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IMPRENSA EM TEMPO

DE GUERRA:

O JORNAL

E A GUERRA DO PARAGUAI

MARIA DE LOURDES DIAS REIS

4ª Edição
2008

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IMPRENSA EM TEMPO DE GUERRA:
O JORNAL O JEQUITINHONHA E A
GUERRA DO PARAGUAI

MARIA DE LOURDES DIAS REIS

2008

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© Copyright by Maria de Lourdes Dias Reis – 2003
1ª Edição - 2003
2ª Edição - 2004
3ª Edição - 2006
4ª Edição - 2008 - aumentada e reformulada

Todos os direitos reservados.


Proibida a reprodução desta obra, em seu todo ou parte, sem a permissão por escrito de
EDIÇÕES CUATIARA LTDA. ou da autora
cuatiara@terra.com.br
Belo Horizonte – MG

Coordenação Editorial: Glória Borges


Produção Editorial: Maxs Portes

Capa
Frontispício do jornal O Jequitinhonha em tela de Candido López (óleo sobre tela),
1891 - “O Acampamento de Curuzú”.
Col. Museu Nacional de Belas Artes - Argentina
Criação: Maxs Portes

Revisão: da Autora
Rua Itororó, 54 - (31) 3462-8970
30720-450 - Belo Horizonte
E-mail: ludiasreis@gmail.com

Ficha Catalográfica

Reis, Maria de Lourdes Dias


R375 Imprensa em tempo de guerra: o jornal
“O Jequitinhonha” e Guerra do Paraguai /
Maria de Lourdes Dias Reis. – Belo Horizonte:
Cuatiara, 2003. 4.ed. 2008
144p. : il.
Bibliografia – p.131 a 136

1. Imprensa – Brasil – História. 2. Jornal


“O Jequitinhonha”. 3. Guerra do Paraguai.
I. Título.

CDD: 070.110981
CDU: 070.12.(81)(091)

Bibliotecária Responsável: Maria Aparecida Costa Duarte CRB/6 - 1047

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AGRADECIMENTOS

Prof. Dr. Earle Diniz Macarthy Moreira


Profa. Elizabeth Guerra Parreiras
Profa. Maria Ephigênia Querino
Prof. Antônio Moura
Prof. Ciro Bandeira
Profa. Vânia Lourdes Rodrigues
Profa. Ivany Chagas Coutinho
Profa. Célia Carelli
Sr. Maurício Eustáquio de Oliveira, da Imprensa Oficial
Escritor Maxs Portes
Biblioteca Pública de Minas Gerais
Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro)
Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais
Cel. Carlos Alberto Carvalhaes
Hemeroteca de Minas Gerais, na pessoa do Sr. Édson
Livraria Carioca / RJ – Sra. Margarete Cardoso

Ao meu marido Paulo Reis, por toda ajuda.


Às minhas filhas, Letícia e Luciana pela colaboração no trabalho.
À minha mãe Sylvia e a todos da minha família pelo apoio.
A todas as pessoas que colaboraram na pesquisa e propiciaram a
publicação deste livro, antigo sonho acalentado.

Ao jornalista Joaquim Felício dos Santos que me proporcionou


trabalhar com o jornal “O Jequitinhonha” e descobrir um Brasil
e um momento de nossa História que os livros ainda não revela-
ram...

Maria de Lourdes Dias Reis

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SUMÁRIO

Preâmbulo ...................................................................... 9
Apresentação da capa do livro ............................................ 11
Prefácio à quarta edição ................................................... 13
Prefácio à terceira edição ................................................. 15
Prefácio ............................................................................. 17

INTRODUÇÃO ................................................................ 21

CAPÍTULO 1
Os livros sobre a Guerra do Paraguai ...................................... 29

CAPÍTULO 2
A Imprensa como fonte de pesquisa .......................................... 35

CAPÍTULO 3
A Imprensa na Guerra do Paraguai ............................................ 45

CAPÍTULO 4
Joaquim Felício dos Santos e o Jornal O Jequitinhonha ............ 63

CAPÍTULO 5
O jornal O Jequitinhonha e sua visão da Monarquia ................ 77

CAPÍTULO 6
A Guerra do Paraguai na leitura de O Jequitinhonha ................ 89

CAPÍTULO 7
Os Voluntários da Pátria .......................................................... 107

CAPÍTULO 8
A escravidão vista pelos jornais mineiros .............................. 117

7
CAPÍTULO 9
As notícias da guerra nos jornais mineiros .................................. 123

CONCLUSÃO ............................................................ 127

REFERÊNCIAS ......................................................... 131

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PREÂMBULO

E ste livro é uma versão ampliada da dissertação de Mestrado


intitulada “Imprensa em tempo de guerra: o jornal O Jequitinhonha e a
Guerra do Paraguai”, elaborada sob a orientação do professor, Dr. Earle
Diniz Macarthy Moreira e defendida na PUC/RS em dezembro de 2002,
após a conclusão do curso de História das Sociedades Ibero Americanas.
Possuidora de duas habilitações - História e Jornalismo - foi possí-
vel à autora, adotando uma postura crítica, atentando para as palavras, as
entrelinhas e até para os silêncios do jornal, transitar com desenvoltura no
terreno da pesquisa histórica, contemplando a imprensa do século XIX, no
enfoque da fascinante temática que é a Guerra do Paraguai.
Esta pesquisa exigiu um trabalho árduo de quase três anos bus-
cando subsídios em livros, revistas e jornais localizados nas cidades de
Belo Horizonte, Diamantina e Rio de Janeiro.
A necessidade de leituras constantes de obras ligadas ao assunto,
muitas delas já esgotadas nos catálogos de editoras e livrarias, obrigou a
garimpagem de livros em sebos e livrarias especializadas em obras raras,
como a Livraria Kosmos, no Rio de Janeiro.
A obra apresenta uma revisão historiográfica da Guerra do Paraguai
baseada no jornal O Jequitinhonha. O assunto, entretanto, além de vasto, é
muito buscado por pesquisadores, surgindo sempre novas publicações e é
possível que algumas possam passar despercebidas da autora.
Outra dificuldade encontrada no trabalho foi a reprodução de ima-
gens para ilustrar o livro, em forma de fotografias e caricaturas da época
devido aos embaraços de reprodução em obras raras, o que pode compro-
meter a qualidade do produto final.
Trabalhar com o Jequitinhonha foi fascinante, pois encontra-se, no
amarelado silêncio de suas páginas, fonte para compor um trecho da His-
tória de Minas pouco explorado.

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APRESENTAÇÃO DA CAPA DO LIVRO

O livro “Imprensa em tempo de guerra: o jornal “O Jequitinhonha”


e a Guerra do Paraguai”, lançado há um ano, teve boa acolhida, tanto da
crítica, quanto do público leitor, fosse ele leigo em História ou um historiador.
Muitas escolas – de segundo grau ou faculdades - adotaram o livro e
foram vários os convites para palestras e debates. Muitas alegrias foram
lançadas ao longo da estrada percorrida pelo livro - um retorno pelo esforço
da alentada pesquisa de vários anos.
Depois, ao admirar com detalhe e ajuda das técnicas modernas que
o computador nos proporciona, pude reparar e sentir com nitidez os detalhes
que a capa me proporcionava. Debrucei-me novamente em um estudo
profundo sobre a guerra e as imagens dela produzidas. Fascinou-me
particularmente a pintura de Cândido López, artista argentino que conviveu
com o conflito. O resultado foi uma surpresa de informações sobre o
momento que o quadro reproduzia.
A capa é baseada no quadro a óleo “O Acampamento de Curuzú
em 20 de setembro de 1866”, de Cândido López , produzido em 1891 e
localizado no Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires
(MNBABA).
Cândido López é um pintor argentino que participou da Guerra do
Paraguai como militar, atuando em vários combates onde perdeu a mão
direita. Após a guerra, aprendeu a manejar os pincéis com a mão esquerda
e produziu diversos quadros, entre 1870 e 1902, que retratavam episódios
do conflito e hoje são considerados precioso acervo iconográfico. Sua arte
apresenta lances da guerra como batalhas, tropas em formação,
acampamentos militares, hospitais e figura-se como sendo do tipo
impressionista, diferente das tradicionais pinturas ufanistas e épicas tão
usuais da época.
O acampamento de Curuzú era uma fortaleza militar paraguaia e
foi tomada após renhidos combates pelas tropas da Tríplice Aliança –
argentinas, brasileiras e uruguaias. Passa a ser então um acampamento
militar dos três países, localizado à margem esquerda do Rio Paraguai,
comandado pelo Barão de Porto Alegre, onde conviviam soldados
brasileiros, argentinos e uruguaios. Ficava pouco abaixo do acampamento

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paraguaio de Curupaiti e recebia constantemente cargas de ataques do
fogo dos canhões de tropas paraguaias.
Na capa do livro, baseada no quadro de Cândido López, pode ser
visto um momento no desenrolar da guerra tendo ao fundo navios aliados
sendo descarregados para abastecer o armazém do acampamento de armas,
munição e alimentos. Esse momento aconteceria dois dias antes do ataque
à Fortaleza de Curupaiti, em 22 de setembro de 1866, e se constituiria
numa das mais fragorosas derrotas das tropas aliadas (Brasil, Argentina e
Uruguai).
Na dobra (orelha) direita do livro podem ser vistos dois soldados
despidos, completamente nus dentro do rio, descarregando os sacos de
mercadorias que são carregados por outros soldados em terra. São notados
também soldados trajados de marinheiros (argentinos) e comandantes
militares vestidos de longos ponchos, certamente para fugir ao rigoroso
inverno da região.
Na contra capa, em primeiro plano, pode-se ver uma barraca em
tecido de lona branco listrado de azul, pertencente à República Argentina,
onde comandantes estudam mapas para montar a estratégia de ataque a
Curupaiti. As cabanas mais simples, de cobertura vegetal, pertenciam aos
soldados, enquanto que as de lona pertenciam aos oficiais e comandantes.
São vistas também bandeiras brancas e azuis, da República Argentina
e da República do Uruguai; verde e amarelas, do Império Brasileiro e em
tamanho menor, outras amarelas e vermelhas.
No centro inferior da contra capa aparecem vários militares de calças
vermelhas ao lado de grossas toras de madeira. São os “zuavos”, oficiais e
praças que vestiam uniformes vermelhos, copiando o fardamento do corpo
do exército francês na Argélia. Esses militares negros pertenciam ao 24o
Corpo de Voluntários da Pátria da Bahia, hábeis na luta corpo a corpo,
quando praticavam capoeira durante os combates, no que eram peritos.
Este batalhão foi depois desmobilizado devido às grandes baixas que sofreu.
Cândido López é um artista que merece ser melhor estudado e ter
sua magistral obra divulgada, principalmente na América Latina.

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PREFÁCIO À QUARTA EDIÇÃO

Missão Cumprida
Jornalista, ela é. Professora também... Poeta, e das melhores...
Escritora, mais do que conhecida. Folclorista... Seresteira... Mineira...
Tudo isso e muito mais integram a personalidade e ações de Maria
de Lourdes Dias Reis, melhor dizendo, a nossa Lurdinha Reis. E quando
se pensa que chegamos a uma definição, nova surpresa. É historiadora e o
livro “Imprensa em tempo de guerra - O Jornal O Jequitinhonha e a Guerra
do Paraguai” demonstra, em cada página, a acuidade e o seu destemor em
estudar um jornal de Diamantina e sua relação com o maior conflito bélico
em que o país se envolveu no Império.
Poderia parecer estranho um tema como este, mas, pesquisadora
que é e com um coração “tijucano” a palpitar no peito, ela sentiu que até
um pequeno jornal pode e deve exercer função importante em sua
comunidade, quando aborda fatos que a toquem diretamente. E, embora
pouca gente saiba, a Guerra do Paraguai atingiu diretamente o Tijuco que
teve 119 soldados, integrantes do 17º Batalhão de Voluntários da Pátria,
participando do episódio que ficou na História como a Retirada da Laguna.
Só isso justificaria sobejamente a análise de como um jornal
diamantinense “viu” a guerra. Maria de Lourdes, entretanto, não se atém
apenas a esse aspecto. Mostra, com minúcias e detalhamentos, como o O
Jequitinhonha aproveitou o histórico momento para projetar um futuro
diferente dessa própria História.
Ela mostra como o jornal alçou vôo do que chamaríamos de noticiário
comum para se posicionar e assumir uma visão crítica e republicana dentro
do Império.
Vai mais ainda a historiadora ao estudar e mostrar, direta e
indiretamente, as reações da imprensa diante dos fatos, exercendo funções
de informação, mas indo além e cumprindo, igualmente, um papel de
formação e, em determinados níveis, até mesmo de transformação de uma
sociedade.
Ler o livro de Maria de Lourdes Dias Reis é uma oportunidade de
entender melhor um momento da História na visão do que poderia ser
considerado um pequeno participante, mas que, ao cumprir a sua missão,
se agigante diante de nossos olhos, o jornal O Jequitinhonha.

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Nesta quarta edição, a autora fez um acréscimo substancial no livro,
com relação ao volume de páginas. Mereceu especial atenção o capítulo 7
“Os Voluntários da Pátria”, destacando os oriundos da cidade de Diamantina,
fruto de novas pesquisas
Sem academicismos, mas falando jornalisticamente, diríamos que a
nossa ex-aluna da PUC/Minas e companheira da Comissão Mineira de
Folclore, de serestas e de amor pelas coisas mineiras, travou o bom combate
e venceu a guerra. Seu livro cumpre os objetivos a que se dedicou: “Descobrir
um Brasil e um momento de nossa História que os livros ainda não
revelaram”.
Missão cumprida, Lurdinha!
Esta... Outras há pela frente.

Carlos Felipe de Melo Marques Horta


Jornalista, professor, folclorista e escritor
Abril / 2008

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PREFÁCIO À TERCEIRA EDIÇÃO

Ao jornalista e escritor
Joaquim Felício dos Santos,
inteligência lúcida das Minas Gerais
do século XIX,
produtor do jornal O Jequitinhonha.

A o publicar a terceira edição de “Imprensa em tempo de guerra


– o jornal O Jequitinhonha e a Guerra do Paraguai”, minha alegria é maior
que a do lançamento do livro. O motivo, depois de muitas leituras e pesquisas,
hoje conheço bem mais o jornal O Jequitinhonha e seu idealizador, o jornalista
Joaquim Felício dos Santos.
Apaixonei-me pelo espírito liberal e progressista deste mineiro cujo
ideal era a democratização do país, o desenvolvimento econômico e a
implantação da justiça social. Homem que sonhava com a abolição da
escravatura e a igualdade entre homens e mulheres neste Brasil mestiço.
Nacionalista por excelência, dedicava extremado amor ao país,
valorizando a natureza, as cores locais, nossas potencialidades e o elemento
humano, sobretudo o mameluco.
Nesta terceira edição foi acrescido e reformulado o 4º. Capítulo que
focaliza o jornal O Jequitinhonha e a biografia de Joaquim Felício dos Santos.
É ele o jornalista que escreve como um novelista em forma de
folhetim e aí deixa sua verve literária florescer, quando narra em linguagem
profética o que aconteceria no Brasil de hoje, mais de 130 anos depois de
seu tempo. Suas “Páginas da História do Brasil no Anno 2000” parecem
estar acontecendo hoje, quando temos a realidade de Brasília, quando se
coloca em pauta a discussão do melhor aproveitamento do Rio São

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Francisco e se prega tanto a necessidade de se educar o povo. São idéias
de Joaquim Felício que ele já abraçava há mais de cem anos.
Esta terceira edição é para mim, escritora e pesquisadora, a
descoberta maior deste gênio inquieto que foi Joaquim Felício dos Santos,
escritor de rara sensibilidade, jurista renomado, jornalista ligado à realidade
e, sobretudo, homem sensível às ansiedades humanas. Sem dúvida, um dos
maiores mineiros de todos os tempos que merece ser conhecido
nacionalmente.

Maria de Lourdes Dias Reis


Fevereiro/ 2006

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PREFÁCIO

VELHAS FONTES, NOVAS ABORDAGENS

À primeira vista pode parecer, para o leitor, este trabalho de


Maria de Lourdes Reis como mais um texto sobre a Guerra do Paraguai.
Isto porque não existe nenhum brasileiro, mesmo de pouca escolarização,
que não tenha ouvido ou se informado sobre os fatos que envolveram
nosso país no conflito com o vizinho, na segunda metade do século XIX.
Desde os primeiros anos da escola fundamental somos informados, bem
ou mal, sobre o conflito. Tais informações passam mais extensas para o
ensino médio e não deixam de serem relembradas nas comemorações
patrióticas, nos desfiles militares e outros eventos mais. Os fatos sobre a
Guerra do Paraguai são sempre recorrentes. Em centenas de cidades
brasileiras há sempre uma rua, uma praça, um busto que seja, a lembrar
o conflito. Nomes como Itororó, Tuiuti, Curupaiti são citados mas nem
sempre são minimamente situados. Mesmo professores de História pas-
sam algumas coisas absurdas para seus alunos. Ouvi uma vez, por exem-
plo, um pequeno grande engano. A batalha do Riachuelo por ser uma
batalha naval só poderia ter acontecido no mar, justificou um colega pro-
fessor de História. E assim, bem ou mal informados os brasileiros têm
alguma coisa para associar às efemérides da guerra que tão marcadamente
atingiram o Império Brasileiro, contribuindo para o final desastroso da
monarquia do Segundo Reinado brasileiro.
Ainda sem me referir ao livro de Maria de Lourdes Reis, preciso
lembrar ao leitor de dois outros textos que, na metade dos anos 1970/
1980, tornaram-se best-sellers nas livrarias do Brasil. Reapresentaram
o conflito e o principal envolvido Solano López, ditador do Paraguai.

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Mas o reapresentaram com graves acusações ao comportamento brasi-
leiro na guerra. O Brasil foi tido como um vilão, assassino de um povo, o
paraguaio, que realmente foi levado a iniciar o conflito, mas só o fez para
se defender, tendo sido vencido pelo disparate das forças: uma Tríplice
Aliança de argentinos, brasileiros e uruguaios. O atrevimento paraguaio
lhe custou caro. Teria sofrido mais de um milhão de mortos, informou o
autor de um dos textos de então. Tal morticínio aconteceu sobre o Paraguai
e seu povo por ter tido a ousadia de buscar desenvolver em liberdade
uma economia própria, independente, capaz de modificar as cada vez
mais fortes bases mundiais do capitalismo inglês. E o Brasil dos
macaquitos (nome pelo qual eram chamados pelo inimigo os soldados
brasileiros, em sua maioria negros) não titubeou. Desde logo esteve pronto
para defender os interesses britânicos, defendendo-o de um competidor
novo e desconhecido, porém capaz de modificar as relações de mercado
que pretendia livres. E nosso Brasil impediu o sucesso de Solano López,
um Napoleão do Prata, que só queria levar seu povo ao cenário interna-
cional. Assim, nosso país cometeu um genocídio contra o povo paraguaio.
Ah! nos anos 1970 vivíamos sob uma ditadura militar e qualquer
visão que denunciasse nosso viés militarista era válida. Ora, trabalhos
históricos sem maiores pesquisas e análises não são confiáveis mas, em
primeira mão convencem. Não foram poucos os professores, mesmo em
cursos superiores, que passaram a denunciar o genocídio do milhão de
paraguaios, elevado logo para perto de dois milhões, em um país cuja
população não seria maior do que quatrocentos e cinquenta mil habitan-
tes! Com certeza, um terço de sua população desapareceu com a guerra,
o que não foi pouco, nem justificável. Alguns anos se passaram até que o
livro “Maldita Guerra”, de Francisco Doratioto, fosse lançado e voltasse
a fazer uma análise equilibrada, correta e pesquisada dos fatos.
Assim exposta, a Guerra do Paraguai parece já ter atingido o es-
gotamento de fontes em termos de trabalhos acadêmicos, ou de novas
abordagens. É nesse espaço que se destaca o livro de Maria de Lourdes
Reis. Ela pesquisa e retrata um novo manancial de fontes para o estudo
da guerra. A autora demonstra em sua pesquisa um novo espaço, o da
visão da guerra e suas repercussões em regiões longínquas da capital
imperial e do cenário das batalhas. No caso, a visão da guerra vista longe
dos acontecimentos e das batalhas reflete as repercussões políticas e
econômicas no interior mineiro.

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Em Minas Gerais, na histórica Diamantina, a duzentas léguas do
Rio de Janeiro, Joaquim Felício dos Santos, liberal como Teófilo Otoni
(sua fonte de notícias do Rio de Janeiro), usava seu jornal O Jequitinhonha
e nele sua intuição social e política para denunciar a guerra, suas mazelas
e destruição.
Maria de Lourdes pesquisou o O Jequitinhonha nos números exis-
tentes sobre a guerra com minucioso cuidado. Visitou a Biblioteca
Nacional, procurou cobrir com leituras amplas em jornais paraguaios, os
assuntos como tratados por Felício dos Santos. Seu trabalho mostra,
mais uma vez, o adequado uso de jornais, como fonte histórica. E tais
fontes, quando bem pesquisadas, abrem para o tratamento das reper-
cussões políticas e econômicas dos acontecimentos da guerra – que for-
temente marcaram nossa história nacional – um novo campo. O estudo
de Maria de Lourdes busca no regional e nas charges jornalísticas, o que
foi o desdobramento da Guerra do Paraguai, no interior de Minas Ge-
rais. Coisa nova e que vale conferir.

Ciro Bandeira de Mello


Doutor em História da Educação – USP
Professor de História

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INTRODUÇÃO

A Guerra do Paraguai é um capítulo da História do Brasil em


que a imprensa brasileira teve papel de relevo, noticiando, relatando
acontecimentos e criando opiniões sobre fatos ligados a este conflito.
Os episódios da guerra eram divulgados nos vários jornais mineiros da
época - a maioria, conservadores e poucos, de cunho liberal. Também
eram focalizados pelos jornais brasileiros que circulavam nas principais
cidades do Império, São Paulo e na capital, o Rio de Janeiro ou melhor,
a Corte. Folheando as páginas destes jornais, o leitor, distante do confli-
to, pode recriar o pano de fundo da época, bem como pode ter a opor-
tunidade de delinear idéias sobre as tramas da guerra e a atuação de
figuras políticas ou militares envolvidas naquele evento.
Esta obra tem o objetivo de fazer a leitura e a interpretação do
jornal O Jequitinhonha, da cidade de Diamantina, cujo editor era o jor-
nalista Joaquim Felício dos Santos no período da Guerra do Paraguai.
Na perspectiva de ser um órgão antimonarquista, pretendia ser o porta-
voz do Partido Liberal e partia de uma área atingida por crise econômi-
ca, tendo a Guerra do Paraguai como substrato. Várias razões alimenta-
ram a vontade de realizar este trabalho com o jornal O Jequitinhonha:
apresentar um órgão de tendência republicana num país monarquista,
que era abolicionista, numa sociedade escravocrata e de tendência
anticlerical num ambiente, em sua maioria, católico. Ele reproduzia notí-
cias dos principais jornais da Corte, comentava, criticava o Império e
procurava mostrar outra realidade daquela época.
Sabe-se que Diamantina, naquele momento, segunda metade do
século XIX, se posicionava como uma das cidades culturalmente mais
ativas de Minas Gerais, sendo conhecida como a Atenas do Norte. Era
centro de referência cultural em todo o norte mineiro e sul da Bahia, com
grande preocupação com o ensino e a educação. Como exemplo disso,

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destaca-se a atuação de três educandários importantes: O Ateneu de
São Vicente (1852), o Seminário Arquidiocesano (1865) e o Colégio Nos-
sa Senhora das Dores (1866), possuindo todos eles, em seus quadros,
professores de alto gabarito intelectual, muitos deles europeus, em sua
maioria, franceses. Essas instituições de ensino foram criadas pelo bispo
D. João Antônio dos Santos, irmão de Joaquim Felício dos Santos. A
cidade se orgulhava de possuir elite intelectual, formada em cursos aca-
dêmicos do país e até da Europa, com muitos de seus filhos exercendo
cargos de importância social e política. Gabava-se, também, de ser uma
cidade hospitaleira, que recebia muitos visitantes brasileiros e estrangei-
ros, que cultuava a leitura, a música erudita e outros hábitos finos, seme-
lhantes aos dos europeus – influência principalmente da presença de por-
tugueses na região. “Por isso, uma elite intelectual, sedenta de conhe-
cimentos, de informações, valia-se da imprensa para colocar-se em
contato com o mundo das idéias, dos fatos políticos e sociais, da
modernidade já buscada com entusiasmo, nessa época” (FERNANDES,
2001: 32).
Do ponto de vista econômico, a cidade vivia o fim do fausto
do diamante, uma vez que sua economia estava em estado de es-
tagnação. A mineração não se constituía mais uma atividade eco-
nômica significativa e a pecuária e a agricultura estavam inviabi-
lizadas pela pobreza do solo. Diamantina agora tentava passar de
pólo minerador para centro comercial de uma rede de abasteci-
mento que atuava no sertão norte mineiro e baiano, embora as vias
de comunicação fossem precárias, como denunciava o próprio jor-
nal, em alguns editoriais. Ele reclamava da má qualidade das estra-
das, abandonadas pelo governo monárquico e do pouco aproveita-
mento do Rio São Francisco, como via navegável, rumo ao Nor-
deste.
Diamantina congregava também, nessa época, elementos ligados
ao Partido Liberal, como o líder político Teófilo Otoni, da Vila do Prínci-
pe, atual cidade do Serro, nas cercanias de Diamantina, ligada ao ciclo
minerador. Esses homens foram participantes da “Revolução Liberal de
1842”, massacrada pelas tropas do major Luiz Alves de Lima e Silva, o
futuro Marquês de Caxias, e envolveu cidades como Barbacena, Queluz,
Sabará, e Santa Luzia. O jornal O Jequitinhonha vai surgir através desses
homens, ligados ao movimento liberal e sob a liderança do advogado Joa-
quim Felício dos Santos, que remoía mágoas da derrota de 1842 e,

22
embora não tivesse participado deste episódio, guardava rancor do
autoritarismo de Caxias e não se conformava com o governo de D.
Pedro II.
Surgem então algumas indagações:

• Por que razão este jornal se intitulava O Jequitinhonha?


Ele se dirige ao povo do Vale do Jequitinhonha, do qual Diamantina
era a porta de entrada.
• Quais eram seus leitores?
A elite intelectual da cidade, muito sintonizada com os problemas
brasileiros. Escrevia também para mineiros residentes na Corte e, princi-
palmente, para pessoas alinhadas ao Partido Liberal, tanto de Diamantina,
como de cidades próximas.
• Quais suas intenções?
De modo claro e objetivo lutava com palavras, por meio de seus
editoriais, contra a Monarquia e a favor de uma mudança política e admi-
nistrativa do país, com a implantação do regime republicano.
• Em que época ele atuou?
Na década de 60 e 70, do século XIX, de 1863 a 1872, atingindo
o período em que eclodiu a Guerra do Paraguai (1864-1870).
Como Joaquim Felício dos Santos era jurista, homem culto e inte-
lectual, fazia discurso argumentativo, com todo um padrão lingüístico de
erudição, para buscar a adesão de seus leitores a suas idéias e às teses
que defendia. Para isso, usava de recursos em seus editoriais que só seu
preparo intelectual lhe permitia, como o uso de exemplos de figuras da
cultura greco-romana, da mitologia, referências a episódios da História
Universal, alusões a imperadores e a ditadores de vários países. Como o
latim era ainda uma língua difundida entre a elite intelectual, o editorialista
do jornal usou exemplos para melhor ilustrar alguns textos. Por fim, ele
marcou todos os editoriais de seu jornal com a tônica da ironia, com a
qual pretendia ferir a Monarquia e seu representante maior, o Imperador
Pedro II. “Assim, pode-se afirmar que Joaquim Felício teve intenção
clara de ridicularizar, denegrir a imagem de D. Pedro II e a dos seus
auxiliares no governo monárquico, usando ironias” (FERNANDES,
2001:136).

23
Do jornal O Jequitinhonha brotava ferrenha crítica à Monarquia
durante o Segundo Reinado. Seus editoriais sempre teciam comentários
negativos a respeito do regime monárquico e o desenrolar da Guerra do
Paraguai oferecia mais assunto para atacá-lo. Também apresentava tex-
tos de outros jornais – notadamente os da Corte, como, por exemplo, do
Jornal do Commercio, cujo assunto era quase sempre a guerra. Publica-
va, ainda, notícias de escravos fugidos e de objetos desaparecidos ou
roubados, fazia publicidade de artigos comerciais ou de trabalho de pro-
fissionais e fazia publicações de terceiros, a pedido.
Por estar geograficamente distante da Corte e longe de suas
benesses, podia assumir posição de independência e ser um jornal de
evidente oposição, colocando-se contra o Partido Conservador e assu-
mindo caráter de enfrentamento à Monarquia. Contrapunha-se tanto ao
governo Imperial como ao Provincial e aproveitava o momento da guerra
para atacar mais ainda o regime monárquico que deplorava.
A verificação da linguagem tão mordaz desse jornal, as condições
que permitiram seu surgimento e sua linha de atuação motivaram este
trabalho. Em princípio, a intenção era abordar apenas o papel da im-
prensa mineira na Guerra do Paraguai. Entretanto, ao contato com o
jornal O Jequitinhonha, percebeu-se nele um farto material sobre a Guer-
ra do Paraguai, tendo como pano de fundo o Segundo Reinado. Essa
leitura permitia vislumbrar as posições de um grupo liberal, seus anseios e
alguns contornos da Monarquia que já apontava sinais de declínio, ainda
leves, que se evidenciariam mais a partir de 1870.
As coleções existentes do jornal O Jequitinhonha encontram-se
localizadas na Hemeroteca de Minas Gerais, pertencente ao Arquivo Pú-
blico Mineiro (anos 1869 a 1871); em Diamantina, na Biblioteca Antônio
Torres (1868 e 1869); e duas coleções completas na Biblioteca Nacional
do Rio de Janeiro. Como corte temporal foram selecionados os anos
1869 e 1870, sendo, inclusive, os dois anos mais interessantes do jornal.
Este período marca o fim da guerra, quando o Brasil consolidou suas
vitórias, momento de grande ebulição política.
O periódico em estudo difere dos demais jornais mineiros contem-
porâneos pela tônica oposicionista à Monarquia e pela forma como usa o
motivo da guerra para atingi-la. Suas páginas chamam a atenção do leitor
e o levam a querer interpretar e fazer uma releitura de seus editoriais.

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Embora o jornal contenha informações da década de 60, do sécu-
lo XIX, notadamente do período em que ocorre a Guerra do Paraguai,
pode-se notar, algumas vezes, que possui fala progressista com tônica
até de modernidade que, em alguns momentos, parece ser dita e escrita
nos dias atuais. Exatamente por representar e assimilar o momento em
que a modernidade começa a se esboçar, permite uma comunicabilidade
fácil entre o leitor daquela época e o leitor de hoje.
O interesse pelo jornal O Jequitinhonha deve-se a seu gênero po-
lêmico e original ao abordar certas temáticas da época, além de
apresentar idéias que, ainda hoje, se revestem de atualidade, como
por exemplo, questionamentos sobre: cidadania, a necessidade de o Es-
tado investir na educação, liberdade política e a autodeterminação dos
povos, direitos humanos, além de denúncias sobre desvios de dinheiro
público.
O primeiro capítulo aborda a bibliografia da Guerra do Para-
guai. Procura apontar as obras tradicionais mais ligadas à histo-
riografia oficial, bem como as publicações recentes de tônica mais
imparcial.
O segundo capítulo mostra como a História Nova proporcionou
diferentes rumos à escrita da História, abrindo outras perspectivas de
abordagem. Contempla, também, a pesquisa na imprensa como impor-
tante meio para a criação de obras sob nova visão.
O terceiro capítulo aborda a imprensa brasileira e mostra de que
forma ela se colocava perante a guerra, divulgando fatos, reverenciando
figuras políticas ou, até mesmo, tecendo críticas, por meio do trabalho de
desenhistas e caricaturistas. Descreve também sobre a imprensa mineira,
os principais jornais do período que noticiaram a guerra, seu
posicionamento político e sua linha de atuação diante do conflito.
O quarto capítulo apresenta a biografia do jornalista e jurista Joa-
quim Felício dos Santos e sua atuação jornalística, política e literária.
Faz, ainda, análise do jornal O Jequitinhonha no contexto da imprensa
mineira e sua atuação na década de 60 e 70 do século XIX, período
conturbado da política brasileira.
O quinto capítulo mostra a visão que o jornal tinha da Monarquia e
repassava para o seu público leitor, notadamente no período compreen-
dido pela Guerra do Paraguai. Ao abordar a Monarquia, a idéia foi mos-
trar os emaranhados do regime político em vigor e como se manifestava
no cenário da guerra. Procurou-se apresentar com detalhes a fala do

25
jornal e, através desse enfoque, poder vislumbrar sua visão negativa do
regime político do Brasil.
O sexto capítulo apresenta os recortes e a abordagem que o jornal
fazia especificamente a respeito da guerra. Analisa a atuação dos chefes
políticos e militares, os problemas econômicos advindos da guerra, os
Voluntários da Pátria.
O sétimo capítulo foi sensivelmente aumentado, abordando os
Voluntários da Pátria. Faz-se também uma referência a respeito da es-
cravidão.
O oitavo capítulo mostra como a escravidão era vista pelos jornais
mineiros.
O novo capítulo demonstra como as cidades mineiras recebiam
as notícias do conflito, através dos jornais que circulavam entre elas.
Finalizando, apresenta uma conclusão geral, como expressão do
conhecimento histórico produzido e, complementando, são apontadas
as fontes bibliográficas e jornalísticas que alimentaram o assunto.
Este trabalho pretende mostrar, na prática, que a busca nos jornais
pode oferecer material para o historiador contextualizar uma época e
encontrar embasamento para delinear o entorno do fato histórico.
Seu maior objetivo, no entanto, é mostrar outra leitura da Guerra
do Paraguai, pela visão do jornal O Jequitinhonha, que apresenta as fa-
lhas da Monarquia perante os acontecimentos, seu autoritarismo no trato
com as questões, inclusive o Recrutamento de Voluntários e os gastos
públicos oriundos do conflito que acabaram por endividar o erário impe-
rial. A pesquisa mostra, ainda, a atividade de personalidades políticas e
militares com suas fraquezas, erros e indecisões, e, muitas vezes, as
desmistifica, como é o exemplo de figuras como Caxias, Visconde do
Rio Branco, e outras mais
A metodologia usada para a construção desta pesquisa foi o cami-
nho sugerido pela História Nova, privilegiando os jornais da época.
Pesquisou-se inicialmente na Hemeroteca de Minas Gerais onde estão
depositadas algumas coleções do jornal O Jequitinhonha. Ali, foi possí-
vel a leitura dos anos 1869 e 1870 que coincidem com o fim da guerra,
época delimitada pelo estudo. Foram transcritos trechos originais do jor-
nal, mantendo-se a grafia original da época, notadamente os que focaliza-
vam com mais ênfase a guerra. Paralelo a eles, foram apresentadas notas

26
explicativas para dar um maior entendimento ao discurso do editor do
jornal.
Foi realizado um levantamento bibliográfico nos principais acervos
mineiros e cariocas para subsidiar o estudo e para melhor conhecimento
do assunto focalizado, destacando-se a pessoa do editor do jornal, Joa-
quim Felício dos Santos, a cidade de Diamantina de sua época e também
o próprio jornal no contexto da imprensa do século XIX.
Pesquisou-se, ainda, no Arquivo Público Mineiro, onde se deu
destaque à imprensa mineira do século XIX, uma vez que, apenas neste
local, encontram-se livros raros e revistas que focalizam o assunto estu-
dado.
A autora teve oportunidade de pesquisar na Biblioteca Nacional,
no Rio de Janeiro, onde pôde encontrar farto material sobre a Guerra do
Paraguai e os jornais da Corte do século XIX que teciam comentários a
respeito deste assunto. Também pôde ter contato com jornais do Paraguai
e constatou que era uma imprensa artesanal, produzida com muito cuida-
do, que exortava o conflito e fazia comentários negativos ao Império e,
sobretudo, ao soldado brasileiro.
Fez-se uma abordagem metodológica para análise da imprensa como
fonte para a escrita da História e de que forma ela atuou no período
compreendido pela Guerra do Paraguai. Compararam-se os jornais do
período enfocado, no sentido de captar suas linhas ideológicas e seu
alinhamento político. Leituras de obras a respeito do assunto específico –
a Guerra do Paraguai, foram realizadas, bem como estudos e reflexões
sobre a conjuntura política do Segundo Reinado. Também foram lidas e
analisadas coleções de jornais mineiros, principalmente os da Capital da
Província, Ouro Preto, com o objetivo de tomar conhecimento de sua
linguagem e de se tecer comparação com o jornal focalizado.
Foi importante conhecer o contexto da cidade de Diamantina, centro
de atuação do jornal, com toda sua característica peculiar dentro do ce-
nário mineiro. Tornou-se notável como cidade refinada e erudita, dedicada
ao ensino e à educação. Percebe-se aí posição de independência e espí-
rito indômito, associados ao rancor guardado pelo desprezo do governo e
pelo estado de pauperismo da região. Para se entender melhor a alma
desse povo e o cenário local, foi preciso recorrer-se a leituras específicas
da história de Diamantina. No contexto desta cidade emerge a figura do

27
jornal O Jequitinhonha e sua atuação na região, bem como a de seu
idealizador, Joaquim Felício dos Santos, enquanto liderança política e filiado
ao Partido Liberal. Leituras que falassem especificamente desse jornal e
de seu proprietário foram de real valia para melhor entendimento do tema
a ser tratado. Abordou-se o papel da imprensa brasileira da época da
guerra, apresentando o posicionamento dos diversos jornais e o trabalho
que faziam no sentido de reverenciar o conflito ou condená-lo, enviando
mensagens através de desenhos e caricaturas, inclusive para a população
iletrada. Também foi apresentada uma visão geral da imprensa mineira, a
linha dos principais jornais que atuaram no período da Guerra do Paraguai
e seu posicionamento no conflito.
Através da leitura de O Jequitinhonha, fez-se um levantamento da
visão negativa que o mesmo tinha da Monarquia, bem como seu
posicionamento com relação à guerra, o papel dos Voluntários da Pátria,
sua postura perante a escravidão e de que forma as cidades mineiras
recebiam as notícias da época.
Contrário às versões existentes, busca esta obra apresentar nova
visão da Guerra do Paraguai, e dos personagens ligados a ela, dentro de
seu contexto histórico, baseada nessa fonte escrita que circulou na pro-
víncia de Minas Gerais, no século XIX, o jornal O Jequitinhonha.

28
CAPÍTULO 1
OS LIVROS SOBRE
A GUERRA DO PARAGUAI

A bibliografia a respeito da Guerra do Paraguai é muito varia-


da, dividindo-se em obras que se colocam a favor ou contra o episódio.
Selecioná-las e procurar seu peso e seu ponto de vista é um árduo traba-
lho. Há que se buscar, no entanto, fontes ainda intocadas para serem
exploradas. Assim, a imprensa pode ser uma delas, contribuindo e
elucidando dados sobre o século XIX brasileiro e latino-americano, con-
siderando-se que o jornal é uma fonte viva e o próprio retrato do seu
tempo.
As tendências historiográficas existentes variam entre autores que
exaltam a guerra e a participação do Brasil no conflito e outros que lan-
çam boa parte da culpa no Império Brasileiro, defendendo a posição do
Paraguai. Várias versões aparecem a respeito das causas do conflito,
procurando demonstrar com veemência suas razões. Desta pluralidade,
nasce uma historiografia sui generis, carregada de paixões, na maioria
das vezes parcial e ideologicamente comprometida e, por isso mesmo,
um campo de pesquisa em si.
A primeira versão, de tendência tradicionalista, é defendida por
militares que se dedicaram a escrever sobre este conflito1 . Para eles, as
causas da guerra estariam diretamente ligadas à personalidade megalo-
maníaca de Solano López, associada à sua vaidade pessoal e seu tempe-
ramento violento. Ele teria buscado pretextos para iniciar a sua grande
aventura militarista e atentatória à soberania dos povos do extremo sul
da América Latina.
Historiadores como Pedro Calmon (1958) e HélioVianna (1963), além
dos militares já citados, defendem esta tese. Eles apontam a ameaça
1 - Dionísio Cerqueira, Reminiscências da Campanha: 1865-1870; Tasso Fragoso, História
da guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai, Paulo de Queiroz Duarte, Os Voluntários da
Pátria na Guerra do Paraguai; Anatólio Alves de Assis, Pequena história da Guerra do
Paraguai.

29
à soberania do Império Brasileiro como um marco importante, colocan-
do o Brasil como vítima da agressão paraguaia.
Numa segunda versão, o Paraguai é visto como o líder da cau-
sa da unidade hispano-americana, em continuidade às lutas contra o
domínio espanhol e defensor de uma linha de desenvolvimento distin-
to do restante da América. Seu principal mentor é o escritor argenti-
no José Maria Rosa, em sua obra La Guerra del Paraguay y las
Montoneras Argentinas. Ele acredita que Solano López é o herdeiro
legítimo da luta pela causa hispano-americana, sucessor de Artigas,
Bolívar, San Martin e Rosas, que batalharam pela liberdade da Amé-
rica. Seus grandes rivais seriam a classe dominante portenha, a Inglaterra
e o Brasil imperial. José Maria Rosa coloca-se em sentido contrário ao
da historiografia tradicional e oficial e procura dar voz aos vencidos
(SALLES,1990: 22). Para Rosa, Solano López tinha o projeto de uma na-
ção forte e unida no Rio da Prata, em oposição ao Brasil, que herdara a
política de intervenção portuguesa no Prata e a reproduzia, contra seus
vizinhos hispânicos.
A terceira versão procura fazer uma revisão da Guerra do Para-
guai, defendendo a opinião de que as causas do conflito estariam as-
sentadas nas pressões do imperialismo inglês, usando o Brasil e a Argen-
tina para tentar destruir a via de desenvolvimento autônomo paraguaio.
Esta visão, também conhecida como revisionista, pretende fazer a re-
visão da história da Guerra do Paraguai, dentro de um viés marxista e é
defendida pelo historiador argentino Leon Pomer, que tem como segui-
dor mais próximo o jornalista brasileiro Julio José Chiavenatto com sua
obra Genocídio Americano. Esta tese parte do princípio de que a guer-
ra tem suas origens na expansão do capitalismo, notadamente, o inglês.
Pomer é categórico em afirmar que a guerra foi provocada por represen-
tantes do capital inglês, interessados na livre navegação no Rio Paraguai
e na destruição dos produtos industrializados paraguaios para poderem
comercializar livremente os seus. O autor argentino vai mais longe, quan-
do fala que as causas da guerra se assentam também no interesse de
banqueiros ingleses em financiá-la e querer prolongá-la por muito tempo.
Realça ainda o caráter singular da sociedade paraguaia, modelo diferente
e sui generis na América Latina, como mostra também Mauro César
Silveira.

30
O brasileiro Julio José Chiavenatto, jornalista, autor de Genocídio
Americano, livro que vendeu milhares de exemplares pela tônica de sen-
sacionalismo com que abordou o assunto, faz coro com Leon Pomer, ao
denunciar como causa da guerra o ataque brasileiro ao Uruguai, abrindo
caminho para a agressão ao Paraguai. Ele fala em cupidez do Império
Britânico que, após o fim do tráfico negreiro, queria que proletários con-
sumissem seus produtos. Aponta ainda o Brasil e a Argentina como
submetrópoles inglesas que importavam quase tudo da Inglaterra. O
Paraguai, por sua vez, era dono de rios navegáveis – vias de ligação
propícias ao comércio internacional e ficava também dominado pelo co-
mércio inglês. Ele coloca, como causa imediata da guerra, o ataque bra-
sileiro ao Uruguai, cujo presidente legal se recusara a fazer alianças com
o Brasil e a Argentina. Ele acredita que o Tratado da Tríplice Aliança já
estava planejado há cerca de um ano, monitorado pela Inglaterra e que o
ataque brasileiro teria apenas precipitado o início da guerra, que já era
um acalentado desejo inglês.
Esta tese também tem suas bases discutíveis e não encontra mui-
ta sustentação entre historiadores brasileiros e mesmo paraguaios, pois
superestima a influência inglesa na região platina e menospreza os
problemas fronteiriços que estavam em fase de definição.
Defendida por Pomer (1968) e repassada por Chiavenatto (1979), a
tese do revisionismo teve muita força nas décadas de 60 e 70 do século
XX no Brasil, coincidindo com o período dos militares, como forma de
protesto contra os governos autoritários que dominavam o país nesse
período. Doratioto (2002), em seu livro Maldita Guerra, um alentado
trabalho de pesquisa em arquivos de vários países e que se constitui numa
nova história da Guerra do Paraguai, afirma que havia “nas entrelinhas
de trabalhos revisionistas a construção de certo paralelismo entre a
Cuba socialista, isolada no continente americano e hostilizada pelos
Estados Unidos” (p.87). Era também uma forma de comparar os Esta-
dos Unidos dos anos 60 com a poderosa Grã-Bretanha do século XIX.
Dentro da mesma linha revisionista de Pomer e de Chiavenatto,
encontra-se ainda Eduardo Galeano (1978), que se preocupa mais em
fazer literatura, com As Veias Abertas da América Latina, em que re-
vela, de forma contundente, a exploração da América por parte de ou-
tras nações imperialistas. Ele mostra o desenvolvimento paraguaio base-
ado na exportação de seus produtos naturais, o que lhe permitia uma

31
balança comercial com superavit e uma moeda forte e estável, suficiente
para não recorrer ao capital estrangeiro, já que “o país não devia um
centavo ao exterior” (p.208).
O pensamento de Galeano (1978) se alinha ao de Pomer (1968) e
de Chiavenatto (1979), quando quer demonstrar que a Inglaterra se inte-
ressava em abarrotar a América Latina de produtos industrializados de
Manchester e de Liverpool e que o Paraguai era um modelo diferente
sul-americano.
O comércio inglês não dissimulava sua inquietação, não
só porque aquele último foco de resistência nacional, no
coração do continente, era invulnerável, mas também e
sobretudo, pela força do exemplo que a experiência
paraguaia irradiava perigosamente para os vizinhos
(GALEANO, 1978: 208).
Arremata, dizendo que a imprensa de Buenos Aires colocava em
López, entre outros, o título de Átila da América, fazendo analogia com
a figura do bárbaro.
A quarta versão historiográfica, de tônica mais atual, defende que
as causas da Guerra do Paraguai estariam diretamente relacionadas com
as questões de fronteira e a gestação das nacionalidades em torno do Rio
da Prata. Esta linha é defendida pelos historiadores Ricardo Salles (1990),
pelo inglês Leslie Bethell (1995), por Moniz Bandeira (1995), por Mar-
celo Otávio Basile (2000) e por Francisco Doratioto (2002). Todos dão
relevo às contendas surgidas entre os países circunvizinhos da região:
Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Eles minimizam a influência inglesa
na gestação da guerra e seus interesses em manipular o início e a conclu-
são do conflito a seu favor. Basile (2000) demonstra o mesmo pensa-
mento quando prova que o capital inglês não estava afastado do Paraguai.
Ali havia inúmeras casas comerciais britânicas, além de importações
paraguaias de tecidos, de artigos de ferro, de utensílios industriais, de
navios ingleses, entre eles, o Tacuary, que pertencia a Solano López e de
numeroso armamento bélico. Havia também a contratação de técnicos
ingleses para várias áreas. Estes autores mostram que o Brasil já era um
país consolidado politicamente, mas havia indefinição de fronteiras com
o Paraguai, limite com o Mato Grosso, na região dos rios Apa e Branco.

32
O historiador inglês Leslie Bethell (1995) afirma que havia supre-
macia comercial inglesa na América Latina, já que a nação britânica era a
principal detentora de empréstimos públicos na região. As elites políticas
e econômicas latino-americanas acolhiam bem a penetração britânica e
eram classificadas como elites colaboracionistas, pois aceitavam-na com
prazer (grifos do autor). Ele apregoa ainda as simpatias inglesas em rela-
ção ao Brasil e à Argentina e um certo sentimento racista contra o Paraguai.
Insinua também que a Inglaterra teria ficado neutra na guerra para tirar o
melhor proveito da ocasião, procurando ainda garantir a segurança de
seus súditos residentes no Paraguai. Assim, a guerra caberia exclusiva-
mente ao Brasil, à Argentina e ao Uruguai, enquanto o interesse inglês se
prendia ao levantamento de empréstimos a essas três nações beligeran-
tes e também para o próprio Paraguai, multiplicando de fato o capital
inglês sob a forma especulativa.
Na mesma linha da gestação das nacionalidades, encontra-se o
livro “O expansionismo brasileiro e a formação dos Estados do Prata”,
do Prof. Luiz Alberto Moniz Bandeira. Após percorrer brilhante carreira
como professor, no Brasil e em outros países, residindo na Alemanha,
teve acesso a inúmeros arquivos na Europa onde aprofundou pesquisas a
respeito das relações internacionais. Nesta linha de pesquisa, debruçou-
se intensamente sobre a política internacional na América Latina e publicou
o livro acima mencionado, agora em 2a. edição, fruto de novas pesquisas.
Moniz Bandeira traça um perfil das características da colonização
portuguesa no Brasil e suas relações econômicas e políticas com seus
países vizinhos e outros, como a Inglaterra.
O autor analisa o expansionismo da América portuguesa, que dilata
suas fronteiras, à procura de riquezas e de indígenas para escravizar e, ao
avançar em direção ao Sul, se choca com os jesuítas da região das
Missões. Neste cenário o autor mostra com detalhes as várias contendas
do Brasil com seus vizinhos na definição de suas fronteiras.
Em sua obra, Moniz Bandeira defende com vigor a tese de que a
Inglaterra não tinha interesse em liquidar a economia paraguaia para
sobrepor a sua, idéia esta, segundo ele, errônea e adotada por alguns
historiadores da tese revisionista. Mostra, ainda, que uma das causas da
Guerra do Paraguai seria o espírito megalomaníaco de Solano Lòpez e
seu despreparo para dirigir a nação guarani. Defende também que a guerra
durou cinco anos devido ao atraso das relações sociais e às condições

33
geográficas de isolamento do Paraguai, que permitiram a Lòpez resistir
ao poderio militar do Brasil. Demonstra, também, que a Inglaterra lucrou
muito com a Tríplice Aliança, realizando bons negócios com o Brasil, a
Argentina e o Uruguai, fazendo empréstimos que lhe renderiam altos lucros.
Desta forma, o Brasil ficou atrelado à Inglaterra por concessões feitas a
este país, sendo este um dos fatores que atrasaram sua evolução industrial
por muitos anos.
Francisco Doratioto escreveu em 2002, Maldita Guerra, traba-
lho consistente e resultado de longa pesquisa em vários países, e consi-
derado por vários historiadores como uma das melhores obras sobre o
assunto. Este livro, de 620 páginas, mostra que “a Guerra do Paraguai
foi fruto das contradições platinas, tendo como razão última a con-
solidação dos Estados Nacionais na região” (p.93).
Dilatando as análises acerca da temática que envolve a Guerra do
Paraguai, procurando ir além das linhas tradicionalistas ligadas ao
positivismo e, tentando superar também a linha economicista das inter-
pretações marxistas, a Nova História já começa a se debruçar sobre este
tema, produzindo obras de tônica bem originais. Podemos citar Mauro
César Silveira (1996) cujo livro A Batalha de Papel interpreta as cari-
caturas dos jornais da época. Wilma Peres Costa (1996) em A Espada
de Dâmocles analisa a crise do Império através do papel do exército.
André Toral (2001) criou uma história ilustrada e, em Imagens em De-
sordem, faz uma análise iconográfica sobre a guerra. Ricardo Salles após
a obra Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania, produziu o album
Guerra do Paraguai: Memória & Imagens, em que resgata fotos e
desenhos da guerra, extraídos de arquivos da Biblioteca Nacional.
Constata-se, pois, que muitos autores que escreveram sobre a
Guerra do Paraguai não tiveram a preocupação de analisar os jornais da
época, tampouco se ativeram em avaliar a participação da imprensa no
cenário geral do Segundo Reinado. Justamente nesta época, a imprensa
já se consolidava como força formadora de opiniões no Brasil, em meio
ao embate ideológico entre a Monarquia e os grupos republicanos, entre
os liberais e os conservadores, entre os abolicionistas e os escravocratas.
O jornal, sem dúvida, é importante fonte, pois revela a visão da
época sobre determinado evento, não podendo ser negligenciado. Se-
guindo a tendência que vem desde a década de 1980, no Brasil, a
interligação da História com outras fontes, entre elas, o jornalismo, pos-
sibilita abrir uma janela para um novo viés a ser explorado.

34
CAPÍTULO 2

A IMPRENSA COMO FONTE


DE PESQUISA

A escola da Nova História


– um novo modo de ver a História

A história tradicional, com forte perfil positivista, baseava-se es-


truturalmente no documento oficial escrito, sua fonte básica, sem o qual
não poderia haver credibilidade.
Em 1929, os historiadores Lucien Febvre e Marc Bloch produ-
ziram e lançaram em Estrasburgo, uma revista que pretendia fazer
verdadeira renovação na produção histórica: a revista internacional
Annales, que se tornaria “um meio de divulgar todas aquelas idéias
que abririam a história para as demais ciências” (MAROTTA, 1991:
35).
A partir de 1930, com a Escola dos Annales, uma modificação
substancial ocorreu na produção historiográfica, dando lugar ao que
se chamaria de Nova História, ou “Nouvelle Histoire”. Essa Nova
História “nasceu em grande parte de uma revolta contra a história
positivista do século XlX, tal como havia sido definida por algumas
obras metodológicas por volta de 1900” (LE GOFF, 1995: 28).
O autor afirma, ainda, que a Nova História pode contemplar
novos objetos, abrindo espaços para o reconhecimento de outras fon-
tes, que não as consideradas pela Escola Positivista, e proporcionan-
do novas opções ao historiador. Ela substituiu a História essencial-
mente dos textos escritos por outra baseada na multiplicidade docu-
mental: escritos de todos os tipos, documentos figurados, produtos
de escavações arqueológicas, documentos orais.
Febvre (1953) considerava essa renovação na História como se
fosse um ato de “derrubar as velhas paredes antiquadas, os amon-
toados babilônicos de preconceitos, de rotinas, de erros de concep-
ção e de compreensão”.

35
A luta de Lucien Febvre e de Marc Bloch vai de 1929 a 1939. Eles
combatiam, com veemência, a história política, que se caracterizava, so-
bretudo, por ser uma narrativa, uma história factual, cheia de persona-
lidades importantes, ídolos e heróis. Marc Bloch defendia a tese de que o
historiador deveria diante da confusa realidade fazer sua opção, o que
não significaria “nem arbitrariedade, nem simples coleta, mas sim,
construção científica do documento cuja análise deve possibilitar a
reconstituição ou a explicação do passado” (LE GOFF, 1995: 32).
Após a Segunda Guerra Mundial, os historiadores fizeram a Nova
História tomar novo rumo. Durante o período da guerra, a revista dos
Annales procurou ampliar seus horizontes, adotando novo título: Anais,
Economias, Sociedades, Civilizações. Como se vê, tudo escrito no plu-
ral, para marcar o pensamento histórico de Bloch quando afirmava: os
homens, não o homem. Com sua morte, em 1944, em pleno calor da
guerra, ele deixa como herança o reconhecimento de que “numa socie-
dade, qualquer que seja, tudo se liga e se comanda mutuamente: a
estrutura política e social, a economia, as crenças, as manifestações
mais elementares e mais sutis da mentalidade” (LE GOFF, 1995: 32).
Assim, os Annales queriam produzir “uma história não auto-
mática mas uma história problemática” (LE GOFF, 1995: 33). Pretendia-
se ter não apenas uma visão ocidental e europeizante, mas uma dimensão
internacional e que incluísse também as áreas periféricas, notadamente o
Terceiro Mundo.
Enfatizando essa postura, Le Goff diz com entusiasmo que é
mais importante estudar-se a “história dos homens, não unicamente
dos reis e dos grandes. História das estruturas, não apenas dos acon-
tecimentos. História em movimento, história das evoluções e das
transformações, não história estática, história quadro” (1995: 38).
Foi assim que surgiu o ramo da Nova História, denominado Histó-
ria das Mentalidades, da qual destacam-se os nomes mais expressivos:
Georges Duby, Jacques Le Goff e Roger Chartier. Essa nova modalida-
de acabou dando vida nova, oxigenando a História, que parece vestir
uma roupa nova e adaptar-se melhor aos tempos contemporâneos. A
Nova História vai buscar em outros campos – na literatura, na arte, na
Psicanálise, na Psicologia, na Antropologia Cultural, subsídios

36
para a criação de uma nova abordagem: a história do imaginário, das
mentalidades, a etno-história e até a ego-história. Para todas essas mo-
dalidades, o documento escrito não pode ser a única fonte. Novas mo-
dalidades de fontes passam a ser passíveis de pesquisas como a roupa, o
mobiliário, os registros civis, a iconografia com sua carga e simbologia,
os jornais com seus editoriais, notícias, comentários, anúncios, desenhos,
charges e caricaturas. Assim, vai ser acolhida pela Nova História, como
fonte importante para a historiografia, a imprensa escrita, e também a
imprensa ilustrada. Nessa trilha, é que muitos pesquisadores do campo
das ciências humanas têm enveredado, trabalhando com o jornalismo de
determinado período (LE GOFF, 1995).

O jornal como fonte de pesquisa

Desde seu surgimento, a imprensa sempre se colocou como for-


ça política, às vezes manipulada, outras temida, mas sempre respeitada
pelos governos. Os jornais registram o cotidiano, comentam o dia-a-dia
das comunidades e acabam por participar da própria história do povo.
Para José Marques Melo (1972), há alguns anos, “os jornais eram
considerados como fontes suspeitas para estudos científicos” (p.33).
Hoje, no entanto, os jornais são aceitos como fonte de pesquisa em di-
versas áreas, inclusive no campo da História. José Honório Rodrigues
(1970) entendia que o jornal deveria merecer consideração maior dos
historiadores, por ser importante fonte de informações. Quando o histo-
riador pesquisa jornais antigos, ele depara com uma história passada que,
à primeira vista, pode parecer morta, acabada, pronta. No entanto, ela
está ali, palpitante, à espera de alguém que lhe dê vida, oferecendo da-
dos sobre a sociedade, seus usos e costumes, informações sobre ques-
tões econômicas e políticas. Através deles, pode-se captar o momento
histórico, tomar conhecimento das idéias que circulam pelas colunas, edi-
toriais, anúncios e até pelos desenhos e caricaturas.
Wilhelm Bauer (1970), estudioso do papel da imprensa, trabalha
com a idéia de que o jornal é uma verdadeira mina de conhecimentos,
fonte de sua própria história, meio de expressão de idéias e ainda um

37
depósito cultural. Ele afirma que “a imprensa é como um diário de sua
época, cuja consulta é necessária às gerações futuras, inclusive para
descobrir os mais finos estímulos de vida pretérita”.
No livro A pesquisa em História, as autoras acreditam que “o
historiador pode fazer um trabalho usando a música, o desenho, a
literatura e a foto”. Apontam, ainda, que se “pode fazer uso dessas
linguagens, enquanto formas de comunicação do seu próprio traba-
lho, pois uma linguagem não consegue expressar integralmente a
outra” (VIEIRA, PEIXOTO, KHOURY, 1991:51).
Sabe-se que muitos historiadores utilizam a literatura, fotos,
desenhos e até a caricatura para trabalhar no campo da História. No
tema específico tratado, a Guerra do Paraguai, alguns pesquisadores
apontaram como objeto de seu trabalho a fotografia e a caricatura.
André Toral (2001) realizou um estudo no qual analisou as primeiras foto-
grafias surgidas no Brasil e nos países envolvidos. O jornalista Mauro
César Silveira (1996) fez uma pesquisa em torno do papel das caricaturas
existentes nos jornais brasileiros e paraguaios que circularam naquele pe-
ríodo.
Um dos primeiros pesquisadores brasileiros a utilizar a impren-
sa como produto de pesquisa foi Gilberto Freyre (1963), tanto no campo
da História como no da Sociologia, usando essa fonte também para o
estudo das influências culturais européias no Brasil. Ele próprio fala
do papel dos jornais para a historiografia brasileira. Acredita que quem
tiver paciência – que ele chama de pachorra – de folhear a coleção
dos jornais do século XIX, vai concluir que, muito mais que nos li-
vros de História do Brasil ou nos romances, a história deste período
está contida nos jornais.
Não deixamos de recorrer aos anúncios de jornais da épo-
ca, às chamadas solicitadas nos mesmos jornais; às notí-
cias de falecimentos, aniversários, casamentos, tanto
quanto às políticas e às crônicas sobre assuntos econô-
micos e financeiros; às revistas ilustradas , às revistas
para crianças, às caricaturas (FREIRE, 1963: 251).

A crônica surge no jornalismo brasileiro como folhetim, no sé-


culo XIX. Era um espaço que os jornais reservavam, semanalmente,
para os fatos acontecidos naquele período. Essa redação era confiada

38
a escritores, a ficcionistas ou a poetas. Escritores como Francisco
Otaviano, José de Alencar, Raul Pompéia, Coelho Neto figuravam,
quase que diariamente, nas páginas dos periódicos da Corte como A
Vida Fluminense, Jornal do Commercio, Opinião Liberal e outros,
com crônicas, editoriais, trechos de peças teatrais e até com poesias.
São citados esses nomes, sem, no entanto, se esquecer do grande cro-
nista de jornal, Machado de Assis que, diariamente, escrevia suas im-
pressões sobre a Guerra do Paraguai e a ação da Monarquia no Prata. O
trabalho do autor de Esaú e Jacó, nesse sentido, é pouco conhecido do
público. Sua escrita tinha tônica bem parcial, sempre defendendo a
Monarquia e buscando atingir a figura de Solano López. Este é um Ma-
chado de Assis que merece ser pesquisado sob um novo ângulo. É ele o
jornalista de crônicas diárias nos jornais da Corte, nas quais se torna um
legitimador da guerra, usando com maestria a função social do escritor,
“manipulando habilmente os temas da civilização contra a barbárie”
(ALAMBERT, 1995). Machado de Assis assume um discurso contra o im-
perialismo paraguaio, procurando atingir o “tirano” Solano López. Ata-
cava também a imprensa européia que tentava denegrir a imagem brasi-
leira.

Os historiadores literários explicam que os escritores da


época, não tendo condições de viver da literatura, recor-
riam à imprensa como fonte de sustentação. A imprensa
pagava mal, mas pagava em dia. E era também uma opor-
tunidade para que os homens de letras conquistassem um
público permanente (MELO, 1985: 113).

Confirmando isso, cita-se Freyre (1962) que define bem a parti-


cipação dos escritores que atuavam na imprensa e que podiam atuar
também na vida da nação:
Raros assim nessa época, os escritores que não se fize-
ram notar pela sua presença nos jornais ou nas revistas;
que ao gosto ou empenho pela criação artística ou literá-
ria não juntassem o desejo de influir na vida nacional;
de atuar sobre o público; de participar da política; de
intervir na discussão dos problemas do dia (p.249).

39
Alguns militares também apareciam como jornalistas ou escritores,
podendo até ser considerados como verdadeiros correspondentes de
guerra, durante o conflito com o Paraguai, destacando-se entre eles,
Alfredo de Taunay (o Visconde de Taunay), Augusto Tasso Fragoso,
Dionísio Cerqueira e até o mentor republicano Benjamim Constant, com
suas cartas dirigidas a amigos e à família. Muitos destes escritos, com-
postos no próprio campo de batalha, durante o calor da guerra, foram
mais tarde transformados em livros, constituindo-se fontes preciosas para
o estudo do episódio, como também puderam marcar a literatura brasi-
leira. Bons exemplos são os livros de Taunay, A Retirada da Laguna e
Memórias, considerados clássicos da literatura brasileira.
Entretanto, o uso do jornal como fonte histórica apresenta vários
embaraços para o historiador como a falta de acesso a esse tipo de ma-
terial em arquivos e bibliotecas, a má conservação dos mesmos, cole-
ções que nem sempre são completas e a linguagem, às vezes, não muito
clara dos jornais mais antigos. Isso é devido ao lapso cronológico-cultu-
ral que existe entre o leitor e o redator. Isso já levou vários pesquisadores
a ficarem desanimados com o trabalho em jornais antigos. No entanto,
atualmente, muitos têm enfrentado o desafio e vêm buscando nos jornais
material para compor suas pesquisas, criando trabalhos bastante origi-
nais.
Além disso, o historiador tem que se deter em algumas preocu-
pações, tais como: analisar a linha do jornal, se este é um porta-voz
oficial ou de oposição ao governo, quem são seus proprietários e
seus redatores; pesquisar, ainda, quais os objetivos e os recursos usa-
dos para conquistar o público leitor; enfim, traçar um perfil do jornal
ou dos jornais a serem analisados.
No Brasil, há uma gama de escritores que fizeram uso do jornal
como fonte para a escrita da História. Destaca-se entre eles, Magalhães
Jr., que escreveu vários livros abordando fatos da Monarquia Brasileira,
inclusive a Guerra do Paraguai2 . Evidenciam-se também sociólogos como
Florestan Fernandes, Roger Bastide, Domingos Vieira Filho e Vicente
Salles que se serviram da imprensa como fonte para suas pesquisas. Na
linha política aliada à sociologia, o grande nome é, ainda sem dúvida, o
de Gilberto Freyre, pela busca incessante aos jornais de época (MELO,

2) Dos livros de Magalhães Jr. destaca-se O Império em chinelos.

40
1972). Mais recentemente, destaca-se Lilia Schwarcz (1998), com a obra
As barbas do imperador, na qual faz um trabalho antropológico em tor-
no do segundo imperador, usando também a imprensa como fonte de
busca de material.
A importância dos jornais para as pesquisas de História é ressal-
tada pela autora de A imprensa e história do Brasil:

Nas últimas décadas, observa-se, no Brasil, um crescente


interesse com relação a esse tipo de documento. Ao re-
pensarem o seu objeto, os historiadores vencem os recei-
os e preconceitos, passando a reconhecer a importância
da imprensa nos estudos históricos. Várias pesquisas têm
sido realizadas nesse campo, mas o terreno começa ape-
nas a ser desbravado, necessitando ainda de muitas con-
tribuições para que se torne fértil (CAPELATO, 1988: 14).

A leitura dos jornais pode oferecer ao pesquisador uma visão


de embates sociais e políticos de determinada época, bem como das
idéias que envolveram aquele momento. O pesquisador pode se ater
à sua análise, detendo-se em algumas partes essenciais como nos edi-
toriais, os noticiários ou os artigos de fundo, o setor opinativo do
jornal.
Esse mesmo jornal que oferece todo um contexto para uma
leitura no campo político e social, pode permitir ainda outras leituras
da vida cotidiana, através da observação dos costumes, das práticas so-
ciais e até das manifestações do folclore que estão registradas no dia-a-
dia de suas páginas. Para isso, o pesquisador pode se remeter a espaços
do jornal tais como: colunas sociais, ilustrações, caricaturas, sessões de
lazer e até publicidades.
Não só a notícia escrita pode servir de suporte ao historiador
para contextualizar uma época e fazer reviver representações de per-
sonagens e de acontecimentos do passado. Também a imagem ilus-
trada, o desenho, a charge, a caricatura, podem retratar ou até satiri-
zar uma época ou personalidades históricas. Esse conjunto pode servir
de suporte ao historiador para criar suas novas histórias.
Aceitamos como válida, no entanto, a autonomia da opi-
nião ilustrada (caricatura) por se tratar de uma forma de
expressão que ficou reduzida à imagem no nosso jornalis-

41
mo, mas que no passado foi bastante exercitado através
do texto, quando os jornais não dispunham dos recursos
da estereotipia (MELO, 1985: 46).
A caricatura começou a se agregar ao jornalismo a partir da
evolução da composição gráfica do jornal, desde quando este foi se
popularizando como meio de comunicação e se incorporou à vida
das pessoas. A litografia, isto é, a reprodução de figuras através da
impressão em placas de pedra, deu valiosa ajuda à criação da carica-
tura como elemento agregado ao processo de produção do jornal.
Por volta de 1830, surgiu na França o jornal La Caricature pu-
blicando imagens desenhadas que complementavam os textos escri-
tos. Este recurso da caricatura fazia com que os jornais ganhassem novos
leitores, muitos iletrados. Para eles, percorrer as páginas de um jor-
nal era algo emocionante, que informava e contava histórias através
das ilustrações.
A caricatura tem caráter opinativo, pois a imagem leva o leitor
à formação de uma concepção. A palavra caricatura é de origem ita-
liana, caricare, que significa satirizar, ridicularizar, criticar.
O jornalista Mauro César Silveira se debruçou sobre o tema
das caricaturas nos jornais do Segundo Reinado e produziu o livro A
Batalha de Papel, onde faz uma leitura semiótica do assunto e diz:

A arte cômica tem se apresentado ao historiador como um


objeto enigmático que não permite assimilação linear. Sua
forte presença na imprensa eleva o grau de aferição dos
temas que envolvem o poder político e econômico. No caso
brasileiro, marcado por relações de dependência entre os
meios de comunicação e o Estado, então o potencial
revelador aumenta. Este é um aspecto importante a ser
considerado quando se constata que a caricatura tam-
bém foi uma arma utilizada na guerra do Império Brasi-
leiro contra o Paraguai (SILVEIRA, 1996:23).

Outro trabalho interessante que tem a caricatura no Segundo Rei-


nado como tema central é o livro de Araken Távora, D. Pedro II e o seu
mundo através da caricatura, onde retrata a atuação dos caricaturistas
nos jornais e revistas da Corte. Ele mostra como a figura de Pedro II era

42
um prato cheio quase diário nos jornais e de que forma o cenário político
da época era explorado pelas caricaturas.

Acredito que a caricatura se proponha muito mais a cap-


tar algum traço fisionômico que outra coisa menor. Tro-
cado em miúdos, isso significa dizer que o importante é o
traço que capte o elemento decisivo para a identificação
daquilo que foi retratado (TÁVORA, 1975:7).

Para Mauro César Silveira, a caricatura no contexto histórico


sempre foi explorada e respeitada nos países europeus e até conside-
rada como documento histórico. No Brasil, no entanto, ela ainda
aguarda dias melhores e espera por sua legitimação como fonte, mas
acredita-se que oferece um campo fértil de trabalho para a História, a
Sociologia e as pesquisas acadêmicas. Este autor acredita que alguns
pesquisadores já contemplam a caricatura como objeto de seus traba-
lhos e espera-se que, em futuro próximo, ela esteja em patamar digno
de sua importância histórica e literária. Prova disso é que a imprensa
brasileira, à época da Guerra do Paraguai, é muito rica de símbolos.
Seja em forma de desenhos, litografias ou de caricaturas vão alimentar o
imaginário brasileiro e fazer criar uma idéia em torno de personalidades
políticas e militares, tanto brasileiras quanto paraguaias, desse período,
tanto exaltando-as como execrando-as.
Buscar o trabalho da imprensa no período da Guerra do Paraguai
é tarefa, além de instigante, bastante rica e envolvente, que permite
ao pesquisador encontrar inúmeros caminhos, seja através de dese-
nhos, de caricaturas ou notícias dos jornais.
Encontrar esses caminhos é um desafio que o pesquisador fará
a si próprio, desatando nós que a História do Brasil nos oferece com
fartura. Desatar esses nós é, ao mesmo tempo, desvendar caminhos
novos na historiografia brasileira. Um desses nós é apresentado ao
historiador pela pesquisa na imprensa, proporcionando oportunida-
des de trabalho e é um campo novo a ser buscado na historiografia.

43
44
CAPÍTULO 3

A IMPRENSA
NA GUERRA DO PARAGUAI

A imprensa brasileira

A imprensa sempre foi considerada como força política. Exal-


tada por uns e criticada por outros, anda par e passo com o poder, po-
dendo manipulá-lo ou mesmo ser manipulada por ele. A grande imprensa
quase sempre foi o porta-voz mais atuante das elites, embora outros ti-
pos de imprensa, inclusive as alternativas, possam clamar pelos oprimi-
dos. Pode se constituir como um instrumento de manipulação de interes-
ses públicos ou particulares e tem a capacidade de intervir na vida social.
Ela tanto pode curvar-se aos governantes, legitimando regimes políticos,
como pode ser agente de expressão de grupos menores, das classes
trabalhadoras e da oposição em geral. A imprensa registra a vida cotidi-
ana e acaba por se tornar espelho dos aspectos sociais, políticos e eco-
nômicos de uma certa época. Ela coloca no mercado um produto valio-
so: uma voz que tanto pode ser agente da classe dominante como tam-
bém ser atuante instrumento de denúncia. A imprensa brasileira não foge
a essa regra (SODRÉ, 1966).
A imprensa brasileira surgiu no Brasil, sob a proteção oficial, com
a vinda da Corte Portuguesa, em 1808, através do Ato de 31 de maio
que permitia a “Impressão Régia, onde imprimia exclusivamente toda
a legislação e papéis diplomáticos”. Depois, em setembro do mesmo
ano, permitiu a publicação do primeiro jornal brasileiro, “A Gazeta do
Rio de Janeiro, de cunho oficial (SODRÉ, 1966: 22-23). Era uma imprensa
ainda tímida, quase artesanal, alinhada ao governo lusitano no Brasil.
Porém, as lutas pela independência deram nova vida à imprensa que se
dividia em torno dos que temiam a revolução, a cisão, e entre os que
lutavam pela autonomia política, com a separação de Portugal.

45
O Primeiro Reinado conheceu um tipo de imprensa não oficial que
se alinhava como voz libertária contra o autoritarismo imperial e se mani-
festava também nos primeiros pasquins. As contendas políticas dos últi-
mos anos do Primeiro Reinado foram marcadas pela atuação da impren-
sa, combatendo, sem temor, os desmandos do primeiro Imperador, no-
tando-se intensa atuação dos jornais da oposição e proliferação visível
dos pasquins. “As paixões políticas estão retratadas nos pasquins,
mais do que nos jornais dotados de certa continuidade e estabilida-
de” (SODRÉ, 1966: 143).
Após a Abdicação de 7 de abril de 1831, já no Período Regencial,
a atuação da imprensa também foi marcante e, embora ainda conservas-
se as características artesanais, era veículo de denúncias, quase sempre
ligado aos movimentos libertários e revolucionários.
No Segundo Reinado, a imprensa teve grande desenvolvimento e
surgem jornais importantes ligados ao governo como A Vida Fluminense,
Jornal do Commercio, Semana Illustrada, Opinião Liberal e outros,
nos quais atuaram nomes de prestígio ligados à literatura e ao teatro.
O jornal Noticiador de Minas, de Ouro Preto, chega a falar que a
imprensa no Brasil era o quinto poder. Isto porque, durante o Império
havia quatro poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador –
este, da exclusiva competência do Imperador. Portanto, na opinião deste
jornal mineiro, a imprensa tinha tanta força, que chegava a agir como um
poder a mais. E, ainda, que “o jornal deveria velar constantemente
pelo bom desempenho dos nossos deveres, denunciando abusos e
que o jornal deveria ser o primeiro agente da segurança pública”
(NOTICIADOR DE MINAS, 15 de março de 1869).
A Guerra do Paraguai e, posteriormente, as lutas pela abolição e
pela república marcaram a atuação da imprensa dos fins do século XIX
como arma política rica de protestos e de reivindicações. A imprensa
brasileira teve atuação muito importante durante a Guerra do Paraguai.
Numa época em que a fotografia estava nascendo e não freqüentava
ainda as páginas dos jornais, a caricatura desempenhou o papel de levar
mensagens e fatos do conflito a uma população, em sua grande maioria
iletrada, que tinha na imagem sua idéia maior. Alguns jornais e revistas
ilustradas ofereciam uma visão pouco diferente da realidade brasileira.
Proporcionavam a popularização de muitas figuras políticas importantes
da época e visualizavam fatos ligados à vida da nação. “Em tempos que
a fotografia ainda era um privilégio de raras pessoas, mesmo entre

46
as mais abastadas, as primeiras imagens impressas provocaram imen-
so furor” (SILVEIRA, 1996: 40). Segundo o autor, oferecia-se, assim, uma
possibilidade de leitura visual para um “grande contingente de analfa-
betos do país”, quando depõe sobre o primeiro recenseamento da histó-
ria brasileira, datado de 1872, mostrando um índice de 15,75% de alfa-
betização, para uma população aproximadamente de 10 milhões de ha-
bitantes.
A partir das revistas ilustradas, os leitores brasileiros, prin-
cipalmente do Rio e de São Paulo, podiam, finalmente
“ver” os acontecimentos na imprensa. O impacto das ima-
gens era flagrante: figuras chegavam a ocupar inteira-
mente as páginas das publicações, contrastando com a
diagramação pesada dos grandes jornais e suas intermi-
náveis colunas de textos (SILVEIRA, 1996: 42).
Os jornais brasileiros apresentavam tanto um trabalho ostensi-
vo como silencioso - uns faziam o jogo do governo como órgãos oficiais,
defendendo a Monarquia e a guerra, outros, como voz de denúncia,
mostrando a demora do conflito e as mazelas do Império. Uns justifica-
vam o papel do Brasil no conflito, acusavam a República Paraguaia e o
seu povo; outros, atacavam o Império Brasileiro, taxando-o de dominador
e colocavam os paraguaios como vítimas. De acordo com Sodré (1966:
232) “A guerra não teve, no Brasil, em toda a sua longa duração, boa
imprensa”.
Magalhães Jr. (1957: 82) defende a opinião de que a imprensa
teve a maior liberdade no governo de Pedro II, quando diz que: “Os
caricaturistas durante o Segundo Reinado gozaram da mais ampla
liberdade, apresentando o imperador como bem entenderam”. Ele
mostra como políticos de relevo como Barão de Cotegipe, Visconde
do Rio Branco, Visconde de Ouro Preto, Visconde de Itaboraí e outros
eram ridicularizados e ironizados de todas as formas. Até figuras sisudas
como Caxias e Osório desfilavam nas páginas dos jornais e pasquins em
forma de caricaturas que os espezinhavam e criticavam. Estes militares
nunca se manifestaram contra os jornais que os atacavam. O mesmo
acontecia com o Imperador Pedro II que nunca tomou atitudes de re-
pressão em relação aos ataques da imprensa e que até se divertia com as
caricaturas que pululavam nos jornais, retratando-o de maneiras diver-
sas.

47
É preciso, também, que se faça justiça ao principal dos
enfocados - o Imperador: a liberalidade de Pedro II, sua
extraordinária capacidade de entender o aspecto inteli-
gente das críticas que lhe faziam, a sua larga visão de
homem que não se utilizou do poder para impedir as
irreverências contra ele cometidas (TÁVORA, 1975: 12).
Os caricaturistas que atuavam nos jornais do Segundo Reinado se
divertiam com a figura do Imperador, um homem alto, de pernas finas,
com uma testa proeminente e larga, chegando até a ser exótica e a re-
produziam de forma jocosa, para alegria dos leitores.
Ao mesmo tempo em que os caricaturistas acentuavam
esses traços físicos, alguns hábitos do Imperador como,
por exemplo, seu interesse pelas ciências (particularmen-
te, pela astronomia), sua presença constante nos colégi-
os e instituições culturais e o fato de ser surpreendido,
constantemente, cochilando eram motivos para inúmeras
charges (TÁVORA: 1975: 20).

Caricatura de D. Pedro II veiculada no jornal A Semana Illustrada mostrando


um de seus cochilos (Fonte: TÁVORA, 1975: 23)

48
Como se vê, nem sempre a figura do Imperador foi tratada com o
devido respeito, o que comprova a forma como as caricaturas pululavam
nos jornais do Segundo Reinado, notadamente os da Corte. Os jornais
divertiam o povo através das caricaturas que faziam irreverências com o
Imperador. “Irreverências que, por sua vez, chegavam aos limites do
atrevimento, ao apresentá-lo travestido ou metamorfoseado em uma
galinha” (TÁVORA, 1975: 12). Segundo o autor, o imperador Pedro II se
divertia muito, como o próprio povo, com as caricaturas e charges a
respeito de todos os seus atos, o que demonstrava que estava muito
sintonizado com a alma popular.

Caricatura de D. Pedro II veiculada no jornal A Semana Illustrada


– galinha imperial (Fonte: TÁVORA, 1975: 13)

D. Pedro II sempre foi tido como um homem letrado e muito li-


gado às ciências. Muitas vezes foi achincalhado pela mania de achar que
já sabia tudo do que lhe falavam e tinha o hábito de dizer já sei, já sei.
Isso lhe custava ásperas críticas por parte da imprensa da Corte. Seu
interesse pelas ciências era também motivo de “alfinetadas” da imprensa
através de textos ou caricaturas. Além das caricaturas, havia também as
trovas e versos que lhe rendiam freqüentes chacotas.

49
Um bom exemplo são estes versos satíricos publicados no Jornal A
Gazeta da Tarde, dirigido por José do Patrocínio.

“Já sei – Já sei!


Já sei – Já sei! Sabe tudo
O sábio por excelência
Sabe mais do que a ciência
E muito mais do que a lei!
Do passado e do presente
Fez um estudo profundo;
Sabe o futuro do mundo...
Já sei, já sei.”
(MAGALHÃES Jr., 1957: 88)
Esses jornais, que circularam na segunda metade do século XlX,
divertiam e informavam o povo, ao mesmo tempo que refletiam aspectos
da vida cotidiana. A imprensa da Corte focalizava, diariamente, a Guerra
do Paraguai, sendo que alguns jornais, alinhados à Monarquia, procura-
vam justificar o conflito e reverenciavam figuras políticas e militares. Ha-
via também alguns, em minoria, que atacavam as razões da guerra, pro-
testavam pelo seu prolongamento e defendiam a posição do Paraguai
como vítima da intransigência e do imperialismo brasileiro (TÁVORA, 1975).
Dos jornais que circulavam na Corte, durante a Guerra do Paraguai,
podemos citar Semana Illustrada, Paraguay Illustrado, Diabo Coxo,
A Vida Fluminense, O Cabrião, O Arlequim, O Mosquito e Fígaro.
Estes jornais noticiavam a guerra, teciam comentários sobre manobras
militares vitoriosas, combates e procuravam levar ao público leitor uma
visualização do palco do conflito, cenário muito distante do Rio de Janei-
ro. Usavam a caricatura e os desenhos para fornecer melhor imagem dos
acontecimentos, de figuras envolvidas, bem como procuravam satirizar e
até atacar alguns lances da guerra. Este era um recurso importante para a
época, em que boa parte da população era analfabeta e via nos desenhos
uma forma de entender o conflituoso momento que o país vivia. Os mes-
tres da caricatura desses jornais foram Araújo de Porto Alegre,

50
Henrique Fleiuss e o maior deles, o italiano Ângelo Agostini (SILVEIRA,
1996).
Embora muitos desses jornais justificassem a guerra e elogias-
sem a Monarquia, havia momentos em que atacavam o governo.
Denunciavam a demora da guerra, os erros dos chefes militares e até a
forma como era feito o recrutamento de voluntários. Havia também jor-
nais da Corte que, abertamente, atacavam o inimigo paraguaio com ape-
lidos pejorativos como famulento abutre, Nero do século XIX e faziam
charges ferinas com a figura de Solano López, com o intuito de diminuí-
lo, principalmente A Vida Fluminense e Semana Illustrada (SILVEIRA,
1996).

Jornais brasileiros mais expressivos


durante a Guerra do Paraguai
Opinião Liberal – tinha como objetivo protestar contra o pro-
longamento da guerra que, segundo ele, havia se convertido num de-
sastre e que sua demora só trazia problemas para o Brasil. Combatia
a forma como era feito o “recrutamento feroz” que devorava a popu-
lação brasileira. Em 28 de fevereiro de 1868, esse jornal publicava um
editorial onde dizia: “Continuar a guerra é matar barbaramente o país.
A guerra está completamente abandonada pela opinião. [...] E, de-
mais, a honra que se entrega aos cuidados de galés e pretos minas
não é honra, é uma mentira!” Combatia também a figura de Caxias e o
período prolongado de preparação para a guerra.

Semana Illustrada – outro jornal de grande aceitação no Segun-


do Reinado, começou a circular em 1860, lançado por Henrique Fleiuss,
pioneiro da ilustração na imprensa brasileira, adotando posicionamento
simpático ao governo. Seu formato era pequeno, com oito páginas, qua-
tro de textos e quatro de ilustrações. Publicava os acontecimentos da
semana que eram assinados pelo Dr. Semana, figura obrigatória da ilus-
tração da capa. Neste jornal atuavam muitos colaboradores, escritores
da época, como José de Alencar, Bernardo Guimarães, Joaquim Manoel
de Macedo, Quintino Bocaiúva, Joaquim Nabuco e outros. Alguns ti-
nham atuação como verdadeiros correspondentes de guerra, como
Joaquim José Inácio (Visconde de Inhaúma), Alfredo de Taunay

51
(Visconde de Taunay), Antônio Luiz Von Hoonholtz (Barão de Tefé),
que participaram da guerra de perto e narravam os fatos como testemu-
nhas oculares, enviando periodicamente, através do Correio, notícias para
o Rio de Janeiro. Havia ainda uma sessão intitulada “Peculiaridades
Guaranis” que tecia comentários negativos ao povo paraguaio a quem
se referia como bárbaro inimigo e fazia ataques violentos à figura de
Solano López, a quem chamava de judas, diabo, satanás, famulento
abutre e outros.
Diabo Coxo – jornal ilustrado fundado pelo caricaturista Ângelo
Agostini que começou a circular em outubro de 1864, na cidade de São
Paulo. Apresentado em formato pequeno, tipo tablóide, com quatro pá-
ginas, foi bem recebido pelo público leitor, sendo inclusive comparado
ao Semana Illustrada. Levava o leitor a conhecer as figuras notáveis do
governo, a pessoa do Imperador Pedro II, muitos lances da Guerra do
Paraguai, principalmente as indecisões de Caxias diante do conflito. Difi-
culdades financeiras impediram a circulação do jornal durante algum tempo.
Um ano depois, Ângelo Agostini cria outra publicação - O Cabrião3,
jornal domingueiro que sacudiu a cidade de São Paulo. Possuía um pre-
ço alto para a época e, através de seus editoriais, revelava sua tônica
anticlerical. Pouco depois, ele se transfere para o Rio de Janeiro e passa
a colaborar em dois jornais importantes da Corte: O Arlequim e A Vida
Fluminense, onde iria viver “os momentos mais marcantes de sua carrei-
ra” (SILVEIRA, 1996: 41).
A Vida Fluminense – circula de 1868 a 1876. Acompanha
todo o desfecho da Guerra do Paraguai e pode ser considerado “...uma
excelente coleção de sátiras bem expressivas dos sentimentos públi-
cos da hora” (LIMA, 1963: 102). Era um semanário que saía aos sábados e
sempre fazia críticas contundentes à Monarquia e à figura de Pedro II.
Atacava o recrutamento de voluntários que aliciava o maior número entre
a população negra, chegando a mostrar, em forma de caricatura, o re-
gresso de negros, voluntários da pátria, ao Rio de Janeiro que, voltando
da guerra como heróis, encontraram suas mães acorrentadas ao tronco.
Era um desenho que figurava no jornal como uma simbologia que parecia
ser velada e sutil, mas que possuía forte carga contra a escravidão no
Segundo Reinado. Ângelo Agostini era um “ferrenho crítico da

3) Originário de Cabrion, personagem de Os Mistérios de Paris, romance de Éugene Sue, ou


pode ser também indivíduo que importuna ou molesta sem parar.

52
Monarquia e do regime escravocrata”, embora a imprensa crítica e
satírica estivesse ao lado do Império na guerra contra o Paraguai (SILVEIRA,
1996: 96).
Paraguay Illustrado – das
revistas que circularam no Segundo
Reinado, foi a que mais se destacou.
Toda litografada, constituiu-se num
órgão de “propaganda oficial da
guerra” (SODRÉ, 1966: 248), desig-
nando-se um “semanário panfi-
crológico, asneirótico, burlesco,
galhofeiro” (TÁVORA, 1975: 149).
Passou a funcionar em 1865 e sua
finalidade era divulgar a imagem do
inimigo paraguaio, numa atitude os-
tensiva de combate ao
adversário.“Era constituída de qua-
tro páginas de desenhos caricatos
visando atingir López e seus sol-
dados com charges terrivelmente
De volta do Paraguai. Fonte: Vida
ferinas” (LIMA, 1963: 112). Esta re- Fluminense, nº 177. Rio de Janeiro,
vista procurava retratar o povo 1870 - Biblioteca Nacional
paraguaio de forma pejorativa, colo-
cando-lhe designações, tais como tipos originais e índios. O Paraguai
era rotulado como país servil e ponto imperceptível da América Lati-
na. Referia-se sempre à selvageria do Mariscal e procurava designar
Solano López com o título de generalito, na intenção de diminuí-lo
(SILVEIRA, 1996: 56,131).
Jornal do Commercio – fundado em 1828, era um periódico
“sisudo e conservador, lido pelos homens da classe, pelos políticos e
funcionários graduados” (SODRÉ, 1966 :324). Nele trabalharam como
jornalistas e colaboradores Justiniano José da Rocha, Porto Alegre, Rio
Branco e José de Alencar. Era um jornal de cunho conservador, no má-
ximo moderado. Retratava fatos da cidade do Rio de Janeiro e, embora
possa ter tido alguns surtos liberais, estava quase sempre referendando o
Império. Foi um órgão de imprensa de vida muito longa, diferente dos

53
Como os jornais da Corte retratavam Solano López

Caricatura de Solano López como abutre


(Fonte: Semana Illustrada, de 12.04.1868, p.3064. In: Silveira, 1996: 114)

Caricatura de Solano López como O Nero do Século XIX


(Fonte: A Vida Fluminense de 06.11.1869, p.1046. In: Silveira, 1996: 98)

54
pasquins que atuaram na mesma época, por isso mesmo, “a história do
Jornal do Commercio se confunde com a do Reinado” (SODRÉ, 1966:
217).
Não só os jornais da Corte faziam publicações a respeito da Guer-
ra do Paraguai. Havia ainda os jornais bilíngües, como o Ba-ta-clan,
publicação franco-brasileira que circulou no Rio de Janeiro nesse perío-
do, fazendo críticas abertas à posição brasileira no conflito, atuando en-
tre 1867 e 1870, com caricaturas ferinas. Era um jornal satírico que no-
ticiava a guerra regularmente e algumas vezes chegava a insultar o Brasil
em seus artigos sobre o episódio (SODRÉ, 1966).
Fica claro pois, que os jornais brasileiros da época da Guerra do
Paraguai empreenderam verdadeiro trabalho ideológico contra o atraso
paraguaio e procuravam justificar a campanha militar do Brasil contra
aquela nação e fazer triunfar a vitória da civilização contra a barbárie.

A imprensa mineira

A imprensa mineira teve seus primórdios no início do século


XIX, em 1807, com a atuação pioneira do Padre José Joaquim Viegas
de Menezes, mesmo antes da oficialização da imprensa brasileira que se
instalou com a Imprensa Régia sob o aval do Príncipe Regente D. João,
a partir de 31 de maio 1808. Viegas de Menezes é o “fundador e creador
da typographia, berço do jornalismo mineiro”, sendo considerado o
“Guttemberg brasileiro” (VEIGA, 1898).
A imprensa mineira, sem dúvida, foi um baluarte político, com mui-
to engajamento nas lutas reivindicatórias, desde os tempos do Primeiro
Reinado, combatendo com toda a força o autoritarismo de D. Pedro I .
Passa, depois, pelos movimentos que marcaram o conturbado mo-
mento político do Período Regencial. No Segundo Reinado, atuou inten-
samente durante a Guerra do Paraguai, além de ter relevante desempe-
nho nas lutas pela abolição, pelas reformas institucionais e em torno da
implantação da república.
O jornal oitocentista desempenhava um papel fundamen-
tal, enquanto pólo aglutinador da luta política das posi-
ções partidárias. O isolamento dos municípios ou as difi-
culdades de comunicação entre eles tendiam a ser supe-

55
rados, devido à existência de uma imprensa combativa
para responder às pressões monarquistas dos chefes lo-
cais, tornando-se reduto dos propagandistas republica-
nos. Usualmente, os textos jornalísticos traduzem essas
adversidades em estilo panfletário e arrebatador
(ANDRADE, HANRIOT, MOURA, 1990: 138).

No século XIX, circularam por Minas Gerais cerca de 861 gaze-


tas, publicadas em 117 localidades (83 cidades, três vilas e 31 arraiais).
Em fins desse século, muitos jornais já haviam sido extintos e a imprensa
não possuía aquele caráter político de combatividade que a caracterizara
nos anos anteriores. Talvez até fosse reflexo da própria liberdade de im-
prensa que marcou bem o Segundo Reinado. Por volta de 1898, menos
de dez anos após a Proclamação da República e, principalmente, no
governo de Floriano Peixoto, a imprensa brasileira já não gozava de tan-
ta liberdade.
Os jornais mineiros oitocentistas ostentavam nomes que bem ca-
racterizavam seus ímpetos libertários, usando títulos espalhafatosos ou
de datas representativas como: O Liberal de Minas, O Constitucional,
O Progressista de Minas, Liberal Mineiro, A Conjuração, Minas Al-
tiva, A Pátria Mineira, A Revolução, O Sete de Abril e outros mais,
como bem ilustra o texto de Campos (1925):
Os próprios títulos dos periódicos [...] como expressão
inelutável dos anceios (SIC) populares, indicam, de al-
gum modo, as lutas patrióticas mais excessivamente ar-
dentes do tempo, lutas não só da palavra, mas também do
fuzil, lutas apaixonadas e sangrentas em Minas Geraes.

Durante o período da Guerra do Paraguai (1864-1870), os jornais


mineiros ainda não se manifestavam quanto ao credo republicano, exce-
ção feita apenas para o jornal de Diamantina, O Jequitinhonha, que tanto
prenunciava o fim da Monarquia como já fazia declarações a favor da
República. Após a guerra, em 1870, e com a publicação do Manifesto
Republicano nesse mesmo ano, ele assume abertamente sua posição à
favor da República:
alguns periódicos mineiros, tanto liberais como os de ten-
dência mais radical, convertem-se ao republicanismo. Na

56
província circula um grande número de jornais, alguns
já nascidos republicanos - muitos deles de repercussão
nacional e de vida longa, atestando a força da imprensa
mineira (ANDRADE, HANRIOT, MOURA, 1990: 138).
Uma só notícia tinha, muitas vezes, diferentes enfoques pelos vári-
os jornais mineiros que a apresentavam, dependendo de sua linha, fosse
ele conservador ou liberal. Também era comum entre os jornais a crítica
recíproca, o que provocava em suas próprias páginas ataques e o direito
de resposta, resultando daí um verdadeiro embate jornalístico.
O Segundo Reinado, mais precisamente no período compreendi-
do pela guerra do Paraguai (1864 a 1870), é o momento para se fazer
uma análise mais profunda do papel da imprensa.
Circularam nesta época os seguintes jornais:
de Diamantina:
O Voluntário (1865),
O Jequitinhonha (1863 a 1877);
de Ouro Preto:
O Conservador de Minas (1870),
Constitucional (1866, 1867, 1868),
Diário de Minas (1866, 1867, 1868),
O Liberal de Minas (1868, 1869, 1870),
Noticiador de Minas (1868 a 1870),
de Campanha:
O Sapucahy (1864 a 1869),
O Planeta do Sul (1865),
Radical do Sul (1868),
O Conservador (1869);
de Três Pontas:
O Despertador (1863 a 1865)
de Juiz de Fora:
O Pharol (1870).
Os jornais mineiros se dividiam entre a tendência alinhada ao Par-
tido Conservador e Partido Liberal e refletiam o pensamento ideológico
deles. A maioria desses jornais era produzida e circulava na Capital da
Província, a cidade de Ouro Preto, sendo, em sua maioria, conservado-
res, reproduzindo publicações oficiais do governo. Publicavam também

57
textos dos jornais da Corte, noticiavam fatos da Guerra do Paraguai e
falavam muito acerca do recrutamento. Geralmente teciam elogios ao
Imperador, à figura do general Caxias e proclamavam com entusiasmo as
vitórias brasileiras (VEIGA, 1898).
Noticias dos explendidos triumphos de nossas armas al-
cançarão na Republica do Paraguay, contra o tyrano
dictador Lopez não passou desapercebída n’esta cidade,
onde causou immenso regosijo à seus habitantes, que por
mais esta vez tiverão justo motivo de victoriar ao nosso
Monarcha e seu governo aos exercitos de terra e mar, aos
seus dignos chefes, ao exmo Sr Marquez de Caxias e ou-
tros (NOTICIADOR DE MINAS, 15 de abril de 1869).
Referiam-se ao Paraguai com grande desprezo e colocavam
muitos termos depreciativos em Solano López, como na nota seguinte:
Déspota arrogante e feroz, barbaro dictador do infeliz
povo paraguayo” ... “A guerra não deveria findar-se sem
que sua ultima pagina fosse escrita com o sangue de tão
desumana creatura (O CONSERVADOR DE MINAS, 24 de mar-
ço de 1870).
Publicavam também anúncios de escravos fugidos que descon-
fiavam pudessem ter assentado praça como voluntários.

Os jornais mineiros que atuaram


na Guerra do Paraguai
O Voluntário (Diamantina, 1865) – órgão de vida efêmera, so-
brevive só no ano de 1865 e, certamente para anunciar o início do
Recrutamento de Voluntários, que se dá neste ano.
O Jequitinhonha (Diamantina, 1860 a 1873) – semanário do-
minical dirigido pelo historiador e jurisconsulto Joaquim Felício dos
Santos e seu sobrinho Antônio Felício dos Santos, ambos represen-
tantes do Partido Liberal.

Constitucional (Ouro Preto, 1866 a 1868) – jornal que trazia,


no alto da primeira página, a legenda: Jornal político, literato e noti-
cioso, dirigido pelos advogados Camillo da Cunha Figueiredo e Ben-

58
jamim Rodrigues Pereira e era publicado pelo menos uma vez por se-
mana. Ligado ao Partido Conservador, quase sempre chamava o povo
à luta, atacava os liberais e usava para isso, linguagem agressiva e viru-
lenta. Publicava assuntos políticos, notas contra o Recrutamento Obriga-
tório de Voluntários, muitas notícias da guerra, algumas transcritas de
jornais da Corte. Nas últimas páginas, encontravam-se anúncios pagos
com publicidade de hotéis e de lojas, além de serviços de profissionais
como advogados (dos próprios donos do jornal), fotógrafos, médicos, e
notas de escravos fugidos. Fazia, ainda, bastante publicidade de remédi-
os diversos para curar várias doenças, com muitos desenhos ilustrativos.
O Liberal de Minas (Ouro Preto, 1868-1869) – jornal de pro-
priedade de J.F. de Paula Castro, que se dizia liberal e saía três vezes por
semana, com assinaturas pagas adiantadas e muito semelhante aos de
seus colegas de imprensa O Progressista de Minas, Noticiador de Mi-
nas e Diário de Minas. Fazia publicações de cunho oficial como da
Assembléia Legislativa Provincial e Editais da Câmara Municipal
de Ouro Preto. Publicava ainda notas a pedido de terceiros, anúncios de
gratificações para captura de escravos fugidos, publicidade de profissio-
nais como advogados, dentistas, professores, fotógrafos e relojoeiros.
Noticiava venda de casas e terrenos e fazia propaganda de remédios
diversos e de drogas miraculosas. Quase não noticiava a Guerra do
Paraguai e, quando o fazia, se limitava a transcrever notas políticas de
jornais da Corte, principalmente as do Jornal do Commercio.
Noticiador de Minas (Ouro Preto, 1868 a 1872) – jornal tam-
bém de propriedade de J.F. Paula de Castro, muito semelhante ao
Liberal de Minas. Sua missão era publicar atos oficiais, como os
Atos do Governo Provincial e da Secretaria da Presidência, órgão
ligado ao Partido Conservador. Oferecia anúncios de venda de mora-
dias, de serviços de advogados, publicidade de hotéis, relojoarias e
lojas de tecidos. Fazia publicidade em torno de anúncios de remédios
miraculosos, inclusive com desenhos alusivos a eles. Publicava tex-
tos de jornais da Corte, principalmente do Jornal do Commercio com
relação à Guerra do Paraguai. Elogiava a figura de Caxias e se referia a
ele como o vencedor de Santa Luzia (15 de abril de 1868) e colocava

59
muitos termos pejorativos em Solano López. Repelia veementemente as
idéias republicanas e fazia abertamente apologia do Império Brasileiro.

Diário de Minas (Ouro Preto,1866, 1867, 1868) – jornal tam-


bém de propriedade de J. F. de Paula Castro, semelhante aos seus
congêneres do mesmo proprietário. Fazia publicações da Assembléia
Legislativa Provincial, de tônica oficial. Publicava anúncios a pedido de
comerciantes que se mudavam da cidade, de proprietários que tinham
seus escravos fugidos e desconfiavam que pudessem ter assentado pra-
ça como voluntários para a guerra. Também publicava notas de interesse
da Igreja, como da Ordem Terceira do Carmo, de teatros particulares
que passavam pela cidade e noticiava propagandas de remédios. Dava
notícias da guerra, transcritas de outros jornais, quase sempre da Corte.
Apresentava como curiosidade notas criticando a possível mudança da
Capital da Província de Minas para um local próximo ao Rio das Velhas
(hoje, Belo Horizonte) e sobre a divisão da província de Minas em outras
províncias – movimento liderado pela Comarca de Campanha.

O Conservador de Minas (Ouro Preto, 1870) – jornal cuja dire-


ção cabia ao editor Antônio de Salles Couto e tinha no seu cabeçalho a
seguinte legenda: “Publica-se duas vezes por semana, não havendo
dia santificado ou festa nacional”, contendo duas páginas, em tama-
nho comum de jornal. Alinhado ao Partido Conservador, procurava sem-
pre defender suas idéias e elogiar o regime monárquico, como nesta nota:
O Partido Conservador não perturbou jamais a tranqüi-
lidade pública, e nem uma vez ainda manejou o punhal e
a garrucha do sicario ensopados no sangue dos brasilei-
ros ... tendo em uma das mãos a bandeira da ordem, na
outra a espada da lei, e os olhos voltados para o futuro
(O CONSERVADOR DE MINAS, 18 de fevereiro de 1870).

Atacava o Partido Liberal e seus representantes e sempre pro-


curava elogiar o regime monárquico:
Esse poderoso vínculo, esse princípio elevado foi a
monarchia. Tal é a grande e radical differença que nos
distingue do resto do continente. Lá o poder publico foi
presa da audacia, e o fim de todas as ambições pessoaes;

60
aqui foi a corôa de um príncipe ungido pelo voto nacio-
nal, e feito o primeiro operario de nosso engrandecimen-
to.

Publicava Atos Officiaes da Província e do Império, como as no-


tas a respeito das eleições e poucas notícias a respeito da Guerra do
Paraguai, geralmente extraídas dos jornais da Corte. Divulgava notícias
locais e dizia que não tinha a missão de tratar só de política “mas traba-
lhar em bem dos princípios da educação popular, da industria, da
lavoura, das artes e das lettras.” Procurava dar notícias da agricultura
e da indústria de outros países. Publicava anúncios pagos sobre hotéis da
cidade, aplicação de vacinas, de trabalho de advogados e ainda notas de
atos religiosos. Após a Guerra do Paraguai, publicava a descrição das
festas que marcaram a chegada dos Voluntários da Pátria em Ouro Pre-
to, recebidos com júbilo pelos moradores, bem como a entrega da Ban-
deira deste Batalhão na Catedral de Mariana. Publicava também Atos do
Governo do Ministério da Guerra, constando a promoção de oficiais
com honras de postos militares.

Jornais de Campanha:

O Sapucahy (Campanha, 1864 a 1869) – jornal liberal fundado


pelo capitão Candido Ignacio Ferreira Lopes.
O Planeta do Sul (1865),
Radical do Sul (1868),
O Conservador (1869).

Esses jornais da cidade de Campanha se caracterizavam por le-


vantar a bandeira da mudança da Capital de Minas, de Ouro Preto para
esta cidade.

O Despertador (Três Pontas, 1863 - 1865) – jornal político con-


servador fundado e dirigido pelo Dr. Eufrosino Ferreira de Brito, ativo
advogado em Três Pontas e Ouro Preto, membro da Assembléia
Legislativa Provincial por duas legislaturas.

61
O Pharol (Juiz de Fora, Paraíba do Sul, 1867) – jornal político e
noticioso que saía publicado duas vezes por semana. De cunho liberal,
com uma linha de atuação semelhante a do O Jequitinhonha, se procla-
mava um apóstolo da idéia liberal, lutando pelos princípios do Partido.
Seu principal redator era George Charles Dupin, francês radicalizado no
Brasil. Após 1870, com o Manifesto Republicano, passa a defender a
causa republicana. Dele, disse o jornal liberal de Ouro Preto, O
Noticiador de Minas:
O Pharol” de Juiz de Fora nem é cousa que mereça aten-
ção: esse infeliz é filho de “couto damnado” entre a es-
peculação de um forasteiro “europêo”, e o patriotismo
de um bom patrício. O que pode representar senão torpes
interesses intimamente ligados n’ essa aliança monstruo-
sa? (O NOTICIADOR DE MINAS, 15 de março de 1869).
Desses jornais mineiros, um chama atenção por ser diferente de
seus congêneres da imprensa mineira: O Jequitinhonha. Ele se destaca
dos outros por seu caráter inovador. Era liberal, quando os demais eram
conservadores; contra a guerra, quando todos os outros jornais mineiros
a decantavam e atacava a Monarquia, clamando pelo advento da Repú-
blica.
Detivemo-nos em analisar tal jornal, que passa a ser um estudo
do capítulo seguinte, constituindo-se o objeto maior deste livro.

62
CAPÍTULO 4

JOAQUIM FELÍCIO DOS SANTOS E O


JORNAL O JEQUITINHONHA

Joaquim Felício dos Santos nasceu em 01 de fevereiro de


1828, na Vila do Príncipe ou Comarca do Serro Frio – atual cidade do
Serro, nas cercanias de Diamantina, filho de tradicional família de
proprietários de terras. Estudou Direito na cidade de São Paulo, na
Academia Jurídica do Largo de São Francisco, sendo colega e
contemporâneo de José de Alencar (NEVES, 1956: 20 e 29).
De volta para Minas, radicou-se em Diamantina, por volta de
1850 e dedicou-se à advocacia e ao ensino. Como advogado, tornou-

Joaquim Felício dos Santos


(Fonte: Jornal Minas Gerais, 1985: série especial)

63
se um nome respeitável na área jurídica por substanciosos pareceres
jurídicos que emitia para diversos pontos do país. Também atuava como
defensor de pessoas humildes, desprovidas de recursos e até de escravos.
Na área do magistério lecionou História, Geografia, Francês e Matemática,
no Ateneu de São Vicente de Paulo, o mais importante centro de
educação do norte mineiro, nesta época, e também no Seminário Episcopal
de Diamantina. Em Diamantina, a “Atenas do Norte”, assim chamada
por seu desenvolvimento intelectual, reúne à sua volta companheiros de
letras, como Couto de Magalhães, Teodomiro Alves Pereira, João da
Mata Machado, Antônio Felício dos Santos, Teófilo Pereira da Silva,
João Nepomuceno Kubitscheck (tio avô do ex-presidente Juscelino
Kubitscheck) e outros mais (EULÁLIO, 1976: 27).
Integrou-se na corrente de idéias liberais juntamente com seus
irmãos e abraçou um programa libertário, liderado pelo político Teófilo
Otoni e outros membros do radicalismo liberal mineiro (NEVES, 1956: 20;
MENEZES, 1924: XI).
Juntamente com seu cunhado Josefino Vieira Machado, o Barão
de Guaicuí, Joaquim Felício publicou o primeiro número de O
Jequitinhonha, que circulou em 30 de dezembro de 1860, sendo editor
Geraldo Pacheco de Melo. O jornal trazia no cabeçalho da primeira página
a seguinte legenda:”O Jequitinhonha professa a doutrina liberal, em
toda a sua plenitude, propugnando pelas reformas constitucionais
radicaes no sentido da Democracia Pura”. E propunha seu ideal, assim
expresso:

O Jequitinhonha se propõe a servir. Servir não ao homem,


mas ao ideal, que o jurista vê sintetizado no respeito à
integridade da lei, e na dignidade da pessoa humana
(NEVES, 1956: 21).

O apogeu do jornal coincidiu com o momento em que a Guerra do


Paraguai se desenrolava, principalmente nos anos de 1868 e 1869. Com
o fim da guerra, a partir de 1870, assumiu uma posição radical a favor do
regime republicano, sobrevivendo ainda por mais dois anos. Mudou tanto,
que sua folha de rosto se alterou dando a impressão de que a guerra lhe
dava sustentação e fôlego. O fim da guerra, inegavelmente, marcou o
início de sua decadência. Ressalte-se também que, no ano de 1869,

64
morreu Teófilo Otoni, o grande líder liberal e político residente na Corte
e que, além de ser correspondente, enviava notícias, dava muita força e
ânimo ao jornal (EULÁLIO, 1956).
Joaquim Felício dos Santos foi um dos representantes da Sociedade
de Homens de Letras de Minas Gerais, que reunia a fina intelectualidade
mineira. Mesmo ligado à literatura e à vida intelectual, não desviava seu
olhar da política brasileira, principalmente com seu jornalismo contundente.
Fez algumas tentativas frustradas de atuar como político, como na eleição
de 1863, quando se candidatou a Deputado Provincial, sem êxito e, em
1883, quando foi candidato ao Senado, com votação insuficiente. Para
ele nada disso importava. Suas lutas tinham um objetivo mais social que
partidário e buscava com denodo os princípios de justiça que, tanto a
Monarquia como a escravidão inviabilizavam (NEVES, 1956: 24, 25).
Foi um dos criadores da Sociedade Patrocínio de Nossa Senhora
das Mercês, criada em 11 de junho de 1870, cujo objetivo era auxiliar na
emancipação de escravos, luta esta que constituía seu grande ideal. Foi
também fundador do Clube Republicano, criado em outubro de 1888,
que lutava pela implantação da república no Brasil (NEVES, 1956: 24, 25).
Em 1878 foi convidado pelo Gabinete da Justiça, sob a liderança
do Ministro Zacarias, do Partido Liberal, para elaborar o Código Civil
Brasileiro, por sua notoriedade em dar pareceres jurídicos, o que
prontamente atendeu, pelo ideal de amor ao Direito. Por três anos trancou-
se na Chácara das Bicas, de sua propriedade, nos arredores de Diamantina
e passou a estudar o assunto. Debruçou-se sobre vasta literatura,
consultando obras de inúmeros autores e códigos de diversos países,
sem nenhuma ajuda financeira (NEVES, 1956: 26).
Em 1881, remeteu ao Ministério da Justiça os “Apontamentos
para o Projecto do Código Civil Brazileiro” que encaminhou à Corte
e imprimiu-o na “Tipografia Nacional”. Este foi lido e relido, sendo
protelada sua aprovação. De 1884 a 1887 prosseguiu seu trabalho jurídico
e apresentou outro texto: “Comentários ao projeto do Código Civil
Brasileiro” que foi, inclusive, publicado em cinco volumes, mas também
não foi aprovado pela comissão indicada para a elaboração do Código
(NEVES, 1956: 270).
No ano de 1889 foi classificado em primeiro lugar em Lista Tríplice
para o Senado, recaindo, no entanto, a escolha do Imperador para o
elemento menos votado. Joaquim Felício foi uma vez mais preterido, mas

65
declarara anteriormente que recusaria o cargo, se escolhido fosse pelo
imperante – forma irônica como denominava o Imperador Pedro II
(NEVES, 1956: 25).
Os anos passaram e continuou a indiferença do Governo, sempre
protelando a aprovação de seu trabalho jurídico. Em 1889 foi formada
outra comissão para analisar o projeto, presidida pelo próprio Imperador
Pedro II e que também não se concretizou.
Os ataques contundentes da pena de Joaquim Felício,
principalmente nos textos publicados no jornal O Jequitinhonha e nas
“Páginas da História do Brasil no Anno 2000” eram do conhecimento do
Imperador e da família imperial, e certamente, prejudicaram e frustraram
muitos planos deste jurista e político (EULÁLIO, 1957: 108).
Nos primeiros anos da República, o governo encarregou Joaquim
Felício de presidir uma comissão que deveria regulamentar e implantar a
nova Lei Eleitoral. Esta comissão apresentou, em 1891, o Código Civil
proposto por Joaquim Felício e adaptado para o novo regime republicano
que foi subscrito por Rui Barbosa, Amaro Cavalcanti e outros senadores
(NEVES, 1956: 26).
Embora republicano convicto, Joaquim Felício não cedia a seus
princípios de justiça social e de espírito democrático e enfrentou
verbalmente Floriano Peixoto numa entrevista senatorial no Palácio do
Itamaraty, quando defendeu a anistia para os revoltosos da Revolta da
Armada, que o presidente acabou concedendo (EULÁLIO, 1976: 30;
MENEZES, 1924: VXII).
Desiludido com a vida nacional e adoentado, retirou-se para o
Distrito do Biribiri, nas proximidades de Diamantina, onde ele e seus
irmãos fundaram a Fábrica de Fiação e Tecidos do Biribiri Santos & Cia,
acreditando ser a industrialização a melhor forma de desenvolvimento
para a nação. Um fato curioso marca seu fim de vida. Doente, já acamado,
encontrava-se sozinho em sua casa, no Biribiri, ao lado de uma mesa
com imensa pilha de papéis, escritos seus. De repente, uma súbita
tempestade com rajadas de vento bate sobre o quarto, jogando para os
ares as inúmeras folhas. Sem nada poder fazer, fica olhando os papéis
revoarem pelo quarto. E eis que de repente, um deles vem descendo
devagarinho e paira sobre o seu peito. Ainda deitado, vira-o e olha-o
com curiosidade. Qual não foi sua surpresa ao ver uma pequena imagem
de papel representando o Sagrado Coração de Jesus, tão cultuada e

66
amada em Diamantina. Ficou tão impressionado que, poucos dias depois,
confessou e comungou com um padre lazarista. Logo ele que sempre
fora anticlerical e agnóstico. Outras vezes mais viria a comungar, inclusive
pelas mãos de seu irmão, o bispo D. João Antônio dos Santos. Meses
depois, em 21 de outubro de 1895, falecia convertido ao catolicismo
(SANTOS, 1976, 320-322; MENEZES 1924: XV e XVI).
Foi enterrado neste mesmo local, na Igreja do Sagrado Coração,
que ele próprio ajudara a construir. Posteriormente, teve seus restos
mortais trasladados para a Igreja do Carmo, em Diamantina (EULÁLIO,
1956: 462). Embora, na própria cidade de Diamantina muita gente acredite
que Joaquim Felício esteja enterrado na Igreja do Carmo, seus restos
mortais foram transferidos em 1968, pela família Felício dos Santos,
liderada pelo então Prefeito Municipal de Diamantina, Dr. Sílvio Felício
dos Santos e pelo Deputado Federal Dr. Carlos Murilo Felício dos Santos,
de volta para o bucólico distrito do Biribiri, onde repousa definitivamente
na entrada esquerda da Igreja do Sagrado Coração de Jesus (SANTOS,
1976: 322).
Em 1902, a República, em agradecimento aos seus trabalhos sem
nenhuma remuneração, concedeu à sua viúva, através do Congresso
Nacional, a pensão de 500$000 (quinhentos mil réis) que, no entanto,
nunca se efetivou. O arcebispo de Diamantina, D. Joaquim Silvério de
Souza, em 1910, escolheu-o como patrono de sua cadeira na Academia
Mineira de Letras, em reconhecimento ao grande intelectual e escritor
que foi (NEVES, 1956: 24 e 29).
Anos mais tarde, em 1916, surgiu o Código Civil Brasileiro, de
autoria do jurista Clóvis Bevilacqua, que continha “muita matéria
extraída do Projeto de Felício dos Santos” (NEVES, 1956: 28).
Joaquim Felício dos Santos pagou caro por sua ousadia e
entusiasmo pelo progresso do Brasil. Foi perseguido, injustiçado e teve
suas idéias e projetos castrados tanto pelo Império como pela República,
que pode bem ser expressos nesta frase de seu biógrafo, José Teixeira
Neves:
“Se a monarquia fôra injusta para com Felício dos Santos, a
República lhe é ingrata” (NEVES, 1956: 27).

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Vista frontal da prensa utilizada para impressão do jornal O Jequitinhonha (Século
XIX) (Fonte: Andrade et al., 1990, p.132 – (Foto original de Antônio de Paiva Moura)

Vista lateral da prensa utilizada para impressão do jornal O Jequitinhonha (Século XIX)
Fonte: Andrade et al., 1990, p.132 (Foto original de Antônio de Paiva Moura)

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O jornal O Jequitinhonha
Era um semanário dominical tipo tablóide, na medida 36cm por
28cm que circulou de 1860 a 1873, na cidade de Diamantina, dirigido
pelo historiador e jurisconsulto Joaquim Felício dos Santos e seu sobrinho,
Antônio Felício dos Santos, ambos representantes do Partido Liberal.
Constituiu-se na grande voz libertária que circulou pelos cerrados e sertões
do Norte de Minas durante o Segundo Reinado, região agreste, sofrida e
abandonada pelo governo da Província e do Império. Procurava prestar
serviços à comunidade local, anunciando fugas de escravos e prêmios
por sua captura, o desaparecimento de animais, objetos perdidos,
celebração de missas fúnebres, serviços locais e publicando poemas a
pedidos (ANDRADE et al., 1990: 140).
Costumava receber críticas ácidas de outros jornais, principalmente
dos conservadores, e, muitas vezes, as rebatia em suas próprias páginas
e até as explorava, como a que foi publicada no Noticiador de Minas, de
Ouro Preto:

O Jequitinhonha é um insecto que quasi não o


enxergamos, lá pelas bandas da Diamantina. Representa
idéias tão metaphísicas da política, estão tão fora do senso
comum, que só podem ser entendidas pelo garimpeiro mais
pobre que sonha com a república de Platão na casa do
mais rico (NOTICIADOR DE MINAS, de 15 de março de
1869).

O Jequitinhonha assim responde:

Pois bem, nós outros os sonhadores pugnamos pelos


direitos d’esses garimpeiros, d’esses destituídos de
privilégios. Delles compõe o povo, único soberano que
veneramos... (O JEQUITINHONHA, 4 abril 1869).

O jornal começou a circular em 30 de dezembro de 1860, quando


Joaquim Felício dos Santos recebeu o prelo de madeira, que servira a
Benedito Teófilo Otonni, editor do jornal liberal O Sentinela do Serro,
daquela cidade vizinha, sendo editor Geraldo Pacheco de Melo (NEVES,
1956, 21).

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Nos primeiros números apresentava, no alto da primeira página, a
legenda libertária: Á la loi son empire, aux hommes leur dignité (“À
Lei seu império, aos homens, sua dignidade”) Depois, passou a publicar
o seguinte subtítulo na primeira página: Folha Política, Literária e
Noticiosa. Após 1870, com o início do Movimento Republicano, ele
ostenta no cabeçalho o dístico: “Órgão Republicano”. Entrou depois em
nova fase, após 1871, quando evoluiu mais e se antecipou a toda imprensa
mineira na difusão das idéias republicanas. Nos últimos anos de circulação,
O Jequitinhonha mudou de dono: de Josefino Vieira Machado passou
para Herculano Carlos de Magalhães Castro, mas a redação ainda
pertencia a Joaquim Felício dos Santos (EULÁLIO, 1956: 31; NEVES, 1956
22).
Já nas primeiras edições, Joaquim Felício se propõe a escrever a
história de Diamantina. Para ele, esses escritos não passavam de “alguns
artigos sobre minerações” que ele acreditava ser um roteiro prático
das minerações ou mesmo “alguns apontamentos sobre a história local
e com objetivo de orientar os mineiros sobre terrenos explorados, a
fim de poupar-lhes despesas e trabalhos infrutíferos”, onde ainda
descrevia as tradições locais, com muito espírito bairrista (EULÁLIO, 1956:
34).
Dessa coletânea de artigos, escritos sob a forma de folhetim surge,
em 1868, o livro Memórias do Distrito Diamantino da Comarca do
Serro Frio, Província de Minas Gerais, considerado por inúmeros
historiadores como uma das fontes mais preciosas da História de Minas.
Os meios intelectuais receberam o livro como uma grande revelação que
vinha do interior do País, por seu alto grau de espírito de narrativa e por
sua linguagem pura e escorreita. Logo, o livro foi traduzido para o inglês
e o francês. O autor, depois de publicar este primeiro livro, não parou
mais de escrever e conseguiu criar uma literatura com as cores da terra e
fortes pinceladas de nacionalidade (NEVES, 1956: 23).
Escreveu em seguida o romance “Acayaca”, história romantizada
sobre a fundação de Diamantina, com forte presença do elemento indígena.
Intercalava na narrativa um sabor de folclore, ao contar a lenda do
aparecimento dos diamantes na região. Este romance indianista foi
publicado em três edições e traduzido para o espanhol (MIRANDA e SILVA,
2004: 13, 14).

70
Produziu várias peças de teatro, publicadas sob a forma de folhetim,
no próprio jornal, sendo muitas delas representadas nos teatros do Rio
de Janeiro. Citam-se, ainda, de sua autoria novelas e contos, como: Brás
– novela de crítica ao sistema penitenciário vigente na época; John Bull,
uma sátira a respeito da Questão Christie; Os Invisíveis, O Intendente
dos Diamantes; Cenas da Vida do Garimpeiro João Costa (não
concluído); O Acaba Mundo; O Capitão Mendonça (não concluído) e
Manuscrito Velho (não concluído) (EULÁLIO, 1956: 36).
O historiador Joaquim Ribeiro fez o prefácio da terceira edição do
livro Memórias do Distrito Diamantino e comentou que:

Felício dos Santos traz à memória Auguste Thierry, não


pela sobriedade magestosa do estilo, senão pelo tom de
evocação pinturesca dos fatos e das personagens
históricas. Livro escrito em 1864, não seria estranhável
que assimilasse a doutrina metodológica do grande
historiador francês, na verdade, o fundador da
historiografia francesa, da Escola Romântica, que tinha
o poder pictórico da reconstituição do passado”. Para
ele, “a obra de Joaquim Felício dos Santos se eleva muito
acima de outros historiadores mais equipados
tecnicamente do que ele, mas sem a intuição social, que
define a sua originalidade na historiografia brasileira.
Não se pode falar em historiografia de Minas Gerais sem
se evocar, com a devida homenagem o nome de Joaquim
Felício dos Santos (RIBEIRO, 1956: 14, 15).
O historiador José Teixeira Neves, autor de um Estudo Biográfico
de Joaquim Felício dos Santos, na edição de 1956 do Memórias do
Distrito Diamantino, disse que ele, ao escrever a História de Diamantina,
preocupava-se em narrar a “História de um povo desgraçado que,
por viver em solo rico, suportara, em toda a Colônia, os vexames e
as exações do governo da Metrópole, sujeito ao absolutismo de
autoridades discricionárias, deveria ser interessante a todos os
brasileiros” (NEVES, 1956: 22).
Joaquim Felício mostrava o quanto a Província de Minas vinha
sofrendo com o autoritarismo e a exploração de suas riquezas, desde os
tempos da colônia. Evidencia-se, também, o quanto ele se revoltava com
o tratamento que o regime monárquico dava a essa região. O rancor que

71
ele guardava da Metrópole Portuguesa é o mesmo que ele devotava à
Monarquia Brasileira, herdeira do autoritarismo lusitano (MENEZES, 1924,
IX).
O jornal não contava com venda avulsa nem matérias pagas. Tinha
suas colunas franqueadas gratuitamente e fazia publicações de interesse
coletivo. Sobrevivia de minguadas assinaturas das pessoas que recebiam
e não o devolviam, já que era esta a condição de se tornar assinante.
Assim, manteve-se como órgão valoroso de oposição ao governo central
por mais de quatorze anos (NEVES, 1956: 21).
Contava com um corpo ativo de correspondentes e
colaboradores como Carlos Benedito Otoni, Antônio Felício dos Santos,
João Nepomuceno Kubitschek, grupo ligado ao ultra-romantismo. O
principal colaborador, no entanto, era Teófilo Otoni, como jornalista
correspondente da Corte e que enviava quase que diariamente, pelo
correio, as últimas notícias do Rio de Janeiro. Daí o porquê de O
Jequitinhonha estar sempre à frente dos demais jornais mineiros quanto
ao noticiário do momento4 . O jornal vivia de assinaturas pagas e circulava
na cidade de Diamantina, em algumas cidades do norte de Minas e do sul
da Bahia. Era também enviado para a capital, Ouro Preto, e para a Corte,
o Rio de Janeiro (EULÁLIO, 1976: 29).
A linha política e ideológica do jornal era afinada com o Partido
Liberal, em cujas fileiras se destacava o nome de Teófilo Otoni, líder da
comarca mineira do Serro Frio, com atuação empresarial e política na
Corte. Por sua tendência liberal, faz uma impiedosa sátira contra a
monarquia, segundo Alexandre Eulálio, autor de nota introdutória do
livro Memórias, sob o título Notícia Literária. Ele mostra como Joaquim
Felício teve uma vida política fecunda, mas curta, e que seu objetivo era
mais social que partidário. Ele acreditava que Joaquim Felício “visava
muito mais a princípios de justiça social que a escravatura e os
privilégios da monarquia tornavam impraticáveis” (EULÁLIO, 1956:
34).
O Movimento Liberal de 1842, surgido em São Paulo, alcançou
também a província de Minas Gerais congregando as cidades de
Barbacena, Queluz, Sabará, Santa Luzia e foi desbaratado pelo Marquês

4) Pelo fato de Teófilo Otoni estar residindo no Rio de Janeiro, ele enviava as últimas notícias
dos jornais da Corte, como por exemplo do Jornal do Commercio e O Jequitinhonha noticiava
em Minas, em primeira mão.

72
de Caxias. Entre seus líderes estava Teófilo Otoni que guardava mágoa
mortal da Monarquia e dos seguidores que estavam no seu entorno,
repassando depois esse rancor para Joaquim Felício dos Santos que não
participara do movimento, mas que comungava as idéias de seu líder
liberal.
Em seu pequeno espaço urbano, O Jequitinhonha corroia o regime
monárquico e apontava para um projeto liberal republicano. Progressista
por excelência, O Jequitinhonha, além de republicano, era ainda
anticlerical. Criticava muito a Igreja Católica e o clero e tinha uma proposta
abolicionista, colocando-se como defensor dos escravos. Ele liderava na
província de Minas a oposição à Monarquia e não poupava críticas
violentas à guerra e aos chefes militares. Tanto transcrevia trechos de
jornais da Corte como emitia opiniões próprias a respeito de lances da
guerra e das engrenagens políticas do governo.
Na década de 60 do século XIX, a desmontagem da Monarquia é
ainda um fato sutil e quase imperceptível para muita gente. Praticamente
O Jequitinhonha é uma voz isolada que se levanta no sertão das Minas
Gerais e antevê o declínio do regime monárquico. Consegue também
criar um pano de fundo do Segundo Reinado durante a Guerra do Paraguai,
ao relatar as implicações políticas do momento, os meandros e dificuldades
da vida econômica e ao traçar um panorama da vida cultural e social
daquela época.
Em alguns editoriais o jornal O Jequitinhonha parece prever o fim
da Monarquia e a conseqüente criação do regime republicano. Suas
matérias fazem comentários a respeito do desgaste da Monarquia, suas
fragilidades como instituição política e chama a atenção para a necessidade
de se mudar o sistema de governo para se adaptar à realidade dos novos
tempos. E o faz com um discurso argumentativo, recheado de fina ironia,
com a qual pretendia atingir a Monarquia (FERNANDES, 2001: 141).
A partir de 1870, quando o movimento republicano praticamente
iniciou, O Jequitinhonha apresenta um cunho acentuadamente liberal.
Evoluiu mais em 1871, quando se antecipou aos demais colegas de
imprensa e saiu à frente, na difusão do pensamento republicano. A este
novo partido, recentemente criado na Corte, ele hipotecou seu apoio e
passou a difundi-lo em toda a Província de Minas Gerais (NEVES, 1956:
22).

73
Além de aproveitar as páginas de O Jequitinhonha para narrar a
história de Diamantina, Joaquim Felício usou o jornal para produzir, em
forma de novela semanal, tipo folhetim, uma obra de ficção onde jogou
toda sua criatividade e verve literária contra a Monarquia. Trata-se do
texto: Páginas da História do Brasil escripta no anno 2000.
Nesses comentários negativos acerca do regime monárquico,
giravam o Imperador Pedro II, a Imperatriz, personalidades políticas como
Caxias, Visconde do Rio Branco, Itaboraí, Inhaúma e outros. Era na
verdade uma ficção, mas com forte tônica de crítica à Monarquia, irônica
e, às vezes, bem divertida, onde desfilavam figuras importantes do governo
(EULÁLIO, 1976).
Na primeira fase, de 1861 a 1864, Joaquim Felício publicou esta
História do Anno 2000 sem muito cuidado e onde, utilizando bastante
fantasia e liberdade, faz uma espécie de crônica do Segundo Reinado,
dedicando vários textos à Guerra do Paraguai. Algumas páginas referem-
se especialmente a D. Pedro II e às ingerências políticas entre o Ministro
das Finanças, Itaboraí e Caxias. Com estes textos ele “divertia o
municipal leitor daquelas brenhas, o leitor do mato, a duzentas léguas
da corte” e os jornais eram guardados com cuidado pelas famílias, para
serem mostrados aos netos as “infinitas aventuras de um Júlio Verne
sertanejo” (EULÁLIO, 1957: 103).
O cenário montado era o Brasil da década de 60 do século XIX e
a Guerra do Paraguai constituía-se quase sempre como o tema central.
Em muitos capítulos ele escrevia como se fosse José de Alencar e contava
a História do Brasil como se nosso país já fosse uma República e estivesse
no ano 2000. Procurava ainda apresentar editoriais com notícias locais e
nacionais, sempre com tônica de crítica e de ironia.
Depois de um intervalo de quatro anos, em 1868, o jornal voltou
com a História do Anno 2000, coincidindo com a queda do Gabinete
Liberal do Ministro Zacarias, pressionada por D. Pedro II. Este fato
repercutiu violentamente entre os exaltados liberais da cidade de
Diamantina. A História do Anno 2000 voltou com toda a força, fruto de
um ressentimento profundo e traduzindo bem o pensamento de um grupo
que se sentia “tolhido em suas melhores esperanças e que não se
conforma com isso” (EULÁLIO, 1957: 104).
Carlos de Laet, crítico literário e monarquista convicto, faz um
comentário ferino acerca de Joaquim Felício, apontando-o como

74
“político de curta visão, e saturado de palanfrório”. Fala que “ele
estava no fundo da Província e desconhecia o que se passava na
Corte” (EULÁLIO, 1957, 104).
Nesta História do Brasil no Ano 2000, a imaginação de Joaquim
Felício foi tão fértil que ele imaginava um espírito, o Dr. Isherepanoff, que
se apresenta como um historiador do futuro conversando com D. Pedro
II, no dia primeiro do mês de janeiro de 2001, e mostrava para ele como
era o Brasil naquela época. A Capital do Brasil era uma cidade, a Guaicuí,
na Barra do Guaicuí, onde o Rio das Velhas desemboca no Rio São
Francisco, local de muito progresso, com navios a vapor e trens correndo
de um lado para o outro. Fazia ainda alusão a outros meios de transporte,
os aeróstatos, objetos voadores que cortavam os ares transportando
pessoas e objetos. Falava que essa Capital do País era uma cidade
moderna, plana, cheia de prédios altos e imponentes, com largas avenidas
e muitas indústrias em pleno funcionamento. Mostrava ainda a D. Pedro
II que o atual regime político do Brasil era a República Federativa com
122 Estados. Dizia a D. Pedro que a Monarquia havia caído no Brasil,
que ele fora desterrado para a Itália, já morrera e fora enterrado no sul
daquele país (EULÁLIO, 1957: 113-155).
Para Joaquim Felício, a “República nivelou as classes, aboliu a
aristocracia, os privilégios, as isenções, a nobreza, a fidalguia... A
Liberdade, igualdade e fraternidade era a base da constituição
moderna...” Ele falava também que a nova doutrina religiosa do momento
permitindo “ao médium que se comunicava diretamente com os
espíritos” era o espiritismo. Apresentava também os doutrinadores desta
nova ciência vinda da França, como Gougenot, E. Levi, V. Annequim, e
A. Kardec (O JEQUITINHONHA, 12 dezembro 1869, p.2).
Nesta segunda fase das Páginas da História do Anno 2000
Joaquim Felício apresentou uma imagem atual até para nossos dias. Ele
usou de uma linguagem profética, parecendo até que estava antevendo o
que aconteceria no Brasil futuro, como a instalação da república
democrática, o progresso econômico e até a construção da nova capital,
no interior do País.
Este teatro imaginário de Joaquim Felício, apesar de escrito e
publicado num jornal pequeno do interior mineiro, não passava
despercebido na Corte. O Imperador e a família imperial eram informados,
sem restrições, de todas as críticas que lhes eram dirigidas e isto,

75
certamente, acabou por frustrar muitos projetos deste jurista e jornalista
(EULÁLIO,1957: 108).

‘As Páginas da História do Brasil no Anno 2000’,


adiantando-se na veemência de seus ataques demolidores,
expunha ao ridículo toda a corte, com alusões
penetrantes, que iam até além dos reposteiros (NEVES, 1956:
26).

O estudioso de cultura mineira e folclorista Aires da Mata Machado


Filho, que muito pesquisou sobre a cidade de Diamantina, assim se
expressa sobre os aspectos do folhetim de Joaquim Felício publicado no
jornal O Jequitinhonha:

A ‘História do Brasil no ano 2000’, fantasia da lavra de


Joaquim Felício dos Santos, a qual era a profecia do
futuro do Brasil sob a forma republicana, ombreando com
as adiantadas civilizações do mundo, se não ocupando o
primeiro lugar entre as nações cultas e conquistando a
hegemonia de toda a América (MATA MACHADO FILHO,
1957: 150).

76
CAPÍTULO 5

O JEQUITINHONHA
E SUA VISÃO DA MONARQUIA

O Jequitinhonha repassava para o público leitor uma visão ne-


gativa da Monarquia e defendia a implantação do regime republicano no
Brasil.
Em muitos editoriais aproveitava para fazer a comparação de D.
Pedro II com governantes autoritários de outros países, como Napoleão,
Cromwell, o Imperador de Roma, Augusto; Carlos Magno e o ditador
romano César. Na edição de 11 de abril de 1869, denomina o Impera-
dor Pedro II de “tzar caricato do Brasil”. Neste mesmo editorial, faz
comparação do Brasil com o Paraguai e diz: “D. Pedro quer libertar a
República do Paraguay de “um tyrano”. Não vê que precisamos de
quem nos liberte da coroa bragantina?” E comenta, ainda: “D. Pedro
quer acabar com ‘os vícios imaginários’ 5 e não vê a grangrena que
lavra por todo o corpo social do Brasil” (grifos do autor) (O
JEQUITINHONHA, 11 de abril de 1869, p.1).
Comparava muito o Brasil de D.Pedro II com países de caráter
autoritário, quase sempre monárquicos, contemporâneos à Guerra
do Paraguai. Neste comentário, aproveita para alfinetar o Imperador,
de forma virulenta e irônica: “Se o Snr D. Pedro II é tão liberal que
quer mudar a Constituição do Paraguay para libertal – o de um
tyranno, porque não vai depor o Czar da Rússia ou o imperador da
China?” (O JEQUITINHONHA, 14 março de 1869, p.1). Como a Rússia e a
China eram países monárquicos e possuíam regimes autoritários, seme-
lhantes ao governo de D.Pedro II, ele perguntava por que ele não ia
depô-los também?
Os ataques à figura de D.Pedro II ou ao que ele representava,
neste caso o regime da Monarquia, eram tão visíveis e pessoais que cha-

5) Expressão usada pelo jornal sem que se esclareça que “vícios” são estes. Leva a supor que
está querendo referir-se aos problemas e mazelas que a Monarquia trazia para o Brasil.

77
mavam a atenção para alguns problemas de sua saúde. Em 11 de abril
de 1869, (p.1) o jornal diamantinense criticava o beija-mão, que ainda
era usado na Corte, e falava que este costume já havia sido abolido em
muitos países europeus. Ele dizia que D. Pedro II sofria de uma moléstia
subcutânea chamada “trichophytia”6 , que atacava as costas das mãos e
produzia um comichão ou prurido, produzido por certos “animalículos”
como o “acarus” (grifos do autor) e admirava como a Corte ainda não
abandonara o costume do beija-mão: “D. Pedro Il, imperador do Bra-
sil, desgraçadamente se acha affectado d’esta terrível molestia e
assim se explica o facto singular de ainda em sua côrte não se ter
abolido o beija-mão” (O JEQUITINHONHA, 6 junho de 1869, p.1).
Este jornal preocupava-se quase sempre em apontar pontos fra-
cos do Imperador e os desfilava na imprensa, chegando até a ridiculari-
zar o monarca. A ‘Fala do Trono’, quando acontecia, era um momento
especial para o jornal, pois aproveitava o evento para criticar mais a
atuação e a figura de D. Pedro II.
Nesta ocasião o Imperador fazia pronunciamentos à nação, na pes-
soa de seus representantes, abrindo ou fechando as sessões do Parla-
mento.

As sessões do Parlamento deveriam ser abertas com um


discurso do monarca, em forma de mensagem. Eram as
‘Falas do Trono’. E nessas ocasiões, os caricaturistas do
Segundo Reinado tinham novas oportunidades para ridi-
cularizar causticamente o regime, fustigando não apenas
a figura do Imperador – sempre apresentado como um
porta-voz alienado do chefe do gabinete ou do ministério
(TÁVORA, 1975: 41).

Destaca-se a ‘Fala do Trono’ de 11 de maio de 1869, quando


este jornal fez comentários, na edição de 6 de junho do mesmo ano,
ao dizer que a curiosidade pública estava muito aguçada porque iam
se abrir “de par em par as portas do Parlamento”. Fala ainda que o
povo estava caindo na desilusão ao perceber que as promessas do gover-

6) Doença de pele vulgarmente conhecida por “tricofitose”, micose ou “tinha”, provocada


por um fungo parasita capilar.

78
Caricatura da “Fala do Trono” Fonte: Távora, 1975: 47

no eram mentiras. Afirmava ainda: “S.M. com todo seu ‘trem’ poz-se na
rua e ficou ‘azul’ de ver o riso ‘amarello’ do bom povo carioca”
(grifos do jornal). Passa então a criticar a própria pessoa do Impera-
dor quando fala:
S.M. subiu os degraus com pernas trôpegas e desenrolou
um pergaminho que trazia apertado a seu ‘peito de tuca-

79
no’7 e com voz de ‘canna rachada’8 recitou os trechos:
Augustos e digníssimos representantes da Nação
brasileira...(grifos do jornal) (p.1).

Na ocasião da ‘Fala do Trono’, o Imperador Pedro II se para-


mentava com o ‘traje imperial’ e lia um Manifesto à nação, falando pela
boca do chefe do gabinete do Ministério. Essa figura de D. Pedro II
chegava às raias da hilaridade, muito distante da realidade tropical brasileira
e do povo, expondo a Monarquia Brasileira ao ridículo.
Era nas ocasiões mais solenes que estes contrastes se tor-
navam particularmente visíveis, quando Sua Majestade,
empunhando o cetro, se apresentava em indumentária de
gala: calças muito justas, sapatos de seda branca, manto
feito de papos de tucano, alta e pesada coroa que circun-
dava toda a cabeça e encobria a saliência pronunciada
da fronte (HOLANDA, 1983: 17).
Move-nos o riso, por exemplo, quando vemos o impera-
dor nos actos solemnes trajado burlescamente de calções,
com o sceptro na mão, trazendo uma pesada corôa, de
cauda, semelhando os reis do Congo: envergonha-nos
perante o estrangeiro, que julgará estar assistindo a um
baile de carnaval (O JEQUITINHONHA, 21 de março de 1869,
p.3).

O jornal não perdia, pois, ocasião de satirizar e debochar do


Imperador por ocasião da Fala do Trono, quando ele vestia este traje
imperial, que mais parecia uma roupa saída de algum conto de fadas
medieval ou mesmo de um carnaval, como ele dizia. O jornal tece um
comentário sobre a “Falla do Throno”, pronunciada na Assembléia
Geral de 11 de maio de 1869, e diz que ela é uma dessas peças esté-
reis, feitas sempre do mesmo molde e recitadas todos os anos, nas

7) O traje usado por D. Pedro nas ocasiões solenes e na ocasião da “Fala do Trono”,
compunha-se de calças muito justas de cetim, um saiote dourado, sapatos de saltos altos e um
peitoral feito de pena de peito de tucanos, de cor alaranjada. Este traje pode ser visto ainda
hoje, no Museu Imperial de Petrópolis.
8) Referia-se à voz fanhosa e nasalada de D. Pedro II.

80
sessões imperiais. Fala que, antes de lê-la, todos já sabiam o que o Im-
perador havia de recitar. Afirma que ele deveria anunciar que a tranqüili-
dade pública permanecia inalterada e, no plano exterior, eram amigáveis
as relações do Império com os governos das nações estrangeiras, exceto
com o Paraguai. E diz ainda que as nações da América olham para o
Brasil com desconfiança e conservam relações estremecidas com o Im-
pério, porque vêem na Monarquia uma “planta exótica” (grifo do jor-
nal) no solo americano. Nessa ocasião, D. Pedro II lamenta a continui-
dade da guerra, fala da morte de tantos brasileiros e diz:
Contrista-me profundamente a morte de tantos brasilei-
ros: entre elles sobresahem alguns dos nossos mais
disctintos oficiaes... e recomenda-lhes a memória e a grati-
dão nacional (O JEQUITINHONHA, 13 de junho de 1869, p.1).
O jornal ainda faz um comentário irônico sobre o episódio:
Lágrimas de crocodilo! O imperador que presenciou de
braços cruzados e com o sorriso de goso à tremular nos
lábios o espingardeamento de tantos bravos immolados à
fúria de um Welington caricato. O Imperador que chama
para os conselhos da coroa um tigre sanguinário que em
1848 poz as cabeças a prêmio [...] É um escarneo irrisorio
derramar lágrimas pelos marthyres da Pátria.. . (O
JEQUITINHONHA, 13 de junho de 1869, p.1).
Obs.: Os termos grifados se referem ao general Caxias

D. Pedro II foi muitas vezes criticado e até ridicularizado pela


imprensa da Corte. Por ocasião de seu aniversário, em 1868, foi pu-
blicado no Jornal do Commercio, no dia 2 de dezembro, um poema
em sua homenagem. Magalhães Jr. transcreve-o em seu livro O Im-
pério em chinelos, mostrando que na “data do aniversário do Impe-
rador, o velho órgão agasalhou em suas páginas uma versalhada
aparentemente inofensiva”, assinados apenas por “um Monarquis-
ta” (MAGALHÃES Jr. 1957: 79).
Estes versos provocaram o maior rebuliço nas ruas do Rio de
Janeiro, sendo impressos e afixados nos postes para divulgar sua lei-
tura entre a população carioca. Eram decorados e recitados nos ca-
fés, nos bares e nas rodinhas dos fins de tarde. Foram republicados

81
em outros jornais do Rio de Janeiro e de outras cidades, como no O
Jequitinhonha, um mês depois, na data de 3 de janeiro de 1869, sendo
assim apresentados:
Transcripção - Hymno dedicado a S.M.I. O Senhor
D. Pedro II no dia 2 de dezembro de 1868
h excelso monarcha eu vos saudo!
O B O B O DO R E I F A Z A N N O S

em como vos sauda o mundo inteiro;


mundo, que conhece as vossas glórias...
rasileiros, erguei-vos, e de um brado
monarcha saudai, - saudai com hymnos.
o dia de Dezembro o dois faustoso
dia que nos trouxe mil venturas!
ibomba ao nascer d’alva a artilharia
parece dizer em som festivo
mpério do Brasil, cantai, cantai !
estival harmonia reine em todos;
s glórias do monarcha, as sãs virtudes,
elemos, decantando-as sem cessar.
excelsa Imperatriz, a mãe dos pobres,
ão olvidemos também de festejar
este dia immortal que é para ella
dia venturoso em que nascêra
empre grande e immortal Pedro II.”
Um Monarchista
(Do Jornal do Commercio)
(O JEQUITINHONHA, 3 janeiro de 1869, p.3)

Como bem se vê, os versos constituíam um acróstico com o intuito


não de homenagear o Imperador em seu aniversário, mas de ridicularizá-
lo. Quem ficou muito mal foi o Jornal do Commercio, considerado res-
ponsável por este ato desrespeitoso para com o Imperador Pedro II,
sendo inclusive instaurado um inquérito contra ele, a mando do então
Ministro da Justiça, José de Alencar (MAGALHÃES Jr., 1957).

82
Na edição de 17 de janeiro de 1869, o jornal O Jequitinhonha
publicou este poema intitulado:

“Resposta ao “Hymno do Jornal do Commercio, de 2 de dezembro”

Povo brasileo, que escutaes meus ais,


Ouvi, com espanto, desrespeito ingente!
Ingrato povo, desleaes vassallos,
Saindo fôra da mansidão a raia,
Parai, viandante incanto, parai !
E não temeis de ouvir a sanha,
De um povo revolto a seu rei pacífico?!
Riscando agora o que aceitará outr´ora
O sceptro, a coroa, a cubiçosa purpura?
Sejais prudente, o escarneo longe,
E não queiraes por ficção chimerica
Galgar de um pulo esse vertice excelso.
Ufanaes da revolução da Hespanha?
Napoleão mesmo, dizeis, não está seguro?
Deixai ao tempo como grande mestre,
Operar na successão das cousas,
E não queiraes como os convertidos,
Bater o idolo que adorarão então.
Ouvi, ouvi, e não quereis rebeldes,
Balbuciar asneiras, disparate lógico?
Onde a razão que vos ilumina a mente?

Americano do Norte
(O JEQUITINHONHA, 17 de janeiro de 1869, p.4)

Seria este poema mais uma criação irônica de Joaquim Felício


dos Santos ?
Não se sabe, pois o poema vem assinado com o pseudônimo
de Americano do Norte.

83
D. Pedro II foi muito reproduzido em bustos de mármore ou de
bronze nos quais aparecia como um imperador romano, inclusive com
uma coroa de louros na cabeça. Sua imagem de César laureado aparecia
também em medalhas comemorativas e em moedas. Esta era uma forma
de engrandecer a figura do Imperador e fazer cercar a guerra de um ar de
credibilidade, além de repassar toda uma idéia de ufanismo em torno da
nação. O Jequitinhonha costumava sempre comentar a respeito da abdi-
cação do Imperador e até pedir por ela:
O Sr. D. Pedro II tem certos repentes impensados, de que
depois se arrepende. Quando fomos insultados pelo Sr
Christie (ministro inglês da “Questão Christie”)9 , protes-
tou que abdicaria a coroa se o governo inglês não desse-
nos uma satisfação condigna... Ultimamente também de-
clarou que abdicaria se Lopez não fosse vencido e expul-
so do Paraguay [...] A Inglaterra não deu-nos satisfação
alguma e S. M. não abdicou; Lopez não ha de ser depos-
to e, estejão tranquillos os imperialistas - S. M. não abdi-
cará ainda (O JEQUITINHONHA, 14 de março de 1869, p.1).
O jornal fala novamente da “emancipação” que, no seu pensa-
mento, seria o fim da Monarquia Brasileira:
Amordação a liberdade, algemão os pulsos do cidadão,
armão a dictadura, corrompem os magistrados, recrutão
os adversários [...] Não se illude o trono, como não se
illude o povo. A esperança com este reinado está morta
no coração nacional e as 20 províncias do Império já
suspirão para que chegue a desejada hora da emancipa-
ção (O JEQUITINHONHA, 6 de junho de 1869).

9) A “Questão Christie’’ foi um incidente ocorrido em 1862 envolvendo oficiais ingleses e o


governo imperial. O ministro inglês William Douglas Christie, que já servira na Confederação
Argentina, em represália ao governo de Pedro II, ordenou que navios britânicos apresassem
navios mercantes brasileiros na barra do Rio de Janeiro. Isso provocou o rompimento das
relações diplomáticas entre a Inglaterra e o Império Brasileiro, que só se reataram em 1865,
por ocasião da “Rendição de Uruguaiana”, quando D. Pedro se compatibilizou com o ministro
inglês Thornton.

84
Essa emancipação a que o jornal se refere é a implantação da Re-
pública no Brasil, tanto clamada por ele.
Critica também as despesas que a família imperial trazia para os
cofres brasileiros:“Cada anno, da arvore bourbonica rebenta um novo
pimpolho, um novo princepe que, apenas vê a luz do dia, emboca a
teta do orçamento, sugando os 6 contos para alimentos, fora as ache-
gas”. E diz ainda:
Há pouco nos jornaes da Côrte uma portaria do ministro
do Imperio à Câmara Municipal declarando que S.M. o
imperador havia por bem ordenar que na noite do dia em
que nascesse o princepe ou princeza, filho do Duque de
Saxe, se iluminassem as cazas dos seus fieis subditos,
habitantes da leal cidade do Rio de Janeiro. Nas fazen-
das os escravos celebrarão o nascimento do filho do se-
nhor com jongos e cateretês e em remuneração ficão
n’esse dia, alliviados do trabalho. [...] deixar os andra-
jos da miseria para festejar o nascimento do neto do rei
(O JEQUITINHONHA, 11 junho 1869, p.1).

Em outra edição, datada de 17 de janeiro de 1869, o jornal


comenta mais ainda sobre os gastos e esbanjamentos que o Estado
fazia para a Família Imperial:
A Constituição, que por especial graça foi-nos outorga-
da por D. Pedro I, manda no art. 113 que as princezas
que se casassem e fossem residir fora do Imperio se en-
tregasse de uma vez somente uma quantia determinada,
com o que cessarião os alimentos que percebião (p.1).
E continua o comentário, dizendo que, a 28 de abril de 1844,
casara-se a princesa brasileira Januária com o Conde D’Aquilla, D.
Luiz, príncipe das Duas Sicílias e foram residir na Europa. Dessa for-
ma, deviam cessar os alimentos para a princesa.“Assim porem não
aconteceo e todos os annos vemos no orçamento a escandalosa ver-
ba de 102:000$000 aplicada para a sua dotação e alluguel de casa.”
O texto do jornal diz ainda que em 1845 a princesa teve um filho – D.
Luiz Maria e, em 1847, outro filho – D. Filipe. E continua: “Contra a
Constituição vemos todos os annos assignados no orçamento ao pri-

85
meiro 12:000$000 para alimentos e, ao segundo, 6:000$000.” E sen-
te-se feliz ao dizer que a princesa não era tão fecunda assim, porque, se
mais filhos tivesse D. Januária, mais verbas teria que despender o orça-
mento do Império. E conclui:

Assim, todos os annos despendemos a quantia de


120:000$000 para a Sra. D. Januária e seus filhos vive-
rem e divertirem-se lá na Europa sem trabalho, ou
incommodo algum. Os estrangeiros com sábia razão dão
ao Brazil o apellido de “Tio Rico”, isto é, um tio pateta
que trabalha. para, à sua custa sustentarem-se sobrinhos
vadios, preguiçosos e pródigos. Se a Constituição não
fosse letra morta no Brazil, à muito que estarião cortadas
do orçamento essas verbas superfluas. O que vemos, além
de inconstitucional, é indecoroso.
E diz que ainda há mais escândalo, quando denuncia que o “Tio
Rico” paga à D. Amélia de Leuchtemberg, duqueza de Bragança e
segunda esposa de Pedro I:
a dotação de 50:000$000 com que passa boa vida em
Lisboa, que escolheu para sua residência. Com esta quan-
tia muita industria podería ter sido animada, muito brasi-
leiro pobre socorrido. Cumpre que acabemos com os es-
banjamentos dos dinheiros da nação.
O jornal não se intimida em falar abertamente contra o governo
de D. Pedro II, atribuindo-lhe danos morais e materiais causados ao
país:

Também o nosso segundo reinado tem sido péssimo, tem


sido um governo de esbanjamentos dos dinheiros públi-
cos, de immoralidade e corrupção: não estamos conten-
tes com o Sr D. Pedro II (O JEQUITINHONHA, 14 de março de
1869, p.1).

Depois de denunciar estes desvios de dinheiro pelo governo brasi-


leiro, o jornal preocupa-se também em apontar as condições precárias
em que se encontrava a província de Minas, por falta de dinheiro:

86
A província de Minas não tem estradas; seus grandes rios
correm indômitos sem navegação e mesmo sem pontes;
seus sertões invios são desconhecidos e mysteriosos como
as florestas druidas; as riquezas de seu solo uberrimo
estão por explorar! O governo responde: “Não há dinhei-
ro! Querem pois os leitores saber para onde vai o dinhei-
ro? (O JEQUITINHONHA, 11 de julho de 1869, p.1).
Poucos meses antes do término da guerra, o jornal publica em
12 de dezembro de 1869, um artigo em que critica o menosprezo
da Monarquia para com o ensino no Brasil. Fala que a política im-
perial tem medo da luz. Acredita na necessidade de o povo se educar
para vencer a opressão e caminhar para o progresso:
Quer antes as trevas sombrias que projectam a ignorân-
cia das massas. O rei avocou a si o privilégio do saber. É
uma encyclopédia viva e animada. Somos o povo mais
atrazado do continente. As próprias repúblicas do Prata
e do Pacífico, que com tamanho desprezo olhamos,
ganhão-nos a palma no adiantamento do progresso.
Andão mais do que nós. A instrucção precisa ser
introduzida no paiz, se não fôr pelo governo seja pelo
menos pelos cidadãos. No dia em que todos soubermos
ler, o despotismo estará no chão (O JEQUITINHONHA, 12 de
dezembro de 1869).

O texto abaixo, mostra a necessidade de uma revolução por


meios pacíficos para levar o povo a reivindicar seus direitos, ao mes-
mo tempo em que os julga usurpados pelo imperialismo do Monarca:

... preparemos a revolução pacífica das idéias educan-


do o povo na consciência dos seus direitos. Enquanto
Cesar civiliza o Paraguay, civilizemo-nos a nós mesmos.
A ignorância é o terreno em que se enraizão todas as
supertições. Como as aves nocturnas a tyrannia foge a
luz (O JEQUITINHONHA, 10 de janeiro de 1869, p.3).
Ele também combatia ferozmente as ligações do Imperador Pe-
dro II com a Europa e com as nações que tinham a Monarquia como for-

87
ma de governo. Achava mesmo ridículo que o Brasil estivesse com os
olhos sempre voltados para a Europa e, na opinião dele, isto partia do
próprio regime político e, principalmente, do “imperante” (termo usado
com ironia pelo jornal para designar o Imperador Pedro II).
D. Pedro II não olha senão para a Europa, não procura
grangear senão a estima e sympathias das monarchias
europeas”. [...] So o que vem dálem do Atlântico parece-
lhe bom e imitavel. Aos seus olhos a America é só habita-
da por bárbaros. Não é sem razão que o estrangeiro
mimosea-nos com o ridiculo epitheto de macacos, porque
nada temos nosso proprio e macaqueamos tudo que ve-
mos na Europa. [...] Envergonhamo-nos, como brasilei-
ros que somos, de ver o Brasil levado de rasto na cauda
das monarchias europeas. Cumpre que os brasileiros abrão
os olhos e vejão o estado aviltante a que nos reduziu o Sr.
D. Pedro II com sua politica anti-americana (O
JEQUITINHONHA, 3 de janeiro de 1869, p.1).

Segundo o jornal, o Imperador Pedro II tinha sua cabeça pre-


sa à Europa e valorizava muito a cultura e a tecnologia européias. Para
ele, o Brasil era somente o Rio de Janeiro e isso se devia ao fato de a
capital do Brasil estar muito mais próxima da Europa, diretamente ligada
ao mar. O Imperador dava pouca ou quase nenhuma atenção ao interior
do Brasil, fruto talvez de toda uma mentalidade portuguesa. Segundo o
jornal, o Brasil era para ele nada mais que uma terra exótica. O principal
produto econômico era o café, ligado às elites dos barões que gravitavam
em torno da Corte e que pouco freqüentavam seus latifúndios. A minera-
ção já havia tido seu auge e, agora, deixava quase na decadência muitos
povoados mineiros. As estradas que levavam às cidades mineiras esta-
vam em situação precária, quase intransitáveis e a navegação dos rios
não merecia a atenção do governo imperial. A Diamantina da segunda
metade do século XlX vivia o drama da precariedade de recursos e era
relegada pelo governo imperial e como tal foi retratada pelo jornal da
cidade, O Jequitinhonha.

88
CAPÍTULO 6

A GUERRA DO PARAGUAI
NA LEITURA DE
O JEQUITINHONHA

Quase diariamente, os jornais da Corte noticiavam fatos ligados


à Guerra do Paraguai. Jornais alinhados ao governo imperial como o
Jornal do Commercio, A Semana Illustrada e Opinião atacavam a
figura de Solano López, qualificando-o com adjetivos pejorativos como:
tirano, bárbaro, monstro, malvado, abutre e outros mais, como bem
retrata Lima (1963: 112) no seu livro História da Caricatura do Brasil.
Ao notar a feição tendenciosa desses jornais da Corte, o jornal de
Diamantina denuncia essa atitude em suas páginas:
O heroísmo d’esse povo merece o respeito dos seus inimi-
gos. Como brasileiros não podemos deixar de protestar
contra as qualificações de ‘barbaro’, ‘monstro’, ‘tyrano’,
‘malvado’ e outros insultos grosseiros atirados ao chefe
d’aquella nação patriótica pelos jornais imperialistas.
Essa falta de generosidade para com o vencido não está
nos hábitos das nações civilizadas (O JEQUITINHONHA, 4
de abril de 1869).

D. Pedro II era muitas vezes chamado de “César” por esse jor-


nal, para caracterizar seu estilo imperialista. Isso é visivelmente nota-
do quando, nos editoriais ou matérias opinativas, são feitas menções
a ele.
... enquanto se esbanja a fortuna pública derribando o
governo legítimo do Paraguay para “civilizar” aquelle
paiz ao modo de Cesar.” [...] “O critério nacional já tem
julgado a continuação d’esta guerra como a mais negra
nodoa do fardão de Cesar. Conseguiremos a expulsão de

89
López como o exige o Tratado da Tríplice Aliança e para
que Cesar não abdique? (O JEQUITINHONHA, 10 de janeiro
de 1869) (grifos do jornal).

Alguns autores como Magalhães Jr. (1957), William Barret


(1952) e até o historiador paraguaio Efraim Cardozo (1957) fazem alu-
são a um possível pedido de casamento que Solano López teria feito ao
Imperador Pedro II para sua filha Isabel. O Jequitinhonha também não
se furtou de comentar o mesmo assunto e aproveitou para, mais uma vez,
atingir o Monarca brasileiro e vincular a Guerra do Paraguai a este fato,
na edição de 16 de maio de 1869. Afirmava que o general Webb, repre-
sentante dos Estados Unidos no Brasil, havia falado a respeito do boato
do pedido de casamento feito por Solano López a D. Pedro II e aprovei-
tava para esclarecer a opinião pública da “grande República” (grifo do
jornal) acerca da Guerra do Paraguai. Ofício publicado em 3 de maio de
1867 no ‘Supplemento’ do Jornal do Commercio de 10 de abril de 1869:

Quando começou a Guerra do Paraguay, dizia-se, no Rio


de Janeiro, que Lopez tinha pedido em casamento uma
das princezas e que S.M. com o maior desdem, recusara-
lhe. Esse boato espalhado não sabemos a que proposito,
passou por não ter fundamento: agora vem o officio do
Snr Webb de novo repetil-o: Ouçamos: “O novo presi-
dente nomeado para o Mato-Grosso, o Snr Campos, teve
de tomar o vapor brasileiro Marquez de Olinda e seguiu
para o seu destino, tendo forçosamente de passar pela
Assumpção, capital do Paraguay, cujo governo estava
em relações de amizade com o Brasil, e onde residia um
dos seus ministros devidamente credenciado, o impera-
dor entregou-lhe uma carta autographa dirigida ao pre-
sidente Lopez, participando-lhe em termos muito amigá-
veis e como acto de cortezia que tencionava casar a prin-
cesa imperial e sua irmã a princesa Leopoldina. O presi-
dente Campos, por intermédio do ministro brasileiro, pedio
uma audiencia ao presidente Lopez. A audiencia foi de
prompto concedida e a carta devidamente recebida, acom-
panhada de um discurso analogo ao acto, Julgai, pois,
da admiração de todos que se achavão presentes, ao ou-
virem a resposta do presidente Lopez, que principiou por
lembrar ao presidente Campos que antes da guerra com

90
o Uruguay (que há muito tempo estava concluída com
honra para ambos os países) elle (Lopez) havia declara-
do que se o Brasil tentasse fazer guerra ao Uruguay, elle
declararia guerra ao Brasil. Era verdade que elle não o
tinha feito na ocasião, mas que não estava esquecido de
sua ameaça, da qual o Brasil não tinha feito caso, como
se elle não fora uma potencia na America do Sul, e que,
em consequencia disso, declarava que desde aquelle mo-
mento, o Paraguay estava em pe de guerra com o Brasil.

Segundo o jornal, a guerra ia prosseguindo, não contra a nação do


Paraguai nem contra o povo paraguaio, mas como guerra pessoal contra
seu governante Solano López.
O imperador manteve até o fim do conflito a convicção
de que era preciso destruir de vez toda a influência
‘lopizta’ no Paraguai, daí, a recusar a paz que não aten-
desse a esse objetivo. Constava no Tratado de Aliança, e
os aliados não cansavam de repetir, que a guerra não era
contra a nação paraguaia, mas, sim, contra Solano López
(DORATIOTO, 2002:339) (grifo do autor).

Mostra que havia realmente uma disputa pessoal antiga entre


D. Pedro II e Solano López e era levada para o campo das relações
internacionais, na Guerra do Paraguai, como nos exemplos extraídos
do jornal:

Se o imperador está no seu direito sustentando uma guer-


ra, não de desafronta nacional, mas de desafronta pesso-
al, por ter o plebeo do Lopez querido desposar uma filha
sua (O JEQUITINHONHA, 20 de junho de 1869, p.4).
... o capricho cégo do Snr D. Pedro Il que no seu ‘divino’
orgulho não póde perdoar à um ‘cacique’ o levantar os
‘olhos selvagens’ para uma filha do seu ‘imperial amor’
(grifos do jornal) (O JEQUITINHONHA, 27 de junho de 1869, p.1).

91
Quer o imperador a deposição de Lopez, dando-se uma
outra forma de governo ao Paraguay e tomou esse com-
promisso no Tratado da Tríplice Aliança, compromisso im-
prudente e só filho do fofo orgulho imperial. O impera-
dor tem protestado que não fará tratado algum com Lopez,
porque a guerra foi declarada á elle e não ao povo do
Paraguay (O JEQUITINHONHA, 14 de março de 1869, p.1).
Nas entrelinhas, a antiga rixa entre D. Pedro II e López é vista
pelo jornal como um “capricho” do Imperador:

Pedimos a S.M. que tenha mais patriotismo; veja que


abysma o paiz sustentando um louco capricho. o paiz está
cançado; queremos a paz, uma paz honrosa (O
JEQUITINHONHA, 14 de março de 1869, p.1).

Sempre que achava oportunidade, esse jornal atacava a econo-


mia do Império, criando impostos que o povo tinha de pagar, em
função da guerra.

O povo geme sob o peso dos encargos na monarchia. Cada


dia o ‘Jornal Official’ apresenta nova tabela para co-
brança d’este ou d’aquele imposto, cada qual mais
vexatório. O cidadão horrorisado procura na lista tre-
mendo a nova somma que as garras do fisco hão-de-ar-
rancar-lhe para sustentar os caprichos imperiaes. O
throno imperial só cresce e avulta no meio da miseria pú-
blica (O JEQUITINHONHA, 11 de julho 1869, p.1).
Assim, os gastos que a Guerra produzia para os cofres da Mo-
narquia eram preocupação constante do jornal. Achava que havia
gastos exorbitantes e desnecessários:

O vapor ‘Presidente’ empregado no transporte dos feri-


dos da batalha de Lomas, é distraido desse serviço para
conduzir ‘mulas e cavallos’ do ‘grande duque de Caxias’
custando cada animal 10 a 20 contos, além de 200 tonela-
das de carvão de pedra, consumidos no transporte. Os
elephantes que ornavão o triumpho dos consules romanos
não custavão mais caro! (O JEQUITINHONHA, 11 de julho de
1869, p.1) (grifos do jornal).

92
Não é só o commercio, a alma viva do Imperio, assistin-
do, sem poder sopitar o curso, abysmarem-se os seus
capitaes no sorvedouro immenso de uma guerra, decla-
rada em dia de ‘almorreimas imperiaes’ ... (O
JEQUITINHONHA, 27 de junho de 1869, p.1).

Depois do Imperador Pedro II, uma das figuras que era alvo
maior de críticas deste jornal era o General Caxias. O jornal de
Diamantina, politicamente liberal, vai aproveitar do momento da Guer-
ra do Paraguai para atingi-lo de todos os modos, publicando um arti-
go sem assinatura intitulado “Correspondência”, datada de 24 de ja-
neiro de 1869.“O Marquez de Caxias quando alguma das suas
homéricas batalhas, costuma ditar aos seus secretários a “compe-
tente ordem do dia” (grifo do jornal), narrando em estilo de Cezar
ou de Napoleão as peripécias do trama em que é protagonista” (O
JEQUITINHONHA, 28 de fevereiro de 1869, p.3).

O jornal tanto compara D. Pedro II com César, como compara


também Caxias com o mesmo César ou com Napoleão, para fazer uma
conotação dele com ambos os chefes militares autoritários. O mesmo
editorial do dia 28 de fevereiro de 1869, combate as ações de Caxias e
o critica pelo número enorme de perdas nas batalhas de Itororó e Avaí,
quando o Brasil perdeu cerca de dez mil homens. No entanto, o mesmo
editorial elogia muito a figura do general Osório. Fala que Caxias coman-
dou Itororó e se encontrava a uma légua de distância. Há contradição
entre o Caxias do jornal O Jequitinhonha e o Caxias apresentado pela
Historia do Brasil tradicional, notadamente pelas publicações de cunho
oficial e do Exército Brasileiro. O Caxias apresentado pelo jornal é um
homem que levou muitos brasileiros à morte e o Caxias, comumente visto
pela História nacional, é o herói da ponte do Itororó, o grande pacifica-
dor do Império e o maior de todos os militares brasileiros. O jornal O
Jequitinhonha consegue, com suas palavras, derrubar o mito mais tradici-
onal do Brasil.
O Noticiário da guerra, de 24 de janeiro de 1869, fala do avanço
das tropas aliadas e das vitórias conseguidas no mês de dezembro de
1869, que são conhecidas na história oficial como “a Dezembrada”, a
série de vitórias brasileiras, chefiadas por Caxias, contra as tropas de
López.

93
Os exércitos alliados despertarão afinal do torpor em que
jazião e resolverão affinal emprehender um attaque sério
contra o inimigo dos seus intricheiramentos de Lomba
Valentina (grafia do jornal). Terriveis e mortiferos comba-
tes succederão-se de 21 a 27 do passado, até que, esma-
gado por forças superiores, Lopez foi forçado a uma re-
tirada desordenada, refugiando-se com o resto de suas
forças em um capão de matto, perdendo toda artilharia,
bagagens e trastes de seu uso particular. Cerca de 2:000
paraguaios forão prisioneiros ou mortos (O
JEQUITINHONHA, 28 de fevereiro de 1869, p.3).

O mesmo jornal relata ainda que:


As forças de Lopez, montando apenas 3 000 homens mais
ou menos, não podião resistir aos 40.000 do exercito
alliado... (O JEQUITINHONHA, 07 de março de 1869, p.3).
A edição de 7 de março de 1869 reproduz a fala de jornais da
Corte e as retransmite. Diz que as notícias da guerra não são lisonjeiras e
que os jornais do Rio de Janeiro chamam Solano López de “maldito”.
Fala ainda que ele estaria encurralado em um “capão de mato”. E, para
ele, López “escapou-se por algum subterrâneo ou volatizou-se como
já fez em Humaitá, quando hermeticamente fechado pelo estupendo
Marquez de Caxias.” Os jornais da Corte chamam ainda Solano López
de “monstro” e afirmam que ele estaria nas Cordilheiras, acompanhado
de dois mil homens e de cinco mil feridos. Fala também da entrada do
Marquês de Caxias em Assunção, quando não achou nenhum homem,
nem mesmo “meninos”.

O Snr Caxias está dormindo nos colxões macios do Palacio


de Lopez na Assumpção deserta ...”(O JEQUITINHONHA, 7
de março de 1869, p.2).

O jornal diamantinense ataca novamente Caxias, quando se acre-


ditava que a guerra estava ganha, com o exército brasileiro tomando a
capital de Assunção:
Ainda uma vez mais o Snr marquez de Caxias sorprende
dolorosamente o público! Anuncia o aniquilamento das

94
forças inimigas, deixa entrever que Lopez abandona o
Paraguay e eis que o inimigo surge na Cordilheira à fren-
te de forças consideráveis (07 de março de 1869, p.3).

Ele reproduz a fala de Caxias que não pode acreditar na resistên-


cia de López nas Cordilheiras e justifica sua retirada da Guerra, quando,
“ tendo-o como “fugitivo aquilombado” (grifos do jornal)” não póde
descer à condição de Capm do mato” (O JEQUITINHONHA, 7 de março
de 1869). Quando Caxias diz isso, ele está afirmando que não é “Capitão
do Mato” para perseguir negro fugido, quando compara o próprio López
a um “fugitivo aquilombado”, um escravo fugido que estaria refugiado em
algum quilombo. O jornal nunca aceitou de bom grado o fato de Caxias
ter se afastado da guerra e de se comparar a um “Capitão do Mato”, ao
ter de capturar López nas matas e se recusar a capturá-lo nas Cordilhei-
ras.
Em janeiro de 1869, Caxias dá a guerra como terminada, após a
tomada de Assunção e pede licença ao Imperador para abandonar o
comando das tropas brasileiras.
“O imperador custou a crer nessas notícias” (DORATIOTO, 2002:
386).
D. Pedro II, no entanto, acreditava que a presença de Caxias na
Guerra era ainda imprescindível. Contudo, sem esperar ordens imperi-
ais, alegando problemas de saúde, em fevereiro do mesmo ano, Caxias
voltou inesperadamente e de forma silenciosa ao Rio de Janeiro, fato que
muito desagradou ao Imperador.
Críticas contundentes partiam dos políticos e da imprensa em rela-
ção a Caxias:

Senador do Partido Conservador, o duque viu-se alvo


de críticas por parte da oposição liberal. As críticas mais
virulentas foram feitas, no Senado, por Teófilo Otonni e
por Zacarias. Teófilo Otonni, derrotado por Caxias na
Revolução Liberal de 1842, questionou, inclusive sua atu-
ação militar pregressa (DORATIOTO, 2002, 390).

Estas críticas partiam de amigos íntimos de Joaquim Felício e não


escapavam das páginas de seu jornal.

95
Um general notoriamente cobarde, forçado á ser
heroe em um momento de aperto, espanta-se, desvaira-se,
e abandona seu exercito, como se novo Cromwell, tivesse
força de inaugurar uma dictadura militar. Sua partida
traz serias consequencias: descrença nos officiaes, tedio
no exercito, apprehensões em todos (O JEQUITINHONHA,
25 abril de 1869, p.1).

O jornal mineiro atacou Caxias de todas as formas e ridiculari-


zou-o perante o público em vários números:

Marquez dá a guerra por terminada e fingindo encom-


modos de saude, embarca-se precipitadamente para a
Côrte, deixando o exercito em abandono e sem providên-
cias... (O JEQUITINHONHA, 6 de junho de 1869).

Em balde o Sr. duque de Caxias, nos soliloquios de sua


consciencia, com as faces incendiadas de pejo, pelo pa-
pel ridiculo que representou no Rio da Prata, desembar-
ca furtivamente em uma das praias desertas da Côrte [...]
Vae sepultar sua vergonha no retiro isolado de sua
familia... (O JEQUITINHONHA, 18 julho de 1869, p.1).
Comenta, ainda, em outra parte do editorial de 18 de julho de
1869, que na luta sustentada contra o Paraguai o único brasão do Sr.
Duque de Caxias era o elevado cargo de que fora investido pelo go-
verno imperial.“Os assombrosos feitos d’armas em que a Deusa da
Victoria coroou o Império de Santa Cruz foram devidos a bravura
10
dos Osorios, Andrade Neves, Argollos , e outros”. Caxias era repre-
sentante do Partido Conservador e os liberais não conseguiam conviver
com isso. O jornal, por ser porta-voz do Partido Liberal, ataca Caxias e
seu partido:
Supunha-se que a guerra estava a terminar-se afim dele
colher os louros ceifados pelos generais seus antecessores.
Mas o marquez se comportara com uma imperícia e fra-
queza tais, que embalde procuraram ocultar-lhe as faltas
dos homens de seu partido (O JEQUITINHONHA, 6 de junho
de 1869).

10) O jornal refere-se aos generais Osório, Andrade Neves e Argollo.

96
Acusa Caxias de morosidade e de estar sempre adiando o fim
da guerra:
Caxias por sua inepcia soube procrastinar por dois annos
uma guerra que, a não serem circunstâncias fortuitas se-
ria interminável (O JEQUITINHONHA, 11 de abril de 1869, p.1).
E fala também das contradições existentes entre as opiniões de
Caxias e do Imperador e como a guerra prejudicava a vida nacional:

Está acabada a guerra? O Marquez de Caxias disse que


sim, mas o imperador diz que não. A opinião deste é que
prevalece, e portanto ainda temos de continuar a guerra,
isto é, gastar muito dinheiro e derramar muito sangue;
temos de contrahir novos empréstimos, supportar maio-
res impostos; ainda temos de ver continuarem paralisa-
das a industria e o commercio, e deixados de banda os
melhoramentos materiaes, que reclama o paiz (O
JEQUITINHONHA, 14 de março de 1869, p.1).

Em contrapartida, esta fala encontra nova versão no que se re-


fere à demora do curso da guerra, com nota da redação do Diário
de Minas, que possui uma tônica bem oficial, enquanto órgão ligado
ao governo provincial:

O motivo dessa prudente lentidão nos movimentos do exér-


cito e da esquadra é hoje conhecido de todos. O revéz de
Curupaiti veio demonstrar ainda mais com quanta pre-
caução e prudência devemos avançar em um paiz inimi-
go, cuja topographia nos é desconhecida, todo cortado
de profundos banhados, de canaes desconhecidos, alem
de fossos, trincheiras, estacadas e mais obras de fortifi-
cação que o inimigo constroe todos os dias (DIÁRIO DE
MINAS, 12 de janeiro de 1867, p.2).

97
O Jequitinhonha, ao querer atingir Caxias com mais veemência,
publica uma matéria denominada “Welington e Caxias”, no dia 18 de
julho de 1869, na qual faz um paralelo entre os dois militares. Inicia co-
mentando a reunião organizada pelo governo do Império em que o “rei
Bobeche”11 agracia o Marquês de Caxias com o título único e o maior
da nobiliarquia brasileira – o de duque. Critica inclusive o fato de o Impe-
rador ordenar à “própria virtude da imperatriz á pregar-lhe no peito
a medalha de bravura”. Fala que “os imperialistas”, como se estives-
sem num teatro, querem atirar esse “manequim de farda”12 contra as
falanges liberais. É claro que esse jornal não se intimida em atacar de
frente a maior figura militar do Brasil, Caxias. E critica ainda quando diz
que entre os presentes alguém grita: “Viva o Welington brasileiro!”
Além disso, é visível a revolta do jornal que começa a fazer com-
paração entre os dois militares, ao seu próprio estilo, completamente
contra a Monarquia. Fala que o Duque de Welington é a glória da Irlan-
da, da Inglaterra e da humanidade. Relata suas vitórias na Índia, em Por-
tugal, na Espanha e a sua maior, a de Waterloo, contra Napoleão.

Quem é o Sr. duque de Caxias? pergunta e completa


dizendo que agora, “mais do que nunca, se deve dizer toda,
inteira verdade ao paiz. E prossegue: os memoráveis dias
de abril de 1831, quando o povo, levantando-se em mas-
sa, protestava contra os excessos de um aventureiro co-
roado, o Sr. “Duque” de Bragança - o Sr. “duque” de
Caxias, então major do batalhão do Imperador, offereceu-
se, à troco de um posto de acesso, para ir batalhar no
Campo de Sant’Anna contra seu pae, seus tios, seu gene-
ral e commandante de batalhão! Foi o primeiro ato de
sua vida pública. [...] Na questão com o caudilho Rosas,
o “valeroso”duque, mal ouvia o estampido dos tiros que
reboavão de quebrada em quebrada, antes que echoassem
aos seus ouvidos. Em Monte Caseros os soldados não
encontrarão o Sr. Caxias para apertar-lhe as mãos de-
pois da victoria – longe estavão seus passos (O
JEQUITINHONHA, 18 de julho de 1869, p.1) (grifos do jornal).

11) Rei Bobeche era o apelido pejorativo que muitas vezes o jornal O Jequitinhonha colocava
em D. Pedro II.
12) Este era mais um apelido com que o jornal denominava Caxias.

98
E como não esquece nem perdoa a vitória de Caxias sobre os
participantes da “Revolução Liberal de 1842”, arremata:

Em 20 de agosto de 1842 em Minas, o Sr. duque de Caxias


fugiu vergonhosamente parecendo que tinha creado azas
nos calcanhares. Os rebeldes de Queluz e Sabará quizerão
suster o carro esmagador da revolução. Preferiram, para
não ensanguentar mais a briosa Minas, entregar-se à
discripção de forças legalistas. Os insurgentes, descal-
ços, rasgando as carnes nos espinhos do caminho, com
os pulsos apertados de algemas, mortos á fome, acabru-
nhados de cansaço e de fadiga, formão um quadro de
eterna vergonha para os “vencedores imperiaes (O
JEQUITINHONHA, 18 de julho de 1869, p.2) (grifos do jornal).

O noticiário faz algumas insinuações quanto à honestidade do Mar-


quês de Caxias, no episódio da derrota das forças liberais, na ci-dade
mineira de Santa Luzia, quando quer mostrar que seus comandados mais
próximos saquearam várias casas desta cidade, roubando objetos valio-
sos:
... talheres, quadros, castiçaes, tudo foi presa da ‘quadri-
lha legalista’ (grifos do jornal).
E fala ainda que o próprio Caxias foi montando muito, sem
cerimônia, um lindo cavalo russo, pertencente ao Sr. João
Gualberto e fez nelle a sua entrada triumphal em Ouro
Preto (O JEQUITINHONHA, 18 de julho de 1869)
Termina o editorial fazendo um paralelo entre o Duque de We-
lington e Caxias. Diz que Welington era valente até o denodo e Caxias
prudente até a covardia; Welington era generoso depois da vitória e Caxias
era opressor dos vencidos; Welington curvava-se de respeito ante seus
progenitores e Caxias não duvidava armar seu ‘braço marcial’ contra
seu pai, tios e irmãos”..
E desfere o golpe final contra Caxias, quando finaliza fazendo a
seguinte comparação:

99
Welington era um ‘duque da Inglaterra’, ‘Caxias era um
duque do Brasil’. Welington era o ‘Duque de Ferro’,
Caxias era o ‘Duque da Evacuação... (O JEQUITINHONHA,
18 de julho de 1869, p.2) (grifos do jornal).
Não era o único jornal que se referia ao general Caxias, com o
título pejorativo de “Duque da Evacuação”, criticando suas retiradas
estratégicas na guerra. O jornal do Rio de Janeiro Opinião Liberal pu-
blica várias quadrinhas, atacando o General Lima e Silva por suas táticas
das quais destacam-se:

Lá no Sul os paraguaios
Como por combinação
Cobrem de glória Caxias
Em cada evacuação.

Corre até que está lavrado


Um decreto do patrão
Fazendo o nobre Caxias
Duque da Evacuação!!!
(MAGALHÃES Jr., 1957: 83).

Magalhães Jr. (1957: 82) faz alusão às críticas ferinas que eram
desferidas a Caxias em seu livro O Império em Chinelos: “Caxias
era atacado, criticado, hostilizado pelas publicações zombeteiras
da época, e jamais se soube que tivesse tomado uma atitude violenta
em face dessas críticas”. Encontra-se no Noticiador de Minas, jornal
de Ouro Preto ligado ao governo, um contraponto com a fala do jornal O
Jequitinhonha sobre o mesmo assunto acima citado:
O Duque de Caxias á actualmente o alvo de todas as
diabrites, e de todas as injurias das gasetas opposi-
cionistas. Mas... fique certo ... emquanto viver o duque de
Caxias não é possível haver explosão de sangue ... Viva o
vencedor de Santa Luzia! Viva quem pacificou a provincia,
quem salvou nossas famílias ameaçadas pelaferocidade
dos vandalos de 1842... D’esd’ o Maranhão até o Rio
Grande do Sul; desde Monte Casêros ate Assumpção esse
brado echôa com espanto dos tyranos, com espanto dos
anarchistas! (NOTICIADOR DE MINAS, 15 de abril de 1869, p.1).

100
Pode-se ver que havia versões diferentes nos jornais mineiros com
relação ao Duque de Caxias; enquanto O Jequitinhonha o ataca sem
perdão, outros jornais de Minas o colocam como o grande militar pacifi-
cador do Império.
O rancor que O Jequitinhonha guardava de Caxias só se justifica
devido às divergências entre o Partido Liberal e o Conservador. No en-
tanto, em contrapartida, relatos históricos atribuem a Caxias característi-
cas de grande estrategista militar, admirado por seus comandados:
Quando passava no seu uniforme de marechal-do-exérci-
to, ereto e elegante, apesar da idade, todos nós perfilá-
vamos reverentes e cheios de fé (CERQUEIRA, 1980: 241).

Doratioto (2002) em Maldita Guerra, fala da preocupação da


historiografia militar oficial em evitar críticas negativas à figura de
Caxias e busca fazer dele muito mais que um símbolo, um ícone his-
tórico puro, mesmo tendo que menosprezar outros líderes como Osó-
rio. Tanto é evidente a preocupação com a figura de Caxias, que foi
consagrado Patrono do Exército pelo governo da República.
Em 24 de março de 1869, o Imperador nomeia seu genro, Luiz
Filipe Gastão de Orléans, o Conde D’ Eu, para o comando das tropas
imperiais no Paraguai. Este já solicitara anteriormente a D. Pedro II sua
ida para o palco da guerra e fora descartado. O Imperador temia ser mal
interpretado, no sentido de querer criar novo Império Brasileiro na re-
gião do Prata e também pelo fato de o general Caxias já estar à frente do
comando. Neste momento, no entanto, era importante a presença do
príncipe (DORATIOTO, 2002).
... a nomeação de um membro da Família Real era, tam-
bém, uma forma de reerguer o moral da tropa na Repúbli-
ca paraguaia e demonstrar que o Rio de Janeiro continu-
ava disposto a pôr fim à guerra por meio de uma vitória
militar (DORATIOTTO, 2002: 398).

O jornal assim se manifesta a respeito de tal nomeação:

101
Sorprehendeu-nos, porém, a nomeação do Conde d’ Eu
para ir tomar o commando das forças brasileiras no
Paraguay. Quando S. A . no principio da guerra, em quan-
to esta ia mais renhida, com mais trabalhos e dificulda-
des a supperar, offereceu sua espada em defesa da honra
da patria; recusou o imperador seus serviços temendo
quiça que os louros, que colhesse o jovem principe, arre-
fecessem a idolatria dos monarchistas, que não vião sal-
vação, paz e gloria no Brasil senão com a casa bra-
gantina; temem que os olhos se voltassem para o novo sol
que despontava no horizonte, e dessem as costas ao que
cahia no ocaso. Hoje que a guerra entra em nova phase,
que as coisas ali vão inglorias, graças à inepcia do du-
que de Caxias, força-se o Conde D’ Eu a ir tomar o
commando de guerrilhas (O JEQUITINHONHA, 11 abril de 1869,
p.1).

Nesse momento, o jornal já se refere à guerra como “guerrilha”,


quando López quase desprovido de soldados, avança em direção às
Cordilheiras.
D. Pedro II ordena ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, o
Conselheiro José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Bran-
co, que assumisse o papel de negociar a paz com o Paraguai e criasse
ali um Governo Provisório. A imprensa oposicionista atacou tal medi-
da, pois enxergava nesse ato uma tônica de autoritarismo e uma for-
ma de não respeitar os direitos dos povos (DORATIOTO, 2002).
O Jequitinhonha assim se manifesta:

Que motivo tão forte actuou no espírito do Sr. D. Pedro


II para a nomeação do Conselheiro Paranhos, que à tan-
tas humilhações tem arrastado o Império em questões
diplomáticas no Rio da Prata? (O JEQUITINHONHA, 6 ju-
nho de 1869, p.2).

O jornal questiona e chega mesmo a se revoltar ao apelar


para o Direito Internacional dos povos e critica a intervenção brasileira
no Paraguai. Fala da possível reforma da Constituição daquele país, pro-
posta pelo Império brasileiro e que seria executada pelo Ministro José

102
Maria da Silva Paranhos. O jornal, sem dúvida, abominava a idéia de
intervenção do Brasil no Rio da Prata:
Que direito tem o Snr., D. Pedro II, de reformar a Consti-
tuição do Paraguay? Dizem: Lopez é um tyranno. Vamos
libertar o Paraguay. Tyranno ou não, Lopez representa o
governo legal do paiz. Nenhuma nação tem o direito de
intervir nos negócios internos de outra. Em face do direi-
to das gentes, Lopez não pode ser deposto senão deposto
pelos paraguayos (O JEQUITINHONHA, 14 de março de 1869,
p.1).

Vê-se aí, pois, claramente, a preocupação do jornal com a inte-


gridade do Paraguai, enquanto nação livre e republicana, como tam-
bém com sua liberdade constitucional. Sempre que tinha oportunida-
de, esse jornal procurava desqualificar a Monarquia Brasileira, com-
parando-a com o inimigo paraguaio, republicano, e que possuía um
regime político com o qual simpatizava.
A instalação do Governo Provisório paraguaio, mesmo com
Solano López continuando a combater, era uma forma de reafirmar a
continuidade da existência do Paraguai como Estado independente
(DORATIOTO, 2002: 420).
Depois de muitas contendas e discussões políticas, estabele-
ceu-se que três paraguaios formariam este Governo Provisório que
deveria estar em sintonia com os aliados. O jornal se manifesta com
revolta a respeito desse “mesquinho triunvirato”, segundo suas pala-
vras na edição de 15 de agosto de 1869:
São curiosas as notícias ultimamente chegadas do
Paraguay: o Sr. Paranhos conseguio arrebanhar algu-
mas dezenas de transfugas, reunio-os em Assumpção e
com elles procedeu a organização de uma cousa que o
gabinete de S. Cristovão chama complacentemente - go-
verno provisório. Os paraguaios elegerão logo um
triunvirato composto de desconhecidos chamados João
Francisco Decoud, Carlos Losaiga e Cyrillo Rivarolla (O
JEQUITINHONHA, 15 de agosto de 1869).

103
O jornal revolta-se mais ainda quando percebe que tal governo
não passava de manobras políticas de interesse dos conservadores. Re-
clama dessa intervenção estrangeira no Paraguai. Para ele, era uma vio-
lação do Direito Internacional e usurpação dos direitos nacionais.
Não se pode esquecer que o redator, Joaquim Felício dos Santos,
era jurista, profundo conhecedor de Direito e homem que sempre lutou
pela justiça. E vai se expressar novamente sobre o Governo Provisório:
Do “governicho”provisório” nada se sabe de positivo
senão que o enfesado aborto do Sr. Paranhos não offerece
condições de viabilidade. Portanto, a guerra há de con-
tinuar indefinidamente emquanto aprouver ao nosso “ado-
rado” (grifos do jornal) monarcha (O JEQUITINHONHA, 15 de
agosto de 1869).

No fim do ano de 1869, quando a guerra já parecia esgotar-se


e antevia-se seu final, esse jornal estava mais mordaz ainda e recla-
mava dos gastos excessivos do Império com o conflito. Iniciou um
editorial, no dia 10 de setembro de 1869, no qual comentava as últi-
mas notícias dos jornais da Corte que apregoavam o fim do conflito,
reclamando o esbanjamento do tesouro público. Afirmava que López
estava próximo à Bolívia e atravessando em “chalanas o Paraguay”.
Dizia que no meio dos soldados mortos de fome aparecia a “figura
esquálida” do fornecedor “transportando laranjas, farinha e carne
de cavallo”. Elogiava o Conde D’Eu e dizia que “honra seja feita a
ele pois não poupou enérgicas providências exigindo o envio de re-
messa de xarque e de carne fresca vinda de Assunpción”. No entan-
to, dizia o jornal, com ares de ironia e revolta, que ele recebera uma
carta do diplomata Paranhos mandando latas de sardinha... “Latas de
sardinha para matar a fome de um exército!”
Neste texto, é publicado ainda o discurso de um “senador inde-
pendente” (conforme fala do jornal), Silveira da Mota, denunciando o
lamentável estado em que se encontravam as tropas brasileiras no
Paraguai, quase sem víveres, roupas e munição:“O Thesouro pagan-
do á mãos cheias o vestuário do exército - em vez de roupas pesadas
para arrostar o inverno, recebem os soldados roupinhas de verão!”
Também o jornal se preocupava com o término da guerra para
acabar com as ações dos fornecedores, que dilapidavam os cofres

104
públicos com preços exorbitantes, provocando gastos excessivos, como
se evidencia nesta nota, bem próxima ao fim do conflito:
Apregoem, muito embora, os fornecedores do exercito o
próximo acabamento da guerra, como meio evidente
de animar os esbanjamentos do thesouro público: as de-
cepções de todos os dias já seccárão essa seiva robusta,
que era a alma e vida do Imperio (O JEQUITINHONHA, 28
novembro de 1869, p.1).

E manifesta-se preocupado com o futuro da nação paraguaia:

E o que fará essa caricatura de governo em um paiz


occupado na sua maior parte por Lopez? A nação
paraguaya, homologará suas decisões? Aceitarão essa
violação do direito das gentes na organização do mes-
quinho triunvirato? E o nosso governicho? Composto de
anonymos e por anonymos e só achando appoio nas bai-
onetas imperiaes ... (O JEQUITINHONHA, 15 agosto de 1869,
p.1)
Nota-se pois, que O Jequitinhonha, ao apagar das luzes da
Guerra, está cada vez mais antimonarquista e quer denunciar os vícios da
política brasileira. Fala também das doenças que grassavam no meio das
tropas, dizimando milhares de soldados brasileiros.

Pestes para matar o exército, febres intermittentes, as


desynterias, o tétano grassando com mortal intensidade -
são os hospitais atulhados de moribundos - é o cemitério
povoado de cadáveres.

E o jornal conclui com tristeza:

A guerra não é feita ao tyranno do Paraguay.


É contra os cofres públicos...
(O JEQUITINHONHA, 28 de novembro de 1869, p.1).

105
106
CAPÍTULO 7

OS VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA

Para atender à demanda de homens para a Guerra do Paraguai,


o Império criou os “Corpos de Voluntários da Pátria”, em 7 de janeiro de
1865, através do Decreto Imperial 3371. Era prática comum, anterior à
Guerra do Paraguai, sempre que o governo imperial precisasse aumentar
seus contingentes militares para alguma ação interna ou externa, convocar
homens entre a população civil através de processo de Recrutamento. Essa
prática de recrutamento foi usada também para os Voluntários da Pátria.
O jornal publicou, na edição de 6 de junho de 1869, um edital
contendo as “Isenções do Recrutamento”, que eram aplicadas aos Corpos
de Voluntários da Pátria, publicadas pelo governo imperial em 6 de abril
de 1841.

Isenções do Recrutamento.
Instruções de 6 de abril de 1841:
- ldade menor de 18 annos e maior de 35 annos.
- Casado (que não esteja separado da mulher).
- Irmão de orphão que tiver a seu cargo a sua subsistência
e educação.
- Filho único de viúva.
- Filho único de lavrador, ou um à sua escolha, quando
houver mais de um, que cultive terras proprias ou
arrendadas.
- Feitor ou administrador de fazenda com mais de seis
escravos.
- Tropeiro, boiadeiro, mestre de officio com loja aberta,
pedreiro, carpinteiro, canteiro e mais officiaes de officio
e tenhão bom comportamento.
- Pescador, uma vez que se faça da pescaria ramo
industrial.
- Marinheiro, grumete e moço de navio que se achar
embarcado ou matriculado.
- Caixeiro de casa de commercio de grosso trato.

107
- Estudante que apresentar attestado de respectivo
professor que certifique a sua – apllicação e
aproveitamento (O JEQUITINHONHA, 6 de junho de 1869,
p.2).
Logo após as “Isenções do Recrutamento”, o mesmo jornal
apresenta uma “Nota do Jornal” onde se lê:

Dando publicidade a estas disposições, é nosso fim prevenir


algum conflicto, ao qual solemnente provocão os agentes da
policia com as tropelias que estão se comettendo nesta cidade
a pretexto de recrutamento. Mais uma vez franqueamos as
columnas do nosso jornal a toda pessoa que sofrer qualquer
constrangimento illegal, e nos propomos á denunciar perante
o juiz de direito os empregados publicos que abusarem de
sua autoridade, sem despesa alguma para os offendidos, caso
seja pessôa destituída de fortuna (O JEQUITINHONHA, 6 de
junho de 1869, p.2).

Ficavam praticamente isentos os chefes de família, os estudantes e


as pessoas de boa conduta moral. O edital se referia, nas entrelinhas,
aos filhos da elite, os mesmos que se alistavam normalmente na Guarda
Nacional. O Brasil, ao começar a guerra, foi obrigado a criar um exército.
Este era desprezado pelo Império e pela própria Guarda Nacional. O
soldado do exército era tido como “marginal”. Só após o término da
guerra é que o Exército ganha prestígio e se torna uma força nova na vida
do país (SOUZA Jr., 1974).
No início da guerra, surge no Brasil uma onda de patriotismo e de
ufanismo, principalmente entre os jovens. Era muito comum os estudantes
manifestarem o desejo de se alistarem e havia também muitos pais que se
orgulhavam de apresentar seus filhos como voluntários:
Felicissimo de Souza Vianna, primeiro substituto de Juiz de
Curvello, mandou-se agradecer e louvar em nome do governo
imperial pela significativa prova de patriotismo offerecendo
como Voluntário da Pátria seu filho Octaviano Franco de
Azevedo Vianna, que já se apresentou na Capital (DIÁRIO
DE MINAS, 26 de janeiro de 1867, p.3).

108
Outros brasileiros, também com rasgos de patriotismo, faziam
doações de quantias em dinheiro, destinadas a despesas de guerra: “O
reverendo Antônio Ferreira de Caires, vigário da villa de São Romão
offereceo para as ingencias do Estado 10% de sua congrua em
quanto durar a Guerra do Paraguay” (DIÁRIO DE MINAS, 1º de fevereiro
de 1867).

O Sr. Manoel Xavier Simões Angra, professor público de


instrução primária da freguezia de S. José de Toledo offereceo
5% de seos vencimentos para as ingencias do Estado com
quanto durar a guerra com o Paraguay. A Providencia aceitou
e agradeceo estas nobres manifestações de patriotismo
(DIÁRIO DE MINAS, 1º de fevereiro de 1867 citado por SALLES,
1990: 81).

O próprio Imperador Pedro II é tomado de exaltação e se intitula


o Voluntário Número 1 e afirma: “Se me podem impedir que siga como
Imperador, não me impedirão que abdique e siga como Voluntário
da Pátria” (LYRA, 1977: 228).
O Imperador seguiu para o sul do Brasil, em 7 de julho de 1865, a
bordo do navio Santa Marta, acompanhado do Ministro da Guerra,
Ângelo Ferraz, e do genro, o Duque de Saxe, encontrando-se depois
com o outro genro, o Conde D’ Eu. Vai acompanhar de perto a rendição
das tropas paraguaias que haviam invadido o Rio Grande do Sul, única
participação sua na guerra, episódio conhecido como a “Rendição de
Uruguaiana”. D. Pedro II trajava casaca, uniforme militar, mandado fazer
especialmente para sua aparição, boné da Marinha Imperial, como também
se trajavam seus genros. O Imperador se deixou retratar, largamente,
pelos pintores da época, em trajes militares, montado a cavalo, ou mesmo
nos hospitais, visitando doentes de cólera13. Também, nos jornais, a
imagem do Imperador era muito divulgada e havia todo um ar de ufanismo
em torno disso. Essas pinturas oficiais, geralmente feitas por intermédio
do mecenato imperial, que financiava artistas, retratavam batalhas nos rios
da Bacia Platina, os chefes militares, as vitórias brasileiras e foram

13) Ver o quadro de François René Moreaux, “Visita de D. Pedro II aos doentes de ‘colera-morbus’”,
Museu da Cidade do Rio de Janeiro.

109
executadas por René Moureaux, Pedro Victor Meirelles, Pedro Américo
e Edoardo de Martino14.
O entusiasmo tomava conta dos brasileiros e até do Imperador,
que acreditava que a guerra iria durar poucos meses e já estava
praticamente ganha. Ledo engano. O Paraguai já estava se preparando
militarmente. Possuía um exército aguerrido e seu povo, manipulado por
um nacionalismo exacerbado, julgava lutar por um ideal sagrado
(SCHWARCZ, 1998).
O desenrolar moroso da guerra e a demora por terminar foram
trazendo certo desânimo aos brasileiros e o recrutamento passou a ser
visto com maus olhos. Os “voluntários” passaram a ser praticamente
caçados e recrutados de várias formas coercitivas e até violentas. O jornal
Correio Mercantil, de 9 de novembro de 1866, faz duras críticas ao
recrutamento obrigatório e denomina-o como o “açougue do Paraguai”.
Alguns jornais da oposição denunciam as formas coercitivas como era
feito o “Recrutamento”:

Noticiário:

Canibalismo
Cassiano, moço pobre, trabalhador, único arrimo de sua
mãe e de suas irmãs, tendo vindo da lavra á esta cidade
afim de prover a sustentação de sua familia, foi agarrado,
á ordem do Sr. Belem para o recrutamento! Acasualidade
permittio que passemos na ocasião pela Praça do Rosário
e não podemos conter a nossa indignação á vista da sanha
com que os valentões espancavão o infeliz moço que foi á
cacete derribado de seu cavallo e atirado no chão
banhado em ondas de sangue! No Paraguay não se pratica
mais do que no Brasil. Chama-mos a atenção de quem
competir para esse e outros factos (O JEQUITINHONHA, 31
de outubro de 1869, p.3).

14) Obras como Taunay (Museu Imperial de Petrópolis), Passagem do Chaco, Batalha do Riachuelo
e Abordagem de Encouraçados (Museu Histórico Nacional).

110
A violência era patente nas muitas cidades mineiras para com os
jovens que se tornavam “voluntários” à força e eram praticamente
arrastados para o recrutamento. O Jequitinhonha não deixava passar em
branco as arbitrariedades que eram feitas contra cidadãos comuns e
estampava em suas páginas:

A campanha do Prata não é feita de voluntários senão


por designados e recrutas. O cidadão não marcha para o
campo de honra mas sim a victima para o holocausto (O
JEQUITINHONHA, 15 de agosto de 1869, p.1).

Era comum também entre a população masculina em idade de se


alistar ocorrerem casos de homens que se auto mutilavam para poder
escapar do feroz recrutamento.
O recruta golpea-se estoicamente, procurando na mutilação
a incapacidade militar e marcha como o boi aguilhoado pela
garrocha da polícia (O JEQUITINHONHA, 15 de agosto de 1869).

A maioria dos Voluntários da Pátria era formada por pessoas


simples, oriundas de camadas baixas da sociedade e, muitas vezes, negros
ou mulatos.

“A população livre de baixa extração social era marginal


economicamente ao sistema escravista dominante. A
contrapartida ideológica e política desse fato era sua exclusão
institucional: eles não votavam nem eram votados, não tinham
acesso à cultura européia predominante, eram analfabetos e
sequer tinham noção do funcionamento e significado do
aparato institucional construído no país. Principalmente nas
áreas rurais, estavam subordinados social, política e
ideologicamente aos grandes proprietários através de laços
de mandonismo e dependência. Nas cidades, formavam uma
multidão de prestadores de pequenos serviços, biscateiros,
pequenos comerciantes e artesão, desocupados, vagabundos
e mendigos, marginalizados do processo produtivo principal
e do sistema administrativo. [...]

111
Tradicionalmente, era nessas camadas da população que
se efetuava o recrutamento para as forças militares. Este
era visto como uma degradação social: o indivíduo
recrutado era considerado uma espécie de paria na
sociedade. Os métodos de alistamento eram brutais e
diretos, sendo os recrutas literalmente capturados para o
serviço militar; a coerção e o castigo físicos eram
assumidamente os meios de manutenção da disciplina e
da ordem na corporação militar” (SALLES, 1990: 79, 80).

Anatólio Alves de Assis, historiador mineiro que se especializou


em estudar a Guerra do Paraguai, em seu livro “Pequena História da
Guerra do Paraguai”, apresenta em seu Anexo no. 1, a relação dos Termos
de Assentamento dos Voluntários da Pátria, que se alistaram na cidade
de Diamantina. Eram em sua maioria negros ou mestiços assim
denominados na listagem: de cor parda, cor preta, cor morena, cor cabra,
cor cobre, cor preta-fulo, cabra escuro, mulato escuro, crioulo.
A maior parte deles provinha de famílias humildes, muitos sem
profissão definida, ou com profissões de baixo valor social como ourives,
mineiro (minerador ou garimpeiro), alfaiate, pedreiro, lavrador ou
carpinteiro. Este grupo era constituído por homens solteiros, bem jovens,
com idade entre 18 e 19 anos, muitos “sem barba ou começando a buçar”
(criar barba). Alguns, por pertencerem a baixas camadas sociais,
apresentavam até defeitos físicos como “dentes sofríveis, dentes
quebrados, dentes cariados, dedo indicador da mão direta cortado na
junta, bexigoso, desdentado, com pequeno aleijão na mão esquerda, de
constituição débil” (ASSIS, 1984: 179-217).

“Muitos jovens que se alistavam como voluntários eram


atraídos pelas promessas do Decreto de 7 de janeiro de 1865,
como: saldo e gratificações em dinheiro, doação de terras
nas colônias militares ou agrícolas quando dessem baixa,
direito a empregos públicos, concessão de pensão às famílias
dos que morressem ou fossem feridos em combate e regalias,
direitos e privilégios das praças do Exército” (COSTA, 1996:
226-231).

112
Estas promessas agiam como um fascínio para rapazes pobres,
desempregados, ex-escravos e até escravos. Os jovens brancos,
pertencentes à elite, muitas vezes alistavam-se por ímpetos da juventude,
espírito de aventura, ou até por rasgos de patriotismo.
A exceção quanto à composição social nas camadas sociais mais
baixas dos Voluntários da Pátria originários da cidade de Diamantina é
marcada por três elementos de cor branca pertencentes à elite da cidade:
José Felício dos Santos, filho de Antônio Felício dos Santos (industrial e
dono de terras - irmão de Joaquim Felício dos Santos); Feliciano Amador
dos Santos, pertencente à Família Amador dos Santos, descendente do
taubateano José Amador dos Santos, Guarda-Mor das Minas do Serro,
ligado a clãs de senhores de terras ricas em ouro (SANTOS, 1976: 26) e
Serafim Moreira da Silva Júnior, da família Moreira da Silva. Destes
três, só José Felício dos Santos se alistou como Voluntário da Pátria,
nesta primeira leva dos 119 elementos e morreu na trágica Retirada da
Laguna. Os outros dois alistaram-se depois, sendo que Feliciano Amador
dos Santos atuou em combates e voltou para a cidade de Diamantina no
final do conflito e Serafim Moreira da Silva Junior, jovem de 18 anos que
morreu em combate em 23 de dezembro de 1868, numa das batalhas da
Dezembrada, sob o comando do General Caxias (ASSIS, 1984: 264).
Dois outros diamantinenses, filhos do industrial Antônio Felício
dos Santos, atuaram na Guerra do Paraguai como oficiais: João Felício
dos Santos, aluno da Escola Militar no Rio de Janeiro, que voltou ao fim
da guerra com o posto de Capitão do Exército Brasileiro e Diogo Felício
dos Santos que voltou como Tenente.
“Honra pois a Antônio Felício dos Santos que entregou à Pátria,
que estava em perigo, seus três filhos” (ASSIS, 1974: 10).
Os Voluntários da Pátria alistados na cidade de Diamantina eram
provenientes da própria cidade, de municípios próximos - Rio Vermelho,
Serro, Curvelo, Montes Claros ou de seus distritos como Rio Preto,
Curumatahy e Gouveia e perfizeram um total de 119 voluntários,
representando 7% do contingente mineiro (ASSIS, 1984: 170-217, 219).
Outra curiosidade acerca dos Voluntários da Pátria diz respeito a
um estrangeiro listado em Diamantina, chamado de “alemão” - Frederico
Guilherme Rastack, natural da Prucia (SIC), de 32 anos de idade, casado,
olhos azuis, cor branca e cabelos ruivos. Ele certamente pertencia a uma
colônia de imigrantes prussianos que haviam se estabelecido no Vale do

113
Mucuri, na localidade de Nova Filadélfia, criada pelo político Teófilo
Otoni, homem de ideais abolicionistas, cujo objetivo era implantar uma
colonização de estrangeiros para trabalharem como homens livres no norte
da Província de Minas, hoje a atual cidade de Teófilo Otoni (ASSIS,
1984:156).
A província do Rio Grande do Sul foi a que mais enviou voluntários
para a Guerra do Paraguai, perfazendo um total de 33.803 elementos, e
em seguida a da Bahia, com 15.197. A província de Minas Gerais ficaria
em décimo lugar, com um total de 4.090 homens e despachou três
contingentes de soldados que receberam as denominações de 17º, 18º e
27º Batalhões de Voluntários da Pátria.
Da cidade de Diamantina os 119 voluntários originais se reuniram a
outros de diversas localidades mineiras formando o 17º Batalhão de
Voluntários da Pátria, composto de 637 homens e incorporando-se ao
Corpo Policial da Província de Minas; embora fossem unidades militares
distintas, formaram a “Brigada Mineira”. Este Corpo Policial, sediado na
cidade de Ouro Preto, foi composto em 15 de dezembro de 1835 e já se
constituía como força militar, criada anteriormente em 10 de outubro de
1831, no governo da Regência do Padre Feijó.
Com a proclamação da República, esta unidade militar continuou a
chamar-se Corpo Policial.
Este batalhão partiu de Ouro Preto, em maio de 1865, com destino
a Mato Grosso, palco da guerra. Dirigiu-se para o oeste mineiro, passando
pelas cidades de Pitangui, Uberaba e outras da região do Triângulo.
Atravessou o rio Paranaíba na divisa com Goiás, entrou por Mato Grosso,
prosseguiu mais ao sul, atingiu a região disputada do rio Apa, na fronteira
com o Paraguai, indo até a Estância Laguna. Nos limites do território
paraguaio foi atacado pelas tropas de López. Começou então a retroceder,
voltando por terras do Mato Grosso, repletas de pequenas lagoas
formadas por pântanos, chamadas lagunas e também por charcos de
águas insalubres. Boa parte desse Batalhão foi contaminado pelo cólera,
o “cholera morbus”15, uma diarréia profunda que enfraquecia e
depauperava os soldados e acabou matando muitos deles.

15) Doença infecciosa aguda, contagiosa, em geral epidêmica, provocada pela ingestão de água
contaminada, caracterizada por diarréia abundante, prostração e cãimbras e que geralmente leva
à morte ou ao depauperamento, também conhecida por cólera morbo.

114
Além do cólera e da fome provocada pela falta de víveres, havia o
ataque das forças paraguaias pela retaguarda, que lanceavam e degolavam
os soldados brasileiros. Esse episódio foi amplamente descrito pelo tenente
Alfredo D’Escragnolle Taunay em seu livro A Retirada da Laguna, e
que participou desta trágica caminhada, recebendo mais tarde do Império
o título de Visconde de Taunay, obra que se tornou um épico da guerra
(FRAGOSO, 1956: 212).
Esse capítulo, assinalado por lances de coragem e muitos sacrifícios,
marca de orgulho uma página da história militar de Minas Gerais.
O 18º Corpo de Voluntários da Pátria, organizado também na capital
Ouro Preto, marchou para a Corte, onde embarcou para o Rio Grande
do Sul atingindo as cercanias de Uruguaiana e passando a pertencer à
coluna do exército do Barão de Porto Alegre. Após a Rendição de
Uruguaiana, participou de combates no Paraguai. Na reforma da
numeração dos Corpos de Voluntários, procedida pelo Marquês de
Caxias, este batalhão passou a chamar-se 49º, atuando até dezembro de
1868, quando foi dissolvido (ASSIS, 1984: 265).
O descrédito com o conflito fez com que muitos pais - proprietários
rurais – substituíssem seus filhos em idade de prestar serviço militar por
escravos e alforriá-los para alistá-los como “voluntários”, como mostra o
requerimento abaixo e a resposta dada a ele:

Antônio Teixeira Guimarães, allegando que tendo sido


designado para o serviço de guerra, seu filho Herculano
Teixeira Guimarães como Guarda Nacional, vem pedir
permissão para dar por elle um substituto.”

“Apresente o substituto n’esta Capital (DIÁRIO DE


MINAS, 16 de fevereiro de 1867) - (Parte Official).

Também era prática comum o homem rico mandar escravos seus


ou comprar negros para substituir seus filhos na guerra.

115
Governo Provincial - Despachos:
Ao Sr Chefe de Polícia de Pitanguy mandando dispensar
do serviço da guerra o guarda Theophilo José da Silva
que provou achar-se inhabilitado para aquelle serviço e
designar immediatamente outro, que o substitua,
providenciando de modo a que seja logo capturado
(DIÁRIO DE MINAS, 31 de janeiro de 1867, p.1).
O próprio Império apoiava essas práticas com relação ao
Recrutamento de Voluntários, fazendo doações em dinheiro ou ordenando
que se libertassem escravos que se alistassem.
Sua Magestade, o Imperador, mandou entregar ao Sr. Ministro
da Guerra, a quantia de cem contos de reis para manumissão
de escravos para o exército. É mais um acto de humanidade
e patriotismo praticado pelo augusto chefe da nação, é mais
um generoso exemplo dado ao paiz, mais um pano na senda
do verdadeiro progresso (DIÁRIO DE MINAS, 8 de março de
1867, p.1).
Annuncios
Comprão-se escravos para libertar-se e terem praça no
exercito, com preferência de cor parda e robustos, depois de
competentemente examinados em a Rua do Macedo, n’esta
cidade, a segunda casa immediata a ponte do Rozario (O
NOTICIADOR, 24 de abril de 1869, p.3).

Dessa forma, a presença de muitos negros e mulatos na Guerra do


Paraguai, no meio das tropas brasileiras, evidencia que o recrutamento
obrigatório de voluntários alimentava suas tropas e buscava suas reservas
na escravidão. Este artifício criado para poupar a elite não escapou da
visão do jornal O Jequitinhonha que sempre o denunciou em suas páginas.

116
CAPÍTULO 8

A ESCRAVIDÃO VISTA PELOS


JORNAIS MINEIROS

O jornal O Jequitinhonha demonstrava em suas páginas que era


francamente abolicionista, completamente a favor da emancipação dos
escravos. Na edição de 5 de dezembro de 1869, ele produz um editorial
no qual faz alguns comentários a respeito da escravidão. Ele achava que
o Imperador Pedro II falava muito sobre a emancipação dos escravos e
nada fazia de concreto para a abolição. É nítida essa postura de D. Pedro
II que, um dia, exclamou: “a emancipação do elemento servil é o objeto
de meu especial cuidado.”
E comenta, ainda, que D. Pedro II teria tido uma correspondência
com a Sociedade Abolicionista de Paris. Arremata dizendo: “O Sr. D.
Pedro é um catavento agitado pelo sopro da vaidade, nada mais.
Foi esse impulso que o atirou nos vendavaes do Rio da Prata para
imitar Napoleão III nos seus commetimentos desastrados no México.”
Quando ele diz isso, está se referindo ao governo de Maximiliano no
México, imposto por Napoleão III, àquele país, sendo depois desalojado
do poder e morto.
E continua seu comentário, dizendo que a emancipação é uma causa
julgada no mundo civilizado e que não serão os reis capazes de retardar-
lhe a solução. Fala que D. Pedro II pronunciou-se como abolicionista na
“Fala do Trono”, mas mandou para o açougue do Paraguai (grifos do
jornal) algumas centenas de escravos, enquanto deixou no cativeiro as
escravas. E conclui com ironia:

Que sabedoria profunda! Que cabeça de rapaz!

Quando comenta sobre os escravos que foram enviados para os


campos do Paraguai, está se referindo aos que eram alforriados para
substituírem os filhos de famílias de posses que não os queriam na guerra.

117
A escravidão era um recurso, uma válvula de escape para contornar este
problema. O jornal chega ainda a dizer que foi a escravidão que salvou a
Monarquia em 1831, após a abdicação de D. Pedro I. Como a República
arrastaria a emancipação dos escravos, os liberais prudentes, os
moderados, disseram: “Antes a monarchia do que a emancipação!” E
comenta pouco depois: “Lamentável cegueira!”
O jornal afirma que as abdicações dos reis e as emancipações dos
oprimidos sempre foram obra exclusiva do povo e, para os reis, essas
idéias são fantasmas que os perseguem nas noites de insônia e nada mais.
“E o povo vae felizmente compheendendo que nada há a esperar de
cima, e vae trabalhando por sua conta e risco.”
Isto demonstra como o jornal possuía uma tônica progressista para
a época, capaz de entender que o povo não precisava esperar nada dos
governantes, mas deveria buscar suas alternativas e procurar seus próprios
meios para se desenvolver. Ele faz também um comentário, criando uma
idéia de como a sociedade deveria agir para se organizar no sentido de
facilitar a emancipação dos escravos – trabalho das assembléias
provinciais, de iniciativas dos liberais, criando fundos para tal fim. Leva o
ideal da emancipação dos escravos para o campo da política, quando
afirma que: Se queremos ser livres, que libertemos.
Na opinião do jornal, este seria o primeiro passo para a destruição
da tirania. Demonstra bem o seu caráter de amante do progresso, tônica
inerente aos republicanos, quando, enfático, diz que com esta bagagem
pesada – a escravidão – o Brasil jamais iria acompanhar a humanidade
na “estrada luminosa do progresso” (grifos do jornal) (O JEQUITINHONHA,
5 de dezembro de 1869).
Era muito comum, nos jornais mineiros, aparecerem notícias de
escravos fugidos, inclusive anunciando recompensa por sua captura e,
supunha-se que estes pudessem ter “assentado praça” como voluntários
para a Guerra do Paraguai, no intuito de dificultar sua captura. Para os
escravos era uma forma de se livrar dos castigos corporais impostos pela
escravidão e da vida dura que levavam. Para eles seguir para a guerra e
ir lutar em outro país era melhor que permanecer no Brasil e continuar
como escravo, além das benesses prometidas pelo governo imperial para
os voluntários. Os senhores não se conformavam com a fuga dos escravos
que se alistavam como voluntários e colocavam matérias pagas nos jornais,
no intuito de tentar recapturá-los, como a que segue:

118
200 $ 000 de gratificação alem das despesas feitas com sua
captura, e entrega. Fugiu do Commendador Vicente José da
Trindade, morador nesta cidade, um escravo por nome
Custódio, pardo, estatura regular, cheio de corpoe bem
constituído, bem feito de cara, de boa figura, cabellos ruins,
testa pequena, olhos pardos e não grandes, bons dentes, tendo
os da frente apontados, sem barba, de idade vinte a vinte e
dois annos pouco mais ou menos, pés regulares e, um pouco
grossos, e tem o costume de encarar pouco para quem com
elle conversa. Consta que o dito escravo fugira com o intuito
de seguir para a Capital, com o fim de offerecer-se como
voluntário; por tanto aquelle que o prender e apresental-o
n’esta cidade ao seu senhor será generosamente gratificado,
ou pondo-o em qualquer cadéa ou avizo ao dito senhor. Fugiu
a 3 de novembro de 1867. Consta que o dito escravo anda se
ajustando como forro em tropas, com o nome mudado dizendo
que chama-se Josefino; afim de livrar-se de ser prezo e, com
isto com certeza. O mesmo tem o costume de trazer o chapeo
de um lado da cabeça (O JEQUITINHONHA, 3 de janeiro de
1869, p.4).

Pode-se notar que os donos de escravos se opunham ao alistamento


e chegavam a pedir que o mesmo fosse até preso. O proprietário preferia
perder o escravo, mas não o queria livre para seguir para a guerra.
À primeira vista, pode parecer que o jornal O Jequitinhonha tenha
posição contraditória, pois era amplamente a favor da emancipação dos
escravos e se dizia arauto da liberdade. O editor e redator Joaquim Felício
dos Santos foi um dos fundadores da “Sociedade Patrocínio de Nossa
Senhora das Mercês”, destinada a auxiliar a emancipação de escravos,
criada em 11 de junho de 1870. Ao colocar um anúncio da captura de
escravo em suas páginas parece que o jornal estava se colocando ao
lado das elites proprietárias. Isso só se explica pelo fato de ser “um
jornal sem matéria paga, mas com suas colunas franqueadas
gratuitamente, e com publicações de interesse coletivo” (NEVES, 1956:
22).
Outros jornais mineiros também apresentavam, em suas páginas,
notícias de escravos fugidos, a recompensa dada por eles e sua ligação

119
com a Guerra do Paraguai, como a que se segue, publicada no Diário de
Minas, de Ouro Preto, de 3 de janeiro de 1867, transcrita na grafia da
época:

Escravo Fugido

Fugio do Conego Antônio Gonçalves Bastos da cidade


de Montes Claros, no dia 15 de novembro do cadente
anno, o escravo Cypriano cabra, com 25 annos de idade,
robusto, de estatura mais que ordinária. Tem olhar firme,
sombrancelhas grossas, bons dentes, pés grandes”,
cabellos annelados, pouco alto: tem a testa alta e estreita,
os oços maccilares salientes, queicho fino povoado por
alguma barba, falla descansado, tem o andar ligeiro e é
pouco cortez: não gosta de tirar o chapeo; é alfaiate
sofrível. Consta que deseja assentar praça; e é natural
que seja recrutado. Leva calças de algodão mineiro
riscado, chapeo de chile, palitós de panno azul uzado,
camisas de americano e de morim e não anda a pé em
viagem. Quem o prender e pozer em uma cadeia pública,
ou entregá-lo ao Sr. Commendador José Baptista de
Figueiredo no Ouro Preto, será bem gratificado (DIÁRIO
DE MINAS, 3 de janeiro de 1867, p.4).

Os jornais mineiros usavam quase sempre as expressões: “vocação


para assentar praça”, “desejo de se alistar como voluntário”, “inclinação
para ser praça”, ao se referir aos escravos que fugiam e manifestavam
vontade de se filiar ao Corpo de Voluntários destinado à Guerra do
Paraguai.

Escravo Fugido - desapareceu no dia 25 do corrente mez


o escravo Aleixo cabra, natural do norte, com os signaes
seguintes: idade 18 annos, rosto curto, cabellos
enrollados, olhos pardos, nariz pequeno, boca pequena,
muito esperto e falante, prático em viajar com tropa ou
só; inclinado a pião para o que é geitoso e animado.
Tem viajado nesta provincia d’aqui a Oliveira, Formiga,
Bagagem e Paracatu; também para Queluz, Ouro Preto
e Sabará. Consta ter inclinação de assentar praça como

120
voluntario. Paga-se todas as despezas a quem o prender
ou dar notícia a seu senhor, morador no sitio da
Experiencia, no districto do Espirito Santo do Mar
d’Espanha (DIÁRIO DE MINAS, 13 de janeiro de 1867, p.4).

Pode-se ver através destes anúncios veiculados nos jornais mineiros


o grande número de escravos que fugiam das fazendas ou das casas
onde prestavam serviços. Alistavam-se como “praças” ou como
voluntários, nos corpos de linha, para serem enviados como soldados e
engrossar o exército brasileiro na luta contra o Paraguai. Dessa forma,
era grande o número de negros e de mulatos entre as tropas brasileiras, o
que causava espanto aos paraguaios, que chamavam nossos soldados de
“macacos” ou “macaquitos”. Os jornais paraguaios “Cabichui” e “El
Centinella” traziam vinhetas e ilustrações em suas matérias criticando os
militares brasileiros e esses jornais eram entregues aos soldados
paraguaios. Era uma maneira de desmoralizar o exército brasileiro e passar
uma ideologia preconceituosa para o soldado paraguaio (CHIAVENATTO,
1979: 115).
Benjamim Constant, em carta enviada à sua esposa Ana Joaquina,
em 1866, fala a respeito de suas impressões na cidade do Paraná, na
Argentina, e diz que: “... quando passamos por seus povoados e, pelas
costas, chamam-nos de macacos, macaquitos, dão assovios, etc ...”
(LEMOS, 1979: 41).
Fica claro que a questão do Recrutamento de Voluntários estava
diretamente ligada à escravidão, pois se constituía numa válvula de escape
da qual a elite se utilizava para livrar seus filhos da guerra. Daí a razão de
um número muito grande de negros e mulatos, alistados no Exército
Nacional como soldados de linha. Assim, o jornal O Jequitinhonha
denunciou esta prática com muita revolta em suas páginas, constituindo-
se como um dos poucos veículos nacionais de imprensa que alertou para
os males da escravidão e posicionou-se como uma voz defensora da
abolição, antecipando-se à Campanha Abolicionista, que se iniciou em
1870.

121
122
CAPÍTULO 9

AS NOTÍCIAS DA GUERRA NOS


JORNAIS MINEIROS

As notícias quase sempre chegavam às cidades mineiras por


meio dos jornais da Corte ou do correio e nem sempre eram bem
recebidas: “As notícias de que foi portador o último correio são
favoráveis ás armas do Império, dizem os jornais da côrte...” (O
JEQUITINHONHA, 10 de janeiro de 1869).
Também as vitórias nacionais na guerra, muitas vezes eram bem
recebidas e até comemoradas na Corte. Em Diamantina, pela visão de
seu jornal, eram recebidas de modo bem diferente:
O attaque das forças alliadas contra Villeta foi bem
succedido e n’aquella fortificação tremula a nossa
bandeira depois de renhido combate. O povo desta cidade
recebeu com frieza essas notícias. Ainda bem. É que vae-
se comprehendendo a angustiosa situação do Imperio (O
JEQUITINHONHA, 10 de janeiro de 1869, p.1).

Sobre a mesma batalha de Villeta fala o jornal de Ouro Preto,


Noticiador de Minas, de 29 de dezembro de 1869, anunciando a vitória
das tropas brasileiras, a fuga de López, elogiando o envio de mais
voluntários para os campos de guerra e dando vivas ao Imperador.

Chegou-nos a noticia do estrondoso feito de nossas armas


junto á Villeta. É mais um ramo de louros que vem adornar a
fronte da pátria; é outra gloria que se colheo para a historia
registrar. Honra e gloria ao Imperador. Honra e gloria ao
exercito. Honra e gloria a Armada e parabens a
humanidade (p.1).

123
Já o jornal de Diamantina critica a vitória brasileira que, para ele,
não tem vantagem alguma para os dois países envolvidos no conflito.

O brilho de uma victoria, ainda esplendida, so serve para


mais patentear os andrajos do povo e a miseria da Nação
(O JEQUITINHONHA, 10 janeiro de 1869).

Era comum este jornal retratar o sofrimento das mães brasileiras:

Em vez dos regozijos do triumpho, um grito de dor escapa-


se do peito das mães dos infelizes brasileiros victimas da
ambição do Imperialismo (O JEQUITINHONHA, 10 de janeiro
de 1869, p.1).
Nota-se aí um embate que passa pelo campo ideológico – o grupo
alinhado ao Partido Conservador contra os do Partido Liberal. Esta disputa
é notada também no campo lingüístico, com o grupo Conservador
defendendo a guerra e o grupo Liberal atacando.
O jornal publica um anúncio fúnebre, convidando para a missa por
alma do militar Serafim Moreira da Silva, morto em combate, filho de
tradicional família da cidade de Diamantina:

Convite - Missa Fúnebre


Vários senhores mandam celebrar uma missa com “libera-
me” no dia 26 do corrente por alma do distinto patrício o
alferes Serafim Moreira da Silva Junior, morto em combate
do dia 23 de dezembro no Paraguay. Contava com 18 anos e
foi promovido a alferes por ato de bravura (O
JEQUITINHONHA, 31 de janeiro de 1869, p.4).
Aproveita o anúncio para protestar contra a guerra:
Quanto nos tem custado a civilização do Paraguay ! À
estulta ambição que promoveo esta guerra devemos esta
e tantas outras perdas irreparáveis - Riachuello, Cuevas,
Itapiru, Curuzu, Curupaity, Villeta - não são por certo
nomes agradáveis ao coração das mães brasileiras (O
JEQUITINHONHA, 31 de janeiro de 1869, p.2).

124
O jornal, em editorial datado de 7 de março de 1869, faz uma
comparação do número de mortos em outras guerras com os da Guerra
do Paraguai. Diz que na Guerra da Crimea, a França perdeu cerca de
10.942 homens e que, até dezembro de 1867, o Brasil já havia perdido
75.000 homens, podendo este número subir para 80.000. E conclui que
o Brasil perdeu mais que o dobro do que perdeu a França, completando
com o seguinte comentário:

qualquer que seja o modus finiendi da guerra actual, não há


familia no Brasil que se não tenha de cobrir de luto sem que
aos orfãos, aos mutilados e aos martyres fique ao menos a
consolação de se haverem sacrificado com proveito para a
gloria de seu paiz (p.3).
Podem ser notados, então, os contrastes entre as notícias veiculadas
nos jornais de Ouro Preto, ligados à Monarquia e no jornal diamantinense
“O Jequitinhonha”, progressista e republicano.
Em fins de 1869, a guerra parecia exaurir-se lentamente e graves
problemas afetavam as tropas brasileiras como a falta de alimentos, de
roupas, reinando muito desânimo entre os soldados, além das péssimas
condições locais, com chuvas intermitentes e os campos encharcados.
A guerra ia tomando feição de guerrilha, pois “não havia mais
combates e sim escaramuças entre patrulhas brasileiras e os poucos
soldados do ditador...” (DORATIOTO, 2002: 449).
As tropas reduzidas de Solano López, formadas por muitos velhos,
jovens e até meninos, combatiam agora na divisa com o Mato Grosso,
próximo a Cerro Corá. Em 1º de março de 1870, dá-se o combate final,
quando um batalhão brasileiro cerca a derradeira tropa de López, que é
ferido e morto nas margens do rio Aquidaban.
O jornal O Jequitinhonha somente vai anunciar o episódio no mês
de abril, dirigindo-se até com certo respeito ao dirigente paraguaio morto:

Consumatum est
No dia 1 º de março de 1870 foi afinal assasinado o
Presidente legítimo do Paraguay, D. Francisco Solano
Lopez na margem do Rio Aquidaban. Commandava a força
que o perseguia o general Câmara. Lopez retirava-se para
a Bolívia com um punhado de soldados fiéis. Atacado de

125
sorpreza atira-se na frente dos batalhões brasileiros com
a espada em punho e é gravemente ferido. Achado só e á
vista do general Camara foi traspassado por uma lança
porque não quis render-se. O soldado que o matou chama-
se José Diabo e o general vae chamar-se Visconde de
Pelotas com grandeza ... (O JEQUITINHONHA, 3 de abril de
1870, p.1).

Outro jornal mineiro, O Conservador de Minas, de Ouro Preto,


de linha conservadora, assim se expressa sobre o fim da guerra:
... pela causa da justiça e da civilização o Brasil triumphou
[...] morto o barbaro dictador do infeliz povo paraguayo
[...] vingadas as affrontas e o pavilhão auriverde, simbolo
sagrado de nossa nacionalidade tremula em todas as cidades
enemigas (O CONSERVADOR DE MINAS, 24 de março de 1870, p.1).

Como se pode ver, através destas notas contraditórias, a Guerra


do Paraguai foi não só conflito bélico e armado, mas uma luta que pôde
ser vista também por meio da imprensa. Sempre esteve preocupada em
relatar os emaranhados da guerra para um público leitor muito distante,
notadamente o mineiro, geograficamente longe da Corte. Essa imprensa
não importa se fosse tendenciosa, ligada ao mundo oficial monárquico e
conservador ou de oposição, combatendo o governo, teve o mérito de
informar o leitor e acabou se tornando agente desta ou daquela corrente
política.
O Jequitinhonha realizou seu papel durante a Guerra do Paraguai
atuando como instrumento de um embate lingüístico, levando informações
a seu distante público leitor tendo a guerra como fonte alimentadora. E,
finalmente, foi um instrumento ideológico, um agente combativo que
expressava o ideário e as ansiedades do Partido Liberal, antecipando-se
em idéias ao Partido Republicano.

126
CONCLUSÃO

A Guerra do Paraguai para a História do Brasil é, sem dúvida,


um dos capítulos mais ricos em possibilidades de análises simbólicas para
o historiador. Podemos ver esse momento – cheio de contradições – sob
diversas ópticas, priorizando cada um dos lados: o econômico, o social,
o cultural ou mesmo o imagético. Seu estudo subentende posições políti-
cas sempre vinculadas a questões da América Latina e da política inter-
nacional. É um recorte interessante da História do Brasil, especificamen-
te do Império, modelo ímpar na América, com o Segundo Reinado vi-
vendo dias prósperos, talvez mesmo seu próprio auge. Sua economia
estava se consolidando, as contradições políticas não eram tão aparen-
tes, a vida social corria sem grandes tensões e a produção cultural come-
çava a despontar com criações originais.
Dentro deste cenário traçado, a Guerra do Paraguai vem como
contradição e surge como marco, a indicar o início da decaída do
regime monárquico brasileiro, que já começava a mostrar os primeiros
sinais de debilidade. São exemplo disto o estado de suas finanças abala-
das, o início do acirramento da questão abolicionista e o inconformismo
dos militares, fatos que acabaram por ajudar a desencadear o movimen-
to republicano.
Destaca-se, no meio desta contenda e deste jogo de palavras
assumido pela imprensa brasileira, um jornal – O Jequitinhonha – órgão
liberal da cidade de Diamantina que transmite um discurso argumentativo,
tornando-se instrumento de denúncias contra a Monarquia Brasileira e
em defesa da implantação da República. Poucos jornais brasileiros da
época fizeram um trabalho jornalístico como fez O Jequitinhonha, anali-
sando fatos da guerra de forma crítica e traçando um panorama político e
econômico do Império Brasileiro. Ele assume esta posição de indepen-
dência e liberdade para atuar como imprensa liberal, pois se sente espa-

127
cialmente muito longe da Corte. Não se sente preso a ela, guarda lem-
branças nefastas da derrota em 1842 e é vítima do esquecimento em que
vivia a Província e, mais especificamente, a cidade de Diamantina.
O Jequitinhonha expunha idéias que os jornais brasileiros - prin-
cipalmente os da Corte – não conseguiram ou não tiveram coragem
ou interesse em fazê-lo. Expõe publicamente a figura do Imperador e
devassa as contradições da Monarquia. Coloca o dedo na ferida da
guerra e põe o Imperador a nu. É como se fora a reprodução da
estória “A Roupa Nova do Rei”. Para O Jequitinhonha, o rei está nu,
devassado perante o público. Aquele rei que se veste com o manto impe-
rial aparece então com esta imagem grandiosa nos vários jornais brasi-
leiros. Em O Jequitinhonha, ele está exposto, com suas fraquezas e fragi-
lidades – até com seus defeitos físicos, à imagem e semelhança de seu
reinado. Desta forma, o jornal mostra, em sentido contrário ao da
iconografia da época, as mazelas do regime monárquico e a figura
caricaturesca e até hilariante do Imperador.
Ele procurava mostrar como a Monarquia estava atrelada à guer-
ra e de que forma foi sofrendo os incômodos causados por ela. Desgas-
tava-se e ia trilhando já um caminho de decadência, com as finanças
abaladas, com sua imagem internacional arranhada e contabilizando pon-
tos de descrédito popular, que o próprio conflito provocara. Ele mostra,
também, seu pioneirismo na luta pelas garantias dos direitos dos povos.
Denunciava a falta de respeito dos jornais brasileiros, alinhados ao go-
verno imperial, para com o povo paraguaio e mesmo com Solano López.
Criticava a maneira cruel como os jornais da Corte colocavam adjetivos
pejorativos no chefe da república paraguaia, chamando-o de “tirano”,
“bárbaro” e “monstro”. Demonstra que era uma imprensa de visão par-
cial, alinhada ao Império.
Combateu também a intervenção do governo brasileiro no
Paraguai ao querer criar um Governo Provisório naquele país, pois
julgava essa atitude uma afronta ao direito de soberania internacional
dos povos. Alguns editoriais mostram como personalidades impor-
tantes do Império que atuavam no campo das relações internacio-
nais, como o Visconde do Rio Branco, tiveram papel de intervenção
no Paraguai, criando um governo que este jornal qualifica de vergo-
nhoso e o chama de “governicho” e demonstrando até vergonha por
isso.

128
Ao se fazer uma análise comparativa entre o jornal focalizado e
outros jornais mineiros, verificou-se que muitas notícias da guerra
eram apresentadas de maneiras variadas. Enquanto os jornais
ouropretanos falavam das vitórias, com entusiasmo, O Jequitinhonha dava
notas de repúdio a elas e falava do sofrimento das mães dos mortos
brasileiros nos campos paraguaios. Em seus editoriais e notas, demons-
trava que era ligado ao Partido Liberal e francamente adepto do regime
republicano, por isso mesmo, achava que o regime monárquico era uma
“planta exótica” no meio das repúblicas americanas e clamava em várias
edições pela abdicação de D. Pedro II. Nota-se, portanto, que havia um
embate de idéias e de palavras entre os periódicos da época.
Percebe-se ainda que o jornal possuía uma tônica de erudição,
e construía seus editoriais com alusão a exemplos da História Clássi-
ca, fazendo referências a governantes de outros países. Nos editoriais
percebe-se que o autor usa do argumento da autoridade, quando faz
referências a sábios, filósofos e políticos, defensores do povo, da liber-
dade e, principalmente, contra o imperialismo. Subentende-se, pois, que
o jornal era direcionado a um público erudito e culto que conhecia histó-
ria, latim, filosofia e política.
A leitura dos editoriais deste jornal nos leva a conhecer outras
implicações da Guerra do Paraguai através de um viés antimonarquista,
nos anos que antecedem o declínio do regime.
Sua linguagem pode ser considerada profética, ao antever o
fim da Monarquia. Fala constantemente em emancipação e até pede nova
forma de governo para a nação, que seria a República, um modelo de-
mocrático, copiado dos moldes norte-americanos. Mesmo simpatizando
com o sistema republicano do Paraguai, era contra todo tipo de
autoritarismo, inclusive o de López. O regime republicano que defendia e
com o qual sonhava era a República Federativa dos Estados Unidos.
A leitura de um livro sobre a Guerra do Paraguai, paralelamen-
te à leitura de O Jequitinhonha, permite ao leitor delinear o contorno dos
acontecimentos da época, no Brasil e em outras nações do mundo. Esta
pesquisa preocupou-se, além de mostrar o momento da guerra, em apre-
sentar fatos contemporâneos a ela, expressos pelo jornal.

129
Normalmente, a idéia que o público faz a respeito da Guerra do
Paraguai é a da superioridade do Império Brasileiro, suas decantadas
vitórias, o papel dos chefes militares, o apoio do público ao conflito e
o entusiasmo dos soldados brasileiros. No entanto, após a leitura do
jornal O Jequitinhonha, tem-se a visão da Guerra do Paraguai sob outro
prisma. Através dele, pode-se entender os meandros políticos e os inte-
resses pessoais que cercavam o governo imperial, as indecisões dos che-
fes militares, os exagerados gastos financeiros, e o autoritarismo com que
foi tratada a nação inimiga.
Evidenciando e valorizando a fonte jornalística, pretendeu este
livro, diferente de muitas obras já produzidas a respeito da Guerra do
Paraguai, construir novo conhecimento histórico, baseado neste jor-
nal que circulou no século XIX em Minas Gerais, O Jequitinhonha.

130
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136
JORNAIS PESQUISADOS

Jornais nacionais:

• A Vida Fluminense – 1868 a 1869


• Jornal do Commercio – 1868 a 1870
• Semana Illustrada – 1867 a 1870
• Opinião Liberal - 1868
• Paraguay Illustrado – 1866 a 1868
• Diabo Coxo - 1865
• O Cabrião - 1866
• O Arlequim - 1868
• O Mosquito - 1869
• Fígaro - 1867
• Ba-ta-clan – 1868 a 1869

Jornais mineiros

• O Jequitinhonha - 1868 a 1870


• Noticiador de Minas – 1869
• Conservador de Minas – 1869 a 1870
• