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ISCTE

LICENCIATURA EM ANTROPOLOGIA
ANÁLISE ANTROPOLÓGICA 1
2007
RELATÓRIO FINAL

ANA CANHOTO
N.º 27685
TURMA AA2
Durante o período colonial, as percepções foram distorcidas por aquilo que
Edward Said referiu como «orientalismo» do Ocidente. Para os Ocidentais, o
Oriente representava o desconhecido «outro», os seus povos, os estranhos
«eles» por oposição aos conhecidos «nós». (Varma 2006: 20).

É assim que Pavan K. Varma descreve a abordagem da diferença no contexto de


uma Índia colonizada. Os ingleses viam os indianos como corruptos, ingovernáveis,
preguiçosos, supersticiosos e miseráveis, entre outros, mas também fascinantemente
talentosos, evoluídos e cultos. (Varma 2006). Esta é atracção pela diferença e pelo
exotismo do «outro», é a relação identidade/alteridade sob a qual história da
humanidade se tem construído. Como diz o sociólogo João de Pina Cabral: «Parece
incrível que, de uma coisa tão impalpável, saiam fenómenos tão maciços: guerras,
pazes, famílias, países, caminhos, obras de arte ...» (Cabral 2003).
Em contextos pós-coloniais o conjunto de especificidades culturais
demonstradas é revelador da existência de uma herança histórica originada por vários
séculos de colonialismo e de hegemonia europeia. Este legado inegavelmente moldou
alguns dos valores culturais, mas acabou também por recriar uma representação
imaginária exacerbada de valores nacionalistas – uma «comunidade imaginada» de
Benedict Anderson.
Falar da Índia é falar de diversidade cultural, de um país que ao longo dos vários
séculos foi palco da fundação de várias religiões, de invasões, de um prolongado
colonialismo e de diversas diásporas. Nestes processos originaram-se várias línguas,
religiões e culturas dentro de uma única nação, a Índia. Defini-la como uma nação de
uma identidade indiana única é transformá-la em algo que não existe. Imaginar
fronteiras e elementos culturais uniformes, é encontrar uma «personalidade indiana
global» (Varma 2006: 29) que a história e a tradição levaram seu ao forjamento. Não
existe uma identidade social étnica uniforme, existem várias etnias e vários conflitos
identitários. A Índia são os hindus, os muçulmanos, os jainistas, os budistas, os cristãos,
entre outros. Como também se fala Hindi, Marathi, Punjabi, Tamil, Urdu, Bengali,
Oriya, Telegu, Gujarati, Concani, Inglês, entre outras.
Remetendo às várias invasões e aos séculos de colonialismo da Índia, é possível
compreender como no pós-colonialismo se tornou necessária a procura de uma
harmonia entre as várias etnias que a constituem.
Historicamente o subcontinente indiano passou por várias fragmentações desde as
primeiras civilizações do vale do Indo até ao fim do colonialismo europeu. Este

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território foi invadido e dominado por vários Impérios, todos eles deixando marcas
culturais específicas: as primeiras civilizações arianas do vale do Indo com as suas
línguas próprias; os Mauria que exortavam o dharma, os iranianos com a sua doutrina
religiosa budista e os Gupta que se regiam pelas quatro varnas, ou classes sociais. A
queda do império védico Gupta originou a divisão em vários reinos independentes, nos
quais foram recriados rituais hindus próprios e sucessivos ataques dos arianos hunos.
Seguiu-se a era muçulmana com os seus sultanatos que perduraram até ao fim do
Império Mogol. No século XVI teve inicio o colonialismo português e posteriormente o
britânico que findaram em 1961 e 1947, respectivamente. Todas estas marcas fundem-
se actualmente numa Índia multiétnica e multilinguística, mas também são motrizes
para possíveis conflitos.
Não existem dúvidas quanto à capacidade de compreensão, adaptação e
pacifismo dos hindus, impulsionado pela adopção da ahimsa, ou princípio da não-
violência, de origem religiosa no budismo e no jainismo e enfatizado por Mahatma
Gandhi. Estas idoneidades indianas revelam-se na actual dicotomia entre uma Índia
democrática lutadora da modernização e uma adaptação desta ao sistema não-
democrático das castas, instigador de desigualdades sócio-económicas.
Remontar ao contexto histórico das castas significa falar de varnas e de colonização. A
representação da alteridade indiana manifesta-se historicamente no sistema hierárquico
das varnas baseado na classificação dos indivíduos por profissão e pela relação
pureza/impureza. Esta forma organizacional remonta à civilização védica e na já
referida época dos Gupta existiam quatro classes: os Brâmanes, com funções
sacerdotais, os guerreiros Kshatriyas, na qual se incluíam os aristocratas gregos, a
burguesia Vaishyas e os Shudras, que correspondiam aos comerciantes e artesãos. À
margem destes, e fora da sociedade, existiam os Candala, os varredores, caçadores e
encarregados de lidar com a morte. Mas estas não eram rígidas, sendo permitido o
casamento entre classes, no entanto a impureza era um factor a evitar.
Com o colonialismo estas relações de alteridade tornaram-se mais delimitadas e,
embora proibidas pelos países colonizadores, nunca foram eliminadas. Bem pelo
contrário, os indianos publicamente renunciavam à sua herança cultural, mas nunca se
subjugaram a diferentes padrões culturais. As políticas eurocentristas acabaram por se
revelar num processo de reconstrução identitária de um Oriente por oposição ao
Ocidente.

