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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENfTAQÁO
DA EDipÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste site Pergunte e
Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Verítatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico • filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
filosofía

■■■••*<

&OUTCINA

) XIII — N.« 146 FEVEREIRO DE 1972


Indiice

A PALAVRA DO PAPAGAIO 45

AFEÉ ALGO DE RAZOAVEL?

SE É RAZOAVEL, POR QUE TANTA GENTE NAO CRÉ?

EM SUMA, COMO SE PODE CHEGAR A TER FÉ? 47

Que dlzer?

"O MAL E O SOFRIMENTO EXISTEM NO MUNDO.

LOGO DEUS NAO EXISTE" 61

Moral conjugal:

PRECONCEITOS E AUTÉNTICOS CONCEITOS.


QUEM CONSEGUE DISTINGUIR? 73

Decisivo para o cristáo:

COMO ORAR? 85

RESENHA DE LIVROS 94

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


y. i . < -. - u.

A PALAVRA DO PAPAGAltf"---

Há certas verdades que a arte exprime com fór§a pró-


pria: em termos suaves, mas extremamente penetrantes, ela
deleita e simultáneamente ajuda a pensar.

É éste o caso — pode-se dizer — da "Prece do Papagaio",


devida a alguém que se tem esmerado por encontrar ñas rea
lidades concretas (o poste, o papagaio, a flor...) ligóes de
alta sabedoria. Fale o poeta:

"Senhor, agradeco por ter sido criado papagaio. Gosto da minha


sorte entre os animáis. Sou privilegiado, eu falo, canto e assobio.
Tenho meus limites, mas quem nao os tem? Agradeco sensibilizado,
Senhor.

As vézes, sinto até um certo orgulho. Os homens contam as minhas


piadas. Piada de papagaio sempre é bem ouvida; pena que éles misturem
tudo! Nem eu sei, as vézes, quem é o homem e quem é o papagaio,
na piada. Fazem-me dizer coisas déles. Tenho a impressáo, até, de que
colocam na minha boca certas coisas íntimas, déles, que nao tém
coragem de dizer como sendo déles. Mas eu os perdoo, porque cíes me
apreciam. Só que nao sou tío malicioso como éles me fazem ñas piadas;
nem táo distribuidor de sorte como éles pensam.

Rezo pelos homens, para que sejam homens de fato. Acho que éles
sao multo parecidos comigo, mesmo que éles pensem ser mais parecidos
com o macaco. Afinal sou eu que falo, canto como éles. O macaco
nao faz nada de tudo isto. Nao faco questáo de que éles sejam papa-
gaios; que éles sejam homens, Senhor!

As vézes, alguns homens sao chamados de papagaios. Eu nao me


ofendo, c claro. Mas faco questáo de que o homem seja homem. Use a
sua inteligencia, nao sómente a voz. Nao faca como eu, que nao consigo
formar frases por mim. Só repito palavras que ouco. Nao leves a mal,
Senhor; os palavróes que eu repito nao sao meus, nem sao daqueles
de quem eu os aprendí. Quanta gente repete, apenas, o que ouviu dizer!
Senhor, só urna coisa eu peco: que eu seja o papagaio e que o homem
seja homem. Estou com clúmes do meu privilegio. Eu fui criado papagaio
e quero morrer papagaio ajustado. O homem viva sua vida de homem
livre, use sua voz com inteligencia e coracáo. Papagaio sou eu. Senhor,
peco-Te que minha raca nao seja destruida. Aceito a gaiola sob urna
condicáo: de ser eu o papagaio. Assim seja!"

Angelo Costa

— 45 —
Ao percorrer estas linhas finas e satíricas, qual leitor nao
terá percebido suas ressonáncias íntimas?

A "Oragáo do Papagaio" lembra, antes do mais, o valor


da palavra. Esta é expressáo da dignidade humana em meio
aos demais seres que nos cercam. Falar é a manifestado da
inteligencia humana e de tudo que a acompanha: afetos, an-
seios, expectativas, angustias... Pela palavra o homem pode
exprimir a sua personalidade, comunicar a sua riqueza inte
rior, reerguer os seus semelhantes, construir o mundo...
Uma palavra bem colocada é, as vézes, mais valiosa do que
urna quantia de dinheiro, pois nao raro atinge mais o ouvinte
como ser humano. Até mesmo a palavra de gracejo deve ter
sua grasa (beleza), seu encanto, sua mensagem, evitando a
bestialidade!

Mas — lembra também a "Oragáo do Papagaio" — quan-


to vilipendio nao se faz da palavra t Muitas vézes, em lugar de
exprimir a racionalidade do homem, ela paténtela irraciona-
lidade e degradagáo. É palavra de papagaio, e nao de homem.

Palavra de papagaio..., palavra nao pensada ou talvez


repetida quase inconscientemente, pelo fato de estar na moda
ou ser onda. O receio de nao estar na ponta da crista pode
levar muita gente a dizer (e praticar) coisas tolas só porque
"todo o mundo" as diz (e pratica): sao papagaiadas ou, mais
vulgarmente, "besteiras". — Nessas circunstancias, como é
belo ver alguém que nao vai simplesmente na onda, porque
usou um pouco mais atentamente da sua inteligencia! Ou-
sando nao entrar no "coro", essa pessoa talvez passe a ser
vista com olhos estranhos, mas, em última análise, está benefi
ciando a seus semelhantes, pois os está despertando para que
nao venham a ser papagaios.

Senhor, compreenda eu a mensagem do papagaio! Ao


vé-lo a ornamentar nossas casas, possa eu pensar no que ele
insinúa: "O homem viva sua vida de homem..., use a voz
com inteligencia e coragao. Papagaio sou eu... Aceito a gaiola
sob uma condigáo: de ser eu o papagaio".

Quanto a mim, procurarei ser HOMEM, portador da Pa


lavra da Verdade e do Amor até as últimas conseqüéncias!

E. B.

— 46 —
"PERGUNTE E
RESPONDEREMOS"
ANO Xin _ N.° 146 FEVEREIRO DE 1972

A fé é algo de razoável?
Se é razoável, por que tanta
gente nao eré?
Em suma, como se pode
chegar a ter fé?

Em síntese: A fé nao é algo de irracional ou absurdo; nao pode


ser tida como um desafio a razáo humana.

Fé tamben? nao é experiencia religiosa cega que cada homem


possa fazer em seu íntimo, experiencia subjetiva que dispense sinais
objetivos capazos de caractcrizñ-la c mnnifcslá-ln.

A fé, ao contrario, tem algo de racional. Ela interpela, antes do


mais, a razáo humana. Com efeito, a fé está assentada sobre fatos
históricos que a razáo pode investigar mediante métodos científicos.
A inteligencia assim verifica os "porqués" da fé é chega á conclusáo
de que é razoável crer. Diz S. Tomás: "Eu nao acreditaría se nao
visse que devo acreditar".
Todavía o objeto da fé é transcendental; trata-se de verdades
evidentes para Deus, mas inevidentes para nos. Por isto o ato mesmo
de fé ("creio") é proferido pela inteligencia movida pela vontade.

Além da agáo da inteligencia e da vontade do homem, requer-se


o influxo da grac,a de Deus para que a criatura faga urna profissáo
de fé.
Ora há obstáculos que entrayam a agáo da inteligencia, da vontade
e da graga de Deus. É o que explica que muitos homens nao cheguem a
crer. Eis os obstáculos:

No que concerne á razáo: há homens que nao créem ou porque


nao raciocinam sobre o problema religioso, ou porque raciocinam
superficialmente, ou porque raciocinam mal (na base de preconceitos
ou de nogóes falhas, se nao erróneas e caricaturadas).
4 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

No que concerne á vontade: muitos nao créem ou porque nao


querem assumir as conseqüéncias práticas (mudanga de vida) de urna
profissáo de fé, ou porque nao os atrai a incoeréncia de vida daqueles
que dizem ter fé.

No que concerne á graga de Deus: é certo que Deus quer que


todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade
(cf. 1 Tim 2,4). Por isto Deus fala a todos mediante a voz da cons-
ciéncia. Mas Deus quer falar aos homens também pela pregagáo do
Evangelho na hora e ñas circunstancias que Ele, em sua sabedoria,
determina. Ora a pregagáo do Evangelho foi confiada aos cristáos.
Por isto, os discípulos de Cristo deveráo empenhar-se zelosamente
para que todos os homens cheguem ao conhecimento da Boa-Nova:
cada cristáo proceda como se a fé dos seus semelhantes dependesse
do testemunho pessoal de cada discípulo de Cristo.

Comentario: O problema do ateísmo de nossos dias tem


sido repetidamente abordado em PR; cf. 92/1967, pp. 321-333;
97/1968, pp. 28-35; 107/1968, pp. 449-458; 109/1969, pp. 1-15.
O presente artigo tem em vista a maneira como alguém
possa chegar á fé. Sao muitas as pessoas inteligentes e ho
nestas que desejariam aceitar Deus e a sua Palavra, mas
nao véem como chegar a isto. Sao muitos também aqueles que
podem ou desejam ajudar tais pessoas a chegar á fé.

1 . Os caminhos que levam á fé

1. Observando a historia dos homens, verifica-se que


sempre foram muito variadas e numerosas as vias que con-
duziram e conduzem á fé. A análise das grandes conversóes
o prova com clareza: alguns chegaram á fé através da dor;
outros, mediante a arte; mais outros, pelo testemunho de
vida de um cristáo convicto; outros mais, pela verificagáo
da insuficiencia humana ou ainda mediante a leitura do
Evangelho e o fascinio exercido pela personalidade de Cristo.

Estas e outras muitas vias sao caminhos pessoais ou


subjetivos de acesso á fé. Todavia a quem pega que se lhe
indique a via objetiva paTa chegar á fé, nao se pode propor
um caminho que dependa de situagóes particulares e da
sensibilidade subjetiva desta ou daquela pessoa: "Tente a
prova da dor... Dedique-se á arte... Espere urna emogáo
mística ou pega urna visáo sobrenatural..." Ao invés, é
preciso que a tal pessoa se proponha um itinerario capaz de
valer para todos os homens, itinerario válido em si, inde-

— 48 —
POR QUE TANTA GENTE NAO CRÉ?

pendentemente destas ou daquelas circunstancias (emotivi-


dade, interésses culturáis, aptidoes intelectuais...) em que
se ache a pessoa interessada. Ora ésse itinerario válido para
todos comega necessáriamente pelo raciocinio ou pelo em-
prégo da razáo.

2. O papel da razáo diante do problema religioso é (fora


casos excepcionais) de capital importancia...

...De capital importancia para aqueles que nao tém


fé, como acaba de ser insinuado. Muitas pessoas nao tém fé
simplesmente porque nunca tiveram urna apresentagáo
auténtica da mensagem da fé; só conhecem Deus e os valores
religiosos através de referencias pálidas ou falhas ou mesmo
através de exposigóes caricaturadas ou historias de impor
tancia secundaria... Se conhecessem melhor a mensagem
da fé, prestar-lhe-iam a sua adesáo.

... De capital importancia também para aqueles que já


tém fé. O raciocinio fornece a justificagáo ou os "porqués"
da fé; a inteligencia, que nao cessa de propor problemas a si
mesma, exige que todo individuo raciocine sobre a fé. Mais
ainda: a vida moderna, sugerindo objegoes e dúvidas sobre a
religiáo, impóe ao homem de fé que refuta sobre essas difi-
culdades para poder responder a si mesmo e também as
numerosas pessoas que lhe ocorrem com suas questóes reli
giosas. A estas pessoas nao se pode satisfazer aprcsentando
emogoes e experiencias subjetivas; é necessário aduzir provas
racionáis e documentos históricos.

Eis a oportuna observagáo do teólogo alemáo Lang:


"Todo homcm tem o direito e o dever de examinar se a propalada
pretensáo de Cristianismo de que há ama religiáo revelada, é plena
mente justificada diante da ciencia e da ccnsciéncfa. Urna fé que fóssc
apenas risco cegó, seria fé destituida de seriedade, aventara indigna
e irresponsável".

2. Fé será conclusao de raciocinio?

As afirmagóes ácima nao significam que a fé se reduza


a conclusóes da lógica e do estudo. Nao; a razáo prepara a fé,
mas nao a produz; o exame crítico da religiáo dispoe para
a fé, mas nao a impóe. A razáo dá a ver a conveniencia
lógica e moral de crer, mas nao obriga a crer. Após todos
os estudos teológicos que empreenda, a inteligencia humana

— 49 —
6 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

permanece sempre livre para aceitar ou nao as proposites


da fé.

E por qué?

— Podemos afirmar urna verdade


ou por causa da evidencia mesma dessa verdade,

ou porque é um fato de que somos testemunhas ime-


diatas,

ou porque é um fato que outros nos atestam de ma-


neira digna de crédito.
Nos dois primeiros casos, a inteligencia (excetuadas si-
tuagoes de anormalidade psíquica) nao é livre para aceitar
ou nao; ela vé claramente a verdade e nao a pode negar;
assim a proposigao 2 + 2 = 4 se impóe necessáriamente
(o mesmo se diga da sentenga: "O todo é maior do que
qualquer das suas partes" ou ainda do teorema: "A soma
dos ángulos de um triángulo é igual a dois ángulos retos").

O mesmo nao se dá quando chegamos ao conhecimento


de urna verdade únicamente mediante o testemunho de
outrem. Essa verdade fica sendo velada em si mesma. Tal
é o caso dos acontecimentos históricos do passado; nao os
presenciamos; aceitamo-los porque outros homens no-Ios
comunicaram mediante suas palavras ou seus escritos. Antes
que aceitemos tais acontecimentos, precisamos de aceitar um
conjunto de outras coisas: a honestidade de quem atesta, a
fidelidade do seu testemunho, a exclusáo de interferencias
estranhas, etc.

Ora algo de semelhante se dá com as verdades da fé.


Elas estáo associadas a acontecimentos remotos (a vida e a
pregagáo de Cristo, por exemplo) que recebemos por teste
munho de outros homens (profetas, apostólos, evangelis
tas...). Além disto, o conteúdo mesmo das proposic.óes da
fé ultrapassa (embora nao contrarié) a capacidade da nossa
inteligencia; nao é evidente por si. Assim, por exemplo,
podem-se apresentar varios argumentos que provem a Divin-
dade de Cristo; mas a conclusáo de que urna pessoa seja
verdadelró homem e verdadeiro Deus, permanece para sempre
incompreensível á razao humana. A inteligencia nao é obri-
gada a aceitar tal proposigáo como se fósse evidente por si
(a evidencia da proposigao 2 + 2 = 4 é tal que a inteligencia

— 50 —
POR QUE TANTA GENTE NAO CRÉ?

é obrigada a professá-la, aínda que isto lhe traga conseqüén-


cias penosas).

" Como entao a inteligencia dirá o seu Sim as verdades


da fé?

Para que diga o seu "Sim; creio", requer-se que a vontade


intervenha e a mova. Por conseguinte, nos só eremos se, além
da nossa inteligencia, a nossa vontade se empenhe (ao passo
que dizemos "dois mais dois sao quatro", aínda que nossa
vontade se rebele contra tal realidade).

