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AUTONOMA DA MADEIRA

Alberto Vieira

O açúcar é de todos os produtos que acompanharam a diáspora


europeia aquele que moldou, com maior relevo, a mundividência quotidiana
das novas sociedades e economias que, em muitos casos, se afirmaram como
resultado dele. A cana sacarina, pelas especificidades do seu cultivo, espe-
cializam e morosidade do processo de transformação em açucar, implicou
uma vivência particular, assente num específico complexo sócio-cultural da
vicia e convivência humana.
Neste contexto a Madeira manteve uma posição relevante, por ter sido
a primeira área do espaço atlântico a receber a nova cultura. E, por isso
mesmo, aqui se definiram os primeiros contornos desta realidade, que teve
plena afirmação nas Antilhas e Brasil. Foi na Madeira que a cana-de-açúcar
iniciou a diáspora atlhtica. Aqui surgiram os primeiros contornos sociais (a
escravatura), técnicos (engenho de água) e polític~econõmicos (trilogia
rural) que materializaram a civilização do açúcar. Por tudo isto toma-se
imprescindível uma análise da situação madeirense, caso estejamos interes-
sados em definir, exaustivamente, a civilização do açúcar no mundo
atlântico.
De acordo com a ideia de que a civilização do açúcar teve apenas uma
única forma de expressão no Atlântico Ocidental e Oriental, partiu-se para a
afmrqões precipitadas na análise da economia e smiedade que lhe serviu de
base. Ao açúcar associou a Historiografia, desde muito cedo, a escravatura,
fazendo juz à afirmação de Antonil(17 1 I), de que "os escravos são as mãos
e os pés do senhor de engenho".
As cruzadas, segundo a Historiografia europeia, foram o principio da
expansão da cultura açucareira e da sua vinculação aos escravos. Deste
modo nas colónias italianas do Meditemâneo Oriental surgem os primeiros
resquícios da nova dinâmica social que passaria à Sicília e, depois h
Madeira, donde se expandiram no Atlhtico. Diz-se, ainda, que a ligação ou
não do escravo negro 8 cultura dos canaviais foi uma invenção do Ocidente
cristão, não havendo lugar no mundo muçulmano. Todavia, na actualidade a
situação parece ser distinta. Novas apartações revelam que a relação
escravolaçúcar não é tão Bnear, como 5 primeira vista parece. Daqui resultou
esta reflexão sobre o problema na Madeira, que assume desmesurado
interesse tendo em conta o facto de ter sido o principio de tudo o que sucedeu
no mundo atlântico.

O CASO DAS ILHAS. As ilhas do Atlântico oriental apresentavam um


ecosistema particular que conduziu a um relacionamento particular do
Homem na exploração e aproveitamento do solo. A Madeira, mercê da
configuração geográfica, foi definida por uma paisagem agriria específica,
diferente dos grandes espaços continentais. O excessivo parcelamento das
áreas agrícolas (poios), única forma possivel de aproveitamento do solo
aráivel e a sua ampla disseminagão na vertente sul e norte condicionararn o
sistema de arroteamento e de posse de terras. As grandes e iniciais con-
cessks de terreno foram-se dividindo de acordo com o progresso da
população e as experiências agrícolas. A primeira exploração extensiva deu
lugar ao intensivo aproveitamento do solo assente nos inúmeros poios
construídos pelos proprietários, arrendatários ou meeiros.
Em face de tudo isto é difícil, senão impossível, definir a grande
propriedade de canaviais, se nos situarmos ao mesmo nivel do mundo
americano. No caso americano os canaviais avançaram a partir do engenho e
estão, quase sempre, indissociavelmente ligados. Isto não sucede na Madeira.
Aqui, são muitos os proprietários de canaviais mas poucos os de engenho.
Outra peculiaridade da Madeira é a concentra@o dos engenhos em áreas de
maior facilidade de contactos com o exterior, nomeadamente no Funchal, o
que nem sempre correspondia às de maior importância no cultivo dos
canaviais. Esta diferente estrutura da faina agucareira condicionou outro
posicionamento do escravo. Ainda, na exploração agrícola insular torna-se
necessário distinguir dois grupos de propriethios: aqueles que haviam
entregue as terras a foreiros ou arrendatários e os proprietários plenos. Esta
forma de dupla posse da terra marcou de m d o evidente a actividade agricola
e favoreceu na Madeira o aparecimento e afirmação do contrato de colonia, a
partir do século XVI. Por outro Iado, a extensão reduzida dos canaviais não
obrigava à existência de um engenho para a transformação da cana, tão
pouco de um grupo numeroso de escravos. Por tudo isto, a posição dos
escravos na estrutura agrária rnadeirense deveri ser equacionada de acordo
com esta dinâmica do sistema de propriedade na ilha. Se é certo que na
exploração directa ou no arrendamento se estabeleceu uma posição clara
para o escravo, o mesmo não se poderá dizer com o contrato de colonial.

