
as tendencias da sensibilidade ou da carne ao perfeito dominio da
razáo, razáo que, por sua vez, estava plenamente sujeita ao supremo
imperio de Deus.
Esta prerrogativa é insinuada pelos textos do Génesis (225; 3,7):
aíirmam que, antes do pecado, Adáo e Eva estavam som vestes e nao
sentiam rubor por isto (o que só se explica pelo lato de estarem
isentos de paixáo desregrada, á semelhanca de crlancas inocentes);
depois do pecado, porém. experimentaran! a necessidade de se vestir
(o que só se pode entender por efelto da concupiscencia desordenada
que néles se despertara).

2) o dom da imortalidade: mediante éste prvilégio, o homem,


embora tendesse naturalmente a se dissolver na morte. era destinado
a passar da Térra á visáo beatífica de Deus sem atravessar a morte.
Já que a natureza por si repudia a morte. era muito conveniente que
o Criador concedesse á alma do primeiro homem o dom de conservar
a vida do corpo, enquanto ela mesma conservava sua verdadeira
vida, que é a uniáo com Deus.
A existencia déste dom no paraíso é atestada pelo fato de que
a morte loi infligida ao homem como castigo dacorrente do pecado;
el. Gen 2,17; 3,25s. O 3iv.ro da Sabedoria ensina outrossim que Deus
nao fez a morte, mas que esta entrou no mundo por inveja do
demonio (cf. 1,13; 2.23s); veja-se também Sao Paulo, Rom 5,12-17.
O homem, no paraíso, deveria sustentar a sua existencia com
alimentos (cf. Gen 2,16); estes impediriam o natural desgaste dos
órgaos e da energía vital do homem, coisa que atualmente nao se dá.
Após a ressurreigáo do corpo. no f.m dos tempos, o homem nao preci
sará em absoluto de alimentagáo corporal.

3) O dom da impassibilldade ou da imunidade de sofrimento.


O sofrimento, entendido como doenca e achaque do corpo, é um dos
elementos precursores e concomitantes da morte. Visto, porém, que
o homem no paraíso estava isento de morrer, entende-se que cstivesse
também imune de sofrer as molestias portadoras da morte. É o
que o texto sagrado dá a entender quando «presenta o sofrimento
e a dor como conseqüéncias do pecado de Adáo (cf. Gen 3,19).

4) O dom da ciénega infusa ou da Imunidade de ignorancia.


Por «ignorancia» entende-se aqui nao qualquer ía'ta de conheci-
mentos, mas a carencia das noedes que determinado homem, em
determinadas circunstancias da vida, deve possuir (vista a debilidade
da natureza humana,, veriíica-se que é muito fácil ocorrer tal caren
cia). Adáo no paraíso, juntamente com a fé inlusa {dom sobrenatural),
possuia os conhecimentos necessários ao bom desempenho de sua
missáo de pai do género humano; em outros termos: conhecia as
verdades de ordem religiosa e filosófica pressuposta para que orien-
tasse a sua conduta e educasse devidamente os seus fllhos (cf. Eclo
17,1-8). Isto nao significa que fósse conhecedor também das ciencias
profanas e dos esmerados procederes da técnira. NAo t.e creia tam-
pouco que contemplasse a Deus face a face ou conhecesse aconteci-
mentos futuros contingentes ou ainda as segredos dos coragoes. Os
primeiros pais viviam estritamente do reg me da fé.

— 142 —
^ S. Agosünho e S. Tomaz julgara que ao dom da ciencia infusa
de Adao estava assoc.ado o dom da imunidade de erro (cf. S Tomaz,
S. Teol. 194,4; De verit. 18,6); e erro é, sim, o mal da inteligencia.
Quanto ao erro de Eva, que se deixou seduzir pelas palavras do
tentador, dizem os teólogos que ele se explica multo bem na hipótese
de que Eva, ao atender ao Maligno, já havia pecado interiormente
por orgulho.

A ciencia infusa de Adao é insinuada pelo texto bíblico quando


refere que o primeiro homem viu desfilar em sua presenca todos
os animáis do paraíso e a cada um impós o respectivo nome (cf. Gen
2,19). Esta cena nao há de ser necessariamente tomada ao pé da
letra; ela provávelmente significa em térmo.3 figurados que Adao
teve o conhec mentó exato do valor ou do significado dos animáis
lrracionais que o cercavam ou, mais amplamente, do mundo material
em que estava colocado. «Impor o nome», na linguagem dos antigos,
significa «exprimir a esséncia ou as notas características» da Dessoá
ou do objeto nomeado.

5) O dom do perfeito dominio sobre as criaturas inferiores.


É natural que o homem, como criatura intelectiva ocupe o
primado entre as criaturas v.síveis déste mundo. Éste primado, porém
so se exerce mediante luta e fadiga, vistas as diversas tendencias
que movem os seres sobre a-Terra. Ora, justamente para tornar fácil
e perfeito o dominio do homem sdbre as criaturas inferiores, o Senhor
quis muñir de um dom especial os primeiros pais: haveriam de lavrar
o solo e dominar os animáis (cf. Gen 2,8.15), sem dai ressentir
incomodo ou preocupacáo (cf. Gen 3,17s).
■u-,£lfLuns te.61°g°s induem o dom do perfeito dominio no da impas-
sibilidade, pois inegávelmente também esta prerrogativa significa
ísencáo de sofrimento ou de luta.

Os privilegios preternaturais e sobrenaturais que acaba


mos de assinalar, constituiam o que se chama «a justica ori
ginal». Esta, segundo o designio de Deus, estava destinada a
ser o apanágio de todo o género humano ; era como queum
patrimonio de familia, confiado ao primeiro pai, devendo-se
transmitir por geracáo, de sorte que todo filho de Adáo seria,
ao mesmo tempo, filho adotivo de Deus.

Os teólogos julgam que apenas o dom da ciencia infusa nao se


comunicada aos demais homens ñas proporgñes em que Adao o
possuia, pois o papel do primeiro homem, criado em idade adulta e
destinado a ser pai de todo o género humano, exigía conhecimento
mais profundo do plano de Deus.

Contudo, para que a transmissáo da justica original se


fizesse, era preciso que o primeiro pai perseverasse na sua
integridade inicial, obedecendo ao preceito divino.
A condicáo, porém, nao foi preenchida : Adáo pecou...
E quais as conseqüéncias dessa falta ?
Costumam ser resumidas na fórmula seguinte :

— 143 —
2. «Despojado dos dons gratuitos, ferido em sua natureza»
É com as palavras ácima (inspiradas da parábola do bom sama-
ntano em Le 10,30) que os teólogos exprimem os males de que^ern
soírendo o género humano por efeito do pecado de AdSo. Velamos
XSgnf¿ad°nSÍderand0 ■*■»*»«* — *J"SJ
1. «Despojado dos dons gratuitos». Tendo-se revoltado
contra o Senhor, compreende-se tenha Adáo perdido ¡media
tamente os privilegios que o elevavam ácima de si mesmo,
tornando-o filho adotivo de Deus (privilegios sobrenaturais).
Compreende-se também que haja perdido as prerrogativas
preternaturais, que corroboravam sua natureza como tal, fa-
zendo-a mais seguro suporte da graca. O Criador nao forca
a liberdade do homem ; desde que éste diga «Nao», Deus lhe
retira todas as dádivas acessórias ou gratuitas que caracte-
rizam o «Sim» ou o estado de adesáo ao Senhor. Esta pro-
posigáo é clara ; a que mais atengáo requer, é a que concerne
á natureza humana.
2. «...Ferido em sua natureza». É doutrina comum
entre os teólogos (já atrás mencionada) que o pecado nao
deteriora nem destrói a estrutura ou a esséncia dos seres. Nao
se pode, por conseguinte, dizer que a natureza humana haja
sido diretamente afetada pela culpa dos primeiros pais. O
termo «ferido» ou «chagado», na expressáo ácima, significa
antes o seguinte :

A natureza humana está hoje reduzida á sua condigáo


meramente natural e as suas miserias congénitas, depois de
ter sido urna vez elevada a condicáo superior ou sobrenatural;
em conseqüéncia, o aparecimento, no homem, dos defeitos da
natureza já nao é simplesmente um fenómeno natural, mas
é o produto concreto e perene de urna revolta contra
Deus verificada no inicio da nossa historia. Sem dúvida, o
homem, após o pecado, pode ainda apreender a verdade e
amar o bem ; a culpa dos primeiros pais nao colocou alguma
energía má no interior da natureza humana, mas retirou a
esta os dons que .remediavam as suas miserias congénitas,
deixando-a a bracos com dificuldades das quais Deus a quería
preservar. Donde se segué que a lentidáo natural com que
o homem apreende a verdade, a concupiscencia desregrada
que ele padece ao procurar o bem, significam, em última
análise, um estado de coisas hediondo, porque destoante do
exemplar concebido nos designios divinos.
Note-se mais: o homem, hoje reduzido ao seu estado
natural, continua, nao obstante, destinado a um fim sobrena-

— 144 —
tural, único fim, alias, a que Deus chama suas criaturas; Deus
ainda quer dar-lhe a visáo de Si face a face. É o que faz que
o estado atual, embora pareca natural, seja, ainda a novo
titulo, um estado de desequilibrio e desordem.

Em outros termos, diríamos: no estado de natureza para a ausen


cia dos dons preternaturais e sobrenaturais seria mera ausencia,
mera falta de um aparato nao devido á natureza humana. No estado
presente, porém, tal ausencia representa dcpauperamcnto e decaden
cia em relagáo a um estado anterior muito nobre. O homem, hoje
em dia, é, do ponto de vista religioso, um pobre que já foi rhuito
rico, mas perdeu sua riqueza por imprudencia ou loucura sua e,
nao obstante, continua a ser estimado como rico — o que é muito
diferente de um. pobre que sempre foi pobre e sempre se comportou
prudentemente em sua pobreza. O estado atual da natureza humana
significa desarmonia e culpa, ao passo que o estado de natureza
pura, nunca elevada á ordem sobrenatural, nao implicaría tal nota
pejorativa.

E quatro sao as chagas que os teólogos costumam apontar


no estado atual da natureza humana (cf. S. Tomaz, Suma
Teológica I/n 85, 3) :

1) no paraíso, a inteligencia apreendia a Verdade de maneira


fácil e certeira — o que hoje nSo se dá. Donde a chaga da Ignorancia;
2) a vontade tendía, de modo espontaneo e eficaz, ao bem,
contrariamente ao que hoje se verifica. Donde a chaga da malicia;
3) o apetite irascível se entregava enérgicamente á ardua pugna;
hoje nao. Donde a chaga da frnqueza;
4) o apetite concupiscível aderia harmoniosamente aos prazeres
moderados pela razáo, diversamente do que hoje se dá. Donde a chaga
da concupiscencia.

Eis as notas que caracterizan! o estado religioso e moral


do genero humano após o pecado. Poder-se-iam compendiar
todos ésses tragos numa só palavra : insuficiencia. Sim; o
homem sofre, hoje em dia, de

insuficiencia absoluta para conseguir por si o fim último sobre


natural ao qual ele está destinado;
insuficiencia relativa para chegar ao seu pleno desenvolvimento,
mesmo na linha meramente humana.

3. Natureza caída, mas resgatada

Deus em sua misericordia nao quis deixar nem Adáo


nem algum de seus descendentes no estado de desequilibrio
em que o primeiro pecado projetou o género humano. O Pai
Celeste, de um lado, houve por bem manter, como dissemos,
o destino sobrenatural do homem, nao permitindo que éste,

— 145 —
apesar de toda a ingratidáo, vise bem menor do que a filiagáo
divina e a contemplaeáo de Deus face a face ; de outro lado,
porém, o Pai decretou dar remedio k incapacidade da natu-
reza humana frente a .táo elevado fim.
Ésse remedio consistiu no envió á Térra, de um segundo
Adáo, Jesús Cristo, que é o próprio Filho de Deus feito homem.
Éste mereceu para todo o género humano, desde Adáo até a
última geragáo, novo acesso á graca santificante, as virtudes
e aos dons sobrenaturais anexos, restituindo assim ao homem
pecador a possibilidade de conseguir o seu fim sobrenatural.
Por Cristo e pela aplicagáo dos méritos de Cristo no Antigo
e no Novo Testamento, os homens estáo de novo adaptados
ao seu fim sobrenatural e positivamente integrados na ordem
sobrenatural.