Ademáis é preciso notar que um terceiro elemento — a


graga de Deus — deve entrar em agao para que alguém possa
ter fé. Na verdade, a fé é um dom de Deus, é algo de sobre
natural; nao é mero resultante do trabalho humano. Esta
proposigao, á primeira vista, talvez desconcerté, porque parece
implicar que de nada servem os esforgos humanos. Nao seja
esta a conclusáo; Deus a ninguém se subtrai. As dúvidas a
respeito seráo dissipadas a p. 59, quando voltarmos a falar
déste terceiro elemento.
Por ora interessa fixar com a máxima clareza possível
o papel da razao na preparagáo e na profissao da fé.

3. O papel da razao diante da fé

1. Nem todos os homens religiosos concordam em atri


buir & razáo urna fungao própria na profissao da fé.
a) Houve, na historia, correntes de pensamento que
apresentaram a fé como um risco, um belo risco, ou um desafio
para a razao. Já Tertuliano (t após 220), em sua dialética,
dizia: "Creio porque é absurdo (Credo quia ábsurdum)".
Nao se poderia julgar que, quanto mais dada ao absurdo e
desconcertante, tanto mais a fé é fé?

A esta questáo é preciso responder negativamente. A fé


nao é um jógo aleatorio, é o que de mais firme possa haver
na vida de um homem. A fé é urna certeza que se deriva do
fato de que Deus, a Verdade mesma, se dirige ao homem para
responder as interrogagoes de sua inteligencia e de seu
coragáo.
b) Há também quem diga que a fé se identifica sim-
plesmente com a experiencia religiosa que cada um faz em

— 51 —
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

sua vida particular; é um encontró estritamente pessoal e


íntimo entre Deus e a alma ou um fenómeno meramente
subjetivo. Por isto a fé nao precisa nem de provas nem de
justificativas; a fé também dispensa fórmulas fixas que a
manifestem; ela se exterioriza quando e como o julga oportuno
o respectivo sujeito.
Verifica-se, porém, que tal teoría reduz a fé a mero fenó
meno psicológico, destituido de características objetivas; seria
um fato meramente humano natural, e nao um encontró real
com Deus. Se tudo na fé é subjetivo, fácilmente se pode
concluir que também Deus, sua palavra e sua vontade, sao
fenómenos subjetivos e meros estados de alma ou efeitos
psicológicos. A religiáo se reduz entáo a sentimento e emogáo
apenas.

c) Na verdade, a Revelagáo crista nao é algo de mera


mente subjetivo, mas, sim um dado objetivo, histórico e histó
ricamente documentado: Deus falou aos homens no decorrer
dos séculos e Ihes propós os seus designios de amor. Por
conseguinte, compete aos estudiosos da historia investigar
ésses acontecimentos, e assim por em clara luz os fundamentos
da fé crista.
Nao se pode negar que a fé e a Religiáo satisfazem ás
mais espontáneas exigencias da natureza humana; falam viva
mente aos sentimentos e á emogáo. Isto, porém, nao quer dizer
que se deva excluir da religiáo o papel da inteligencia; entre
as mais genuínas exigencias da natureza humana, está, sem
dúvida, a de nos darmos conta do nosso próprio Credo, a de
investigarmos criticamente se a nossa fé corresponde a urna
realidade objetiva ou se nao passa de piedosa ilusáo. Por isto
se diz que "procurar justificar racionalmente a sua fé" é
direito e dever de todo homem.

2. Em outros termos: o homem precisa de dados cien


tíficamente certos que motivem a sua profissáo de fé. Embora
as verdades reveladas por Deus ultrapassem o entendimento
do homem, existem razoes que as tornam dignas de crédito.
Os dados da Revelagáo exigem fé, mas a razao humana exige
saibamos por que Ihes prestamos fé. S. Tomás de Aquino
repete em seus escritos: "Eu nao acreditaría se nao visse
que devo acreditar". E é com a inteligencia que vemos e pon
deramos as garantías que a fé apresenta em seu favor.
Por exemplo, para crer na Divindade de Cristo, devo ter
provas. A prova decisiva nao é o fascínio pessoal de Jesús:

— 52 —
POR QUE TANTA GENTE NAO CRÉ?

outros homens também foram fascinantes, e é por vézes di


fícil estabelecer urna graduagao entre mestres e heróis fas
cinantes. A prova decisiva também nao é a satisfagüo que
experimento por ser seguidor de Cristo: pode haver muitos
homens que sintam profunda satisfagáo por seguir Buda,
Lao-tsé, Confúcio, Maomé... A prova decisiva da Divindade
de Cristo é a Tessurreigüo corporal de Jesús Cristo; esta é algo
de objetivo; pode ser (e tem sido sobejamente) estudada por
historiadores e críticos; os testemunhos que a abonam, sao
tais que constituem sólido fundamento para que a inte
ligencia diga um "Sim" consciente e lúcido. Cf. PR 112/1969,
pp. 148-159.

3. O sentimento religioso merece aprego, mas nao deve


ser superestimado. Nao é o constitutivo do ato de fé, mas
apenas estímulo para que o homem procure ter fé e a pratique.

4. Em suma, crer nao é raciocinar


nem sentir
nem emocionar-se
nem exaltar-se.

Crer é estar convicto; mas é mediante o raciocinio e a


pesquisa que nos tornamos convictos.

5. Eis as principáis questóes que alguém pode precisar


de abordar antes de aderir ás proposites da fé:

Deus existe realmente1! Como se poderia ter certeza ra


cional da sua existencia?

Jesús Cristo é figura histórica ou mítica? Foi mero


homem ou Deus e homem?

Os Evangelhos merecem crédito? Transmitem fielmente


a vida e a mensagem de Cristo?

A Igreja Católica continua auténticamente a obra de


Cristo, ministrando de maneira íntegra a salvagao apregoada
por Jesús Cristo?

Estes temas sao estudados a fundo em bibliografía espe


cializada (parcialmente indicada no fim déste artigo), assim
como em palestras e cursos ministrados em escolas ou insti-
tuigóes de fonnagáo religiosa.

É preciso agora considerar

— 53 —
10 "PBRGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

4. Os obstáculos á fé

Como foi dito atrás, tres sao os elementos que concorrem


para que o homem chegue á fé: a razáo, a vontade üvre
e a graga de Deus. Na verdade, a razao diz "Sim" as propo-
sigóes reveladas impelida pela livre vontade, sob a agáo da
graga de Deus. Nenhum déstes tres elementos pode estar au
sente á origem da fé, mas nenhum é suficiente por si só.

Ora motivos diversos podem entravar a agáo da inteli


gencia, da vontade ou da graga de Deus — o que explica que
muitos homens nao cheguem a crer.

Vejamos, pois, quais os obstáculos que se opoem ao acesso


do homem a fé.

4.1. Da parte da razao

a) Há pessoas que nao créem porque nao raciocinam


sobre o problema religioso. E nao raciocinam, porque

ou nao dáo importancia ao assunto


ou nunca tiveram instrucao religiosa própriamente
dita... ninguém lhes deu a ver os valores religiosos, colo
cando-as em presenga da auténtica mensagem crista.
b) Outros há que nao créem, porque raciocinam super
ficialmente. Nao refletem, nao encontram tempo para me
ditar, absorvidos que estao pelo tumulto das preocupagóes da
vida. As vézes sao seduzidos por valores transitorios (posses,
prestigio, poderio, partido político, cultural...) que, para éles,
se podem tornar auténticos ídolos "religiosamente" cultuados.

c) Por fim, há também os que nao créem, porque racio


cinam mal ou erradamente. E raciocinam mal

ou por causa da educacao que receberam,

ou por motivo de preconceitos disseminados na fa


milia, na escola, no ambiente de trabalho, na imprensa...
Uns tém a religiáo ha conta de entrave da liberdade, da cien
cia e do progresso... Outros pedem demonstragóes matemá
ticas, quando a índole do assunto só permite que se lhes
apresentem razoes de ordem moral...

— 54 —
POR QUE TANTA GENTE NAO CRÉ? 11

Em suma, pode-se dizer que, quando a inteligencia nao


funciona devidamente, a religiSo, longe de progredir, só tem
a recear menosprézo ou mesmo impugnagáo.

Abaixo vao citados alguns testemunhos de grandes vultos


da humanidade que atestam quanto a deficiencia de conhe-
cimentos religiosos é nociva ao homem:

Guerra Junqueiro (1850-1923), famoso literato em seu tempo,


escreveu acerba crítica ao catolicismo intitulada "A Velhice do Padre
Eterno". Eis, porém, que a respeito dessa obra o próprio autor assim
se pronunciou em suas "Prosas dispersas" publicadas em 1921:

"Eu tenho sido, devo declará-lo, muito injusto com a Igreja. 'A
Velhice do Padre Eterno' é nm livro da mocidade. Nao o escreveria
já aos quarenta anos. Animou-o e ditou-o o meu espirito cristao,
mas cheio ainda de um racionalismo desvairador, um racionalismo
de ignorancia estreita e superficial. Contendo belas coisas, é um livro
mau e muitas vézes abominável" (p. 12).

Depois de notar como quase todos os grandes vultos da literatura


portuguesa no sáculo passado (Eca de Queiroz, Ramalho Ortigáo,
Antero de Figueiredo, Oliveira Martins) com o passar dos anos foram
voltando ao Cristianismo, que hostilizaram nos anos de sua juventude,
o mesmo Guerra Junqueiro (que seguiu semelhante itinerario) con-
cluiu: "É preciso dar volta á vida para compreendermos bem"
("Prometeu libertado", pp. 28-32). — "Compreender bem" aqui tem
em mira a Religiáo.

O caso de Rui Barbosa (1849-1923) também é significativo. Exi


lado na Inglaterra, o sabio, incrédulo como era, teve a ocasilo de ler
o livro de A. Balfour sobre as bases da fé ("The Foundations of
Belief"). A leitura sugeriu-lhe a seguinte observacáo:

"Ele responde como urna forte voz interior á situacáo atual do


meu espirito" (Cartas da Inglaterra. Sao Paulo 1929, p. 212).

Muitas das objecóes anti-religiosas de Rui assim foram-se dissi-


pando para dar lugar a novo modo de considerar a fé, como confessa
o próprio escritor:

"As superficialidades da crítica vulgar acharáo naquelc trecho


muito ante que baixar os olhos. Sente-se ali a que ponto a onda
invisível das tradicóes sagradas permeia os interésses humanos, e
admira-se a atualidade eterna das solucóes religiosas por entre o variar
infinito dos tempos, das coisas, dos sistemas" (ob. cit., p. 206).

A religiáo ficou sendo, para Rui Barbosa, o valor primordial do


povo inglés:

"Pelo senso religioso, ele (o povo inglés) fez o scu caráter. É a


condicáo fundamental, onde se habilitou a possuir o mundo. É a pri-
meira fase e a contribuicáo mais importante para o seu sistema orgá
nico, como a célula nervosa no animal" (ob. cit., p. 169).

— 55 —
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

De entáo por diante, Rui Barbosa mais e mais se íoi aproximando


da verdade religiosa.

Paúl Claudel (1868-1955) aos 18 anos terminava seus estudos no


Liceu "Louis-le-Grand". Entáo admirava Renán, e professava o culto
exclusivo da ciencia. Ele mesmo descreveu o seu estado de alma na-
quela fase de vida:

"Evoquem-se estes anos tristes de 80, a época do pleno desabro


char da literatura naturalista. Nunca pareceu mais firme o dominio
da materia. Os grandes nomes na arte, na ciencia, na literatura eram
todos irreligiosos... Renán imperara. Foi ele quem presidiu a última
distribuicáo de premios do Liceu 'Louis-le-Grand', á qual eu assisti
e creio que fui coroado por suas máos ... Vivía entáo na imoralidade, e
pouco a pouco cai num estado de desespero ... Esquecera completa
mente a religiáo; a respeito desta, a minlia ignorancia era a de um
selvagem" (cf. J. Calvet, "Le renouveau catholique dans la littérature
contemporaine". Paris 1927, p. 189).

Claudel teve mais tarde a felicidade de melhor conhecer a religiáo


e tornar-se um de seus grandes arautos.

Pode-se citar também o testemunho de S. Agostinho (t 430). Em


sua procura de verdade, aderiu ao maniqueísmo e repetiu as acusacóes
que éste inspirava contra a Igreja Católica. Mais tarde, tendo-se aproxi
mado do Catolicismo, confessou:

"Confundia-me, convertia-me e alegrava-me, meu Deus, porque a


vossa única Igreja, corpo do vosso único FHho, onde, sendo eu menino,
puseram sobre mim o nome de Cristo, nao tinha ressaibo daquelas
fábulas pueris... Comecava a parecer-me que se podia defender o
que F.la dizia... A fc católica assim me parecía nao vencida, ainda que
nao de todo me parecesse vencedora" ("Confissóes" 1. V, c. 4 c 14).

Estes -poiicos depoimentos bastam para ilustrar o papel


altamente valioso do estudo e do reto raciocinio frente á
Religiáo.
Passemos agora aos obstáculos á fé provenientes

4.2. Da parte da vontode

Há pessoas que nao créem nao porque ignorem as ver


dades da fé ou tenham contra elas alguma objecáo razoável,
mas porque simplesmente nao querem crer. E nao querem
crer

a) ou por motivos de ordem moral: abracar a fé impli


caría para essas pessoas mudanca de vida, combate á paixáo,
á soberba ou ao vicio... Ora a vontade apegada ao desmando
nao pode mover a inteligencia a dizer o seu "Sim" as verdades
da fé.

— 56 —
POR QUE TANTA GENTE NAO CRE? 13

b) ... ou por desilusüo causada pelo comportamento


incoerente dos que dizem ter fé. Multas talvez nao se queiram
aproximar da religiao por consideraren! o contra-testemunho
dos que créem. Na verdade, o Concilio do Vaticano II apon-
tava, entre as causas do ateísmo moderno, o comportamento
contraditório de cristáos inconscientes de suas responsabili
dades (Cf. Const. "Gaudium et Spes" n.° 19).

A respeito de obstáculos de índole moral, váo abaixo con


signados alguns depoimentos significativos:

O orgulho obceca o homem e impede-o de ver os sinais de


Deus... Marcelin Berthelot (1827-1907), um dos grandes
químicos de sua época, era ateu. Escreveu o seguinte:

"Para que a ciencia nao se fragmente em especialidades, é mister


que naja pelo menos um cerebro capaz de abrac.á-la no seu conjunto.
Ésse cerebro, creio ter sido eu; receio ser o derradeiro" (referido por
Paúl Pinlevé, "Le Temps" 20/3/1907).

Estas palavras, que dispensam qualquer comentario,


provinham da mesma mente que professava o ateísmo.

E. Renán (1823-1892), um dos grandes adversarios do


Cristianismo no século passado, nao hesitava dizer:

"Éste (o homem que pensa) é o próprio Júpiter Olímpico, que


julga tudo e por ninguém é julgado" ("Souvenirs d'cnfance et de
jcunesse". Paris 1925, p. 409).

"Fui o único, em meu sáculo, que pode compreender Jesús e


Francisco de Assis" (ob. cit., p. 130).