O PROPRIETÁRIO DE ESCRAVOS, CANAVIAIS E ENGENHOS.


E 0 proprietário quem estabelece a forma de intervenção do escravo na
sociedade e economia e, como tal, adquire uma posiçiio chave na definição e
expressão da escravatura. Nos registos paroquiais ao nome do escravo e
origem étnica associa-se sempre o nome do p r o p r i e ~ o A
. sua distribuição
geográf~caadequa-se à mancha da expressão da escravatura no arquipélago
madeirense. Assim, a capitania do Funchal tem a súpremacia com 86%
dos proprietArios e 87% dos escravos, adquirindo maior expressão no
século XVI. No gIobal da circunscrição definida pela capitania do Funchal,
temos, mais uma vez, o recinto do Funchal numa posição cimeira com 74%
dos proprietirios. A par disso a cidade, com as duas freguesias principais de
que existe documenta~ão- Sé e São Pedro - apresentam 64% do numero de
proprietários, distribuindo-se os restantes pelas outras da capitania do
Funchal (23%), Machico (I 1%) e Porto Santo (2%). Esta elevada con-
centração dos escravos no espaço urbano revela que estamos perante uma
escravatura essencialmente doméstica, com pouca ou nenhuma relação com a
vida m a l .
Raras vezes surgem indícios da relação do escravo com o meio rural
como guardiães e trabalhadores das terras do proprietãrio, aqui entregues a
colonos. Por outro lado, não é fácil estabelecer uma ligação entre o
proprietário, o escravo e as actividades sócio-profissionais. Raramente ao
dono surge associada a profissão ou estatuto social: do total em causa apenas
23%aparecem nestas condições. Neste grupo evidenciam-se os que estavam
ligados à estrutura eclesiástica (25,2%) e militar (24,8961, seguidos dos
multiplos ofícios do comercio (20%).
Quando estabelecemos urna comparação entre o número de proprie-
tários de escravos e o de canaviais verificamos que em todas as áreas o
primeiro grupo é superior ao segundo. Este facto poder6 ser considerado um
indicativo seguro de que nem todos os proprietirios de escravos se dedi-
cavam h safra açucareira e que nem todos os escravos existiam para isso.

O contrato de colonia mereceu inúmeros estudos, sendo de realçar os de: Fernando


Augusto da SILVA, "Colonia, contrato de", in Eluciddrio Madeireme, I, Funchal, 1960,
pp.290-291; Jorge de Freitas BRANCO,Camponeses da Madeira, Funchal. 1987, pp.153-
187; João José Abreu de S O U S A , " ~ convento de Santa Clara do Funchal. Contratos
agricolas(sé.culo XV a XIX), in Aflântico, no.l 6, Funcha1,1988, pp.295-303..
resquícios da nova dinâmica social que passaria à Sicíiia e, depois &
Madeira, donde se expandiram no Atlântico. Diz-se, ainda, que a ligaqão ou
não do escravo negro à cultura dos canaviais foi uma invenção do Ocidente
cristão, não havendo lugar no mundo muçuImano. Todavia, na actualidade a
situagão parece ser distinta. Novas aportações reveIam que a relação
escravo/açúcar não é tão linear, como ?t primeira vista parece. Daqui resultou
esta reflexão sobre o problema na Madeira, que assume desmesurado
interesse tendo em conta o facto de ter sido o principio de tudo o que sucedeu
no mundo atlântico.