Quanto aos dons preternaturais, cuja fungáo era conferir


um subsidio á natureza humana, isentando-a de suas miserias
congénitas, éles nao nos foram restituidos. Nao; o caminho
de volta para Deus após o pecado é arduo. Pode-se dizer que
Deus mesmo quis que fósse tal.
E porque o quis ?
Para que o sofrimento mesmo e a morte, que assinala-
ram o nosso caminho de afastamento do Pai Celeste, marquem
atualmente, por efeito da Redengáo de Cristo, nossa senda
de regresso á casa do Pai; padecendo e morrendo, pagamos,
de um lado, nosso tributo á Justina e, de outro lado, desem
bocamos estupendamente na vida eterna. As próprias miserias
da natureza, aceitas em uniáo com a Cruz de Cristo, tornam-se
os instrumentos concretos de nossa purifícacáo e santificagáo.
O Criador quis que a marca do mal se tornasse destarte tam-
bém marca do bem; por isto Ele nao extinguiu «a marca»
(o sofrimento e a morte). O Sabedoria Divina, que sabe en
volver todas as coisas (até o que é mau) num plano benéfico!
Nao restituindo os dons preternaturais ao homem, Deus
nao comete a mínima injustiea, pois o Senhor nada deve á
criatura (injustiga em Deus suporia direito da parte do
homem). Ao contrario, o designio divino manifesta maravi-
lhosa arte do Criador, que, sem derrogar as exigencias da jus-
tiga, faz que a própria e justa sangáo sirva de resgate ao
homem!

Pode acontecer, porém, que Deus conceda a urna ou outra alma


justa aquí na Térra urna certa assemelhacáo ao estado paradisiaco;
houve, por exemplo, santos que dominaram a natureza, acalmando
tempestades, convivendo harmoniosamente com feras, ou curaram

— 146 —
doencas, ressuscitaram mortos, íalaram linguas novas, predlsseram
o futuro, etc. Trata-se de dons que o Senhor outorga esporádicamefite,
sem que isto possa ser previsto nem provocado; em geral, os santos
nao os pedem nem estao predispostos a crer que o Senhor os ésteja
agraciando désse modo. Nenhum désses fenómenos maravilhosos ou
«paradisiacos» é característico necessário da graca santificante con
cedida aos filhos de Deus.
Acontece também que, por meio de processos hipnóticos e letár
gicos, se déem casos de clarividencia, impassibilidade, etc.; tais resul
tados, porém, obtidos por tal via nada tém de religioso; nao podem
ser relacionados com os dons paradisiacos nem com os milagres
efetuados pelos santos, pois dons paradisiacos e milagres dos santos
sao essencialmente sinais religiosos ou sinais da presenca de Deus
que se digna .responder á fé e ás orac5es dos homens (cf. «P. R.
11/1958, qu. 1).

III. SAGRADA ESCRITURA

TESTEMUNHA (Belo Horizonte) :

4) «Gomo se explican* as palavras de Jesús em Mt 8,22:


'Segue-Me, e deixa os mortos sepnltarem os seus morios' ?»
O significado dos dizeres ácima entende-se bein á luz do respectivo
contexto, contexto que n0 Evangelho de Sao Lucas (9,57-62) é um
pouco mais explícito do que no de Sao Mateus (8,19-22).

Na verdade, os Evangelistas nos apresentam sucessiva-


mente duas atitudes dos homens perante um chamado do
Divino Mestre — o chamado a seguirem a Cristo na qualidade
de discípulos.
a) A primeira atitude é a da generosidade aparente, mas
superficial. Com efeito, alguém se apresentou ao Divino Mes
tre, afirmando : «Mestre, seguir-Te-ei para onde quer que vas»
(Mt 8,19 ; Le 9,57). A ésse fervor pouco experimentado, dizem
os Evangelistas, Jesús houve por bem responder com reservas,
mostrando as dificuldades do propósito : seguir a Cristo seria
expor-se a todas as especies de privacóes, pois «as raposas téem
seus covis, e as aves do céu seus ninhos, mas o Filho do
Homem nao tem onde reclinar a cabera», advertiu o Senhor
(Mt 8,20 ; cf. Le 9,58).
b) A segunda atitude do homem perante o chamado
de Cristo é a da vacilacáo. Certa vez o Divino Mestre mesmo
dirigiu a alguém o convite: «Segue-Me» (Le 9,59). Ao que
o discípulo replicou: «Senhor, permite-me que vá primeira-
mente sepultar meu pai» (Mt 8,21; Le 9,59). Nao se dando
por satisfeito com a resposta, inslstiu entáo Cristo: «Segue-Me,
e deixa os mortos sepultaren! os seus mortos».

— 147 —
Alguns comentadores julgam que o pal do jovem se achava ainda
em vida, se bem que gravemente enfermo. O mancebo teria entilo
pedido ao Senhor o prazo mais ou menos longo que decorreria até
a morte e o sepultamento do doente, talvez intencionando esquivar-se
definitivamente ao convite de Jesús. A maioria dos exegetas, porém,
admite que o anciáo já morrera e que o jovem pedia apenas o exiguo
tempo necessário para participar dos funerais. Como quer que seja
em um e outro caso, o pedido parecía muito legítimo: prestar assis-
tencia aos genitores e sepultar os mortos eram obras altamente esti
madas pelos judeus piedosos. Em particular, o sepultamento dos
defuntos era tido como dever táo imperioso que os rabinos dispen-
savam das oracóes usuais e do estudo da Lei os filhos que tivessem
a sepultar pai ou máe (cf. o tratado do Talmud, Berachot 17,2):
ademáis a própna Escritura Sagrada, por sua narrativas muito
parecía recomendar aos filhos o cuidado de sepultarem seus país
(cf. Gen 25,9; 50,5; Tob 1,21; 2,3-7; 4,3). Já que os judeus costumavam
sepultar no día mesmo da morte (cf. At 5,5s), o pedido do jovem nao
implicaría em grande atraso para seguir o Divino Mestre.

Contudo Jesús nao quis reconhecer a legitimidade da


súplica.
Nao porque o cuidado dos mortos nao seja em si obra
boa, mas porque, no caso focalizado, a atitude do mancebo
significava falta de generosidade para com Deus, significava
certa covardia ou também um coracáo dividido entre o amor
a Deus e o amor as criaturas. Ora o Senhor quer ser amado
ácima de tudo; é, alias, a reta hierarquia dos valores que o
exige: ou Deus ocupa o lugar capital na vida do ' homem,
norteando todas as atitudes déste, ou simplesmente dever-se-á
dizer que Deus nao existe para tal homem; ninguém se iludirá
julgando que cultua a Deus pelo fato de Lhe consagrar «algu-
mas» de suas atitudes ou «algumas» de suas horas na vida.

Urna pequeña digressáo servirá para ilustrar quanto acabamos


de afirmar.
Um monge hindú dizia com muito acertó: «Deus é a Unidade
sem a qual só existem zeros».
Com efeito. Deus é, por definigáo, o Ser Absoluto — o que
significa:... o Valor Absoluto. Deus é, sim, o Valor que torna valiosa
toda e qualquer criatura e sem o qual esta é vazia e engañadora.
Imaginemos urna serie de tres zeros, outra de seis, outra de
nove zeros: =

000
000 000
000 000 000
Os zeros que se acrescentam aos zeros nada alteram; tudo fica
sendo zero... Mas coloquemos o número Um, urna só unidade, coisa
simplicissima, na serie... Se pusermos o «Um» em último lugar, o
conjunto, por mais longo que seja, ficará valendo muito pouco, será
ninharia. ..Seo colocarmos em penúltimo lugar, já o conjunto valerá
dez, o que ainda é muito pouco... Caso ponhamos a unidade em
terceiro, em quarto, em quinto lugar, a serie irá aumentando de

— 148 —
valor (cem, mil, dez mil...). Finalmente, dado que se coloque o
número Um á frente de cada serie ácima, ter-se-á:
1.000 = mil
1.000.000 = um milhao
1.000.000.000 = um bilhao.
Coisa estupenda! Os zeros tomam imenso valor desde que o
«Um» lhes seja anteposto e os ilumine. Pois bem; Deus é ésse «Um>
sem o qual as criaturas nada sao. Se Deus ficar em último lugar na
vida do homem, esta se apresentará sempre como insípida bagatela,
ninharia vazia... Dado, porém, que se ponha Deus incondicional-
mente em lugar capital, cada bagatela, cada zero da vida, toma valor
imprevistamente grande.
O homem pode acumular mil bens criados no seu tesouro; se
chegarem a empalidecer ou remover a lace de Deus no horizonte
do individuo, ésses bens, por mais numerosos que íórem, equivaleráo
a longa serie de zeros; deixarao o seu possuidor sempre frustrado e
insatisfeito... Dado, porém, que o cristáo ponha Deus á frente de
cada criatura e procure ver tudo sob a perspectiva d'Éle, entáo, e
sómente entáo, tal homem comegará a compreender o valor das
criaturas; comegará a compreender também que seguir o Cristo é
o maior de todos os bens e que a vida, vivida em fidelidade absoluta
ao Senhor, vale, apesar de tudo, a pena de ser vivida !

Voltando ao texto do Santo Evangelho, diremos conse-


qüentemente que, no caso do chamado dirigido pessoalmente
por Jesús ao jovem, só urna resposta era adequada : a acei-
tacáo imediata, nao postergada por qualquer outra tarefa ;
embora esta fósse em si legitima (como o sepultamento dos
mortos), naquelas circunstancias tornava-se condenável, por
que, em vez de levar o discípulo a mais amar a Deus, servia
para diminuir e entibiar sua adesáo ao Bem Infinito.
Eis o motivo da insistencia apressntada por Cristo. Con-
tudo a segunda parte da frase do Senhor costuma causar estra-
nheza : «Deixa que os mortos sepultem seus mortos»...
A construgáo da frase é evidentemente artificiosa, pois,
como de antemáo se pode conjeturar, faz duplo emprégo do
termo «mortos». Em suma, Jesús quer dizer que, para sepul
tar cadáveres materiais (ou os mortos, no sentido físico), há
sempre gente suficiente; há, sim, todos aqueles que nao sao
chamados á vida da graga e do apostolado, gente talvez indi
ferente aos interésses do Reino de Deus. Tais pessoas vivem
para o mundo e para as tarefas déste mundo; sao por Jesús
metafóricamente designadas como «mortos»... Esta figura
de linguagem, forte como é, justifica-se pelo desejo que Jesús
tem, de realcar a grandeza e a preméncia da vocacáo dirigida
ao jovem mancebo ; chamado a seguir diretamente a Jesús,
ele possui o quinháo por excelencia, em comparagáo do qual
tudo empalidece ou desaparece, morre ; a figura também se

— 149 —
explica pelo uso dos rabinos, que costumavam considerar
como mortos (em espirito) os individuos que viviam alheios
ao Reino de Deus (alias, um eco bem significativo désse uso
ressoa no texto de Sao Paulo, 1 Tim 5,6 : «A viúva que vive
em prazeres, está morta, embora pareca viva»), Conseqüen-
temente, os mestres de Israel tinham os homens piedosos na
conta de «vivos», mesmo que estes se vissem atribulados e
condenados á morte (cf. 2 Cor 4,7-12).
Por conseguinte, Jesús quer incutir ao discípulo que ele
chama, a preciosa norma : «Deixa o cuidado dos mortos ou,
mais amplamente ainda, o cuidado das coisas mortais ou tem
poral, aos homens que, por desconhecerem mais elevados
valores, se dedicam profissionalments a isso ; tu, porém, que
recebeste a melhor das vocagóes, nao queiras viver como se
nao a tivesses, mas volta-te decididamente para os valores
eternos».