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Vários séculos de pragmatismo das elites indianas foram determinantes no
conluio com estrangeiros, considerados pelos indianos como mleccha ou impuros.
Ambas as partes beneficiaram com esta aceitação: por parte dos britânicos e dos
portugueses um domínio político sobre um território de onde se podiam retirar produtos
comerciais e lucrar com a sua venda. Para a elite indiana tornou-se numa forma de
adquirir estatuto e de ver os seus rendimentos aumentados.
Com o fim do colonialismo e a implantação da democracia, o utilitarismo
indiano conservou-se e transformou um sistema de castas milenar baseado numa
classificação funcional numa degenerativa forma de manter um estatuto social (Varma
2006). Para o indiano é considerado um dever moral a aceitação da sua hierarquia
social, pois para existirem castas mais puras alguém terá de lidar com a morte e aceitar
a sua impureza.

Esta aceitação da hierarquia do poder confere um colorido particularmente


indiano ao significado e ao funcionamento de conceitos modernos como a
democracia e a igualdade.
(Varma 2006: 41).

Parte integrante do dharma, a casta é também o reconhecimento da dicotomia


identidade/alteridade dentro da própria comunidade indiana. E, embora a rigidez na
manutenção da casta esteja a enfraquecer, a preocupação com a hierarquia persiste.
No entanto, outros valores culturais outrora reclamados pelos movimentos nacionalistas
anti-coloniais estão agora novamente activos. O nascimento de um novo Estado-Nação
envolve a definição de fronteiras físicas e possíveis conflitos étnicos originados pela
separação de grupos étnicos.
No subcontinente indiano, o fim do raj britâncio acarretou a separação da Índia
do Paquistão. Contrariamente à vontade de Mahatma Gandhi, esta divisão provocada
pelo conflito religioso entre hindus e muçulmanos nas vésperas do dia da
independência, ainda hoje deixa marcas bem visíveis em Caxemira. Esta região é
actualmente administrada por chineses, paquistaneses e indianos e tem servido de
justificação para uma militarização das fronteiras entre estes dois últimos países.
A Constituição Indiana, no seu primeiro artigo, introduz o conceito da Bharat
remetida à Índia dos Indianos, ultrapassando conceitos de casta, de religião e de região
(Govt. of India 2006). Mas a Constituição Paquistanesa, no mesmo artigo, refere o
Paquistão como a República Islâmica do Paquistão e impõe no seu artigo 2º «O Islão