O CASO DAS ILHAS. As ilhas do Atlântico oriental apresentavam um


ecosistema particular que conduziu a um reIacionamento particular do
Homem na exploração e aproveitamento do solo. A Madeira, mercê da
configuração geografica, foi definida por uma paisagem agrária específica,
diferente dos grandes espaços continentais. O excessivo parcelamento das
áreas agrícolas (poios), única forma possível de aproveitamento do solo
arável e a sua ampla disseminação na vertente sul e norte condicionaram o
sistema de arroteamento e de posse de terras. As grandes e iniciais con-
cessks de terreno foram-se dividindo de acordo com o progresso da
população e as experiências agrícolas. A primeira exploração extensiva deu
lugar ao intensivo aproveitamento do solo assente nos inúmeros poios
construídos pelos proprietários, arrendatários ou meeiros.
Em face de tudo isto 6 difícil, senão impossível, definir a gmnde
propriedade de canaviais, se nos situarmos ao mesmo nível do mundo
americano. No caso americano os canaviais a v a n ç a m a partir do engenho e
estão, quase sempre, indissmiavelmente ligados. Tsto não sucede na Madeira.
Aqui, são muitos os proprietários de canaviais mas poucos os de engenho.
Outra peculiaridade da Madeira é a concentração dos engenhos em &as de
maior facilidade & contactos com o exterior, nomeadamente no Funchal, o
que nem sempre correspondia às de maior importância no cultivo dos
canaviais. Esta diferente estnihrra da faina açucareira condicionou outro
posicionamento do escravo. Ainda, na exp1oraqSio agrícola insular torna-se
necessário distinguir dois grupos de proprietkios: aqueles que haviam
entregue as terras a foreiros ou a r r e n d a t ~ o es os proprietários plenos. Esta
forma de dupla posse da terra marcou de modo evidente a actividade agrícola
e favoreceu na Madeira o aparecimento e afirmação do contrato de colonia, a
partir do século XVI. Por outro Iado, a extensão reduzida dos canaviais não
obrigava i existência de um engenho para a transformação da cana, tão
pouco de um grupo numeroso de escravos. Por tudo isto, a posição dos
escravos na estrutura agrária madeirense deverá ser equacionada de acordo
com esta dinsmica do sistema de propriedade na ilha. Se é certo que na
exploração directa ou no arrendamento se estabeleceu uma posição clara
para o escravo, o mesmo não se poderá dizer com o contrato de colonial.

O PROPRIETARIO DE ESCRAVOS, CANAVIAIS E ENGENHOS.


E o proprietário quem estabelece a forma de intervenção do escravo na
sociedade e economia e, como tal, adquire uma posição chave na definição e
expressão da escravatura. Nos registos paroquiais ao nome do escravo e
origem étnica associa-se sempre o nome do proprietário. A sua distribuição
geogritfica adequa-se h mancha da expressão da escravatura no arquipélago
madeirense. Assim, a capitania do Funchal tem a supremacia com 86%
dos propriethrios e 87% dos escravos, adquirindo maior expressão no
século XVI. No global da circunscrição definida pela capitania do Funchal,
temos, mais uma vez, o recinto do Funchal numa posição cimeira com 74%
dos proprietários. A par disso a cidade, com as duas freguesias principais de
que existe documentação - Sé e São Pedro - apresentam 64% do número de
proprietários, distribuindo-se os restantes pelas outras da capitania do
Funchal (23%), Machico (11%) e Porto Santo (2%). Esta elevada con-
centração dos escravos no espaço urbano revela que estamos perante uma
escravatura essencialmente doméstica, com pouca ou nenhuma relação com a
vida rural.
Raras vezes surgem indícios da relação do escravo com o meio rural
como guardiães e trabalhadores das terras do proprietário, aqui entregues a
colonos. Por outro lado, não é fácil estabelecer uma ligação entre o
proprietário, o escravo e as actividades sócio-profissionais. Raramente ao
dono surge associada a profissão ou estatuto social: do total em causa apenas
23% aparecem nestas condições. Neste grupo evidenciam-se os que estavam
ligados h estrutura eclesiástica (25,2%) e militar (24,9%), seguidos dos
múltiplos ofícios do comércio (20%).
Quando estabelecemos uma comparação entre o número de proprie-
tarios de escravos e o de canaviais verificamos que em todas as áreas o
primeiro grupo é superior ao segundo. Este facto poderá ser considerado um
indicativo seguro de que nem todos os proprietários de escravos se dedi-
cavam & safra açucareira e que nem todos os escravos existiam para isso.