''Tudo ponderado, se eu tivesse de recomecar a minha vida, com


o direito de a corrigir, eu nada mudarla nela" (ob. cit., p. 320).

Os vicios da carne sao outra grande fonte de obscureci-


mento da inteligencia frente a Deus. É o que atesta o histo
riador e apologista francés Louis Baunard:

"Posso testemnnhar que, muitas vézes, tive ocasiáo de descer bem


fundo, em mais de urna dessas doutas inteligencias corroídas e devas
tadas pela teofobia. Procure! nelas onde se alojara o microbio do
ateísmo. Nao foi na cabeca, no cerebro, que o encontrei; foi na cons-
ciéncia, no coracáo, nos sentidos; lá estava ele" ("Le vieillard". Paris
1916, p. 83).

Paúl Bourget (f 1935) observava muito sabiamente:

"Quem nao vive como pensa, acaba por pensar como vive." -

— 57 —
14 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

Sao palavras do filósofo alemáo hegeliano Fichte (1726-


-1814):

"Se minha vontade é reta, se ela tende constantemente para o


bem, a verdade se revelará sem dúvida á minha inteligencia. Eu sei
que nao pertence só ao pensamento produzir a verdade" ("Destination
de l'homme", p. 132).

É o mesmo pensador quem escreve:


"Nosso sistema filosófico muitas vézes nao é senáo a historia do
nosso corac.áo" (citado por Baunard, "Le doute et ses victimes". París
1891, p. 339).

Sao de S. Teresa de Avila (f 1582) estas palavras táo


simples quanto profundas:

"A coisa mais razoável do mundo parece-nos loucura, quando nao


temos vontade de fazé-la" ("As Fundac.5cs" c. 5).

Malebranche (t 1715), em suas "Meditagóes cristas",


apresenta as seguintes consideracóes sabias e piedosas:
"Aprende hoje, diz o Verbo Divino, que cu nao sou sómente a
verdade eterna, mas também a ordem imutável e necessária; como
verdade, ilumino os que me consultam para se tornar mais sabios;
como ordem, regulo os que me seguem para se tornar mais pcrfci-
tos... Nao me consulten! só como verdade, mas também como ordem,
e eu.disciplinara o teu amor, comunicar-te-ci a vida, dar-tc-ei a fórc.a
de vencer tuas paixóes e te farei partícipe de minha gloria e de
minha bem-aventuranca por toda a eternidade. Mas, se só me con
sultares como verdade, passarás por sabio na estima dos que vivem
ñas trevas. Mas, por fim, cansar-me-ei de tuas importunidades, aban-
donar-te-ei a ti mesmo; serás escravo de tuas paixóes durante a tua
vida, e vítima de minha justica durante a eternidade" ("Méditatious
chrétiennes", III Med.).

O grande apologista católico Ollé-Laprune (t 1898) es-


creveu belas páginas sobre a certeza da fé, das quais vai aqui
extraído o seguinte trecho:

"As coisas moráis, as coisas divinas escapam aos que nao as vivem
nem as querem viver. O desprézo ou a negligencia torna incompe
tente. A boa vontade nao constituí a fé, mas a prepara; nao faz nascer
a luz, mas dispoe o espirito para vé-la. Nao chegamos a crer as coisas
porque desejamos que sejam; chegamos a ver que sao na realidade,
porque desejamos, custe o que custar, ver, nao o que agrada, mas
o que é" ("La certitude morale". Paris 1928, p. 413s).

Na verdade, as disposicóes do individuo tém enorme


importancia na atitude que tomará frente as verdades da fé.
Nunca se poderá incutir demais que o amor sincero á ver
dade, colocado antes e ácima de tudo, é a melhor preparacáo
para o ato de fé.

— 58 —
POR QUE TANTA GENTE NAO CRfi? 15

Resta considerar o terceiro elemento necessário para que


alguém chegue a crer:

4.3- A gra;o de Deus

É certo que Deus quer que todos os homens cheguem ao


conhecimento da verdade e se salvem (cf. 1 Tim 2,4). Por isto
Deus nao deixa de falar a todo homem ao menos pela voz da
consciéncia; esta, inata como é, vem a ser o reflexo da voz
do Criador; os que nunca ouviram a pregagáo do Evangelho,
mas seguem fielmente os ditames da consciéncia em plena
boa fé, salvam-se, como já foi dito em PR 97/1968, pp. 28-35:
embora a salvagáo seja sempre dada por mediagao de Cristo
e da Igreja, ela se estende a todos os que, sustentados pela
grasa de Deus, vivam de boa fé fora da Igreja visível.

Deus, porém, quer revelar-se aos homens também me


diante a pregagáo do Evangelho. Tendo o Pai enviado seu
Filho á térra para anunciar a Boa-Nova, é para desejar que
todos os homens cheguem ao conhecimento do Evangelho.

Todavia a adesáo de todos os homens ao Evangelho nao


se dá

a) em parte, porque nem todos foram evangelizados. Tal


é o caso de numerosos adeptos de crengas erróneas e de muitos
ateus que nunca ouviram clara apresentagáo do Evangelho.
O Senhor, em sua sabedoria, quis que a Palavra de Deus seja
transmitida aos homens mediante o ministerio dos homens
mesmos. Ele dispós, por isto, que uns chegariam á fé mediante
o zélo apostólico de outros.

Consciente disto, cada fiel católico está obrigado a se


empenhar pela difusao da Palavra de Deus ou das verdades
da fé; cada um proceda como se a salvagáo de muitos depen-
desse estritamente de seu testemunho pessoal. Conseqüente-
mente procure ser portador da fé para os homens com quem
convive, ou (caso tenha de Deus a vocagáo especial) para os
que vivem em térras pagas.

Nao é lícito a um fiel católico permitir que ésse zélo


apostólico esmorega sob pretexto de que também pode haver
salvagáo para aqueles que de boa fé professam o erro reli
gioso. O caso de tais homens foge aos trámites comuns da
salvagáo. Jesús mandou pregar a todos os povos até os confins
da térra (cf. Mt 28, 19s). Ademáis nao é normal que os

— 59 —
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

homens, feitos naturalmente para a verdade, permanegam


no erro religioso (que, objetivamente falando, é o mais grave
de todos) por inercia ou incuria daqueles a quem Deus con-
fiou gratuitamente o depósito da íé; tal incuria poderia ser
severamente julgada pelo Juiz Eterno. Persiste, portanto, para
todo católico o grave dever de contribuir para que os homens
que nao créem por falta de evangelizagáo, cheguem quanto
antes á fé.
b) Há também os que nao créem porque ainda nao
chegou a hora em que Deus lhes quer dar a sua graga. Sao
Paulo, Santa Maria Madalena, S. Agostinho, S. Norberto, S.
Inácio de Loiola e outros muitos só receberam o dom da con-
versáo em idade adulta, após varias peripecias. Deus o per-
mitiu por motivos que nao podemos estritamente assinalar,
mas muito provávelmente para que valorizassem mais ainda
o dom da fé e a misericordia do Salvador (tornaram-se con-
seqüentemente grandes santos).
Sabe-se também que muitos só recebem a graga eficaz da
conversao na hora da morte, como o ladráo arrependido de
que fala o Evangelho (cf. Le 23,43). Ao fiel católico compete
respeitar e adorar os sabios designios de Deus assim mani-
festejados; é certo que o Senhor a ninguém faz injustiga, mas
a cada um destina os dons de sua misericordia em circuns
tancias que só file sabe avaliar.
É através de tais consideragoes, delicadas e profundas,
que se pode elucidar como a fé crista tem algo de racional e,
nao obstante, nem todos os homens a ela chegam.
Bibliografía:
J. Girardi-J.F. Six. "L'athéisme dans la vie et la culture contem-
poraines". Desclée 1968.
Leonel Franca, "A psicología da Fé". Rio de Janeiro2 1935.
De Finance, Korinek, Lotz..., "Psicología deJl'ateismo". Roma
1968.
Jemolo, Haering,. Girardi, "Perché non credo?" Assisi 1968.
Giovanni Albanese, "A procura da íé". Sao Paulo 1971.
Camelot, Daniélou, Flick, "Dialogues sur la foi". Paris 1968.
Rene Laurentin, "Dieu est-il mort?" Paris 1968.
Wolfgang Trilling, "Jésus devant l'histoire". Paris 1968.
Domenico Grasso, "II problema di Cristo". Assisi 1965.
Jacques Leclercq, "Croire en Jésus Christ". Casterman 1967.
Juan Arias, "O Deus em quem nao creio". Porto 1971.
Jesús Rivera, "Peregrino da luz". Braga 1971.

— 60 —
Que dizer?

"O Mal e o Sofrimento


Existem no Mundo.
Logo Deus Nao Existe"

Em síntese: Para nao poucas pessoas, a existencia do mal parece


demonstrar que Deus nao existe.

Em vista déste problema, consideremos os diversos males que


afligem o homem:

Alguns sao produzidos pelo desencadeamento das fórgas e das


leis da natureza (inundacóes, terremotos, doengas, morte); outros se
devem á livre agáo do homem (guerras, homicidios, racismo, terro
rismo. ..).

Deus poderia suspender ou modificar a agáo das criaturas, todas


as vézes que estas estivessem para produzir urna desgraga física ou
moral. Em tal caso, o homem nao seria própriamente livre, mas tele
guiado, e viveria num mundo artificial, sem leis estáveis. Ora tal nao
é o designio de Deus.

Deus respeita a natureza das criaturas que Ele fez e, em par


ticular, respeita a liberdade do homem; Deus é o pai de que fala a
parábola do filho pródigo (Le 15); permite ao homem usar de sua
liberdade, pois, em caso contrario, poderia ser comparado a um ditador
ou a um patráo paternalista. A perfeigáo de Deus se manifiesta nño
em deter a liberdade do homem, mas em sua infinita capacidade de
remediar aos males do homem, mesmo que éste se haja afastado
voluntariamente de Deus.
A existencia do mal, portanto, nao é incompatível com a exis
tencia de Deus. A fé ensina mesmo que Deus se dignou levar a
serio o sofrimento do homem, assumindo-o: Deus se fez homem em
Jesús Cristo e deu novo sentido á dor do homem, tornando-a canal
e prenuncio de vida nova e feliz. A luz de Deus e da eternidade,
o mal que na filosofia atéia é um enigma insolúvel — deixa de
ser um absurdo e um motivo de revolta para ser a escola de puri-
ficagáo e preludio da verdadeira vida.
* • *

Resposta: O problema do mal já foi repetidamente abor


dado em PR; cf. 5/1957, pp. 3-10; 32/1960, pp. 326-333.
Ñas páginas que se seguem, voltaremos a considerar o
mal, pois constituí um constante escándalo para nao poucas

— 61 —
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

pessoas; julgam ser a existencia do sofrimento entre os ho-


mens um argumento que evidencia decisivamente a náo-exis-
téncia de Deus:
"Caso se admita um Deus todo-poderoso, a realidade da
dor leva a duvidar do seu amor.

E, se se admite um Deus que ama, o mal significa que


Deus nao é poderoso.

Ora um Deus que seja fraco ou que seja sem amor, nao
éDeus.»

Procederemos, no estudo do problema, por via indutiva,


partindo de fatos concretos que excitam a reflexáo do pen
sador. Donde o roteiro: 1) Panorama do mal; 2) E Deus?
3) As leis da natureza; 4) Liberdade do homem; 5) Refor-
mula§So do problema.

1. O panorama do mal

Comecemos por tomar consciéncia dos males que mais


pesam sobre o homem:

— doengas, endientes, secas, ciclones, frió, morte...

— fome, subdesenvolvimento, ignorancia, racismo, ter


rorismo, guerras...

Quais seriam as causas imediatas de tais flagelos?

— Para responder, devemos distribuir os diversos males


em duas categorías.

a) A primeira categoría (assinalada na primeira serie


ácima) deve-se á natureza mesma dos elementos que cercam
o homem ou constituem o organismo humano. Tais sao as
doengas e a morte; devem-se ao desgaste dos componentes
do corpo humano (o corac.áo, os pulmóes e outros órgáos,
com o uso, se enfraquecem e deterioram, acarretando moles
tias e desenlace). Os incendios devem-se á natureza do fogo,
que é altamente benéfico quando aplicado á cozinha, mas
tremendamente nocivo, quando queima os movéis, as vestes
ou a habitacáo do homem. Ñas inunda§6es, a agua torna-se
daninha... a mesma agua sem a qual o homem nao poderia
viver. A barra de ferro numa oficina e a rocha numa estrada
que caiam sobre a cabera de um homem, estáo simplesmente
seguindo a lei natural da gravidade. Em suma, parte nao

— 62 —
SOFRIMENTO E DEUS __19

exigua dos fenómenos que causam sofrimento ao homem,


pode ser explicada pela natureza mesma dos elementos.

b) Outra serie de males deve-se ao próprio homem: de-


riva-se do uso desregrado da liberdade de arbitrio. Assim a
guerra, o racismo, o terrorismo, a fome, o subdesenvolvi-
mento, a miseria sao, em parte, entretidos ou agravados pelo
egoísmo, a ganancia ou a injustiga de certos homens em re-
lagáo a outros. Há molestias provocadas pelo excesso de bebi
das alcoólicas, pelo recurso a entorpecentes, pela prática do
ato sexual em ocasióes prematuras... Em tais casos, pode-se
dizer que o sofrimento tem por causa o próprio homem que
se precipita em urna situagáo infeliz: o ser humano, desres-
peitando o código de tránsito da humanidade, sofre as con-
seqüéncias naturais da desordem provocada.
Estas reflexSes, porém, sugerem ¡mediatamente

2. Urna interrógamelo

Dirá alguém com certo bom senso: Mas, se Deus exis-


tisse, nao poderia impedir o desencadeamento dos males pro
vocados pelos elementos naturais ou pelo próprio homem?

— Sim! responderíamos.

— E como julgas que Deus haveria de impedir os males


da humanidade?

— Ele o faria de duas maneiras:


a) ... ou mudando a natureza das criaturas: assim
suspendendo o poder de queimar do fogo, quando éste
se voltasse contra o homem,
detendo as leis da gravidade, quando esta provocasse
a queda de um corpo bruto sobre o trabalhador,

compensando o desgaste dos elementos (órgaos e ou


tros seres) que se usam...
Em suma, Deus interviria na natureza, a fim de que as
criaturas irracionais só agissem em sentido benéfico para o
homem.

b) ... ou detendo ou teleguiando a liberdade do


homem, a fim de que esta só optasse pelo bem, e nunca pelo
mal.
Que dizer de tais sugestóes?

— 63 —
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 148/1972

3. As leis da natureza

Nem urna nem outra proposta ácima condiz com a sabe-


doria de Deus. Aquéle que criou os seres irracionais e o
homem, respeita as leis da natureza; nao as retoca cons
tantemente, pois isto seria pouco lógico ou sabio.

Aprofundemos esta afirmagáo.