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será a religião de Estado do Paquistão...» (National Reconstruction Bureau 2007). Este
tem sido o mote para movimentos nacionalistas – a imaginação da comunidade
muçulmana de Caxemira. Referindo Ernest Gellner, «o nacionalismo é uma teoria de
legitimidade política que exige que as fronteiras étnicas não atravessem as fronteiras
políticas...» (Gellner 1993: 12).
A diversidade cultural da Índia tem sido ocasionadora da coexistência de uma
maioria hindu com outras comunidades, entre estas a segunda maior correspondente aos
muçulmanos que ocupam cerca de 13% da população indiana. Falam a mesma língua,
comem a mesma comida, partilham traços culturais semelhantes (Varma 2006) e
diferem apenas no culto religioso. Se pertencer a uma nação implica a partilha da
mesma cultura, poderá ser afirmado que estes dois grupos étnicos de mito de origem
diferente podem partilhar esse mesmo espaço imaginário? Esta reivindicação de um
passado próprio nacional justificativo da independência pós-colonialista não só se
revela no conflito de Caxemira, como também no movimento nacionalista Hindutva.
Liderado pelo BJP (Bharatiya Janata Party) este movimento reclama uma nação de
língua hindi e cultura hinduísta, considerando que a identidade social étnica do
Hindustão (terra dos Hindus) partilha o mito comum de origem védica e rege-se pelos
Vedas (BJP s.d.).
No entanto, a capacidade híbrida da cultura indiana reflecte agora uma imagem
de uma Índia moderna e democrática que na realidade não é verdadeira. A hegemonia
da ideologia colonialista mantém-se ainda viva na procura das elites pelo ensino
britânico, pois o domínio da língua inglesa simboliza estatuto social. Anúncios
matrimoniais são disso exemplo. Elites que anteriormente procuravam casamentos entre
pessoas da mesma casta ou de castas superiores, exigem agora formação no ensino
britânico e a casta deixou de ser impedimento. Longos séculos de interiorização de
complexos de inferioridade mantêm arreigados valores racistas, encontrando-se
anúncios onde se pedem noivas «de pele clara» (Varma 2006). Mas também na
manutenção do sistema hierárquico das castas, embora na Constituição figure a abolição
os Intocáveis, a realidade mostra-se contrária aos direitos democráticos.
A Índia actual evidencia um processo de descolonização no qual características
culturais colonialistas não foram totalmente abolidas. A indefinição etnolinguística
gerada pela desigualdade absoluta entre elites indianas e as restantes classes estatutárias,
como também os resultados de diásporas para os países ex-colonizadores,
principalmente para a Grã-Bretanha, acabaram por se revelar numa absorção de

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representações simbólicas anunciadoras da versatilidade dos indianos. Não existe uma
comunidade culturalmente imutável, mas sim uma permanente recriação dessa
identidade cultural. Este é o resultado das relações de identidade / alteridade.

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Bibliografia:

ANDERSON, Benedict, 1991 [1983], “As Origens da Consciência Nacional”,


in ANDERSON, Benedict, Comunidades Imaginadas. Lisboa: Edições 70, pp 65-75.
BJP, s.d., “Hindutva: The Great Nationalist Ideology”, http://www.bjp.org/philo.htm
(acedido em 15 Janeiro 2007).
CABRAL, João de Pina, “Identidades inseridas: algumas divagações sobre identidade,
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WP2-2003.pdf (acedido em 14 Janeiro 2007).
CENTRAL INSTITUTE OF INDIAN LANGUAGES, 2005, “Scheduled Languages”,
http://www.ciil.org/Main/Languages/indian.htm (acedido em 14 Janeiro 2007).
ERIKSEN, Thomas, 1993, “What is Ethnicity?”, in ERIKSEN, Thomas, Ethnicity and
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ERIKSEN, Thomas, 1993, “Ethnic Classification: Us and Them”, in ERIKSEN,
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GELLNER, Ernest, 1993 [1983], “Definições”, in GELLNER, Ernest, Nações e
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GITEAU, Madeleine, 1985, “O mundo indo-iraniano dos impérios”, in SARAIVA, José
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GITEAU, Madeleine, 1985, “A Índia, do século VIII ao século XV”, in SARAIVA,
José Hermano, dir., História Universal 5: 70-80.
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http://indiacode.nic.in/coiweb/welcome.html (acedido em 15 Janeiro 2007).
JARRIGE, Jean-François, 1985, “O mundo indo-iraniano dos impérios”, in SARAIVA,
José Hermano, dir., História Universal 5: 51-61.
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http://www.nrb.gov.pk/constitutional_and_legal/constitution/part1.html (acedido em 15
Janeiro 2007).
POUCHEPADASS, Jacques, 1985, “A Índia: o Império Mogol e a penetração
europeia”, in SARAIVA, José Hermano, dir., História Universal 7: 7-14.
POUCHEPADASS, Jacques, 1985, “Índia, Birmânia, Ceilão e Nepal: nacionalismo e
independência”, in SARAIVA, José Hermano, dir., História Universal 10: 57-60.

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VARMA, Pavan K, 2006, A Índia no Século XXI, Lisboa: Editorial Presença.

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