O contrato de colonia mereceu inúmeros estudos, sendo de realçar os de: Fernmdo


Augusto da SILVA, "Colonia, contrato de", in Eluciddrio Madeireme, I, Funchal, 1960,
pp.290-291; Jorge de Freitas BRANCO, Camponeses da Madeira, Funchal, 1987, pp.153-
187; João José Abreu de Sous~,"O convento de Santa Clara do Funchril. Contratos
agricolas(stcu10 XV a X X ) , in Arldntico, na.16, Funchal,l988, pp.295-303..
A diferença entre os dois grupos é mais acentuada no Funchd, onde o
número de proprietários de escravos é três vezes superior ao de canaviais.
Nas "Partes do Fundo" ela não ultrapassa o dobro, no século XVI, e nas
comarcas da Calheta, Ponta do Sol e capitania de Machico apresentava valor
inferior. A mesma situação surge quando comparamos o número de escravos
com o dos proprietários de canaviais e engenhos de açúcar. No século XV
esta proporção é diminuta, na centúria seguinte, excepto em Ponta do SoI e
Machico, atinge valores elevados, sendo a média no Funchd de dez escravos
por proprietário, quatro na Ribeira Brava e três na Calheta. De acordo com o
açúcar arrecadado. no século XVI, caberia a cada escravo o seguinte número
de arrobas:
Funchal ............................... 133
Ribeira Brava. .......................... 92
Ponta do Sol ........................... 400,5
Calheta .................................... 223,5
Machico ................................... 159,4

Estes valores estão muito aquém da d i a estabelecida para as


Antilhas e Brasilz. Será isto demonstrativo de que não é tão evidente na
Madeira a relação entre o escravo e o açúcar?
Os valores de produção dos engenhos insulares são muito distintos dos
americanos. Para a Madeira em finais do século XV são ~ferenciados
apenas 12 engenhos para um total de 233 proprietários de canaviais. Estes
situam-se todos nas partes do Fundo, niio havendo qualquer refesncia para
os que funcionavam na área do Caniço a Câmara de Lobos.
Tomando em conta, apenas as Partes do Fundo, nota-se que a cada
engenho estariam atribuídas mais de cinco mil arrobas, valor elevado s
tivermos em conta o estado da tecnologia usada. Também é de notar que
estes proprietários de engenho não se situam entre os mais importantes
detentores de canaviais. Apenas Fernão Lopes surge com 1600 arrobas,
havendo caso de lavradores com valores superiores que não são proprie-
tdrios de engenho. Note-se, ainda, que Femão Lopes apresentava mais
2000 arrobas em conjunto com João Esrneraldo. Na primeira metade do
&ulo XVI estes valores desceram a mais de um terço, pois a média é de

* N o Brasil a média de produção por escravo era de 50 a 60 arrobas, enquanto nas


