Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
LICENCIATURA EM ANTROPOLOGIA
ANÁLISE ANTROPOLÓGICA 1
2007
RELATÓRIO FINAL
ANA CANHOTO
N.º 27685
TURMA AA2
Durante o período colonial, as percepções foram distorcidas por aquilo que
Edward Said referiu como «orientalismo» do Ocidente. Para os Ocidentais, o
Oriente representava o desconhecido «outro», os seus povos, os estranhos
«eles» por oposição aos conhecidos «nós». (Varma 2006: 20).
2
território foi invadido e dominado por vários Impérios, todos eles deixando marcas
culturais específicas: as primeiras civilizações arianas do vale do Indo com as suas
línguas próprias; os Mauria que exortavam o dharma, os iranianos com a sua doutrina
religiosa budista e os Gupta que se regiam pelas quatro varnas, ou classes sociais. A
queda do império védico Gupta originou a divisão em vários reinos independentes, nos
quais foram recriados rituais hindus próprios e sucessivos ataques dos arianos hunos.
Seguiu-se a era muçulmana com os seus sultanatos que perduraram até ao fim do
Império Mogol. No século XVI teve inicio o colonialismo português e posteriormente o
britânico que findaram em 1961 e 1947, respectivamente. Todas estas marcas fundem-
se actualmente numa Índia multiétnica e multilinguística, mas também são motrizes
para possíveis conflitos.
Não existem dúvidas quanto à capacidade de compreensão, adaptação e
pacifismo dos hindus, impulsionado pela adopção da ahimsa, ou princípio da não-
violência, de origem religiosa no budismo e no jainismo e enfatizado por Mahatma
Gandhi. Estas idoneidades indianas revelam-se na actual dicotomia entre uma Índia
democrática lutadora da modernização e uma adaptação desta ao sistema não-
democrático das castas, instigador de desigualdades sócio-económicas.
Remontar ao contexto histórico das castas significa falar de varnas e de colonização. A
representação da alteridade indiana manifesta-se historicamente no sistema hierárquico
das varnas baseado na classificação dos indivíduos por profissão e pela relação
pureza/impureza. Esta forma organizacional remonta à civilização védica e na já
referida época dos Gupta existiam quatro classes: os Brâmanes, com funções
sacerdotais, os guerreiros Kshatriyas, na qual se incluíam os aristocratas gregos, a
burguesia Vaishyas e os Shudras, que correspondiam aos comerciantes e artesãos. À
margem destes, e fora da sociedade, existiam os Candala, os varredores, caçadores e
encarregados de lidar com a morte. Mas estas não eram rígidas, sendo permitido o
casamento entre classes, no entanto a impureza era um factor a evitar.
Com o colonialismo estas relações de alteridade tornaram-se mais delimitadas e,
embora proibidas pelos países colonizadores, nunca foram eliminadas. Bem pelo
contrário, os indianos publicamente renunciavam à sua herança cultural, mas nunca se
subjugaram a diferentes padrões culturais. As políticas eurocentristas acabaram por se
revelar num processo de reconstrução identitária de um Oriente por oposição ao
Ocidente.
3
Vários séculos de pragmatismo das elites indianas foram determinantes no
conluio com estrangeiros, considerados pelos indianos como mleccha ou impuros.
Ambas as partes beneficiaram com esta aceitação: por parte dos britânicos e dos
portugueses um domínio político sobre um território de onde se podiam retirar produtos
comerciais e lucrar com a sua venda. Para a elite indiana tornou-se numa forma de
adquirir estatuto e de ver os seus rendimentos aumentados.
Com o fim do colonialismo e a implantação da democracia, o utilitarismo
indiano conservou-se e transformou um sistema de castas milenar baseado numa
classificação funcional numa degenerativa forma de manter um estatuto social (Varma
2006). Para o indiano é considerado um dever moral a aceitação da sua hierarquia
social, pois para existirem castas mais puras alguém terá de lidar com a morte e aceitar
a sua impureza.
4
será a religião de Estado do Paquistão...» (National Reconstruction Bureau 2007). Este
tem sido o mote para movimentos nacionalistas – a imaginação da comunidade
muçulmana de Caxemira. Referindo Ernest Gellner, «o nacionalismo é uma teoria de
legitimidade política que exige que as fronteiras étnicas não atravessem as fronteiras
políticas...» (Gellner 1993: 12).
A diversidade cultural da Índia tem sido ocasionadora da coexistência de uma
maioria hindu com outras comunidades, entre estas a segunda maior correspondente aos
muçulmanos que ocupam cerca de 13% da população indiana. Falam a mesma língua,
comem a mesma comida, partilham traços culturais semelhantes (Varma 2006) e
diferem apenas no culto religioso. Se pertencer a uma nação implica a partilha da
mesma cultura, poderá ser afirmado que estes dois grupos étnicos de mito de origem
diferente podem partilhar esse mesmo espaço imaginário? Esta reivindicação de um
passado próprio nacional justificativo da independência pós-colonialista não só se
revela no conflito de Caxemira, como também no movimento nacionalista Hindutva.
Liderado pelo BJP (Bharatiya Janata Party) este movimento reclama uma nação de
língua hindi e cultura hinduísta, considerando que a identidade social étnica do
Hindustão (terra dos Hindus) partilha o mito comum de origem védica e rege-se pelos
Vedas (BJP s.d.).
No entanto, a capacidade híbrida da cultura indiana reflecte agora uma imagem
de uma Índia moderna e democrática que na realidade não é verdadeira. A hegemonia
da ideologia colonialista mantém-se ainda viva na procura das elites pelo ensino
britânico, pois o domínio da língua inglesa simboliza estatuto social. Anúncios
matrimoniais são disso exemplo. Elites que anteriormente procuravam casamentos entre
pessoas da mesma casta ou de castas superiores, exigem agora formação no ensino
britânico e a casta deixou de ser impedimento. Longos séculos de interiorização de
complexos de inferioridade mantêm arreigados valores racistas, encontrando-se
anúncios onde se pedem noivas «de pele clara» (Varma 2006). Mas também na
manutenção do sistema hierárquico das castas, embora na Constituição figure a abolição
os Intocáveis, a realidade mostra-se contrária aos direitos democráticos.
A Índia actual evidencia um processo de descolonização no qual características
culturais colonialistas não foram totalmente abolidas. A indefinição etnolinguística
gerada pela desigualdade absoluta entre elites indianas e as restantes classes estatutárias,
como também os resultados de diásporas para os países ex-colonizadores,
principalmente para a Grã-Bretanha, acabaram por se revelar numa absorção de
5
representações simbólicas anunciadoras da versatilidade dos indianos. Não existe uma
comunidade culturalmente imutável, mas sim uma permanente recriação dessa
identidade cultural. Este é o resultado das relações de identidade / alteridade.
6
7
Bibliografia:
8
VARMA, Pavan K, 2006, A Índia no Século XXI, Lisboa: Editorial Presença.