O Pe. Durand assim comenta as palavras de Jesús :


«Admiramos o soldado que, no caso de extremo perigo da
patria, permanece em seu posto na frente de combate, deixando aos
de tras o cuidado de sepultar seu pai. Como entáo nos contentaríamos
com dedicacáo menor, ao se tratar do Reino de Deus ?» (Com.
em Mt 133).

Por fim, o episodio que acabamos de analisar, ainda su-


gere urna reflexáo : em dados momentos da vida, a maior
graga que Deus possa conceder a urna alma, é a de pedir-lhe
um ato de heroísmo. Ésse ato, ésse arranco forte, ainda que
faca sofrer, vem a ser a condigáo imprescindível para que o
cristio se eleve ácima de seus interésses temporais ou para
que corrobore a sua verdadeira vida e nao se torne um morto
a sepultar mortos no cemitério das coisas temporais !

LINGÜISTA (Sao Paulo) :

5) «A Sagrada Escritura ensina que as línguas huma


nas tem sua origem no famoso episodio da torre do Babel?
Vejarse Génesis 11,1-9».

A opiniáo de que o episodio da torre de Babel elucida a


origem das línguas humanas se deve a urna interpretagáo
pouco adequada do texto sagrado (Gen 11,1-9). Para com-
provar esta afirmagáo, percorreremos abaixo as principáis
expressóes ocorrentes em Gen 11,1-9, procurando averiguar
o seu sentido auténtico.

— 150 —
1. O conteúdo de Gen 11,1-9

1. Diz-nos o autor sagrado que, em certa época da


historia (que ele nao determina e que o exegeta moderno nao
poderia definir com precisáo) «a térra inteira falava urna só
lingua com as mesmas palavras» (v. 1).

Visto que o episodio de Babel sup5e, por parte dos homens seus
protagonistas, o uso de tijolos. os comentadores com razáo atribuem
o fato ao período neolítico, ou melhor, ao calcolítico.

Merecem atencáo no v. 1 (ácima citado) as expressóes


«a térra inteira, urna só lingua».
a) «A térra inteira» nao designa aqui o universo, mas
apenas urna regiáo do orbe. Sim ; após o diluvio (que já foi
um fenómeno de extensáo restrita; cf. «P. R.» 22/1959, qu. 3),
o autor bíblico nao se ocupa senáo com os descendentes de
Noé, ou mais precisamente :... com os descendentes do Pa
triarca Sem, que era um dos filhos de Noé. Foi portante
dentro do ámbito da populacáo semita (enquanto os filhos
de Cam, Jafé e os demais povos nao atingidos pelo diluvio
continuavam a viver pacatamente) que se verificou o fenó
meno da torre de Babel.
A expressáo «a térra inteira» ácima referida expiica-se
muito bem neste caso, se se tem em vista quanto dissemos a
respeito do diluvio (cf. «P. R.» 22/1959, qu. 3): o autor bíblico
só se interessava pela historia religiosa da humanidade, só
quería narrar acontecimentos que tivessem relagáo com o
futuro reino messiánico; por isto os confins do globo, para
ele, coincidiam com os confins geográficos da historia religiosa:
regióes e povos que nao tomassem parte nesta historia sa
grada, ficavam simplesmente fora das perspectivas do autor
bíblico.
b) Quanto á expressáo «urna só lingua», nao quer dizer
própriamente que se falava um só idioma na regiáo anterior
mente mencionada; antes, conforme o expressionismo dos
antigos povos orientáis, significava unidade de cultura, reli-
giáo, costumes — e também de idioma — vigente em determi
nada zona terrestre. Assim os antigos reis assírios e babilo
nios, entre os quais Tiglatpilesar (cérea de 1100 a. C.), afir-
mavam «ter tornado tal país de urna só lingua» ou «ter tor
nado tais homens de urna só boca», querendo com isto signi
ficar que haviam extinto as particularidades nacionais ou
hayiam imposto a éste ou aquéle povo vencido a cultura, a
religiáo, a mentalidade — e também o idioma — do povo
vencedor. Ao contrario, «tornar múltipla a lingua de um

— 151 —
povo» significava dndir a sua unidade de mente, ou seja, de
cultura, política e religiáo.
Destas consideragóes se depreende que o autor sagrado
em Gen 11,1 tinha em vista os homens de determinada regiáo
do globo quando se achavam unidos entre si pela mesma
mentalidade, pelos mesmos costumes e, conseqüentemente,
também pelo mesmo idioma.

2. Pois bem; tais homens resolveram emigrar para


Sinear (ou Sumer), pequeño territorio da Babilonia Meri
dional (v. 2).
Nesta regiáo decidiram «construir com tijolos e asfalto
urna cidade e urna torre cujo nome chegasse até o céu ; esta
obra lhes granjearía um nome famoso sobre toda a térra»
(cf. v. 3s).
Que quer isto dizer ?
O sentido da frase muito depende da interpretagáo da
expressáo «urna torre que chegasse até o céu». Ora esta
nao é rara na antiga literatura oriental («sag-an-she-il-la»,
dir-se-ia em língua sumérica) ; significava simplesmente
«muito alto».

Gudéia, por exemplo, rei de Lagash, em cérea de 2500 a. C,


vangloriava-se de que a E-ninnu, torre por ele construida em Lagash,
«se elevava até o céu», de que «o céu estremecía diante déla» e «seu
esplendor imponente atingía até o céu».
Nabopolassar. rei da Babilonia (cérea de 625 a. C), dizia ter
recebido de seu deus Marduque a ordem de edificar urna torre,
«fixando o fundamento da mesma no coracáo do Arallu (isto é, dos
infernos ou ñas entranhas da térra) e fazendo chegar o seu cume
até o céu».
Reconstituindo melhor o ambiente antigo, verificamos que a torre
muito elevada de Gen 11 deve ser concebida á semelhanca das «zig-
gurats», tdrres características da arquitetura babilónica, que as
escavacóes tém trazido á luz: tinham a forma de urna pirámide a
degraus (tres, quatro, cinco, sete degraus), á imitacáo de u'a montanha
(ou da montanha do mundo, pois os antigás babilonios concebiam a
Térra como u'a grande montanha); eram monumentos religiosos ou
templos pagaos. A mais famosa dessas torres, na cidade mesma de
Babilonia, era chamada «E-temen-an-ki» (= Casa do Fundamento do
Cé e da Térra), dedicada ao deus Marduque, que nao era outra
coisa senáo o poder político da «Babilonia divinizado (á semelhanca
da deusa Roma no Imperio Romano); os sete degraus dessa pirámide
simbolizavam a montanha déste mundo, sendo o sétimo a morada
de Marduque, também chamada «Casa da Montanha»; a torre media
100 ms de altura; outros tantos tinha cada lado de sua base. No
alto dessa tórre,observavam-se os fenómenos astrais, que os babilo
nios consideravam como oráculos divinos a respe! to do futuro.

Estes dados da arqueología permitem-nos reconstituir o


significado do empreendimento dos homens de Sinear: dese-

— 152 —
javam construir obra predominantemente paga ou, mais pre
cisamente, aspiravam a fundar um centro político e cultural
que tivesse dominio universal; seria baseado na pujanga dos
respectivos construtores soberbos; estes divinizariam a si
mesmos e ao seu poderío humano; o símbolo désse poderío
deificado seria a torre muito alta, o templo pagáo que éles
queriam construir. Em suma, pode-sa resumir o empreendi-
mento da populagáo de Sinear nos seguintes termos : homens
que «tinham urna só língua» (unidade e concordia entre si)
resolveram afirmar e corroborar essa unidade e concordia
renegando a Deus e apoiando-se únicamente nos recursos da
soberba apóstata.

Como se vé, váo seria crer que os homens de Sinear tinham


a intengáo de escaladar os céus mediante a sua torre. Será preciso,
ao contrario, deixar a expressáo «alta até o céu» o seu sentido
figurado.
A historia atesta que na antigüidade os reis e principes costu-
mavam construir cidades ou ao menos monumentos que simbolizassem
seu poderío politico, divinizando assim o nome e as qualidades do
respectivo fundador: Alexandre Magno iundou, sim, Alexandria no
Egito; os Diádocos, Generáis que lhe sucederam no govérno do
Imperio helenista, seguiram-lhe o exemplo, fundando uns (os Antío-
cos) cidades com o nome de Antioquia; outros (os Filadelíos), cidades
com o nome de Filadélfia. Já antes déstes, alias, Ramsés II do Egito
dera seu nome a urna cidade do delta do Ni lo. Na própria Escritura
Sagrada, lé-se que Absalao, o qual nao tinha filhos, erigiu um monu
mento para conservar a recordará o do seu nome (cf. 2 Sam 18,18).

3. Qual a atitude do Senhor Deus perante o empreendi-


mento de Sinear ?
Diz o texto sagrado que o Senhor houve por bem «con
fundir a linguagem dos construtores, de modo que nao enten-
dessem mais o idioma uns dos outros. Foi assim que o Senhor
os dispersou... e éles deixaram de construir a cidade» (w. 7s).

Em outros termos: é obvio que os homens impíos, tendo-se sepa


rado de Deus, nao conhecoriam limites em sua arrogancia, mas
procurariam fazer as vézes de Deus neste mundo. O caso era típico;
repetir-se-ia sucessivamente através dos tempos, diversificado apenas
por circunstancias secundarias (haja vista o endeusamento do Estado
ou do poder politico verificado até em nossos tempos). Par isto, o
Senhor resolveu intervir em Sinear, visando demonstrar urna vez por
todas quáo pouco valem os intentos de grandeza humana concebidos
longe de Deus ou contrariamente a Deus. Em conseqüéncia, o Senhor
houve por bem desbaratar os designios dos homens arrogantes
de Gen 11.

E como procedeu ?
Diz o texto que Deus provocou confusáo de línguas, de
sorte que os construtores nao se entendiam mais entre si..

— 153 —
O sentido desta afirmacáo é claro a luz do que dissemos
atrás: o Senhor permitiu primeiramente que os homens orgu-
Ihosos comegassem a divergir entre si quanto á sua mentali-
dade e ao seu modo de pensar; em conseqüéncia, tiveram que
interromper a construcáo da grande torre e foram-se disper
sando em grupos, constituindo tribos e povos estranhos uns
aos outros; essa dispersáo, por sua vez, acarretou natural
mente a diversificagáo de culturas e de idiomas. Como se vé,
esta última foi apenas a conseqüéncia remota de urna divisáo
mais profunda, que é a divisáo das mentalidades ; nao foi o
objetivo primariamente visado por Deus em Sinear ; ter-se-á
produzido conforme o processo natural e lento de evolucáo
das linguas humanas.

Eis o que observava em 1948 o Pe. Vosté, Secretario da Pontificia


Comissáo Bíblica :
«As linguas evidentemente nao se confundiram nem multiplica-
ram de um dia para outro; a filología comparada prova que as varia-
coes dos dialetos se produzem de maneira lenta e constante» (Carta
da Comissáo Bíblica, em «Angelicum» 25 [1948] 161).
Por sua vez, já no séc. IV Sao Gregorio de Nissa, bispo na
Asia menor, notava que as lfnguas humanas se devem ter diversifi
cado lentamente, segundo o ritmo de formagáo dos povos (Adv.
Eunom. XII).