Antilhas, em geral, era de 64 (H. G.Amorim PARREIRA, "Histbria do Açúcar em Portugal"
in Anuis, IIII, T. I., Lisboa, 1952, 152), sendo nas francesas de 750 arrobas (G.MARTiN,
Histoire de i'Esclavaga, Paris, 1948, i 22) e na Jarnaica, no século XVlIl era de 250 mobas
(M. CRATON, Sincws of Empire (...), Londres, 1974.
1478 arrobas. Outro aspecto de relevo d a relação entre os propriet~os
de engenho e canaviais. Nesta fase, marcada por profundas alterações
na estrutura produtiva, o desfasamento entre ambos os grupos. Deste modo
a distinçiio entre lavradores de cana e proprietários de engenho é muito
clara. Note-se que neste grupo surgem seis com valores superiores a
1000 arrobas.
A mesma concIusão é possivel quando comparamos os escravos com o
número de engenhos na ilha. Enquanto nas Antilhas e América do Sul o valor
por engenho oscila entre os 800 e 1003,aqui, no global, não ultrapassaria os
30, sendo a média mais elevada no Funchal (com 77 escravos) e Ribeira
Brava (com 24 escravos). E de salientar, ainda, que, no total de 46 pro-
prietários de engenhos, dezasseis são do Funchal. Os dados disponibilizados
peIa investigação levam-nos a concluir o seguinte: num total 502 produtores
de açúcar apenas setenta e oito(l6%} são possuidores de escravos. Para o
século dezassete é maior o numero (39%) de proprietários de canaviais com
escravos, sem existir qualquer relação de causa e efeito entre ambas as
realidades. Assim, por exemplo, Maria Gonçalves, viúva de António de
Aimeida. 6 quem surge com o maior iiúmero de escravos, sendo diminuta a
produção de açiicar.
A comparação do número de escravos com o numero de arrobas &
açúcar dos canaviais apresenta igualmente valores dispares pelo que esta-
remos perante uma prova evidente da intervenção do trabalho livre: a média
do sécuIo dezasseis oscila entre 10 e 1329,5 arrobas por escravo. Por outro
lado, os proprietários com maior número de escravos, corno Francisco
Betencor, Pedro Gonçalves e António Correia, não são, de modo algum, os
maiores produtores de açúcar. Apenas João Esrneraldo. Simão Acioli e João
Rdrigues Castelhano são a excepção. Notese, ainda, que Pedro Gonçalves,
do Funchal, com dezassete escravos, o maior número destes por proprietário,
declarou em 1509 a produção de apenas 140 arrobas. Pelo contrário Gonçalo
Fernandes de Calheta, que em 1494 produzia 1611 arrobas e em 1534 surge
com 3707 arrobas, com dez escravos.
Outro dos aspectos definidores da escravatura resulta do niimero de
escravos disponíveis para cada proprietário. Tambem aqui a Madeira afasta-