Se Deus interviesse continuamente no mundo, modifi


cando as leis da natureza, destruiría a atividade natural das
criaturas. No mundo, tudo se processaria de maneira mara-
vilhosa; nada mais seria certo ou seguro; a excegáo seria a
regra; as certezas mais obvias tornar-se-iam duvidosas. O
homem nao poderia contar com coisa alguma e a ciencia se
tornaría impossível, se as coisas mudassem de comportamento
para evitar o sofrimento do homem.

Mais aínda. Pensemos no seguinte:


Quando urna crianca que aprende a andar, cai, machu-
ca-se porque o solo é duro. Todavía lembremo-nos de que é
precisamente gragas a essa dureza que a faz sofrer, que a
crianca pode caminhar sobre o solo. Quando um trilho de
ferrovia cai sobre a perna de um homem, nos o quiséramos
leve e macio como pluma; todavia, quando tal trilho sus
tenta o peso de um trem, queremo-lo tal como é, ou seja, duro
como ago.

Vé-se, pois, que urna das condigoes do progresso cientí


fico a que o homem aspira, é precisamente a fixidez ou imuta-
bilidade das leis da natureza.

Essa fixidez faz, nao raro, o homem sofrer. Para que o


homem nao sofresse, deveria ser insensível como a pedra.
Verifica-se, porém, que quanto mais subimos na escala das
criaturas, tanto mais sofrimento encontramos; passando do
reino mineral para o vegetal, para o animal e para o humano,
mais nos defrontamos com criaturas vulneráveis. No mundo
visível que nos cerca, quanto mais um ser é perfeito, mais
é sensível e vulneravel; extinguir a sensibilidade e a vulne-
rabilidade seria extinguir a própria perfeigáo dos seres. — Tal
é a natureza, nem pode deixar de ser tal, se no mundo dese-
jamos lógica e coeréncia.

A pedra nao sofre quando é despedazada pela dinamite.


O animal, porém, urla quando é atropelado por um carro;

— 64 —
SOFRIMENTO E DEUS 21

.. .uila, porque é mais perfeito, é vivo. O homem que é aco


metido por urna doenga ou perde um filho, sofre mais ainda,
porque é mais perfeito; ele sofre, e tem consciéncia de estai
sofrendo. Onde nao há consciéncia nem sensibilidade, nao há
sofrimento, mas também nao há dignidade humana. Por con-
seguinte, a possibilidade de sofrer, e sofrer profundamente, é.
inerente á superioridade do homem sobre as demais criaturas.

Em conseqüéncia, pode-se dizer que o prazer e a dor, a


vitória e a derrota sao duas faces inseparáveis de urna só
realidade, como o sao cara e coroa de urna mesma moeda.
Consideremos agora o que diz respeito á

4. Liberdade do homem

Nao poderia Deus guiar a liberdade do ser humano (como


foi dito a p. 63), quando esta estivesse para optar pelo
mal, prejudicando a si e ao próximo?

A rigor, Deus o poderia, mas é preciso reconhecer que


destruiría a liberdade. Esta significa sempre "Sim" e "Nao";
é natural, pois, que exerga tanto urna como outra destas
opcóes.

Justamente a liberdade é o potencial que diferencia o


homem do animal irracional. O valor de um ato se deriva
precisamente da liberdade com que é praticado. O animal
irracional executa atos certeiros em virtude dos seus instin
tos; todavía tais atos nao sao livres (porque instintivos e
cegos); por isto o animal
nao falha,
mas também nao aperfeigoa o que faz,
nem tem mérito, porque nao pode deíxar de fazer o
que faz, nem o pode fazer de outro modo.

Ao contrario, o homem nao recebe seu planejamento


pronto; pode planejar, inventar, porque é livre e, por isto,
capaz de merecer.

A liberdade do homem, portante, Deus nao a teleguia nem


destrói, mas respeita-a até as últimas conseqüéncias. É o Se-
nhor Jesús quem o sugere mediante urna de suas parábolas:

Certo homem possuia grande fazenda, que ele adminis


trava com dois filhos e numerosos trabalhadores; todos se
sentiam bem na casa désse pai e patráo.

— 65 —
22 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

O mais velho dos filhos era modelar no cumprimento dos


seus deveres; passava os días no campo a auxiliar o pai. O
segundo era mais sujeito as sedugóes da fantasía; julgava
monótona a vida na casa paterna; parecia-lhe que, partindo
para a cidade, podería gozar de amigos e divertimentos e assim
preparar para si um futuro mais feliz. Em conseqüéncia, resol-
veu um belo dia pedir ao pai a sua heran?a a fim de tentar
a sorte longe do insípido ambiente da familia.
O pai nao pode ter deixado de experimentar profunda
dor ao ouvir as palavras do filho; bem previa decepgóes e
amarguras para ésse jovem inexperiente. Todavía tinha cons-
ciéncia de que quem lhe pedia o uso da liberdade era o seu
filho. Caso se tratasse de um empregado, o patrao o poderia
enviar de volta ao trabalho alegando o contrato respectivo;
se fósse um escravo, poderia também negar ouvidos ao pedido.
Mas filho é filho! O pai quis tratá-lo como tal, respeitando
a livre opcao désse ser humano, custasse o que custasse ao
genitor. Em vez de deter o filho em casa pela violencia, o pai
quis proporcionar-lhe a ocasiáo de experimentar a vida; ele
talvez voltasse mais maduro, vencido pela evidencia.
O jovem, de posse de sua heranga, se foi. Enquanto na
cidade possuia dinheiro, também tinha amigos e prazeres.
O peculio, porém, veio a esgotar-se; além disto, sobreveio a
fome na regiáo, de modo que o jovem se viu duplamente fla
gelado. Nao querendo, porém, render-se, conseguiu, a custo,
o emprégo de guarda de porcos; isto era tremendamente hu-
milhante para um judeu cuja legislacáo considerava o porco
como animal impuro e proibido. O jovem vía que os animáis
eram preferidos a ele, homem, pois o patrao mais se importava
com a subsistencia dos porcos do que com a do respectivo
guarda; éste quería saciar-se com a ragáo da manada, mas
nao o podia.
Foi entao que o rapaz, cansado de lutar, concebeu o
propósito de voltar para a casa paterna. Se ele já nao merecía
ser reconhecido como filho, julgava que o pai, nao obstante,
nao deixara de ser pai; pediría eiitao ao pai que o acolhesse
como o último dos seus mercenarios. Aconteceu, porém, que,
quando o viu regressar ao longe, maltrapilho e esquálido, o
pai lhe correu ao encontró; nao lhe perguntou onde estivera
nem o que fizera, mas levou-o para casa, mandou-o revestir
das mais belas vestes e preparou-lhe um banquete, pois, dizia,
"éste meu filho estava morto e voltou á vida; estava perdido
e foi encontrado de novo" (cf. Le 15, 11-32).

_ 66 —
SOFRIMENTO E DEÜS 23

Tal historia, segundo a intencáo de Jesús, ilustra a con-


duta de Deus em relagao aos homens. Com efeito,

Deus nao é um ditador. Os ditadores pretendem tornar


seus povos felizes, mas mediante a jorga. Na verdade, porém,
tais povos nao sao felizes, porque nao sao livres.
Deus também nao é "paternalista". Os patróes paterna
listas querem tornar seus operarios felizes como éles, patroes,
o entendem e sob a tutela dos patroes. Ora os operarios es-
timam, mais do que tudo, a sua liberdade.

Deus é Pai e, como tal, procede á semelhanca do pai


da parábola; quer que os homens usem de sua liberdade e
responsabilidade; respeita as opgdes dos filhos. Deus quis que
os homens sejam grandes nao sempre pelos seus atos (que
sao freqüentemente modestos e corriqueiros), mas, sim, pela
liberdade com que éles os praticam.

Após as considerares até aqui propostas, parece com-


preensfvel que Deus nao retoque nem a natureza das criaturas
irracionais nem a liberdade do homem.

Todavía aínda nao está resolvido por completo o proble


ma: Deus sabio, Deus todo-poderoso, Deus-Amor nada tem a
dizer diante do sofrimento do hómem?
É o que vamos ponderar abaixo.

5. Urna reformula;áo do problema

1. Até aqui a existencia do mal parecía evidente tes-


temunho de que Deus nao existe. O mal se apresenta a muitos
como enigma ou problema que nao se concilia em absoluto
com a realidade de Deus.

Tentemos, porém, urna hipótese: "Deus existe" e vejamos


se, admitida esta hipótese, o mal nao deixa de ser táo enig
mático e atroz. Assim reformula-se o problema:

Em vez de dizer: "O mal existe; por conseguinte, Deus


nao existe", tentamos considerar a fórmula:
"Deus existe (hipótese). Que sentido tomaría o mal nessa
hipótese? Que resposta daría Deus ao problema do nosso sofri
mento?"

— 67 —
24 "PESPUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

2. A título de ilustragao e justificativa déste modo de


proceder, note-se o seguinte:
Nao raro no estudo da matemática e das ciencias natu-
rais, os cientistas levantam urna hipótese ou um postulado
e, a partir déste, tentam elucidar determinado problema. Caso
obtenham a solugao atmejada, tém por comprovada a hipótese
previamente formulada.
Foi o que se deu em casos famosos, dos quais um seja
aqui citado:
Em 1946, o antropólogo noruegués Thor Heyerdahl, estu-
dando os indios do Perú e da Polinesia, julgou poder concluir
que tinham á mesma origem étnica, tal era a afinidade de
costumes entre éles vigente; adoravam a mesma divindade
chamada Kon Tiki. Ha milhares de anos, parte daqueles
homens primitivos haveria emigrado do Perú para a Poli
nesia a oito mil quilómetros de distancia ou mais, servindo-se
de barcagas. confeccionadas com troncos de árvores e corda-
mes. A hipótese de Heyerdahl, submetida á apreciagao dos
cientistas, provocou ceticlsmo; como poderiam aqueles aborí
genes navegar, éles que nao eram marinheiros e só dispunham
de machados de pedra?
O sabio noruegués, porém, nao se deu por vencido. Man-
dou construir urna embarcagáo semelhante aos modelos an-
tigos e, com cinco companheiros tenazes, partiu do Perú aos
28 de abril de 1947; 101 dias mais tarde, desembarcavam em
urna das ilhas de Tahiti na Polinesia (Pacífico). Assim a
hipótese de trabalho estava comprovada: as primitivas popu-
lagoes do Perú puderam muito bem chegar á Polinesia, utili
zando suas barcagas num trajeto de 8 ou mesmo 10 mil qui
lómetros.

3. Passemos agora á consideracáo da pergunta propos


ta: Se Deus existe, que resposta dá Ele ao sofrimento do
homem?
ELs o que responde a fé crista:
Deus se fez homem. Ele nao se deixou ficar alheio a dor
dos homens; houve por bem compartilhá-la por puro amor.
Jesús Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, é o teste-
munho vivo dessa benevolencia divina. O homem pode, sem
dúvida, apresentar a Deus muitas perguntas e muitos enig
mas; é certo, porém, que ele nao pode dizer: "Nao sabes
o que é sofrer!"

— 68 —
SOFRIMENTO E DEUS 25

Dirá alguém: "Táo bela historia nao será mera estória?


Quem ma demonstrará?"
O misterio de Deus feito homem em Jesús Cristo é estu-
dado e ilustrado pela teología; nao é temerario quem o aceita,
pois Jesús deu provas de ser verdadeiro Deus e verdadeiro
homem1. De resto, é sómente na religiáo ou, mais precisa
mente, na fé crista que se encontra luz para o problema
do mal. A filosofía sempre lutou para explicar o problema da
dor; em váo, porém. Os antigos persas e maniqueus admitiam
um Principio do mal subsistente ao lado do Principio do
bem... A última palavra da filosofía sem Deus perante o
problema do mal é o existencialismo de Jean-Paul Sartre, que
leva á náusea, á afirmagáo do absurdo e ao desespero.
Sem Deus, realmente nao se explica o mal; ao contrario,
tem-se um enigma angustiante. A luz de Deus, porém, ou aos
olhos da fé crista, o mal pode ser aceito com paz e confianga.
Com efeito, a fé ensina:
O mal nao é causado por Deus. Ele se deve ás criaturas,
que, no seu agir, sao deficientes. Deus nao impede nem en-
trava a agao natural das criaturas, mas encarrega-se de
encher o mal com a sua presenga divina e dar-lhe um sentido
novo ou transfigurá-lo.
Diz muito sabiamente Paúl Claudel: "Deus nao veio
suprimir o sofrimento, nem veio explicá-lo, mas veio enché-lo
com a sua presenga".

4. E como o veio encher com a sua presenga?


Jesús Cristo, Deus e homem, tomou sobre si o sofrimento
da humanidade até a morte de cruz, fazendo déle a passa-
gem para a ressurreigáo e a vida imortal — O P. Jacques
Loew assim comenta tal proposigáo:
"Se meu grande Deus se fez homem, amando-me até
morrer, se ele fez isto por mim, nao foi para que, apesar de
tudo, eu morra e fique sendo presa da morte.
Se Jesús Cristo é o Filho de Deus, creio na sua palavra:
'Na casa de meu Pai... vou preparar-vos um lugar' (Jo 14,2).
Se Jesús Cristo ressuscitou, foi para dar a mim, a ti, urna
vida nova.

1 Nao vem ao caso provar aquí a divindade de Jesús Cristo.


A propósito pode-se consultar PR 8/1957, pp. 3-7.

— 69 —
26 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

Deus mesmo enxugará todas as lágrimas de teus olhos


e já nao haverá morte, nem luto nem clamor nem dor, pois
essas primeiras coisas desaparecerán^
Tal benevolencia de Deus, eis o que nos espera. Estar
com Deus, nao como alguém está com o patrao, mas como
está com o amigo bem-amado...
Sem dúvida, isto tudo sao palavras, se Deus nao existe.
Palavras, sim, se Jesús Cristo nao é Deus, que se fez
homem para nos salvar.
Mas se Deus existe,
Se Jesús Cristo é nosso Deus,
Entáo tens a grande realidade, a misteriosa certeza: urna
outra vida te espera, a dor é passageira...
Tudo passa, mesmo o sofrimento; sómente o Amor nao
passa.

Vem, Senhor Jesús! Vem!"


("Fétes et Saisons" n.° 78, 1953, p. 26).

É nos termos ácima que a fé ilumina o problema do mal.


Vé-se entáo que a hipótese "Deus existe", longe de ser
contraditada pela existencia do mal, é o principio de solugao
para ésse problema; Deus quis ser nao sómente o Criador,
mas também o Recriador, o Redentor do homem que sofre.
Reconh.ec.amos que o homem poderá sempre propor a Deus
infinitamente mais sabio numerosas perguntas e dúvidas
(quem entende todos os designios do Altíssimo? quem sabe
quando ou como criou?). Nunca, porém, a criatura Lhe poderá
dizer: "Ignoras o que é sofrer! És indiferente ao sofrimento
dos homens! Brincas conosco, permitindo impassível que
soframos".
Quem ousaria censurar o Senhor Deus, desde que éste,
por puro amor e sem obrigacáo alguma, se quis envolver
no sofrimento da humanidade? A quem dá a vida pelos outros,
nada se pode objetar.
Eis a linguagem da fé. Ela, á primeira vista, pode parecer
infantil e irrisoria. Todavía quem reflete, verifica que talvez
nao seja táo tola, pois fornece luzes que a filosofía mera
mente humana jamáis concebeu. Para quem nao eré, talvez
seja interessante urna experiencia sem compromisso: crer
e... ver se, á luz de Deus, o sofrimento nao toma outro
sentido.

— 70 —
_____ SOFRIMENTO E DEU3 27

5. As consideragóes atrás propostas a respeito do sofri-


mento podem ser ilustradas mediante duas imagens:

Compare-se a vida presente a um tapete, a um belo tapete


oriental, do qual aqui na térra só vemos o lado avésso ou
inferior. Entáo é claro que nao compreendemos o sentido dos
varios fios que se entrelagam e dos ñapos que pendem désse
avésso do tapete. Todavia essa pega de arte foi feita para ser
contemplada nao do lado de baixo, mas do lado de cima;
a sua verdadeira face é a que nao vemos por ora; Deus,
porém, a vé, e nos um dia a veremos; contemplaremos entáo
o magnifico desenho que os diversos fios do tapete compoem.

Imagine-se também urna criancinha encerrada no seio


de sua máe. Admita-se que tenha consciéncia de si e uso da
razáo: ela entáo experimenta os choques misteriosos que a
sacodem; sabe que tem pulmoes, mas verifica que nao tem
ar, nem respira; tem olhos, mas nao percebe luz; possui mem-
bros (bragos e pernas), mas nao os utiliza. Tal criancinha
ignora que um dia deverá nascer ou ser dada á luz. Em tais
circunstancias, ela deve achar a sua vida absurda, e com
razio; a existencia no seio materno nao tem sentido senáo
em vista do termo a que deve chegar. — Ora algo de análogo
se dá com o homem na térra: a sua vida neste mundo nao
tem sentido em si mesma; pode até parecer absurda. Toma,
porém, o seu significado pleno quando considerada á luz da
vida eterna, para a qual o ser humano foi feito e deve tender
com todas as fibras; sómente se se admite urna vida postuma,
se elucidam misterios da vida presente.

Bibliografía:

A propósito podem-se consultar:


Jean-Claude Barreau, "Oü est le mal?" Paris 1969.
Ch. Journet, "Le mal. Essai théologique". Desclée de Brouwer 1960.
P. Siwek, "Le probléme du mal". Desclée de Brouwer 1942.
J. Javaux, "Prouver Dieu?" Desclée de Brouwer 1967.
A.-D. Sertülanges, "Le Mal".
Pedro Cerrutti, "A caminho da verdade suprema". Rio de Janeiro
1954.

"Fétes et Saisons" n.° 78, julho 1953, de que muito nos valemos no
presente artigo.
Jean-Jacques Lariviére, "Creio só neste Deus". Edisóes Paulinas,
Carias do Sul 1971.

— 71 —
Como

iim mundo melhor?


..."Debrupado sobre urna materia que
Ihe resiste, o trabalhador imprime-lhe o seu
enalto, enquanto para si adquire tenacidade,
engenho e espirito de invencao. Mais aínda,
viviílo etn comum, na esperanca, no sofri-
mento, na aspiracao e na alegría partilha-
da, o trabalho une as vontades, aproxima os
espírilos e sóida os corafóes: realizaudo-o, os
homens desv.obrem que sao irmaos."

PAULO VI
(Carta Encíclica Populorum Progressio)
marco - ¡967

ENGEFUSA
Ética- Seguranca- Pioneirismo
Moral conjugal:

Preconceitos e Auténticos
Conceitos.
Quem Consegue Distinguir?

Em sintese: O Dr. Johannes Gründel, Professor de Munique, em


conferencias proferidas no Brasil, julga que a Moral conjugal do Cris
tianismo sofreu a influencia espuria de elementos estoicos (conceitos
de leí natural), romanos (juridismo), judaicos ("impurezas rituais"),
assim como de biología arcaica. Tentando libertar a Moral crista de
tais influencias, o Prof. Gründel preconiza mais flexibilidade ou liber-
dade no uso do sexo antes e depois de se contrair matrimonio: unióes
conjugáis válidas sem contrato público, experiencias matrimoniáis fa
vorecidas pelo uso de anticoncepcionais, administracao de sacramentos
a quem vive segunda uniáo nao sacramental...

A margem das consideragóes do Prof. Gründel, pode-se observar:

— o conceito de leí natural tem fundamento nao em determinado


tipo de filosofía (estoicismo, juridismo romano), mas, sim, na sá razáo
corroborada pela doutrina básica. O homem nao é senhor de seu corpo
como é senhor dos rios que ele desvia, e das montanhas que ele
derruba. O corpo, com suas leis naturais, integra a personalidade
humana;

o prazer nao é norma última do comportamento. Isto nao quer


dizer que o Cristianismo apregoe a apatía estoica; ele apregoa antes
a metriopatia, isto é, a moderagáo dos afetos sob a regencia da sá
razao e da fé;

— os progressos da biología trouxeram grande impulso as ciencias


naturais, mas nao implicam concessóes ao derramamento arbitrario do
semen masculino. O onanismo é sempre contrario á lei de Deus, mesmo
á luz de nova compreensáo do texto de Gen 38;

quanto aos conceitos pessimistas ou exageradamente púdicos dos


antigos judeus, podem ter influenciado a Moral dos primeiros séculos
do Cristianismo, é necessário dissipá-los; isto, porém, nao justifica as
teses do Dr. Gründel.

Estas proposigóes do mestre, em última análise, pretendem guardar


nome e fórmulas tradicionais da Moral crista, atribuindo-lhes, porém,
sentidos táo matizados e subjetivos que pouco ou nada mais dizem de
sólido e seguro.

— 73 —
30 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

Comentario: A Moral está sendo repensada nos últimos


anos, procurando-se levar em conta as circunstancias iné
ditas em que vivem os homens de nossos tempos. De modo
particular, os deveres e direitos dos cónjuges váo passando
por processo de revisáo. Numerosos artigos e documentos tém
sido publicados a respeito, merecendo especial aten§áo no
Brasil o da autoría do Prof. Johannes Gründel: "A Moral
sexual e matrimonial no decorrer dos tempos" (REB, vol. 31
fase. 123, set. 1971, pp. 581-589). O Dr. Johannes Gründel,'
Professor em Munique, viajou pelo Brasil em agosto e se-
tembro de 1971, propondo em conferencias as idéias contidas
em tal artigo. Daí o interésse de se comentar ésse trabalho
— o que será feito ñas páginas seguintes.

1. Revisáo da Moral Matrimonial

O artigo se divide em duas partes, das quais a primeira


se refere as concepcóes clássicas da Moral conjugal e a se
gunda propóe "nova imagem do matrimonio e da sexuali-
dade".

1. A primeira secgáo aponta influencia de elementos


nao cristaos que teráo prejudicado seriamente a Moral con
jugal do Cristianismo. Tais seriam:
a) O conceito jurídico de natureza, vigente entre os romanos.
b) O desprézo do prazer na filosofía estoica e o conceito estático
de natureza, perfilbado pela Estoa.

c) O conceito biológico grego sobre o semen masculino (espenna)


e a conseqñente interpretado falsa do procedimento de Oná em Gé
nesis 38 (onanismo).

d). A influencia de conceitos vétero-testamentários sobre "pureza".


e) Urna apreciacáo restrita do ato sexual em si, com vistas ao
seu exercício fisiológicamente correto" (pp. 581s).

Após explicar tongamente o alcance dessas influencias,


o Prof. Gründel formula novas posicóes para a Moral con
jugal.

2. Procurando libertar as concepgóes cristas de influen


cias nao cristas, o autor propóe, entre outras, as seguintes
teses:

a) O matrimonio exige total e mutua entrega dos cón


juges. Por isto "nao tém plena justificagao as relagóes sexuais

74 —
REVISAO DA MORAL CONJUGAL 31

pré ou extramatrlmoniais. "Onde, porém, existe a disposicáo


interior á responsabilidade mutua, mas por motivos graves
nao é (ou ainda nao é) possível manifestar perante a Igreja
a vontade de casar, poder-se-ia fixar o comégo do matrimonio
já antes do casamento oficial (p. 587).

b) Quem tenha relacoes sexuais antes ou fora do ma


trimonio (coisa que o moralista nao lhe concede sem mais
nem menos), deve ao menos evitar a geragáo irresponsável
de nova vida. Donde se vé que o adulterio seria lícito em certos
casos, com o eventual uso de anticoncepcionais.

c) Na regulagáo da natalidade sao lícitas as medidas


anticoncepcionais, nao, porém, o aborto ou qualquer forma
de infanticidio.

d) Por principio, reconhega-se que o matrimonio válido


e sacramental é indissolúvel. Mas pode-se conceder a fre-
qüentagáo dos sacramentos aqueles cristáos que, tendo fra-
cassado no casamento, vivem com retidáo e fidelidade outra
uniáo conjugal.

Conclui o autor: "Estou plenamente cónscio da proble


mática das teses aquí apresentadas. Forém a Igreja se vé
hoje diante da contingencia de anunciar aos homens a boa-
-nova da salvagao em Jesús Cristo de modo n6vo e fidedigno
— nao como um catálogo de pecados, mas como urna men-
sagem libertadora — pois estamos todos vocacionados á liber-
dade dos filhos de Deus" (p. 589).

Passemos agora a atento exame dos principáis tópicos do


artigo do Dr. Johannes Gründel.

2. Lei natural: sim ou nao?

1. Como dito, nao sómente os filósofos gregos estoicos


e os juristas romanos reconheceram a existencia de urna lei
moral congénita no hbmem, mas também os cristáos afir-
maram (e afirmam) tal lei natural.
Pergunta-se: será esta posigao dos cristáos espuria ou he
terogénea em relagáo á mensagem de Cristo?

Para responder á questáo, vejamos o que a Moral católica


entende por "lei natural":

— 75 —
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

Deus, que criou o mundo e o homem, rege as suas criatu


ras segundo um designio extremamente sabio. Tudo que exis
te, existe nao por acaso, mas está estruturado dentro de um
plano harmonioso. Ora os designios do Criador estao impres-
sos e promulgados na esséncia ou na natureza das criaturas
de maneira a constituirem a lei natural. Esta assume duas
modalidades:

— lei natural física. Coincide com o que os físicos cha-


mam 05 leis da natureza, tais como a da gravidade, a da
afinidade entre os corpos, a da necessidade de respiragáo e
alimentagáo para entreter a vida. Sao leis cegas.

— lei natural moral. É o ditame fundamental que rege


o comportamento do homem: "Pratica o bem e evita o mal".
Éste ditame se explícita na consciéncia do homem, tomando
modalidades mais concretas: "Nao matar, nao roubar, res-
peitar pai e máe, nao desejar a mulher do próximo, nao fazer
aos outros o que nao queiras para ti mesmo, socorrer aos
enfermos, dar ou devolver a cada um o que lhe pertence..."

A lei moral natural está em relagáo com a inteligencia


do homem. A inteligencia deve descobri-la, auscultá-la, expli-
citá-Ia, a fim de realizar cada vez mais a personalidade ou
o ideal do homem.

Essa lei natural, portanto, é a voz do próprio Deus dentro


do homem, anterior á formagáo escolar ou cultural que a
pessoa possa adquirir. É o apelo que Deus, desde os primeiros
anos do individuo, dirige a éste a fim de que atinja a plenitude
da sua estatura moral. Nenhum homem é senhor dessa lei
natural, pois nenhum a formulou ou forjou, mas todos a en-
contram em seu íntimo como marca do Criador impressa na
criatura.

2. Em todos os povos, mesmo nos menos evoluídos,


ocorre a idéia de urna lei moral natural ou congénita. Entre
os gregos, nao sómente os estoicos, mas também Platáo e
Aristóteles, a admitiam.

Na S. Escritura, Sao Paulo a menciona escrevendo aos


Romanos: "Todos os que sem lei1 pecaram, sem lei perecerao
também... Os gentíos (nao judeus) nao tém lei (de Moisés);

> Trata-se da lei de Moisés, que foi dada ao povo de Israel, e nao
aos gentios.

— 76 —
REVISAO DA MORAL CONJUGAL 33

nao obstante, éles cumprem naturalmente os preceitos da


leí1... Déste modo demonstram que o que a lei ordena está
escrito nos nossos coracóes... A sua consciéncia e os seus
pensamentos dáo-lhes testemunho disto, quer acusando-os,
quer defendendo-os" (Rom 2, 12-16).

Referindo-se aos gentíos, "chelos de cupidez, perversi-


dade, injustica...", diz o Apostólo: "Ésses homens, conquanto
conhecessem bem o decreto de Deus — de que sao dignos de
morte os que tais coisas praticam — nao só as cometem,
como também aprovam os que as praticam" (Rom 1, 32).

Assim Sao Paulo admite que Deus se revela naturalmente


aos homens, chamando-os á prática do bem e argüindo os que
cometem o mal.

Tal doutrina se transmitiu á teología católica, recebendo


a sua plena elaboragáo da parte de S. Agostinho (t 430) e
S. Tomás de Aquino (f 1274).

Os teólogos fazem observar que a lei moral natural é


sempre a mesma ou imutável e constante, como sempre a
mesma é a natureza do homem. Todavía deve-se dizer que a
lei natural nao se aplica sempre do mesmo modo: numa
sociedade pouco evoluída ou já degenerescente pode acontecer
que os preceitos da lei natural nao sejam reconhecidos em
toda a lucidez e amplidao que lhes compete. Estes cases,
porém, nao sao casos-padráo.
Assim, por exemplo, o preceito natural: "Dé-se a cada
um o que lhe é devido", é imutável e perene. Acontece, po
rém, que a definigáo do que é devido dependerá das circuns
tancias particulares em que se encontram os homens; é aos
poucos, por exemplo, que a sociedade tem reconhecido a dig-
nidade do homem com toda a gama de direitos e deveres que
déla decorrem (salario justo, ferias remuneradas, previdencia
social, fundo de garantía...).

3. Hoje em dia, a existencia de urna lei natural perene


e imutável é posta em xeque. Julga-se que, em vez de dar
preponderancia ao que o ser humano tem de constante atra-
vés dos séculos, se deve dar mais valor á liberdade do homem
e á sua capacidade de criar e inovar; desta forma as leis

1 Aqui o Apostólo tem em vista a lei natural, que está gravada


no íntimo de todo e qualquer homem.

— 77 —
34 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

clássicas do comportamento moral estariam sujeitas á revisáo.


De modo especial se póe a questáo no setor da sexualidade:

A clássica concepgao ensina que, segundo as leis naturais,


o sexo e as fungóes genitais sao dirigidas a fecundidade e á
procriagáo. O organismo tem suas leis segundo as quais o
uso do sexo é naturalmente ou de per si orientado para a pro
le. Em conseqüéncia, a moral clássica rejeita

— o uso de anticoncepcionais, que intervém na natureza,


excluindo a finalidade natural do ato sexual que é a prole;

— experiencias sexuais pré ou extra-matrimoniais, pois


em tais casos nao há compromisso nem engajamento firmado
entre os parceiros. Estes nao assumem perante a sociedade
as fune.oes de marido e mulher, cuja doagao total e mutua
possa exprimir-se na prole.

Autores recentes contestam tal docilidade á Moral ba-


seada na lei natural, apresentando o seguinte raciocinio:

Nao se compreende que á estrutura biológica da natu


reza humana se atribua valor ético e normativo. Nao se deve
incidir no fisicismo, elevando a biologia do homem á quali-
dade de norma ética. Com efeito, o homem tem por vocagáo
perfazer a natureza e submeté-la a si gragas á técnica. Por
conseguinte, se o ser humano, usando da sua inteligencia,
é apto a desviar o curso natural dos rios, derrubar monta-
nhas e fazer aterros dentro dos mares, por que nao estaría
ele também legítimamente apto a desviar as leis biológicas
da sua natureza para atender a finalidades que lhe paregam
condizentes com a vida moderna? A rejeigáo de anticoncep
cionais e de uso mais flexível ou livre do sexo (para atender
a leis biológicas) nao seria resquicio de mentalidade arcaica
ou ultrapassada? Essa condenagáo podia ter sentido em épo
cas ñas quais o homem ignorava o seu poder sobre a natu
reza; hoje, porém, quando ele sabe que pode modificar o
curso natural das coisas, por que nao lhe permitir ésse tipo
de dominio sobre as suas leis biológicas?
— Em resposta, dir-se-á o seguinte: a objegao ácima con
sidera o corpo humano como qualquer outro elemento da
natureza que cerca o homem, sem levar em conta urna dis-
tingao essencial. Com efeito, os rios, as montanhas, os mares
sao objetos extrínsecos ao homem; nao integram o ser e a
personalidade do homem. Ao contrario, o corpo físico e orgá
nico é parte constitutiva da personalidade humana; esta nao

— 78 —
REVISAO DA MORAL CONJUGAL 35

se reduz apenas a espirito ou inteligencia. O ser humano cons


ta de corpo e alma, sendo que a alma espiritual foi criada
para se definir e realizar em íntima uniao com o seu corpo.
Negar isto significaría professar um esplritualismo dualista,
que a sá filosofía e o Cristianismo nao reconhecem. Justa
mente por causa da unidade da pessoa, o corpo humano nao
pode ser tratado como os demais corpos da natureza que cer-
cam o homem; ele há de ser respeitado segundo as suas di-
mensóes naturais e biológicas, pois ele pertence ao homem;
a inteligencia, a liberdade e a criatividade da pessoa se en-
contram e se exercem nao fora, mas dentro do corpo e em
estrita dependencia déste. O homem, tendo urna estrutura
psicossomática (e nao sómente psíquica), as leis somáticas
ou corpóreas concorrem positivamente para construir a per-
sonalidade humana. O corpo nao é um objeto exterior que
so acidentalmente afetaría o Eu do homem.

Em conseqüéncia, compreende-se que seja plenamente


lícito dar anticoncepcionais a ratos ou macacos, com fitos ex
perimentáis. Há, porém, objegao contra semelhante prática
aplicada ao homem, pois o corpo do homem é corpo de urna
pessoa. As leis do corpo vém a ser leis de formagao de urna
personalidade.

4. Reconhegamos que o homem é dotado de dinamismo


e criatividade. Sabemos também que estes predicados sao
estimulados pelas diversas fases da historia da humanidade.
Todavía nao se pode ignorar que o ser humano nao é apenas
dinamismo e criatividade; ele nao se improvisa, ele nSo se
faz de qualquer modo. O homem é dinamismo e criatividade,
sim, mas dinamismo e criatividade de urna esséncia ou estru
tura, sem a qual o homem nao é homem, mas vem a ser
joguéte de torgas cegas. — O existencialismo, sem dúvida,
exerce grande influencia ñas novas concepgóes moráis. Afir
mando que o homem é, antes do mais, liberdade — e liberdade
existencial —, julga que o homem nao tem padrees éticos a
observar, mas, projetando-se pelo seu agir livre e^ dinámico,
o homem cria e cancela suas normáis éticas. Caso fósse assim,
nao se poderiam realmente estabelecer principios para a mo
ral humana; haveriam de tornar-se legítimos nao sómente os
anticoncepcionais, mas também o amor livre, o homossexua-
lismo, o lesbismo... — o que nao poderia deixar de acarretar
estados gravemente patológicos para o psíquico e o físico da
criatura (estados que seriam o sinal de que existem leis na
turais e estas nao podem ser arbitrariamente violadas).

— 79 —
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

Eis como aínda hoje se afirma a existencia de urna leí


natural normativa para o comportamento da pessoa. Tal afir-
magáo, longe de ser tese espuria (estoica ou romana), per-
tence a sá filosofía e a genuína mensagem crista.

3. Prazer e sexualidade

Afirma o Prof. Gründel:

"A apreciado negativa do prazer sexual se deve, em primeiro


plano, a urna avaliacáo dualista do homem, bem como ao ideal estoico
do homem sabio, do homem virtuoso. Era tomado por sabio e virtuoso
o homem que, livre de prazer e de paixáo, vive sem afeicóes... Pre
valece o axioma: 'Nada se faca por causa do prazer!"' (Gründel,
art. Cit., n. 5S3).

Inegávelmente a filosofía estoica, como escola de auto


dominio ou de elevagao do espirito sobre a carne, tem pontos
comuns com o Cristianismo. Também éste ensina a primazia
dos valores moráis sobre os valores materiais. Pode-se reco-
nhecer que nos escritos de certos autores cristáos através dos
séculos, algo da dureza e da insensibilidade do estoicismo
encontrou acolhida. Todavía nunca se apagou na Tradigáo
crista a auténtica consciéncia do que representa a afetividade
para a formagáo de urna personalidade. O Cristianismo apre-
goa nao a apatía estoica, mas a metriopatia. Em outros ter
mos: ... nao a extingáo dos afetos, mas a moderagáo dos
mesmos ou a subordinado dos sentimentos aos criterios da
razáo e da fé. Jesús Cristo nao deu exemplo de apatía, mas
de metriopatia, quando, por exemplo, no horto das Oliveiras,
afetado por suor de sangue, pediu ao Pai: "Se possível, que
éste cálice passe sem que eu o beba. Faga-se, porém, a tua
vontade, e nao a minha" (cf. Le 22, 39-46).

Por isto o cristao nao condena o prazer que o próprio


Deus anexou ao consorcio sexual, a fim de facilitar os devéres
conjugáis e a procriagáo da especie humana. Ele reconhece
que tal prazer é dom do Criador. Mas o cristao nao pode acei
tar que o prazer (o prazer sexual ou o prazer em geral) seja
a norma absoluta do comportamento humano. O prazer tem
de ser envolvido dentro de um ideal de vida ou de realiza-
Qáo da personalidade. Ora tal ideal exigirá sempre ascese ou
autodominio, com renuncia ao gozo em circunstancias deter
minadas. Mais precisamente: o prazer tem de estar subor-

— 80 —
REVISAO DA MORAL CONJUGAL 37

diñado ao amor, principalmente na vida conjugal. Ora o \er-


dadeiro amor, para se conservar auténtico, deve saber sacri-
ficar-se, a fim de evitar o egoísmo e conservar a sua disponi-
bilidade para o servigo, seja ao cónjuge, seja á familia, seja
ao próximo em geral.

Mais aínda: o autodominio só pode ser adquirido me


diante a luta, luta que normalmente se deve iniciar nos anos
de adolescencia e juventude. O autodominio há de ser levado
para o casamento como dote essencial; a vida conjugal, em
todas as suas fases, há de contribuir nao para a atenuacáo,
mas para o refórgo e o desdobramento désse belo trago
da personalidade, que é a metriopatia ou a harmonía dos va
lores da sensibilidade, da razáo e da fé.

4. Biología antiga e onanismo

Argumenta o Prof. Gründel:

"Considerando o semen masculino como único elemento genera


tivo, encontra-se a biología ocidental e, á sua deriva, também a teo
logía, até a segunda metade do sáculo XIX, ñas malhas das idéias
dos antigos gregos. Nada se sabe ainda duma ovulagáo na mulher
(nao ainda até 1867!), mas prevalece a idcia de que no semen
masculino esteja contido o homem todo. Por isso toda perda, todo
desperdicio dessa sementé constituí um pecado" (p. 584).

Nao há dúvida, a biologia evoluiu, fornecendo-nos atual-


mente urna imagem mais fiel do processo generativo: entre
outros dados, está a consciéncia do papel positivo da mulher
na cópula sexual. Esta conclusáo, porém, nao altera o juízo
moral que se deve proferir sobre o anticoncepcionismo.
Éste consiste sempre em frustrar do seu fim natural a cópula
matrimonial; tal frustragáo nao se deve comparar ao aborto
nem ao homicidio, o que nao quer dizer que nao mereja
rejeigáo.
Hoje também se sabe que grande número de esperma
tozoides e óvulos nao chegam á fecundagáo, porque a natu-
reza os produz como que "em excesso". Mais precisamente:
milhares de espermatozoides, em cada relagáo, sao inúteis e
rejeitados. Contam-se cérea de 250 milhóes de espermato
zoides em cada milímetro de esperma. Em 200 óvulos, apenas
15 tém probabilidade de ser elevados á dignidade da vida
humana, enquanto os outros sao eliminados ñas menstrua-

— 81 —
38 "PERGÜNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

gees. Isto, porém, nao significa que as pessoas interessadas


toque o direito de inutilizar as sementes vitáis ou a cópula
genital. O ato sexual continua orientado, segundo a sua
estrutura essencial, para a fecundidade.

Quanto ao procedimento de Ona, que em cópula sexual


langava ao solo a sementé masculina, a Biblia diz que foi
gravemente punido por Deus (Cf. Gen 38,10). Por qué?
— Os comentadores clássicos respondem que Oná pecava con
tra a natureza, impedindo a finalidade do ato procriador. Mais
recentemente os exegetas preferem dizer que o pecado de
Oná foi um pecado antimessiánico: Oná nao queria suscitar
filhos ao seu irmáo Er, concorrendo para que éste entrasse
na linhagem do Messias. Esta nova sentenga é, sem dúvida,
válida; todavía ela nao exclui a primeira; o egoísmo e o
antimessianismo de Oná se externavam por um proceder
antinatural, contrario as leis do Criador. Note-se também
que constituirán! urna falta de amor a Tamar, a quem Oná
nao quis suscitar prole e a ventura da maternidade. Neurolo-
gistas e psicólogos atestam que a cópula onanista produz
efeitos desastrosos sobre os ñervos e a saúde moral dos cón-
juges, principalmente da esposa.

O Prof. Gründel julga em seu ítem 4 que a Moral crista


foi, durante séculos, afetada de conceitos espurios derivados
da mentalidade do Antigo Testamento: a menstruagáo da
mulher, a poluigáo do homem foram considerados motivos
de impureza ritual. — Nao pretendemos negar que as antigás
geragóes cristas eram assaz rigorosas no seu modo de con
siderar certos fenómenos fisiológicos. Julgamos, porém, que
a nova maneira — mais simples e tranquila — de os encarar
nao justifica as teses que o Dr. Gründel sugere em seu ar
tigo.

O item 5 de elementos "espurios" que, segundo o Prof.


Gründel, foram introduzidos na Moral crista, já foi anali-
sado juntamente com os dois primeiros as pp. 76-80 déste ar
tigo.
Resta agora dizer urna palavra sobre

5.As novas proposijdes da Moral sexual

Nao será necessário nos detenhamos longamente sobre


as teses do artigo analisado.

— 82 —
REVISAO DA MORAL CONJUGAL 39

1) Casamento clandestino. Admitir que o matrimonio


cristao e a vida conjugal comecem antes do casamento ofi
cial significa retrocesso ao estado de coisas medieval ou pré-
tridentino, ou seja, pretender ignorar a ligáo de dezesseis
sáculos. O uso de contrair matrimonio clandestino, isto é,
sem forma pública, foi constantemente reprovado pelos bis-
pos e juristas da Igreja, embora estes até o fim da Idade
Media nao declarassem tais casamentes inválidos. No século
XVI, os abusos exigiram intervencao do Concilio de Trento,
pois nao eram raros os casos de pessoas que, após haver
vivido com outra em casamento clandestino, abandonavam
a familia para contrair matrimonio público. O Concilio de
Trento pelo decreto "Tametsi" impós a forma oficial e pú
blica do sacramento do matrimonio; éste, entre outros títu
los, é um contrato de ordem pública e social, que deve ser
contraído perante a sociedade; o Direito Canónico hoje em
dia exige a presenca de um sacerdote delegado pela Igreja
e de duas testemunhas para a validade do sacramento.

Esta medida nao pretende reduzir o casamento á qua-


lidade de ato meramente jurídico. É, sem dúvida, o amor
que dá sentido e alma á vida matrimonial; contudo o amor,
para permanecer puro e íntegro, exige a tutela da lei e do
Direito, sem a qual ele fácilmente degenera, tornando-se
egoísta em lugar de altruista. A lei e as determinacoes
jurídicas sao sinais colocados na estrada do amor, sinais
indispensáveis para preservar de arbitrariedade e traicao os
verdadeiros valores do matrimonio.

2) Administragño dos sacramentos a quem viva em se


gunda unido nao sacramental. Esta praxe vai-se difundindo
na Igreja, tomando-se cautelas para evitar comentarios e
perplexidade. Todavía ésse proceder carece de fundamento ñas
fontes auténticas, isto é, na legislagao oficial da Igreja. Os
pastores de almas que o praticam, sao movidos pela nobre
intencáo de atender a pessoas que sofrem drama íntimo. Con
tudo deve-se lembrar que tal atendimento vem a ser ilusorio
e arbitrario; como dar os bens de Cristo e da Igreja por vias
que a Igreja nao sómente nao reconhece, mas rejeita como
espurias? Até hoje toda nova uniao marital vivida após casa
mento sacramental válido e consumado é tida como ilícita.
Verdade é que o amor das primeiras nupcias pode ter morrido,
cedendo a novo amor numa segunda tentativa de vida conju
gal. Todavia nao é sómente o amor — valor subjetivo — que
dá validade as nupcias; estas dependem também de criterios

— 83 —
40 "PERGÜNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

objetivos, que sinalizam e defendem o amor. O que um pastor


de almas pode fazer em favor de pessoas que reconstituirán!
sua vida conjugal sem o sacramento do matrimonio, nao
podem abandonar os filhos e sentem falta da S. Eucaristía, é
incitá-las á oragao e á confianga em Deus; a Divina Provi
dencia tem seus trámites ocultos para prover á salvagáo da-
queles que, vítimas de um erro, procuram resgatar-se, sem
poder ter acesso aos sacramentos. Freqüentem tais pessoas a
S. Missa e disponham-se a receber de Deus Pai a resposta as
suas preces contritas e sinceras.

3) RelagÓes sexuais fora do lar constituem adulterio.


Embora psicólogos e psicoterapeutas as legitimen! em certos
casos, elas continuam e continuaráo alheias ao ideal cristáo
do amor conjugal. Cristo, revigorando a lei do Antigo Testa
mento, as condena; cf. Me 10,2-9.

4) O uso de anticoneepdonais, contrariando as leis da


natureza, foi suficientemente caracterizado ñas pp. 79s
déste artigo.

Em suma, o que se nota no artigo do Prof. Gründel —


como em outros, semelhantes — é a intengáo de guardar pa-
lavras capitais como "amor, indissolubilidade do matrimonio,
continencia, fidelidade ao Evangelho..."; na verdade, porém,
os articulistas insinuam ou sugerem atitudes tais que esva-
ziam o conteúdo dessas expressóes. Assim vém a ser legiti
madas práticas arbitrarias e subjetivas debaixo de rótulos
envernizados, capazes de impressionar o leitor incauto. Aquilo
de que o Cristianismo precisa hoje, sao fórmulas nítidas e
coerentes, aínda que contrarias a certas tendencias modernas,
e nao proposigóes ambiguas, sujeitas a interpretagóes subje
tivas.

A quem deseje conhecer o pensamento oficial da Igreja


sobre o assunto, recomenda-se a leitura dos documentos de
Paulo VI e do episcopado das diversas nagoes publicados em
"L'Osservatore Romano" (também em edigáo portuguesa),
"SEDOC", "REB", "La Documentation Catholique", "II
Regno"...

— 84 —
Decisivo para o cristáo:

Como orar?

Em síntese: A Biblia é, por si, o mais rico estimulante da vida


de oracáo. O cristáo, porém, só a aproveitará devidamente se procurar
introduzir-se nela mediante algum curso ou manual de iniciagáo
bíblica.

O uso da Escritura Sagrada na espiritualidade do cristáo pode, com


grande vantagem, seguir o roteiro abaixo:

leitura: a qual deve ser lenta e regular ou sistemática, podendo


limitar-se aos Evangelhos o u ao Novo Testamento, no caso de quem
comeca a manusear a Biblia;

meditacáo, que é a tentativa de aprofundar, mediante a imaginagáo


e a reflexáo, o conteúdo do texto lido;

oracáo, ou seja, o diálogo com Deus. A Palavra de Deus, susci


tando confianza, amor, humildade, contricjio,... requer a resposta
do homem;

contemplacáo, isto é, a atitude decorrente do fato de que a Palavra


de Deus impressiona o leitor a ponto de o obrigar a se deter em
silencio e tranqüilidade na presenga de Deus. Faz-se assim no orante
um silencio eloqüente e prenhe. — É para desejar que a vida de
oragáo do cristáo mais e mais freqüentemente assuma tal atitude.

Resposta: A oragáo é vital na existencia do cristáo. Pode


ser comparada á respiragáo de nossa vida humana: assim
como nada fazemos (nem mesmo dormimos) sem respirar,
assim também nao vivemos auténtica vida crista sem oracáo
assídua ou mesmo continua.

Sobre a oragáo continua e a maneira de entendé-la, já


foi publicado um artigo em PR 133/1971, pp. 21-29. O problema
que agora se póe, é o de nos entretermos na presenga de Deus
numa oragáo direta e explícita. Como o conseguir?

Há quem ore fácilmente desde que se veja premido por


problemas e dificuldades. Recorre entáo a Deus como Amparo
e Refugio ou até como Grande Banqueiro. Éste tipo de oragáo
nao deve ser condenado, pois o Senhor nos ensinou a pedir

— 85 —
42 "PERGÜNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

"o pao nosso de cada dia" (cf. Mt 6,11); propós-nos parábolas


tais como a do amigo aflito que vai solicitar tres páes ao amigo
porque se vé em embarago, e a do filho que pede ao pai a sua
merenda (pao, peixe e ovo); cf. Mt 6, Le 11,5-8. Pode-se mesmo
dizer que a Providencia Divina permite sejamos atribulados,
a fim de que, assim compelidos, nos lembremos de Deus e de
Lhe pedir a sua graga; a dor muitas vézes desperta os homens
para a oragáo.
Mas compreende-se que a oragáo inspirada pelo désejo de
obter algo, máxime beneficios temporais, fácilmente degenera
em oragáo interesseira; vem a ser algo de anémico, infantil,
inconstante; nao pode ser a oragáo crista auténtica ou no sen
tido pleno da palavra.

É preciso que o cristáo ore habitualmente, com regulari-


dade, com paz e alegría, tanto ñas fases difíceis como nos
períodos calmos de sua existencia.
Há também quem ore em oragáo comunitaria, ou seja, na
celebragáo da S. Missa ou de algum Oficio litúrgico. Urna vez,
porém, terminado o rito comunitario, tais pessoas sentem-se
emudecidas e incapazes de continuar a se entreter com Deus
no recolhimento pessoal.

As páginas que se seguem, abordaráo a maneira como pode


e deve o cristáo suscitar e fomentar a sua vida de oragáo
sistemática e frutuosa. — Existem, sem dúvida, métodos com-
provados pela existencia de alguns séculos, a fim de ajudar a
orar; tais sao, por exemplo, o método inaciano, o carmelita, o
afonsiano, o beruliano...; cf. PR 63/1963, pp. 105-113; 68/
1963, pp. 329-343. Sao todos métodos válidos e eficazes; quem
se dá bem com algum déles, continué a aplicá-lo (a oragáo
tem sempre um aspecto pessoal e subjetivo, pois é coloquio do
individuo com Deus; por isto nao se pode impingir a alguém
determinado método de oragáo). O que abaixo será exposto,
tem a grande vantagem de ser relativamente simples e bem
tradicional na Igreja; além do que, tem dado frutos compro-
vados.

1. Observado preliminar

Há pessoas que sabem entreter-se com Deus sem o auxilio


de algum texto ou livro. Encontram em seu íntimo motivos
sobejos para entrar em diálogo com o Senhor:

— 86 —
COMO ORAR? 43

— recordam-se, por exemplo, dos beneficios que rece-


beram de Deus no decorrer de sua existencia, e louvam, agra-
decem ao Senhor;

— pensam em suas infidelidades ou faltas, e se arrepen-


dem, pedindo perdáo ao Pai e a grasa de nunca mais as
cometer;

— ou contemplan! as disposigoes da Providencia Divina,


seja na historia contemporánea, seja ñas sucessivas fases do
passado; e enaltecem a sabedoria do Criador;

— por fim, um fato recente — um luto, um revés, urna


conquista, urna boa noticia — podem ser nutrimento da vida
de oragáo de nao poucas pessoas.
Mas acontece nao raro que, ao se chegar á oragáo, o
cristáo se senté solicitado por preocupagoes e distragoes que
lhe tornam muito difícil a concentragáo em Deus. Daí a gran
de conveniencia de recorrer a um texto que desperté o
espirito para os valores sobrenaturais e o sustente no coloquio
com Deus. Em vista disto, existem livros de meditagóes, dis-
sertagóes sobre temas religiosos, obras de santos doutóres, sa
bios teólogos, etc. — É lícito a um cristáo valer-se de qualquer
désses escritos, desde que lhe seja proficuo. Todavía é para
desejar que a vida de oragáo se alimente mais e mais da Es
critura Sagrada; esta é um sacramental, ou seja, um livro
que santifica o seu leitor na medida da fé e do amor com que
ele o aborda. Aínda que o cristáo nao entenda tudo que lhe
diga o texto bíblico, a sua leitura será frutuosa na proporgáo
das disposigoes religiosas do leitor; Deus nao deixa de res
ponder a quem O procura ávidamente.

Alias, o Concilio do Vaticano II recomendou insistente


mente o uso da Escritura Sagrada como alimento da vida
espiritual:

"Com veeméncia e de modo peculiar o Santo Sínodo exorta todos


os fiéis cristaos, principalmente os Religiosos, a que, pela freqüente
leitura das Divinas Escrituras, aprendam a eminente ciencia de Jesús
Cristo. Porquanto ignorar as Escrituras é ignorar Cristo. Acheguem-se,
pois, de boa mente ao próprio texto sagrado, quer pela Sagrada Li
turgia repleta da palavra de Deus, quer pela piedosa leitura, quer
por cursos apropriados e outros meios... Lembrcm-se de que a lei
tura da Sagrada Escritura deve ser acompanhada pela oragáo a fim
de que ae estabeleca o coloquio entre Deus e o homem, pois a Ele
falamos quando rezamos; a Ele ouvimos quando lemos os divinos
oráculos" (Constituicáo "Dei Verbum" n.° 25).

— 87 —
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

Em conseqüéncia, os fiéis católicos háo de se esforgar por


penetrar mais e mais na leitura do Livro Sagrado. Para tanto,
procuraráo munir-se de urna tradugáo católica e moderna do
texto bíblico, assim como de nogoes introdutórias no mesmo
(nogoes que poderáo ser adquiridas em um curso ou pelo uso
de alguma monografía adequada; ver bibliografía indicada
no fim déste artigo). — Nao se recomenda que a primeira
leitura da Biblia se faga a partir do Génesis, pois o leitor sem
demora se defrontaria com textos de compreensáo difícil ou
tabelas genealógicas, mapas geográficos, rituais de sacrifi
cios..., que á primeira vista pouco interésse tém para um
cristáo. Por conseguinte, é para desejar que o leitor comece
pelos Evangelhos e os restantes livros do Novo Testamento
(exceto o Apocalipse, que ficará para o fim de toda a leitura);
o Novo Testamento é mais eloqüente para o cristáo. Após duas,
tres ou quatro leituras dos Evangelhos e das cartas, o cristáo
sentirá espontáneamente a necessidade de retroceder até o
Antigo Testamento, e o lera com mais compreensáo e pro-
veito, dando valor principal aos pontos altos ou as etapas de
preparagáo do Messias.

Feitas estas observagoes, passemos diretamente ao roteiro


de oragáo nutrida pela Biblia.

2. Um roteiro

No uso religioso da Escritura Sagrada podem-se distin


guir quatro etapas principáis: leitura, meditacáo, oragáo, con-
templagáo.
Percorramo-las sucessivamente:

2.1. Letrura

É de todo desejável que se faga a leitura da Biblia de


maneira regular e sistemática. Reserve cada cristáo o tempo
oportuno para tanto. Para muitos, a primeira hora do dia é
mais propicia, pois o espirito entáo costuma encontrar-se
mais disposto, aüida nao solicitado pelas preocupares do
trabalho cotidiano; quem se encaminha para a lide diaria com
o espirito reabastecido pela oragáo, fácilmente fará de todo o
seu trabalho urna prece.

— 88 —
COMO ORAR? 45

É desejável também que se estipule a duracáo désse en


contró com Deus, a fim de que a natural volubilidade (que
tantas vézes assalta o homem) nao prejudique o orante: dez,
quinze, vinte ou mais minutos serao assim reservados á leitura
sagrada.

Antes de entrar em contato com o Livro Santo, eleve


o cristáo a mente a Deus, pedindo-Lhe luzes para aproveitar
devidamente do exercício. A seguir, o leitor comecará a ler
atentamente, sem pressa nem preocupagáo de acabar deter
minado capítulo; lera quanto íór necessario para que comece
a se sentir interpelado pelo texto sagrado (urna página, meia-
-página ou menos podem bastar para tanto); que o cristáo
nao se aflija por nada encontrar de eloqüente para si em
quatro ou seis versículos; prossiga... É de crer que finalmente
encontrará.

2.2. Meditado

Tendo achado algo que o impressione, detenha-se o cris


táo e ponha-se a tentar esquadrinhar o conteúdo do texto.
A imaginagáo pode entrar em fungáo, a fim de ajudar a pes-
soa a reconstituir com vivacidade os pormenores do episodio
lido.

É muito útil confrontar os textos paralelos ao que foi


lido (textos geralmente indicados ao pé ou k margena
da página bíblica), a fim de se penetrar aínda mais a
fundo na mensagem sagrada (por exemplo, o emprégo do
símbolo da agua em Jo 4,10-14 e 7,37-39; as bem-aventurangas
em Mt 5,1-12 e Le 6,20-26). As páginas da S. Escritura podem
ser comparadas a urna alameda aberta em um bosque; depois
de certo percurso retilíneo, a trilha se dobra para algum lado;
quem se acha na reta, nao vé a continuagáo e o fim da ala
meda; sabe porém, que ela nao acaba onde parece acabar,
mas, ao contrario, se prolonga e vai longe; para onde?... e
como? — Assim, os episodios bíblicos muitas vézes dizem algo
explícitamente e insinuam um conjunto de verdades que toca
ao leitor "adivinhar" e reconstituir mediante a reflexáo.
O conceito de meditagáo apresenta diversas facetas. Os
cristáos medievais o identificavam com o afá de ler e reler um
texto, a fim de mais o penetrar e admirar; a releitura cari-
nhosa do texto fazia que aos poucos as palavras e o conteúdo

— 89 —
46 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

do mesmo se gravassem na memoria do leitor, o qual, em


conseqüéncia, o tinha de cor (decorar é guardar no cor ou no
coragáo). Assim a meditagáo se tornava o prolongamento
normal e necessário da leitura; ela estabelecia urna comunháo
entre a mente do leitor e a palavra de Deus, comunhao que
se prolongaría mesmo após o exercício da leitura, pelo resto
do dia. O "decorar" ou o "guardar no coragáo" permite um
"ruminar" da Palavra de Deus, desejável desde que o espirito
se veja sujeito a distragdes vas ou pouco construtivas.

2.3. Oracao

A reflexáo ou meditagáo deve finalmente levar a um diá


logo com Deus. O Senhor, tendo falado, espera urna resposta
da criatura. A Palavra de Deus suscita admiragáo, reverencia,
louvor, gratidáo, paz, humildade, confianga... É necessário,
pois, que o cristáo exprima a Deus ésses afetos, como um filho
fala ao pai ou um amigo ao amigo. As vézes a reagáo da
alma á Palavra de Deus pode renunciar ao uso de vocábulos;
ela se traduz em silencio... silencio, porém, que é prenhe de
vida e afetos, silencio que é a maneira de dizer Aquéle ou
aquilo que nao pode ser dito — o Inefável.

O que importa, porém, é que a leitura da Biblia nao seja


mera serie de consideragóes ou mera tarefa intelectual, cien
tífica. É preciso que ela mova também o afeto, o amor e a
vontade enérgica do leitor.

A oragáo do cristáo desenvolve-se de maneiras diversas


de acordó com as disposigóes do orante e a agáo do Espirito
Santo. Contudo podem-se-lhe indicar quatro atitudes suces-
sivas, que constituem oportuno programa de di&logo com
Deus:

— adoragdo: motivado pelo texto bíblico que acabo de ler


e meditar, reconhego a infinita santidade e sabedoria de Deus;
prostro-me interiormente diante déla, num coloquio ou num
silencio chelos de reverencia: "Grande é o Senhor e suma
mente louvável; insondável é a sua grandeza!" (SI 144, 3).
"Quao numerosas sao as tuas obras, Senhor! Tu as fizeste
todas com sabedoria; a térra está cheia da Tua riqueza!"
(SI 103,24).

Sempre procurando motivar-me pelo texto bíblico, passo


ao

— 90 —
COMO ORAR? 47

— agradecimento: visto que Deus derramou sua sabe-


doria e riqueza sdbre as criaturas e sobre mim em particular,
dou-Lhe gragas profundas. "Nos te damos grabas por tua
imensa gloria". Essa gloria é a resposta as aspiragoes mais
profundas do ser humano.