Assim o episodio de Gen 11 nao narra um milagre quanto


á substancia, pois a multiplicagáo de idiomas é em si um fe
nómeno natural, normalmente repetido no decorrer dos sé-
culos. Narra, porém, um milagre quanto ao modo como se
realizou tal fenómeno; com efeito, o Senhor Deus deve ter
acelerado a agáo dos fatóres naturais, permitindo que a dissen-
sáo dos homens em Sinear se desse mais rápidamente do que
seria de esperar. Os israelitas, porém, nao costumavam distin
guir entre a agáo direta de Deus e a agáo indireta, isto é, pro
vocada por etapas mediante agentes criados ; por isto é que
o autor sagrado em Gen 11 atribuiu ¡mediatamente a Deus
um efeito que se deve ter dado por intervengáo de fatóres
naturais.

4. Por fim, o texto bíblico faz notar que a cidade inaca


bada recebeu o nome de Babel, «pois foi lá que o Senhor con-
fundiu a linguagem da térra inteira e foi de lá que o Senhor
os dispersou pela superficie de toda a térra» (v. 9).

O nome de Babel é pelo escritor bíblico derivado do verbo hebraico


balal (= confundir) conforme mera assonáncia ou etimología popular,
que nao corresponde á verdadeira origem do nome Babel; éste vem
de Bab-111 e significa «Porta do Deus». Tais derivacñes populares ou
jogos de palavras nao sao raras na S. Escritura (cf., p. ex., Gen 4,1.25;

— 154 —
fi■ ,a° & P°rtant°. necessário que, na base dessa indicacáo filo
lógica, identifiquemos a ddade de Gen 11 com a capital da Babilonia •
nao se poderla determinar com precisáo onde se deu o episodio descrtb
pelo autor sagrado. Éste atribuiu á malograda ddade de SmeaiTque
era símbolo do orgulho, o nome de Babilonia, pois esta na historia
sagrada se tornou realmente o símbolo do poderío déste mundo qut
se faz grande e insolente contra Deus (tenha-se em vista como no
Apocalipse 18,21-19,5 Babilonia aparece qual símbolo dos imperios
deste mundo que em sua sobarba e arrogancia se levantam contra
o Senhor). Aínda havia outro motivo para que o autor associasse
™ ?^3a!fbrae,^n?usao de líng"as»: durante certo tempo sim!
£?„„£lgüldade- B^onia se tornou o principal centro comercial do
mundo, para onde afluiam negociantes e legados políticos das mais
diversas nacBes (cf. Jer 51,44); daí a.conexSo que os antros iuS
TO"eatnente estabeleciam entre «BabSló&S I ?muM&ao Se
2. Os ensinamentos perenes do episodio de Babel

1. Antes do mais, o episodio dá a ver a mais triste das


consequencias da apostasia ou da impiedade: nao há dúvida
os nomens, separando-se de Deus, se separam naturalmente
uns dos outros; impossível é a uniáo fraterna entre homens
que nao se apoiem no Senhor; a soberba, o endeusamento
das fórcas humanas nao sao fundamentos sobre os quais se
possa erguer um sistema de filantropía e colaboracáo entre
os individuos e os povos. Se os homens nao se unem com Deus
para se unir entre si, vaos se tornam todos os seus planos de
assisténcia e cooperacáo mutuas. Nao é possivel sanear as
consequencias do pecado original, que tornou o homem egoísta
e egocéntrico, mediante propósitos ou recursos meramente
humanos.

Vé-se assim que o texto sagrado nao quer ensillar qual


tenha sido a origem das línguas humanas ; seu significado é
muito mais importante, pois é religioso, nao própriamente filo
lógico : diz-nos que o antagonismo das nagóes humanas, ainda
hoje táo patente e atual, tem suas raizes na impiedade religiosa*
ou no fato de que os homens abandonaram a Deus.
2. É interessante notar como também fora do povo ju-
deu, entre os pagaos, os homens tinham consciéncia de que
a diversidade de idiomas, fomento de divisáo entre as nacóes,
ó urna desgrasa, é mesmo o castigo de um pecado.
Assim, conforme os persas, a multiplicidade de idiomas provém
do deus tnau Anmá, que introduziu cisáo entre os habitantes do
globo, ensmando-lhes trinta línguas. °
até «nJ5,,lec«£-h,JndU COnta qUf os homens certa vez quiseram chegar
a ár?,nr f ^ubindo Pof uma árvore táo alta que o Itingia; todavía
a arvore foi esfacelada e seus ramos espalhados pela superficie da

— 155 —
S¿nfi t „. í para os nindus' significava a uniao do género humano,
med ante aqual os homens se sentiam táo fortes que se quiserani
^iljo Dlvindade: esta- em conseqüéncia, desbaratou os habitantes
Os sumeros, movidos pelos mesmos sentimentos, faziam "entrar
a unidade de lingua na descricáo da passada idade de ouro:
«Naqueles días nao havia serpente, nem escorpiáo, nem'hiena,
Nao havia leao, nem cao selvagem, nem lobo;
O médo e o terror nao existiam;
O homem nao tinha rival.
Naqueles dias Shubur, a tarra da abundancia, dos decretos justos,
Sumer, com a sua linguagem harmonlosa, o grande país dos
Uri, a térra que tinha todo o necessarieT*03 d°S Prin°lpeSl
O país de Martu, que permanecía em seguranca
O universo todo inteiro, o povo unissono,
A Enlil, numa so Iíngua, dava o louvor».
note'se que Enlil era uma d¡vindade sumérica
Conseqüentemente, na literatura bíblica do Antígo Testa
mento a volta dos povos á unidade de uma só familia e de
uma só religiáo faz parte dos bens messiánicos. É o que pro
mete Isaías:
«Naquele día haverá cinco cidades na térra do Eeíto
Que falarao a lingua de Canaá
E que prestaráo juramento ao Senhor dos exércítos».
(Is 1819)
A lingua de Canaa é o hebraico; e, como se depreende do contexto,
a adesáo ao idioma implica adesáo á religiáo de Israel (assim como
a separacao das linguas, conforme o episodio de Gen 11, fdra fomento
de idolatría).
Note-se aínda Sofonias 3,9: «Naquele tempo (messianico) darei
aos povos labios puros, a fim de que Jnvoquem todos o nome do
Senhor e O sirvam de comum acordó».
3. Aos sentimentos dos homens antigos e, em particular,
- de Israel, que viam na cisáo das linguas um instrumento de
discordia entre os homens, Deus se dignou responder na ple-
nitude dos tempos, mandando o Redentor ao mundo. Como se
sabe, a missáo terrestre de Cristo foi consumada por uma
multiplicacáo de linguas devida ao Espirito Santo no dia de
Pentecostés.
O Espirito de Deus multiplicou entáo as linguas dos Apos
tólos, a fim de que o mesmo instrumento — a divisáo dos idio
mas — que no Génesis significava a dispersáo dos homens,
servisse para produzir efeito contrario, ou seja, para congregar
num só reino os povos até entáo divididos e hostis entre si:
em Pentecostés as múltiplas linguas, atingindo cada individuo
— 156 —
com suas particularidades étnicas, geraram unidade de sen-É
timentos nos ouvintes, congregando-os num reino universal,"
que é o Reino de Deus, a Santa Igreja. O novo ánimo dos
homens suscitado pelas linguas de Pentecostés fez que as
barreiras antigás de cultura, idioma e interésses já nao sejam
empecilhos a que todos na Igreja se sintam irmáos, unidos
num só ideal: amar e servir a Deus, o que é realmente reinar.
O Reino de Deus universal na Térra apresenta-se assim
como a resposta do Senhor ao desejo de unidade dos antigos
povos ; é também a realizacáo do ideal que os homens em
Sinear conceberam conforme a aspiraeáo espontánea da sua
natureza, mas que nao souberam executar porque, em vez
de apoiar em Deus o seu intento de unidade, o quiseram atuar
sem Deus, mesmo contra Deus.

IV. MORAL

A. L. (Rio de Janeiro) :

6) «Como se há de apreciar, do ponto de vista cristáo,


a coeducagao de meninos e meninas ?»

Por «coeducagao» entende-se própriamente a formacao intelectual,


moral e cívica ministrada em comum a adolescentes de ambos os
sexos. Apresenta diversas modalidades: há, sim,
1) a coeducacao em familia, que até certo ponto é normal e natural;
2) a coeducacao na escola (externato ou semi-lnternato), que reúne
meninos e meninas para satlsfazerem a um programa de estudos.
Tal é a chamada «escola mista», o tipo mais comum de coeducacao,
o qual, em seu aspecto mais brando, se reduz a mera «co-irastrucao»
(mera formacao intelectual, excluida a formacao moral e cívica em
comum).

Nos EE. UU. da América do Norte, Institutos que proporcionam


a mstrucáo ou erudigáo intelectual a rapazes e mocas na mesma
sala de aula, estipulam a separagáo dos mesmos em saguSes por
ocasiao dos recreios e demais atos extra-escolares.
3) a coeducacao em internatos, que estabelece um regime de con
vivencia continua entre pupilos de ambos os sexos.

A questáo da oportunidade e liceidade da coeducacao é assaz


complexa, pois envolve fatores de ordem moral, psicológica, socioló
gica, económica, etc. Aqui consideraremos a coeducacao nao na
familia (entre irmüos e irmSs), mas na escola (escola mista), prin
cipalmente em Ginásios e Colegios (os problemas sao menos graves
e, por isto, as solug5es mais claras, em se tratando de escolas primarias
e de Universidades).
Propor-se-á primeiramente um pouco do histórico do problema-
a seguir, procuraremos formular um julzo sobre o assunto e sobre
os argumentos geralmente debatidos nesse setor.

— 157 —
1. Um pouco de historia

Ignorada durante toda a Idade Media, assim como nos


tempos modernos até o séc. XVm, foi por obra da Revolugáo
Francesa de 1789 que a coeducagáo ganhou voga entre os "filó
sofos e legisladores, os quais em parte se inspiravam de prin
cipios da educagáo espartana (séc. IV a. C.) e da obra «Repú
blica» de Platáo (t 347 a. C).
Portante, em 1791, J. M. Condorcet tornou-se propugna-
dor entusiasta da coeducacáo, afirmando que a instrugáp em
geral deve ser a mesma para ambos os sexos. Na Alemanha,
Fichte (f 1814) abragou essa tese. Contudo os pensadores
europeus na primeira metade do século XIX nao lhe deram
grande apoio.
Foi nos Estados Unidos da América do Norte que a edu
cagáo mista comegou a se propagar vultuosamente, fomen
tada, antes do mais, por motivos económicos e por falta de
pessoal para servir ñas escolas. Horacio Mann, fundando o
Colegio de Antioquia em 1853, tornou-se pioneiro de tal
sistema.

Em fins do século passado, as nagóes européias dispensa-


ram acolhimento simpático ao sistema. A dianteira foi tomada
pela Suécia, onde K.E. Palmgreen fundou a «Samskolan»
(Escola conjunta de rapazes e mogas) de Estocolmo em 1876,
visando, pela convivencia de meninos e meninas, assemélhar
a escola ao lar. No principio do século XX pode-se dizer que
o sistema da escola mista (escola «tipo lar», «tipo cidade»)
figurava entre os postulados solenes dos projetos de reforma
educacional, como eram propugnados, por exemplo, na «Ligue
internationale pour l'éducation nouveíle» e no «Bund entschie-
dener Schulreformer». O regime marxista, na Rússia, orga-
nizou toda a instrugáo pública dentro dos moldes da coeduca-
gáo; parece, porém, que em data recente os líderes soviéticos
resolveram separar rapazes e mogas, principalmente nos ins
titutos secundarios, a fim de melhor os preparar para o tra-
balho socializado.
O fato é que os adeptos da escola mista nos últimos dece
nios procuraram justificá-la com novos e novos argumentos,
penetrando cada vez mais em questóes de consciéncia e moral.
Foi o que provocou claro pronunciamento da Santa Igreja
sobre o assunto em 1929, quando o Santo Padre Pió XI es-
creveu a encíclica «Divini illius magistri»; neste documento,
corroborado e explicitado por declarares de Pió XII, se

— 158 —
acham compendiados os pontos de vista, até hoje válidos da
consdéncia crista a respeito da coeducacáo.
Passemos, pois, a considerar corno se relacionam entre si.

2. Escola mista e Moral crista

A Moral crista, embora nao se oponha a toda e qualquer


modalidade de coeducacáo, nao pode deixar de reprovar, por
seus principios, tal sistema escolar. E varios sao os motivos
que a levam a tal, como se poderá ver abaixo :

1) A razáo de ordem moral é preponderante.


Como lembrava Pió XI, a coeducagáo funda-se sobre um
naturalismo mais ou menos paganizante ou sobre urna apre-
ciagáo da natureza humana que nao leva em conta o pecado
original e as chagas (principalmente a desordem da concupis
cencia) por ele acarretadas para a natureza humana. Ora o
convivio assíduo dos dois sexos e a camaradagem daí decor-
rente fácilmente provocam irritagáo da natureza em qualquer
idade ; muito mais, porém, a provocam na adolescencia que
é um período de vida particularmente vibrátil e fogoso.
Além disto, a promiscuidade sexual possibilita com largueza
o «flirt» ; ora éste, praticado levianamente, como costuma ser
entre colegíais, produz indolencia ou torpor no estudo e no
trabalho, assim como devaneios efervescentes da imaginagáo.

Eis as palavras textuais de S. S. o Papa Pío XI:


«Erróneo e pernicioso á educacáo crista deve ser considerado
o método chamado de 'coeducacáo' dos adolescentes, tanto porque
muitos dos que o defendem ignoram ou negam que o homem nasca
viciado pelo pecado original, como porque outros, dominados pela
reinante confusáq de idéias, consideram legítima convivencia a desor
denada promiscuidade niveladora absoluta de homens e mulheres»
(Acta Apostolicae Sedis 1930, pág. 72).
Transcrevemos abaixo outrossim urna passagem de Ruy Barbosa
que bem mostra como a Moral natural já por si repudia tal promis-
cuidado escolar:
«A coeducacáo ampliada a todas as idades tem inconvenientes
moráis períeitamente manifestos... Um pedagogo de alta lama no
seu pais e na Europa, E. Laporte, inspector do ensino primario em
Melun, que... teve ocasiáo de tocar pessoalmente e aprofundar...
a situagño do problema nos Estados Unidos manifestou-se ante o
Congresso Internacional do Ensino em 1880 por éste modo :
'Em certas regióes, nomeadamente nos Estados Unidos, preconi-
zam éste sistema; e, contudo, a crermos certos escritores ali mesmo
o coragáo principia a falar táo cedo quanto noutras latitudes. Nao
obstante o extremo respeito de que por lá é objeto a mulher, será
certo que nos bancos da escola essa disposicáo dos alunos maiores
de dez anos nao encerré perigo ? Podem asseverar que nao se produza,
num e noutro sexo, urna excitacáo moral de onde venham a proceder

— 159 —
secretas desordens ? As informacóes confidencial que colhemos em
nossa missao á América, auíorizam-nos a afirmar que o perieo é
mais seno do que fingem supor; e, se durante as aulas a calma
paira na fisionomía dos alunos, em muitos déles é apenas o véu de
urna violenta agitacáo moral e física» (Parecer e Projeto de Reforma
do Ensino Primario, 1882, pág. 232s).
Cecil Reddie, criador da Escola Nova da Europa em Abbotsholme
(Inglaterra), considerava a coeducacao «loucura em teoría e imora-
lidade na prática».

A coeducacáo se apresenta assim como um perigo moral,


do qual os pedagogos tém a obrigacáo de preservar a juven-
tude, para o bem tanto dos jovens como da sociedade.
2) Com o motivo moral, ácima apontado, relaciona-se
íntimamente um motivo biológico. Com efeito, o intercambio
demasiado freqüente de rapazes e mogas pode suscitar per-
turbagóes fisiológicas prematuras, com detrimento para a
saúde dos jovens.
3) Considere-se também o motivo fisiológico. Sao noto
rias as diferengas de índole e tendencias vigentes entre o tipo
humano viril e o feminino: o varáo é mais inclinado á apli-
cacáo do raciocinio, aos feitos de energía e á atividade con
quistadora, ao passo que a mulher é mais movida pelos afetos
e mais apta as fungóes delicadas da maternidade.
Ora tal diversidade de temperamentos requer respeito por
parte do educador, ao qual, por conseguinte, nao seria lícito
submeter ambos os sexos ao mesmo regime educacional. O
nivelamento equivaleria a forcar de certo modo um dos dois
tipos a se equiparar ao outro ; ter-se-ia entáo fácilmente o
efeminamento dos: meninos ou a masculinizagáo das jovens.
4) Razóes de ordem pedagógica também se impóem. Ine-
gávelmente a capacidade de trabalho e a resistencia á fadiga
sao desiguais no rapaz e na moca. Por conseguinte, submeter
meninos e meninas as exigencias dos mesmos programas de
senvolvidos pelos mesmos professóres ñas mesmas aulas signi
fica de certo modo cometer um atentado contra o desenvolvi-
mento normal de uns e oütros. Produz-se concurrencia ou
emulacáo entre alunos e alunas ; ora estas parecem mais
sensíveis a tais certames; mais fácilmente do que os rapazes,
realizam prodigios de trabalho intelectual, vencendo assim
seus contendéntes masculinos. Isto, porém, nao se dá sem
detrimento para a vitalidade das jovens, que muitas vézes
passam a sofrer durante o resto da vida as conseqüéncias
físicas e psíquicas désse desequilibrio pedagógico.

«Justamente na idade em que nossos alunos costumam freqüentar


o ginásio, a diferenciacáo é táo patente que os grandes educadores,

— 160 —
como Vives, Comento, Fénelon, Pestalozzi, Overberg e outros exigem
programas que respeitem a natureza e as condicdes de vida do edu
cando, e particularmente da mulher. É entáo que mais se desenvolve-
ráo os traeos, valores e dons da personalidade íeminina, como a
generosidade materna, a nohreza de sentimentos e a entrega total»
(E. Arns, A Coeducacáo ñas Escolas Secundarias, em «Revista Ecle
siástica Brasileira» XVIII [1958] 729).
Será preciso, portante, levar em conta as capacidades didáticas
de cada qual dos dois sexos e tratar a cada um segundo a maneira
própria que lhe convenha.

5) Falem, por último, razóes de ordem sociológica. Na


verdade, sendo a fungáo social da mulher específicamente di
versa da do varáo, entende-se que as modalidades de sua
educacao também devam ser diversas. Ensinam, alias, os
pedagogos que a coeducacio dissolve a admiraeáo que um
sexo tem naturalmente pelo outro ; donde decorre detrimento
nao exiguo para a vida conjugal.
Tais sao as razóes pelas quais a consciáncia crista se
mostra alheia ao sistema da coeducacáo.

A guisa de complemento, citamos aqui parte do último documento


da Santa Sé sobre o assunto; trata-se de urna InstrucSo da Sagrada
Congregacáo dos Religiosos, que, datada de 8/XII/1957, se apresenta
bastante enérgica, sem contudo deixar de ser multo compreensiva
perante as circunstancias da época presente:

«1. A Coeducacáo própriamente dita nunca pode ser, como tal,


aprovada de modo geral.
2. Ainda que possa resultar algum proveito da coeducacáo enten
dida como o prolongamento de urna vida familiar correta na qual
os jovens de ambos os sexos, habituados ao recato do trato, e a urna
nobre emulagáo, mutuamente se complementam e se instigara na
procura de elevados ideáis, é contudo verdadeiro que, considerando-se
o problema na realidade, isto é, segundo costuma efetuar-se ésse
sistema educativo, os perigos moráis que lhe sao inerentes — máxime
quando aplicado a crlancas na idade da puberdade — sao sem dúvida
alguma muito malares do que a utilidade ou o proveito que déle
talvez fósse possivel tirar.
3. Por isto, na encíclica 'Divini illius Magistri', que sempre terá
de ser considerada como a Carta Magna da educacao e também désse
modo de instrucáo mista, está claramente prescrito que erróneo e
pernicioso... (segue-se o texto da encíclica já atrás transcrito).
4. Todavía nao se pode negar que, em certos casos, é impossivel
elidir a necessidade prática de educar conjuntamente jovens de sexos
diferentes; entáo acontece que circunstancias particulares obrigam
a considerar a coeducacáo como um mal menor.
5. Nao se pode negar que, em certas regióes, os jovens que
freqüentam as escolas públicas se acham em grave perigo para a sua
Fé. Os católicos, no entanto, — em pequeño número nesses lugares
nem sempre tém dinheiro para construir e sustentar escolas separadas
para meninos e meninas; déste modo véem-se obligados a manter
urna escola só para tadas as suas criancas.

— 161 —
6. Em tais escolas católicas mistas, tomadas as precaucSes neces-
sárias, a cceducacáo poder-se-á tolerar, mesmo á vista da encíclica
'Divini illius Magistri', pois aos mestres que as regem nao se podem
aplicar aquelas suas palavras que ácima transcrevemos (n* 3)».
(O texto integral do documento se acha na «Revista Eclesiástica
Brasileira» XVIII [1958] 534-537).

3. Dúvidas fináis

Nao se poderia dar por encerrada a presente explanado


sem se dedicar ainda um pouco de atengáo aos argumentos
mediante os quais os autores costumam propugnar o sistema
coeducacional. Ei-los em análise serena:

1) Na familia, pratica-se a coeducacáo. Logo nao há razáo para


que o mesmo nao se faga na escola; esta deve prolongar o clima da
vida íamiliar.

— Em resposta, observar-se-á que as circunstancias da


coeducagáo na familia sao multo diversas das que se verificam
na escola. Sim ; entre irmáos e irmás geralmente nao se dá
o perigo de atrativo sexual desregrado; ademáis a amizade
familiar e a vigilancia dos genitores colaboram para dissipar
os inconvenientes ; além do que, nao se poderá negar que
mesmo na familia se observam reservas e normas de pudor
entre irmáos e irmás. Por fim, o fato de que a coeducagáo em
familia nao provoca objegáo por parte dos autores, quando
a maioria déstes se mostra infensa á escola mista, bem revela
a diferenga vigente entre urna e outra.

2) A escola prepara para a vida. Ora, havendo na vida social


convivencia dos sexos, é necessário que a haja também na escola.

— Responder-se-á que a convivencia escolar é bem dife


rente da que se verifica na sociedade. Na escola encontram-se
seres humanos ainda em período de formagáo, nao amadure-
cidos ; ao contrario, a sociedade reúne pessoas que se supóem
já devidamente esclarecidas e preparadas para cumprir seus
deveres. De resto, é obvio que, justamente por causa da idade
dos jovens que freqüentam a escola, esta nao pode reproduzir
tudo que há na sociedade (vida económica, vida política, vida
militar...). Ademáis observe-se que pela coeducagáo se ins
tauraría ñas escolas um regime de convivencia ainda mais ín
tima do que a que se costuma registrar nos casos comuns da
vida social.

3) O sistema de escola mista torna a educacáo menos cara,


portante acessível a maior número de familias.

— 162 —
— Essa teoría, aplicada sem restrigóes, sacrificaría a
Moral em proveito da economía, o que é absurdo, pois os bens
do espirito prevalecen! sobre os da materia. Verifica-se, po-
rém, que, justamente para atender aos interésses económicos,
a sá consciéncia tolera, dentro de certos limites, a coeducagáo
(naja vista o documento eclesiástico transcrito no parágrafo
anterior). Alias, advertem alguns autores que numa escola
mista sadia a vigilancia necessária exige nao módicas despesas.
4) Verificam-se casos de hedionda perversáo moral nos educan-
darios reservados para um sexo apenas. Ora éste mal seria removido
pela coeducacao.

— Replica-se que a solugáo do mal apontado nao consis


tiría em «legalizar» a paixáo sexual, dando-lhe desafógo junto
a individuos de outro sexo; é sómente dentro do matrimonio
que a consciéncia permite o exercício do consorcio sexual, pois
éste tem por finalidade imprescindível a procriagáo. O reme
dio, no caso, estaría em se proporcionar á juventude urna
sólida formagáo moral, apta a excitar a fórga de vontade e
dominar os afetos ; recomendar-se-ia também urna sabia edu-
cagáo sexual, fornecida separadamente a rapazes e mogas.

«A experiencia cotidiana continua a provar que o autodominio,


na esfera sexual, é conquistado pela renuncia generosa que nao
deixa de ser renuncia dolorosa — porque as conseqüéncias do pecado
original persistem. Entre o sexo transformado em 'tabú' e a liberdade
naturalista, existe urna posicao sadia, que deve ser defendida pelo
educador católico» (E. Arns, art. cit. 728).

5) No escola mista um sexo pode influir benéficamente sobre


o outro, tornando-se os rapazes mais delicados e as jovens mais
fortes de ánimo.

— Essa influencia recíproca seria assaz precaria, pois na


idade escolar os temperamentos nao estáo plenamente defi
nidos e amadurecidos. É preciso, antes, que a própria disciplina
da educagáo, de um lado, corrija os desvirtuamentos aos quais,
por sua índole natural, estáo sujeitos os pupilos, e, de outro
lado, excite todas as boas qualidades latentes nos individuos.
Destarte se vé que o sistema da coeducagáo integral nao
se justifica em absoluto. No Brasil pratica-se o regime da
escola mista (co-instrugáo), geralmente sugerido por motivos
económicos. Apraz, alias, referir que bom número de educa
dores brasileiros é contrario á coeducagáo, a comegar por
Ruy Barbosa, que, como Relator da Comissáo de Instrugáo
Pública da Cámara dos Deputados, expressou seu pensamento
no célebre «Parecer e Projeto de Reforma do Ensino Pri
mario» (1882) citado atrás.

— 163 —
V. HISTORIA. DO CRISTIANISMO

JOAO (Recife) :

7) «Porque existem tantas crencas bascadas sobre o


mesmo fundamento, a Biblia, e, nao obstante, divergentes
entre si, as vézes até hostis unías as outras ?
Nao deveriam todos os que se inspiram do Evangelho,
professar as mesmas proposicces ?»

Em resposta, procuraremos averiguar em primeiro lugar


a origem do mal apontado ; feito isto, instituiremos breve re-
flexáo sobre o assunto.

1. A raíz do mal

1. Para explicar a atual divergencia de crengas cristas,


levar-se-áo em conta dois fatóres capitais :
1) urna observagáo geral impóe-se imediatamente: tudo
que é humano, é sempre marcado pelo cunho do individual; o
homem tende sempre a imprimir sua índole pessoal as suas
palavras e ás suas obras. Até mesmo a Religiáo (diríamos
mesmo: de modo particular, a Religiáo) é afetada por essa
tendencia, pois é professada e vivida por homens. Com efeito,
a Religiáo, em virtude da sua finalidade de unir o homem
com Deus (o Valor Máximo), solicita a personalidade toda
da criatura, fazendo-a vibrar com tudo que ela tem de mais
intimo ; os temperamentos mais diversos (exaltados ou me
lancólicos, místicos ou racionalistas) se exprimem espontánea
mente através das fórmulas religiosas, chegando por vézes
a tomar atitudes apaixonadas, pois a Religiáo toca os mais
profundos anelos do homem.
Ainda por outro motivo a Religiáo é setor em que muito
fácilmente prorrompem os subjetivismos humanos : toda pro-
fissáo de fé religiosa tem de per si conseqüéncias na vida prá-
tica do respectivo sujeito; ora, se éste se acha preso a certos
hábitos dos quais nao tenha a coragem de se desvencilhar, tal
individuo, consciente ou inconscientemente, tende a conceber
a sua Religiáo ou a sua «fé» de modo tal que nao interfira na
sua conduta de vida. A experiencia o comprova bem: é comum
encontrarem-se pessoas que, embora sejam inteligentes e cultas,
rejeitam verdades obvias ou comumente aceitas, fazendo a
sua religiáo própria, ou simplesmente abandonando toda
crenga religiosa, a fim de nao desdizerem ao género de vida
que levam.

— 164 —
2) Conhecedor dessa índole natural do homem, o Se-
nhor Dais, querendo entregar as criaturas a sua Palavra de
Verdade .e Vida, houve por bem muní-la de um meio que a
preservarse dos mal-entendidos. Com efeito; instituiu um
magisterio visível, órgáo de interpretagáo auténtica, que, por
assisténcia do próprio Deus, seria capaz de guardar e trans
mitir a todas as geragóes o genuino sentido da Palavra Re
velada. Tal magisterio é o da Santa Igreja de Cristo, a qual
desde os tempos de Jesús até hoje ininterruptamente se faz
ouvir.

Urna parte da Verdade divina revelada por via meramente


oral foi no decorrer dos tempos consignada por escrito, a fim
de atender a necessidades ocasionáis dos fiéis desta ou daquela
regiáo, desta ou daquela época ; assim é que surgiram pau
latinamente, desde os tempos de Moisés (séc. XIII a.C.) até
os de Sao Joáo Evangelista (fim do séc. I d. C), os escritos
(narrativas, cartas, pequeños livros didáticos) do Antigo e
do Novo Testamento ou da Escritura Sagrada (Biblia) ; os
respectivos autores nunca tiveram a intengáo de resumir nes-
ses escritos toda a Revelagáo Divina, mas apenas quiseram
focalizar aspectos da mesma, em vista de circunstancias es
porádicas do povo de Deus ; em torno désses livros, perma
necía o conjunto da Revelacáo Divina, a ser transmitida oral
mente de geragáo em geragáo ; deve-se mesmo dizer que essa
tradigáo oral (guardada fielmente por assisténcia do Espirito
Santo) ficava sendo o criterio para se interpretar a Escritura
Sagrada. Anterior á Biblia, a tradigáo oral é como que a
máe da Biblia, máe sem a qual a Escritura nao pode ser devi-
damente entendida. Ora —seja licito repetir — essa tradigáo
ainda hoje vive e é afirmada pelo ensinamento oficial da
Santa Igreja.
Eis, porém, que no séc. XVI, após outros pretensos refor
madores menos importantes, Lutero tomou como base de urna
nova forma de Cristianismo o principio de que só a Biblia é
fonte de doutrina, fonte capaz de se explicar a si mesma sem
as luzes do magisterio da Igreja. Com isto, o «Reformador»
esperava conseguir um Cristianismo preservado de qualquer
possível corrupsáo humana : Lutero julgava que a Igreja e
as geragóes de cristáos anteriores haviam errado decisiva
mente e que lhe cabía o privilegio de «redescubrir» o Evan-
gelho.
Como se podia prever, porém, éste parecer comprovou-se
ilusorio.
E como ?

— 165 —
Entende-se que, se Lutero atribuía a si o direito de se
emancipar do magisterio da Igreja para se tornar novo «mes-
tre», muitos discípulos seus, nos sáculos subseqüentes, se jul-
garam habilitados a fazer outro tanto em relacáo ao «Refor
mador», de sorte que novos «Luteros» ou novos «Reformado
res»— Reformadores da própría Religiáo reformada foram
surgindo (Wesley, Smith, Helen White...); assim o processo
de reformar o Cristianismo se foi ramificando e ampliando
em ritmo crescente até nossos dias, quando chega a haver
mais de oitocentas seitas, sem que se possa prever o termo
final do afá de «redescubrir» o Evangelho. A causa dessa mul-
tiplicacáo de reformas e seitas é, antes do mais, a renegaeáo
de um magisterio visível, instituido por Deus e independente
do senso subjetivo dos «videntes» (que nao podem deixar de
surgir na historia dos sáculos).
Em conseqüéncia, percebe-se claramente o dilema:
a) ou o cristáo aceita a Escritura Sagrada com a Re-
velagáo oral que a antecedeu e a acompanha e sem a qual
a Escritura nao pode ser mantida ácima dos subjetivismos
humanos,
b) ou o cristáo, consciente ou inconscientemente, chega
a renegar o Cristianismo inteiro, guardando apenas palavras
e rótulos que só encobrem as concepcóes individualistas e
mais ou menos contraditórias de tais ou tais «videntes».

Basta lembrar que foi justamente das escolas protestantes que


procederam os exegetas liberáis modernos, os quais mutilaram a
Escritura Sagrada e chegaram a negar a Divindade de Cristo.

2. A esta altura, porém, talvez diga alguém: «Entáo


requer-se fé, e fé na face humana da Igreja, para abracar o
Cristianismo !»
— Nao há dúvida alguma responde o fiel católico. «O justo
vive da fé», afirma o Apostólo tres vézes (cf. Gal 3,11;
Rom 1,17; Hebr 10,38), repetindo palavras do profeta Haba-
cuque (cf. Hab 2,4). A fé é a arteria central da vida crista.
— Mas... fé nao sómente em Deus? Fé também na Igreja
visível ?
— Sim. Note-se que o misterio donde o Cristianismo de
riva seu nome, .é o misterio de Cristo ou o misterio de Deus
feito homem; Deus se dignou falar aos homens na plenitude
dos tempos — assim como já antes, no Antigo Testamento —
por meio de sinais humanos, ou seja, de maneira objetiva, per-
ceptível a todos ; é bem lógico, por conseguinte, que também
após a vinda de Cristo o Todo-Poderoso nao queira ser atin-

— 166 —
gido senáo através dessa realidade divino-humana que é o
Cristo prolongado em seu Corpo Místico ou a Igreja Esta
enquanto Cristo nela vive, é urna sociedade sobrenatural é
infalível; enquanto, porém, é representada por homens e tem
urna face humana (o misterio da Encarnagáo consistíu jus
tamente em colocar o Divino dentro do humano), é marcada
pelas deficiencias inerentes aos homens ; essas deficiencias
porém, nao contaminam em absoluto sua pureza intrínseca'
nem impedem que a Igreja, por seus ministros, comunique
aos homens a multiforme graca de Deus (como a carne de
Cnsto padecente e mortal nao foi empecilho, mas, ao contrario
fator positivo, para que Deus se entregasse ao género humano).
De resto, o Senhor nao exige que a fé prestada á Igreja
seja urna fé cega. A todo homem toca o direito de examinar
as credenciais da Santa Igreja Católica, antes de professar
adesáo a esta ; fazendo isto, o estudioso verifica que o próprio
Cristo nos Evangelhos dotou a Igreja de um magisterio infa-
hvel (cf. Mt 16,17-19 ; 28,19s ; Le 22,31s) ; verifica outrossim
que a existencia déste magisterio é comprovada pela historia
dos fatos, pois, sempre que os homens quiseram denegar fé
á face humana e visivel da Igreja, para tributá-la apenas a
Cristo e aos Evangelhos, nem sequer guardaram fé no Cristo
e nos Evangelhos, mas retorceram de diversos modos a men-
sagem crista.

Mais ampias considerac3es sfibre o magisterio da Igreja se encon-


tram em «P. R.» 13/1959, qu. 2; 14/1959, qu. 2 e 3.

2. Breve reflexáo sobre a divisáo entre cristaos

1. A historia dá a ver que na origem das divisóes entre


os discípulos de Cristo estáo geralmente alguns fatóres clás-
sicos, que se poderiam assim discriminar: em determinada
época, um cristáo julga que seus irmáos na fé, até mesmo
os que mais autoridade possuem, estáo errando por seu gé
nero de vida e pelo seu modo de entenderem a mensagem de
Cristo. Tal cristáo entáo, inspirado por grande fervor, con
cebe um Cristianismo reformado, puro, que ele pretende jus
tificar mediante propósigóes do Evangelho. Ésse homem bem
intencionado, porém, deixa-se empolgar ou obcecar por seu
ideal; aos poucos coloca a sua intuicáo ácima de qualquer exi
gencia da caridade; deixa que o espirito de crítica néle pre
pondere sobre o amor ao próximo; com isto corrói mais do
que conserta ; por fim seqüestra-se da massa dos «pecadores
cristaos», levando consigo um grupo de discípulos, com os
quais passa a constituir urna «igrejinha» ou urna seita pró-

— 167 —
pria... É isto, sim, o que acontece quando o homem se guia
pela razáo sem atender ao coragáo ou quando a inteligencia
gera urna especie de intelectualismo frió, unilateral; desen-
cadeia-se entáo a ruptura e forma-se um novo credo entre os
cristáos. Jacques Maritain diz muito acertadamente : «Se, em
vez de fícar no coracáo, a pureza sobe á cabega, ela produz
sectarios e herejes» (Humanisme integral 265).
Nao há dúvida, na origem dos cismas sucessivamente ve
rificados entre os cristáos no decorrer dos sáculos, encontra-se
um núcleo de verdade ou urna intuigáo sadia. O mal, porém,
consistiu em que esta absorveu a atengáo dos respectivos «ilu
minados», a ponto de fazer fermentar os ánimos e violar as
exigencias da caridade, a qual é prudente e paciente.

Sao palavras do Sto. Padre o Papa Pió XI:


«Todas as vézes que o zélo reformador... se tornou expressáo e
explosao da paixao, turvou em lugar de esclarecer, destruiu em vez
de construir, e mais de urna vez veio a ser o ponto de partida para
aberragóes mais fatais do que os males que se pretendiam sanear»
(ene. «Mit brennender Sorge», 14 de marco de 1937. Acta Apostolicae
Sedis 1937, pág. 154).

Para o cristáo, nao pode haver auténtica renovagáo senáo


em comunháo com o todo ou com o grande Corpo da Igreja ;
os verdadeiros místicos ou iluminados (como S. Francisco de
Assis, S. Domingos, S. Joáo da Cruz, Sta. Teresa de Jesús...)
conseguiram sempre resultados estupendos de reavivamento
cristáo, mostrando-se humildes e guardando reverencia para
com as autoridades da Igreja (estas, em última análise, sao
instituidas por Deus e, aínda que nao sejam sempre pessoal-
mente santas, nao deixam de ser instrumentos manejados pelo
Senhor e portadores da respectiva graga de estado).
Era poucas palavras, a mentalidade que o reformador
cismático nutre em seu íntimo se poderia assim traduzir:
«A Igreja errou; eu, porém, nao estou errando ; prevalega,
por conseguinte, meu ponto de vista, ainda que eu tenha que
romper com a comunidade». Ora tal mentalidade já é afoita
e perigosa no plano das instituigóes humanas ; em se tratando,
porém, das coisas de Deus, é mortal, pois nada há de táo
alheio ás obras de Deus quanto a divisáo e a ruptura entre
os homens.

Ainda se poderia lembrar que, além de divergencias própriamente


religiosas, certas diferencas de índole nacional ou política tém moti
vado, ás vézes sorrateira e inconscientemente, a separacáo entre os
cristáos. Mais de urna tentativa de refazer, no decurso da historia,
a unidade entre os dissidentes e a Santa Igreja foi entravada pela
intervencáo de fatóres náo-teológicos, mas nacionalistas e mesquinhos.

— 168 —
2. É sobre éste fundo de idéias que, mais oportuna tío
que nunca, ressoa a norma Eecentemente formulada por S. S.
o Papa Joáo XXm ao tratar da planejada uniáo entre os
cristáos :

«llaja unidade ñas coisas essenciais, llberdade ñas coisas aci-


dentais, e caridade em todas as coisas» (ene. «Ad Petri Cathedram»,
29 de junho de 1959).

Éste principio, entre outras coisas, quer dizer o seguinte:


o discípulo de Cristo nao pode pactuar com o erro nem aceitar
a mínima corrupeáo da verdade entregue pelo Senhor aos
Apostólos e ininterruptamente transmitida, sob a assisténda
do Espirito Santo, de geracáo a geragáo até hoje. Antes
morrer do que desvirtuar de algum modo a mensagem da
auténtica Tradicáo crista. Contudo, embora nao possa legi
timar o erro, o católico tem que amar o homem que erra;
Cristo morreu por todos os individuos humanos, mesmo pelos
que hoje consciente ou inconscientemente nao sao fiéis á
mensagem do Evangelho ; o verdadeiro seguidor de Cristo,
prolongando o amor do Divino Mestre, deverá conseqüente-
mente querer bem a todos os homens, aínda que causem gra
ves danos a Verdade e ao Bem. «odio ao pecado, mas amor
á pessoa do pecador», diría S. Agostinho; destruamos, por-
tanto, o erro, mas procuremos a todo transe salvar o homem
que erra.

Donde se vé quáo injustificadas sao as querelas religiosas,


principalmente quando acarretam incriminacóes pessoais, com
detrimento geralmente grave para a caridade ; nao se pode
dizer que tais litigios sejam sustentados em nome do Evan
gelho ou por amor genuino ao Senhor Jesús.; em verdade, nao
sao mais do que expansóes da paixáo, que, em hipótese ne-
nhuma, poderiam agradar a Cristo e construir o Reino de
Deus. O sincero amigo do Divino Mestre, ao defender a Ver
dade, mostrar-se-á também amigo do seu contendente...

VI. LITURGIA

U. A. M. (Vila Velha) :

8) «Quais as posigoes que os fiéis devem tomar durante


a celebracao da S. Missa ? Ha diversos costumes referentes
ao ajoelhar-se, ao Ievantar-se e ao sentar-se».

O assunto proposto é aparentemente secundario, pois trata


de um cerimonial que, á primeira vista, deveria ficar entregue

— 169 —
aos criterios de piedade de cada um dos interessados. Con-
tudo tal nao se dá, principalmente pelo motivo de que a S.
Missa é ato esencialmente comunitario, ato em que todos
os fiéis devem ter consciéncia de que desempenham urna fun-
gáo da Comunháo dos Santos. — Sendo assim, consideraremos
abaixo as posigóes que os fiéis poderiam com acertó tomar
durante o rito da S. Missa ; todavía, a fim de fundamentar
melhor a resposta, trataremos previamente do significado que
possa ter o corpo humano na celebragáo do culto em geral.

1. O simbolismo do corpo humano

1. Ouve-se por vézes dizer que a Religiáo ensinada por


Cristo é toda espiritual, visando prestar a Deus Pai um culto
«em espirito e verdade» (cf. Jo 4,23s). Em conseqüéncia, de-
veria o Cristianismo desprezar todo ritual.
Esta afirmagáo, por muito plausível que parega, nao
deixa de ser ilusoria. Jesús, mediante a expressáo citada, quis
apenas chamar a atengáo dos seus discípulos para o papel
primacial que compete as faculdades espirituais do homem
(a inteligencia e a yontade) na celebragáo do culto religioso ;
é, sim, de maneira inteligente e com amor que Deus quer ser
cultuado pela criatura racional; isto, porém, nao dispensa a
participagáo das faculdades corpóreas nos atos de adoragáo
ao Criador, pois o homem foi, pelo Senhor Deus, dotado de
urna natureza que é, ao mesmo tempo, espiritual e corporal,
natureza que em sua totalidade deve dar gloria ao seu Autor
(cf. «P. R.» 15/1959, qu. 3).
Em verdade, o homem Tiesta térra, por muito místico que
seja, jamáis poderá dispensar o concurso dos sentidos e das
coisas corpóreas, a fim de viver apenas segundo o espirito ;
por sua natureza psico-somática, o ser humano se acha pro
fundamente relacionado com o mundo sensível; consciente
ou inconscientemente, todo individuo está o dia inteiro a jogar
com símbolos e figuras, mediante os quais raciocina e concebe
suas idéias.
Em particular, o corpo humano é o veículo nato para
exprimir os afetos e a vida da alma, mesmo no terreno mera
mente profano : assim a tristeza tende a se externar mediante
lágrimas, ao passo que a alegría se traduz espontáneamente
pelo sorriso. Tenha-se em vista outrossim o simbolismo do
corpo no convivio social: há, sim, ocasióes ñas quais espon
táneamente entendemos que nos devemos levantar em pre-
senga de um personagem de autoridade ou que devemos tirar
o chapéu ou tomar cuidado para nao virar as costas.. .

— 170 —
De modo especial seja mencionado o apérto de mSos: quando
dois adversarios se reconciliam entre si, estendendo a mao um ao
outro, cada um déles aperta mais do que carne e ossos; apalpa por
ff/íí, ^i2er' mediantes a má0 toda a personalidade do outro (amor,
fidelidade, magnammidade, dedicacáo...); tudo que no individuo é
espiritual, se torna concreto e é simbólicamente apreendido no apérto
de maos... A luz desta observacao, entende-se a expressáo: «pedir a
máo de urna donzela» (= pedir o amor, a compreensáo e a dedicacáo
Intimas...).

Pode-se dizer de modo geral que todos os gestos do corpo


humano, desde que executados de maneira humana e nao me
ramente mecánica, sao as expressóes mais adequadas, por
vézes mesmo necessárias, dos afetos que cada personalidade
nutre em seu íntimo.

Inegávelmente, o gesto recobre e exprime urna escala de senti-


mentos ainda mais ampia do que a palavra. Antes que alguém
possa dizer o que experimenta na alma e quando já nao o pode
manifestar por palavras, resta-lhe sempre o recurso, muito eficaz,
aos gestos: sim, antes de afirmar seu médo, a pessoa ameacada
recua ou dá um passo para tras; antes de afirmar o seu amor a
enanca e o adulto estendem os bracos para o ente amado: quem,
na hora das despedidas, nao pode mais fazer ouvir suas palavras,
ainda se exprime mediante um agitar de lenco...

Pois bem; baseada na estrutura psico-somática do homem,


estrutura concebida pelo próprio Criador, a Santa Igreja, ao
prestar culto ao Senhor, explora largamente o valor simbolista
do corpo ; Ela visa fazer que éste reze juntamente com o
espirito.

A estima do simbolismo do corpo no culto sagrado se prende,


em última análise, á fé no misterio da Encarnacáo. Com efeito, o
Fimo de Deus nao quis remir o mundo de maneira invisível ou
meramente espiritual, mas, nascendo de María Virgem, dignou-se
fazer da natureza humana o veiculo da salvacáo eterna; com isto
corroborou o valor que o corpo humano tem no plano religioso e,
conseqüentemente, na Liturgia sagrada. Verificare que um exiguo
apreco dos sinais visiveis no culto cristáo implica exigua estima
da face visível da Igreja como também exigua estima do próprio
misterio da Encarnacáo. Lutero, que menosprezou de modo geral o
aspecto visivel do Cristianismo, dizia: «Cristo possui duas naturezas
Em que isto me afeta ?s> (Obras, ed. Erlangen 35, 207). Ao contrario,
famoso autor cristao do séc. III, Tertuliano, reconhecia o significado
capital que a Encarnacáo conferiu a carne humana, afirmando: «A
carne é o eixo da salvacfio. É por ela que nossa alma se une a Deus».

A guisa de conclusio, transcrevemos aqui um texto em


que o episcopado francés se exprimiu recentemente a respeito
das posiQóes do corpo durante a celebracáo dos ritos sagrados:

— 171 —
«Essas atitudes tém valor educativo: a atttude do corpo influí
sobre a da alma. Nossos fiéis multo freqüentemente esquecem que,
para a fé católica, o corpo nao é desprezivel nem indiferente. E o
servo da alma, seu instrumento de ligacáo com as realidades exte
riores, tais como a comunidade crista ou os sacramentos; o corpo
é o intérprete da alma; existe urna oracio do corpo associada a da
alma» (Directoire pour la Pastorale de la Messe 1956, n« 127).

2. Descendo agora a mais pormenores, expomos abaixo


o sentido próprio de cada urna das tres principáis atitudes vi-
síveis que urna assembléia religiosa possa assumir.
a) A posicáo «de joelhos» significa humildade, peni
tencia, adoracáo. Efetivamente, o homem pequenino ou humilde
em seu espirito tende a tornar pequenino também o seu aspecto
externo ; é o que se dá por excelencia quando o cristáo toma
consciéncia viva dá presenga de Deus; baixa entáo a cabeca,
dobra o tronco, posta-se mesmo sobre os joelhos, quase para
poder dizer com mais sinceridade : «Meu Deus, sois grande,
sois santo, ao passo que eu sou poeira e pecado».

Por isto, recomenda-se que quem faz genuflexáo ou dobra os


joelhos no culto sagrado, nao o faga de modo precipitado nem mecánico;
procure dobrar, por assim dizer, ao mesmo tempo os joelhos do seu
coracao, de sorte a repetir com toda a sua personalidade as palavras
do Apostólo: «Senhor meu e Deus meu !» (cf. Jo 20,28).

b) A atitude «em pé» designa respeito, prontidáo para


ouvir e executar, assim como alegría e acáo de gragas pelos
imensos beneficios divinos.

N3o nos é espontáneo levantar-nos, quando, sentados, ouvimos


que urna pessoa de autoridade nos dirige a palavra ? Ésse levantar
significa que concentramos as nossas ídrcas e nos tornamos dispo-
niveis para realizar a mensagem.

Os antigos cristáos rezavam freqüentemente em pé, como


lembra a figura da orante ñas catacumbas : erguida, com os
bracos abertos, significa urna alma desembarazada de entraves
terrestres, aberta para Deus e sua palavra. Até a Alta Idade
Media nao havia bancos nem genuflexórios ñas igrejas, o que
bem denota que a posicáo mais freqüentemente assumida no
culto sagrado era a posigáo erguida.

Os cristáos que se colocam nessa atitude, íacam-no disciplinada


mente sem se .apoiar nem encostar, tendo as duas pernas tesas
e* firmes...

c) A atitude «sentada» no culto religioso nao significa


simplesmente repouso, mas é a posicáo de quem ouve e medita
ou contempla. Lembra o papel de María de Betánia, que «se

— 172 —
achava sentada aos pés do Senhor, escutando a sua palavra»
(cf. Le 10, 39).

Conscientes do significado de cada uma das tres posicóes ácima


focalizadas, os pastores de almas tém procurado adaptá-las ao con-
teúdo das principáis fases de celebracáo da S. Missa. Abaixo comuni
caremos ao menos um ensato feito recentemente neste sentido.

2. As posigoes dos fiéis durante a S. Missa

Quem vai á S. Missa, nao vai simplesmente praticar um


ato de adoragáo ao Senhor Eucaristico (como é o caso, por
exemplo, de quem faz uma visita ao SSmo. Sacramento).
Verdade é que a adoracáo constituí a atitude básica de t6da
a vida do cristáo (por conseguinte, também do culto religioso);
isto, porém, nao impede que a Santa Missa seja tida como
«misterio em a$áo» ou como «acáo sagrada por excelencia»
(note-se, logo no inicio do Canon ou da parte central da Missa,
a rubrica «Infra actionem», isto é, «durante a acáo sagrada»).
A Missa é, sem dúvida, o grande ato pelo qual Cristo, perpe
tuando a oblagáo feita no Calvario, se entrega diariamente ao
Pai com toda a sua Igreja; o que quer dizer :... com cada
um dos membros do Corpo Místico, feitos participantes, em
grau próprio, das qualidades de Cristo Sacerdote e Vítima.
Além disto, observe-se que a S. Missa se celebra em doís
tempos bem caracterizados: o primeiro é a chamada «Missa
dos Catecúmenos» ou também «Ante-Missa», a qual consta
de leituras, oragóes e cánticos, com o fim de instruir os fiéis
e excitá-los á meditacáo afetiva das verdades da fé. O segundo
tempo constituí o culto eucaristico própriamente dito, pois
ele se exerce em torno do pao e do vinho.
Já estas consideragóes dio a ver que nao condiz com o
espirito da própria S. Missa adotarem os fiéis uma atitude
única, do principio ao fim da celebracáo ; deve, ao contrario,
haver uma variedade das posigóes da assembléia, de acordó
com as diversas partes do rito sagrado.
Está claro que essa variagáo nao há de ser estipulada
por individuos particulares, mas compete as autoridades ecle
siásticas, as quais tém o encargo de zelar pela disciplina e a
uniformidade do culto cristáo. Sendo assim, limitamo-nos aquí
a transcrever as normas recém-baixadas pelo episcopado fran
cés para as dioceses da Franca, normas inspiradas tanto pela
experiencia pastoral como pela mente da Santa Sé:

«É conveniente explicar aos fiéis o significado e o valor pedagó


gico dessas diversas posicóes, para que possam compreender que nao
as exigimos por mania nem por autoritarismo, mas a fim de orientar

— 173 —
a sua oracáo conforme as diversas fases da acáo, visando urna parti-
cipacáo ativa e comunitaria.
... Podem-se propor as seguintes regras gerais :
A assembléia deve ficar em pé: quando o celebrante chega ao
altar e déle definitivamente se afasta; durante o Evangelho; quando
o sacerdote se dirige aos fiéis («Domtnus vobiscum, Orate íratres,
Ite Missa est...») ou recita em nome de todos a Coleta, o Prefacio,
o «Pater noster». a Postcomunháo.
A assembléia sentar-se-á durante a epístola e os cantos de medi
tado que a seguem (Gradual, Trato, Aleluia); durante os avisos e
o sermáo; durante o Ofertorio, após o «Dominus vobiscum» do cele
brante; pode-se, além disto, ficar sentado entre as abluc.8es fináis e
o «Dominus vobiscum» que precede a Postcomunháo.
Os fiéis estaráo de joelhos durante a Consagracao. Podem perma
necer ajoelhados entre a elevacao e o «Pater noster» e, ñas Missas
nao cantadas, durante as oragSes ao pé do altar» (Diretório já citado,
nn. 131. 133-135).

Visando facilitar o aproveitamento das instrucóes ácima,


colocamo-las na ordem de desenvolvimento da celebragáo da
Missa nao cantada:

Entrada do celebrante na igreja: fiéis em pé.


Oracóes ao pé do altar: ... ajoelhados.
Introito, Kyrie, Gloria, Coleta: ... em pé.
Epístola, Gradual. Trato, Aleluia: ... sentados.
Evangelho: ... em pé.
Sermáo: ... sentados.
Credo e «Dominus vobiscum»: ...em pé.
Ofertorio: ... sentados (o Ofertorio é concebido como preparacáo
da materia do sacrificio; no rilo lionés, aínda hoje em uso na Ordem
de S. Domingos, faz-se logo que o celebrante chega ao altar).
Do «Orate fratres» ao fim do «Sanctus»: ...em pé.
Do fim do «Sanctus» ao «Per omnia saecula saeculorum» anterior
ao «Pater noster»: ... ajoelhados (ou, .se nao, após a Consagracao os
fiéis ficam em pé).
Do «Pater noster» ao «Confíteor» que antecede a Comunháo:
... em pé (o celebrante realizava antigamente um servico prático,
isto é. a partigao do pao, outrora necessária, pois os fragmentos
eucarísticos que se achavam sobre o altar, eram grandes...). — Esta
norma, porém, no Brasil parece exigir reservas, pois há lugares em
que os fiéis tém o hábito inveterado de íicar ajoelhados do «Sanctus»
até a S. Comunháo.
Durante a distribuicáo da S. Comunháo: quem nao comunga,
fique ajoelhado, se possivel.
Durante as abluyes até o «Dominus vobiscum» seguinte: ... ajoe
lhados ou em pé (caso seja necessário, sentados).
Do «Dominus vobiscum» ao «Ite Missa est» ou «Benedicamus
Domino»: ... em pé.
Béncáo: ... ajoelhados.
Último Evangelho: ... em pé.
Preces fináis: ... de joelhos.
Salda do celebrante: ... em pé.

— 174 —
Como se compreende, a transcrigáo de tais normas nesta
Revista visa apenas ajudar e construir; a aplicagáo das mes-
mas (a qual supóe que os fiéis saibam o que se está realizando
no altar) ficará sempre subordinada ao criterio dos Exmos.
Srs. Bispos e dos Revmos. Párocos.

P. S. A pág. 171 déste fascículo íalamos da insuficiencia da


palavra para exprimir o que se encontra no intimo do homem. Á guisa
de complemento e ilustracáo, seja ainda observado o seguinte:
Num congresso comemorativo do centenario do livro «A origem
das especies» de Darwin, um neurólogo do Londres, o Dr. Macdonald
Critchley, declarou :
«A linguagem oral só permite ao homem exprimir, de modo
inteliglvel, 60% do que ele pensa. Quanto ao ouvlnte, ele só compre
ende 60% do que ouve» (noticia colhida na revista «Science et Vie»,
fevereiro de 1960, pág. 35).
Esta estatistica ajuda a ver quao pouco acertada é a tendencia
a desprezar os meios de expressáo (como os gestos e as atitudes
do corpo) de que o homem dispóe além da palavra.

CORRESPONDENCIA MIÚDA

GENTIL (Porto Alegre) : Pergunta o amigo qual o sentido teo


lógico da mensagem de Nbssa Senhora em La Salette. Como pode a
Virgem bem-aventurada aparecer sofrendo e chorando ?
— A mensagcm de La Salette, em substancia, chama a aten?ño dos
fiéis para a corrupsáo moral da soeiedade moderna e exortn-os a peni
tencia reparadora.
O fato de que a Santíssima Virgem tenha aparecido chorando, nao
quer dizer que ela experimente a afli;áo emotiva que nos experimenta
mos na Térra ao ver algo de hediondo. Nao ; a dór de modo geral nao
tem cabimento na vida do céu, como o amigo bem compreende. O que
o pranto da Virgem em La Salette exprime, é o repudio veemente que
enche a personalidade da Mié de Deus diante do pecado. Como a luz,
pelo simples fato de existir, repele as trevas, assim Maria repele a
iniqüidade ; a Virgem, pelo seu ser consciente e imutávelmente voltado
para Deus, pela sua personalidade mesma, constituí urna afirmado viva
de horror ao pecado, afirmac.So que é muito mais profunda do que os
nossos sentimentos de tristeza emotiva. Fois bem ; é ésse repudio subsis
tente, nao sentimental, que o pranto da Virgem em La Salette representa.
Notemos, porém, que tal repudio nao implica infelicidade nein dimi-
nuigáo de bem-aventuranga da Virgem no céu. María Santíssima sabe
que a Providencia Divina fez e fará do pecado um instrumento do Bem.
Émbora o homem peque, segundo o seu livre arbitrio, ele nao consegue
destruir o plano bom de Deus, plano que sabe fazer o mal servir ao
maior fulgor e a exalta?ao final do Bem. Maria está plenamente iden
tificada com os designios da Providencia, que nao erra; por isto ela nao
se aflige. A nos, homens, porém, toca concorrer por vías evidentemente
certas, nao por vías voluntariamente tortuosas (ou pelo pecado), para
essa vitória final do Bem ; é éste o quinháo que devemos absolutamente
prestar. Por isto é que a Virgem nos exorta a evitar o pecado e a expiá-lo ,

— 175 —
O. D. F. (Araxá): Com prazer recebemos as perguntas do amigo.
Já que merecem certo desenvolvimento e sao de interésse público, espe
ramos dar-lhes resposta num dos próximos fascículos de "P. R." — Este
jamos certos de que nao há desordem ñas obras de Deus; o Senhor julga
cada um segundo a sua consciéncia ; no dia do juízo, de nenhuma cria
tura exigirá £le o que nao tiver estado ao alcance déla. Se nos temos
o senso da Justina, muito mais Deus o tem.

ANGUSTIADA : As respostas ás suas questóes já estáo elabora


das ; deveráo aparecer em "P. R." 30.

Aos nossos prezados assinantes, gratos ficaríamos se quisessem, em


suas cartas á Administragáo, .indicar sempre o número da respectiva
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