"e acordo com Lufs M. DIAZSOLER (Hisforia de la esclavitud n q r a em Puerto


Rico, Rio Pedras, 1965,155) um engenho de água para laborar necessitava de 37 escravos,
enmtanto Cirio F. C A R W S O (Negro Slavery (...), Washington, 1983) refere que um
engenho identico em Vem Cruz necessiiava de 80 a 100 escravos, e pura o Brasil Eduardo
Correia LOPES (A Escravatura (...), Lisboa. 1944, 1 12) apresenta o ndmero de 100
escravos para a l h r q ã o de cada engenho.
se do Novo Mundo. Não encontrámos proprietArios com duzentos ou mais
escravos. O número mais elevado não ultrapassava os 14 apresentados por
João Esmeraido na fazenda da Lombada da Ponta do Sol. A maioria (63%)
fica-se por cinco escravos, por isso, tendo em conta o mínimo de mão-de-
obra imprescindível para a laboração de um engenho, seremos obrigados a
afirmar que a grande força de trabalho que animava os engenhos não era
escrava, mas sim livre. A par disso, o máximo que conseguimos reunir foi de
vinte escravos de Ayres de Ornelas e Vasconcelos (1556- 1587), mas para pai
e filho. Na Madeira a tendência era para a existência de um reduzido número
de escravos por proprietfio. Com um ou dois escravos temos 58% e com
mais de cinco a pemntagem não ultrapassa os 11 %. O grupo daqueles que
possuem mais de dez escravos não suplanta os 2%. Estes destacados pro-
prietários surgem, mais uma vez, no Funchal, entendido como o conjunto das
duas freguesias e comarca. O perfil do proprietário de escravos define-se
pelo reduzido númem, pois 89% possuem entre um e cinco escravos. Não
havia lugar para uma excessiva valorização da sua força de trabaIho, no
campo e cidade. A dimensão das oficinas e das arroteias não o permitia. Isto
torna-se mais evidente quando estabelecemos uma relação entre o escravo e o
património do proprietário. De acordo com os dados disponíveis, apenas, foi
possível estabelecela para dez proprietários. Eles situam-se, maiorita-
riamente, no século XVII pelo que as fazendas são dominadas pelas vinhas.
Apenas com João Rodrigues Mondragão estã expressa a trilogia rural
madeirense. Nas suas fazendas era possível ver-se searas, vinhas e canaviais.
A tudo isto acresce o facto de haver por parte do proprietário rural pouco
empenho em aumentar o investimento em mão-de-obra escrava. Ele nunca
ultrapassa os 5% do valor total do capital. Esta situação contrasta mais uma
vez com o sucedido do outro lado do Atlântico, onde sobe at6 os 28%. Caso
existisse uma relação directa entre a presença do escravo e as tarefas
agrícolas era natural que o proprietário procura-se desviar parte do seu
investimento de capital para a aquisição deles. Ao nível do valor do capital
investido pelos proprietários madeirenses na mão-de-obra escrava tambem se
verifica uma disparidade em relação ao que sucede no continente americano.
Na Madeira o valor oscilava entre os 2 e os 5%, enquanto, do outro lado do
AtIântico a percentagem poderia atingir os 28%.
A par disso, se enquadrarmos os escravos na estrutura fundiária dos
proprietários, concluiremos pela fraca vincuIação i cultura do açiicar: em
104 detentores em simultâneo de escravos e bens fundiarios, apenas 9 são
possuidores de canaviais. Os restantes, na sua maioria, detêm searas e
vinhedos. Depois nos signatários de canaviais merece apenas referência
Bartolomeu Machado, no Funchal, com dez escravos.
A EVOLUÇÃO DO AÇUCAR E DOS ESCRAVOS. A presença do escravo
na constituição das sociedades insulares, desde o siculo XV, não é um fenó-
nemo isolado, enquadrando-se no contexto skio-económico em que emer-
giram: a falta de mão-de-obra braçal para as novas arroteias e a maior neces-
sidade dela por parte de culturas como a cana sacarina geraram a procura; a
iniciativa descobridora do Atlhtico, em que os madeirenses foram activos
protagonistas, e a proximidade do mercado gerador propiciaram o s e u
encontro. Foi de acordo com esta conjuntura que a escravatura ganhou
importância e 6 aqui que deveremos encontrar a explicação para tal posição.
A Madeira, porque próxima do continente africano e envolvida no seu
processo de reconhecimento, ocupação e defesa do controlo lusíada, tinha as
portas abertas a este vantajoso comércio. Deste modo a ilha e os madeirenses
demarcaram-se nas iniciais centtirias pelo empenho na aquisiqão e com6cio
de tão pujante e promissora mercadoria do espaço atlântico. A ilha chegaram
os primeiros escravos guanches, marroquinos e africanos, que contribuíram
para o arranque económico do arquipélago. O comércio entre a ilha e os
principais mercados fornecedores foi uma realidade desde o começo da
ocupação do arquipélago sendo em alguns momentos fulgurante.
Uma associação possível poderá estar na curva evolutiva da produção
de açúcar e da libertação dos escravos. Aqui há uma perfeita consonância.
O numero de libertos evoluiu de acordo com a economia açucareira
madeirense. A crise da produção e combrcio de açucar, a partir do final do
6ltirno quartel do s6culo XVI, vai ao encontro do aumento do niimero de
alforrias, cuja curva ascendente se verifica a partir da década de vinte,
culminando no final da centiiria. O movimento inverso, na primeira metade
do século X W , poderá associar-se tamiGm a novo incremento da cultura da
cana-de-açúcar. Tudo isto provocado pela ocupação holandesa do estado &
Pernambuco. Este momento de afirmação dos canaviais foi curto e reper-
cutiu-se na curva das alforrias da segunda metade da centúria. Ao invés
a expressão geo@ca das alforrias é dissonante com a mancha principal
dos canaviais. Por isso é mais evidente no Funchal, Câmara de Lobos e
Caniço, Areas que estão muito Ionge de ser as de maior afirmação dos
canaviais.

TRABALHO PARA ESCRAVOS E LIBERTOS. O escravo aparece


i aqui ligado h cultura dos canaviais mas sem atingir a mesma proporção de
/ S. Tomé ou do Brasil: em 1496 a coroa dava conta da simbiose ao estabe-
lecer a proibição de venda, por dívidas, de bens de raiz "nem escravos nem
espravas", animais e aparelhos de engenho, permitindo apenas a troca nas
I, "novidades" arrecadadas. Noutro documento de 1502, acerca das águas de
regadio, o monarca refere que era hábito os proprietários mandarem "os
espravos e homes de soldada que tem de reger seus canaveaesW4.
A ligação do escravo h fase de cultivo e amanho dos canaviais também
pode ser atestada pela presença nas diversas tarefas ligadas i laboração
engenho. O regimento dos alealdadores de 15015 refere que os mestres e
leaidadores que fizessem açúcar quebrado sujeitavam-se a severas penas e
ordena-se que, caso eles fossem cativos, a coima correria pelo proprieiário.
Aqui o serviço dos escravos poderia assumir duas situações distintas:
ajudante dos oficiais da safra, ou os mesmos operários especializados. Em
1482, numa demanda sobre a qualidade do açccar "temperado". depõem
perante a vereação do Funchal os mestres de açiicar, Vaz e Andd Afonso: o
primeiro referia que, por ter estado ausente nas Canárias, um homem, seu
cativo, havia temperado o açúcar, enquanto o segundo, também fora da ilha,
havia entregue o mesmo trabalho a um moço que o servia de soldada.
A estes testemunhos, denunciadores da participação do escravo, como
serventes, na cultura e fabrico do açúcar também poderão juntar-se outros
que dernonsbam terem eles actuado na qualidade & oficiais de engenho:
primeiro tivemos os escravos canários que se apresentaram na ilha como
exímios mestres & açúcar, como se poderá verificar pela cautela posta em
1490 e 1505, quanto h sua expulsão. Desta época apenas ternos notícia de
dois escravos que foram mestres & engenho, e não sabemos se eram ou não
guanches: em 1486 Rodrigo Ana, o Coxo, da Ponta do Sol, estabeleceu em
testamento a alfonia de Fernando, mestre de engenho, e em 1500 no
testamento de João Vaz, escudeiro, refere-se um escravo seu, Gomes Jesus,
como mestre de aqúcar. Mais tarde, em 1605, é Jorge Rodrigues, homem
baço, forro, quem recIarna de Pedro Agrela de Ornelas três mil réis de
serviço que fizera no seu engenho em 16W7.

A.R.M. RGCMF,t. 1, fls. 262vo-269vo,regimento régio da 12 de Outubro, in AHM,


XViI (1973), doc. no 203, p. 356: Ibidem, t. 1, 98-98v0, carta régia de 25 de Fevereiro. in
Ibidem, no 258,429-431.
Ibidem, t. 1, fls. 83vo-94, regimento de 27 de Marqo, in Ibidem, no 2 4 4 1 2-413.
%.R.M., CMF, nm1297, fl. 45, vereação de 20 de Abril de 1482.
' A.R.M. RGCMF, t. 1, fls. 34v0, 36v0, carta de 9 de Março. in AHM, XVI (1973),
doc. no 145, pp. 241-242; Ibid~m,t. 1, fls. 107-107 v", carta régia de 22 de Janciro, in
Ibrdem, no 284, pp. 451-452. Ao contrário do que refere Manuela MARRERO ("De Ia
esdavitud en Tenerife", in Revista de História, n*. 100, 1952, 434) os escravos também
estiveram ligados à safra do açúcar, referenciando-se pelo menos um mestre de açúcar em
TeIde (M. LOBOCABRERA,Esclavos Indios en Catarias, Madrid, 1983 em separata,
p. 528, nota 55). AHM, 111, 1933, 154-159; A.R.M., Capelas, cxa. 1 18. no 4, testamento de
9 de Janeiro;Ibidem, no 684, tl. 370, testamento de 26 de Agosto.
Em 1601 Jean Moquet dá conta de que os escravos tinham uma activa
intervenção na faina dos engenhos, uma vez que o mesmo terá visto um
"grand nombre d'esclaves noirs qui travaillent aux sucres dehors la ville".
Certamente que a única particularidade do serviço dos escravos nos engenhos
madeirenses residia no facto de eles trabalharem de parceria com homens
livres ou libertos, destacando-se aqui os trabalhadores de soldada, em 1578
António Rodrigues, trabalhador, declara em testamento que havia trabalhado
sob as ordens de Manuel Rodrigues, feitor do engenho de D. Maria8.

ESCRAVOS COM E SEM AÇÚCAR. Em síntese, na Madeira, a exemplo


do que sucedeu nas Canárias, a mão-de-obra utilizada nos engenhos era
mista, sendo composta por escravos, libertos e livres, os quais executavam
tarefas diferenciadas, sendo os serviços pagos em dinheiro ou açúcar9. Neste
grupo de escravos incluiam-se os que pertenciam ao proprietário do engenho
mas também outros que aí serviam como gente de soldada. Também no
Brasil a mão-de-obra era mista, mas acontece que os escravos dominavam
estes serviços. Eles tanto podiam ser pertença do proprietário do engenho de
canaviais, ou de outrem, que os alugava. É aqui que se radica a principal
diferença entre a ligação do escravo ao açúcar na Madeira e do outro lado do
Atlântico. Em termos concretos quer dizer que a cultura da cana-de-açúcar
poderia subsistir na Madeira sem a presença do escravo. A sua presença, no
primeiro momento de afirmação da economia açúcareira prende-se com
diversos factores propiciados pela conjuntura quatrocentista. A Madeira
assume um papel importante no processo de descobrimento e ocupação da
costa africana, de tal modo que o Funchal é um porto fundamental de escala
dessas navegações e os naturais da ilha intervêm directamente no processo.
Desta forma abriu-se à ilha a rota dos escravos e ao madeirense a possi-
bilidade de fruição desta florescente força de trabalho.
De acordo com o sistema fundiário madeirense podemos definir dois
tipos de proprietários: de canaviais e engenhos. O canavial não era sinónima
da presença próxima do engenho. Este situava-se, por vezes afastado da sua
matéria-prima, adequando-se mais a condições extranhas ao ciclo açucareiro.
Assim sucede a sua presença nas encostas sobranceiras das ribeiras, para
melhor fruição da força motriz da água, ou dos locais com facilidade de

x Moquet, Voyages, liv. I, p. 50, cit. por V. M. GODlNHO, Os Descobrimentos e a


Economia Mundial IV, Lisboa, 1983, 201; A.R.M., Misericórdia do FuncllUl, n° 684,
fI. 539vo, testamento de 23 de Julho.
9 Alberto VIEIRA, O Comércio Inter-Insular nos séculos XV e XVI, Funchal,
1987,57.

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acesso ao mercado do açúcar. Daqui resulta a valorização de alguns locais
ribeirinhos, como Porto da Cruz, Machico, Santa Cruz, Funchal, Ribeira
Brava, Ponta de Sol e Calheta. São estas condições, que associadas i
capacidade financeira para o lançamento deste tipo de infraestmtura e para a
põr a funcionar, levaram a uma distinção clara de lavradores de cana e de
engenho. Os dados disponíveis, resultantes da escrituração para arrecadação
dos direitos da coroa., assim o revelam. Além disso a estrutura fundiiria
madeirense foi definida por formas particulares de domínio e exploriição dos
canaviais: no século XV foram os arrendamentos que, paulatinamente, foi
dando lugar ao original contrato de colonia.
São estas especificidades, como expressão evidente também no Brasil,
que revelam, em conjunção com as formas de exepressão da estrutura
fundiaria que revelam uma diferente e particular posição para o escravo no
decurso do cicio de cultivo e produção do açúcar. E aqui que assenta a
diferença do escravo madeirense em relação ao do outro lado do Atlântico.
Escravo não é assim sinónimo de canaviais e açiicar e tão pouco o
funcionamento dos engenhos dependerá da sua presença. Os dados que
conseguimos exaurir da documentação assim o revelam. A sintonia perfeita
de ztrnbas as realidades surge em momentos posteriores e tem por palco
outros espaços açucareiros.

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