A esta altura, a meditagáo bíblica leva-me á


— expiagáo: a seguir, verifico o contraste existente entre
a santidade de Deus e minha miseria. E peco-Lhe perdáo:
"Tranquilizaremos o nosso coragáo diante déle, sabendo que,
se o nosso coragáo nos acusa, Deus é maior do que o nosso
coragáo" (1 Jo 3,19s).

— impetragáo: o contraste verificado me leva a pedir ao


Pai os subsidios de que preciso para voltar á casa paterna:
o pao de cada dia para a alma e para o corpo, as gragas
espirituais e materiais, para que caminhe com passo certeiro
nesta peregrinagáo terrestre.
Essas quatro atitudes poderáo ser excitadas pelo orante
após ler qualquer passagem bíblica de certo conteúdo.

Resta aínda mencionar a

2.4. Contémplaselo

O diálogo com Deus pode desembocar num estado de


alma tranquilo e silencioso, em que o orante se senté domi
nado por urna idéia ou urna verdade particularmente impres-
sionante. Cessa entáo o diálogo, e a alma se deixa ficar sim-
plesmente na presenga de Deus. Tal é a oragáo da simplici-
dade ou da quietude; as faculdades da memoria, da imagi-
nagáo, da inteligencia e da vontade se calam, pois estáo cons
cientes de estar em contato vivo com o Inefável; a alma entáo
se "dilata" e deleita na presenga de Deus. É o que se chama
"contemplar". É para desejar que esta oragáo se torne cada
vez mais freqüente na vida do cristáo. A contemplagáo está
intimamente associada ao dom de sabedoria.
A contemplagáo crista pode ser ilustrada pela contem
plagáo entendida em sentido filosófico ou meramente hu
mano.

Que se entende por "contemplar" no plano filosófico?


Contemplar vem a ser um olhar

— 91 —
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

— atento, detido, absorvido,


— admirativo, surpréso,
— desinteressado de lucros ou finalidades ulteriores; ésse
olhar encontra em si mesmo a sua justificativa e compen-
sacáo aqui na térra.

Tal contemplacáo ocorre, por exemplo, quando alguém


se vé diante de grandiosa paisagem em que montanhas, flo
restas e océano se combinam ou sucedem (naja vista a baía
de Guanabara contemplada do Pao de Acucar ou do Corco
vado) . O Concilio do Vaticano II empregou 29 vézes a palavra
"contemplagao", reconhecendo que todo homem (pagáo que
seja) traz em si a capacidade ou até mesmo o chamado de
contemplar:... contemplar algo de misterioso e transcen
dental que o mundo revela e, ao mesmo tempo, encobre. Assim
reconhece o Concilio "as tradicóes ascéticas e contemplativas,
cujas sementes já antes da pregacáo evangélica Deus implan-
tou ñas culturas antigás" (Decreto "Ad Gentes" n.° 18). Per-
gunta também: "Como se pode conciliar urna táo rápida e
progressiva dispersáo das ciencias particulares com a neces-
sidade de elaborar a sua síntese e de conservar nos homens
as faculdades de contemplagao e admiracáo que encaminham
para a sabedoria?" (Const. "Gaudíum et Spes" n.° 56). Diz
mais o mesmo documento conciliar: "Pelo dom do Espirito
Santo, o homem na fé chega a contemplar e saborear o mis
terio do plano divino" (Const. "Gaudium et Spes" n.° 15).

Ora a contemplagao crista, praticada por dom especial de


Deus, tem suas raizes e primordios na contemplagao que todo
homem, de certo modo, é capaz de exercer quando colocado
em presenga de determinados valores ou determinadas reali
dades naturais.

O S. Padre Paulo VI, no discurso de encerramento do


Concilio do Vaticano II (7/12/1965), apresentava a contem
plagao como o principal ato da vida humana, ato compatível
com qualquer vocagáo ou tarefa do cristao, mesmo que éste
pratique a chamada "vida ativa":

"Deus é urna realidade, um ser vivo e pcssoal; exerce urna Pro


videncia; é infinitamente bom, nao sómente em si mesmo, mas é de
bondade sem limites para conosco. Ble é nosso Criador, nossa Ver-
dade, nossa Felicidade, a ponto que o esfórco para fixar néle nosso
olhar e nosso cora?áo, nessa atitude que chamamos contempladlo,
se torna o ato mais elevado e mais pleno do espirito, o ato que hoje
aínda pode e deve ordenar a intensa pirámide das atividades humanas".

— 92 —
COMO ORAR? 4?

Robustecido pela oragáo praticada segundo o roteiro


atrás, o cristao se dedicará ao trabalho em tal uniao com Deus
que poderá evitar as grandes dissipagóes e distragóes. Embora
a fragilidade humana tenda sempre a levar o cristao para as
coisas transitorias e sensíveis, o orante será menos vulnerável;
poderá, antes, dar aos seus semelhantes um testemunho mais
lúcido de que Deus é o Grande Valor.

A leitura da Biblia realizada com zélo e método torna-se


eficaz escola de oragáo. E quem ora bem, vive bem ou san
tamente.

Bibliografía:

G. Auzou, A palavra de Deus. Sao Paulo 1967.


Perrella-Vagaggini, "Introdusáo á Biblia", t. I. Petrópolis 1968.
P. de Surgy, "As grandes etapas do misterio da salvacáo". Petró
polis 1968.
A. Lapple, "Mensagem bíblica para o nosso tempo". Lisboa 1968.
J. S. Croatto, "Historia da salvagáo". Caxias do Sul 1968.
J. Dheilly, "Le peuple de l'Ancienne Alliance". Paris 1955.
R. Knox, "Richesses de l'Ancien Testament". Paris 1953.
Esréváo Bettencourr O.S.B.

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RESENHA DE LIVROS
A mensagem de Cristo, por Domenico Grasso; tradugáo do italiano
por Gerardo Dantas Barrete Colegáo "Revelacjio e Teología" n.° 13.
Edigóes Paulinas, Sao Paulo 1970, 140 x 210 mm, 448 pp.
Muitas vézes se procura urna súmula da doutrina católica para
adultos, mormente quando se trata de ministrar ou acompanhar cursos
de formacáo religiosa (ou mesmo teología) em colegios e em escolas
superiores. Ora o livro de D. Grasso corresponde a éste interésse:
em 25 capítulos percorre os diversos temas ou tratados da mensagem
católica: Deus Uno e Trino, criagáo, pecado, Jesús Cristo... O autor
é clássico, evitando sutilezas e controversias; certas passagens (como o
estudo das processóes e das relaedes trinitarias) tém índole um tanto
técnica — o que é inevitável —, embora o autor procure ser acessível
ao leitor de nivel medio; a Biblia, copiosamente utilizada, enriquece
valiosamente o compendio.
Pode ser recomendado com vantagem, como, alias, se depreende
da grande aceitagáo que a obra já encontrou em varias de nossas
escolas.

Catecismo existencial. Mensagem de Cristo as criancas de hoje,


por Carmen Mendoza Editora Vozes, Petrópolis 1971, 140 x 210 mm,
358 pp.

Obra digna de atencáo, pois compendia a doutrina católica sob


forma de breves licóes ou conversas (cada urna redigida em duas
páginas aproximadamente e acompanhada de urna cancáo). Destina-se
a criangas pequeñas, talvcz como preparagáo á Primeira Comunháo.
A autora transmite assim por escrito as conversas que teve com os
netinhos: "O presente trabalho nao pretende ser um compendio
de religiáo. Nada mais é do que urna conversa de avó" (p. 13).
Apesar dcstas palavras modestas, o livro merece ser tido como manual
de ensino religioso.
O adjetivo "existencial", no título, significa apenas a preocupagáo
de C. Mendonga com o estilo concreto e vivencial das suas conversas;
evita abstragóes nao necessárias, recorre a numerosas e válidas com-
paragóes, explica sabiamente as palavras difíceis ou técnicas (Biblia,
género literario, testamento, Messias, responsabilidade...). Como
roteiro de ensino, segué a historia da salvagáo apresentada pelas
Escrituras do Antigo e do Novo Testamento — o que póe a crianga
em contato constante com a mensagem bíblica.
Em seu afá de tornar clara e concreta a doutrina da fé, C. Men-
donga afirma que "nao se ensina religiáo (p. 11), mas temos de
procurar meios que levem a um despertar da fé preexistente na crianga
batizada. Éste pensamento nao é falso, mas podería ser mal entendido.
Com efeito, a religiáo é ensinada na medida em que é doutrina; con-
tudo, já que nao é doutrina apenas, e, sim, vida também, a religiáo
é comunicada também pelo exemplo e por tudo que fomente na
crianga a fidelidade á acáo da graga e do Espirito Santo.

— 94 —
RESENHA DE LIVROB 51

Mario Mendonga, o grande pintor, íilho da autora, ilustrou o


livro com belas gravuras. Merecería especial aten?áo a imagem da
p. 30, em que a SS. Trindade é representada por tres restos humanos,
tipo éste de representagáo que nao se recomenda, pois sómente Deus
Filho se maniíestou com face humana.
Em suma, o livro merece franca aceitacáo. Foderia, porém, apre-
sentar um índice geral com os títulos e a seqüéncia das suas conversas.

Ajnde-me a crescer, por Mariángela Didier. Editora Mensageiro


da Fé, Salvador 1970, 130 x 205 mm, 221 pp.

A autora, formada em París, tem-se dedicado generosamente á


catequese na Bahia. Entre outras obras, publicou o volume ácima,
destinado a pais e educadores. Fornece orientadlo sobre o desabrochar
da psicología da crianza e a gradac.áo do ensino religioso a lhe ser
ministrado. Considera também as atividades (desenhos, celebrares,
dramatizagóes...) a ser aplicadas nesse setor. Tem em vista igualmente
a preparacjio á primeira Confissáo e á primeira Comunháo. Nao deixa
de encarar também as etapas da educagáo sexual.
O livro é altamente recomendável. Chama a atencjio o fato muito
louyável de que prevé a primeira Confissáo da crianza antes da pri
meira Eucaristía justamente numa época em que muitos perguntam
se vale a pena levar as crianzas á confissáo individual. — De passagem,
diga-se: se nao se lhes ensina desde os primeiros passos na vida crista
a prática do sacramento da Confissáo, é difícil crer que, depois, tais
cristáos saberáo estimar e freqüentar ésse Sacramento. Ora a Peni
tencia é um canal de grabas de grande valor, mesmo para quem nao
tenha pecado grave. Dai desejar-se, apesar de todos os possiveis contra-
•argumentos, nao se adié nem menospreze a preparagáo das crianzas
para a primeira Confissáo antes da primeira Eucaristía.

AUcerce para um mundo novo. A fé explicada aos jovens, pelo


P. José F. de Oliveira SCJ. — Ediles Paulinas, Sao Paulo 1971,
135 x 210 mm, 364 pp.
O autor também conhecido como "Padre Zézinho" — tem-se
tornado benemérito na pastoral da juventude, á qual se dedica intei-
ramente; já é autor de alguns livros, opúsculos e cangóes gravadas em
compacto e LP.
O livro ácima, que vem a ser um compendio da doutrina católica
para os jovens, compreende sete grandes temas: Encontró com o Pai,
Encontró com os Irmáos, Religiáo esclarecida, Sacramentos, Livros
Sagrados, As normas do povo de Deus, Vivencia da fé. Em estilo
fácil e claro, expóe as grandes linhas da mensagem católica. Os diversos
capítulos sao acompanhados de questionário e de textos bíblicos ou de
referencias a passagens da Biblia (cuja leitura o autor muito reco
menda). O P. Zézinho mostra grande e sadio zélo pela formagáo crista
da juventude; ao propor normas moráis, principalmente no tocante ao
sexo, é em tudo fiel aos ditames da consciéncia crista. É digno de nota
o entusiasmo com que convida os jovens a cultivar os valores espirituais
(oragáo, Eucaristía, virtudes, engajamento apostólico, etc.).
O livro tem como anexo um "Diario do jovem cristáo", em que
se encontram preces, breves normas de vida e belo repertorio de 80
pensamentos curtos e pregnantes: "Vocé que nao perde chance de des-

— 95 —
52 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 146/1972

fazer a geragáo adulta, nao queirá imaginar o que acontecerá daqui a


vinte anos, quando seu filho comegar a cobrar juros atrasados". —
"Amar nao é querer alguém construido, mas, sim, construir alguém
querido".
Em suma, o novo livro do P. Zézinho veio muito a propósito num
momento em que a pastoral da juventude precisa de seguras linhas
de orientacáo, a fim de que nao se desvirtué.

Crelo só neste Deas, por Jean-Jacques Lariviere; tradugáo do


francés por Attilio Candan. — Ed. Paulinas, Caxias do Sul 1971,
120 x 195 mm, 167 pp.

O subtitulo déste livro soa: "Pesquisa sobre a fé dos jovens".


O autor, tendo realizado um inquérito junto a 2016 rapazes e 1092
megas (dos 16 aos 22 anos), de cultura colegial, catalogou as principáis
dúvidas da juventude sobre questóes de fé. A seguir, resolveu elaborar
as respectivas respostas no volume ácima apresentado, abordando
temas como a existencia de Deus, a Providencia Divina e o sofrimento
do homem, a Igreja, a morte e a vida postuma, a liberdade de arbi
trio do homem, as dúvidas religiosas reais e as meramente aparentes.
Os lemas sao elaborados de maneira clara, com o auxilio de dados
da filosofía e da historia contemporáneas, que fazem sobressair o
pensamento cristáo. Assim o livro se tornará instrumento útil para
palestras, 'cursos e a Ieitura pessoal nao sómente de jovens, mas também
de adultos; as questóes considerada póem-se, quase do mesmo modo,
em todas as faixas de idade.

LEITOR AMIGO,

NAO INTERROMPA SUA COLEgÁO


DE PR. SE VOCÉ AÍNDA NAO RE-
NOVOU SUA ASSINATURA PARA

1972, POR FAVOR FAgA-O HOJE.

— 93 —
!ráT

No próximo número:

Dúos polovros d¡ficéis: Futurología, Escatologia

Teología política: que é?

Aínda as finanzas do Vaticano

Fé, moral, casamento. . . em famosa entrevista

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Assinatura anual Cr$ 30,00


Número avulso de qualquer mes Cr$ 4,00
Volumes encadernados de 1957, 1958, 1959, 1960,
1963, 1964 e 1967 (prego unitario) Cr$ 35,00

Índice Qeral de 1957 a 1964 Cr$ 10,00

índice de qualquer ano Cr$ 3,00

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DE 18 A 25 DE FEVEBEIBO DE 1973

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Esta peregrinagá^ será realizada sob a Assistén-
cia Espiritual de D. Estéváo Bittencourt, O.S.B.

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Kahn, orgulha-se de ter organizado com total
éxito, peregrinajes aosCongressos Eucarísticos
de MUNICH, BOMBAIM e BOGOTÁ.
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INFORMAQÓES E INSCRIQOES:

GRUPO UNIAO DE BANGOS


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sucessores de CAMILLO KAHN
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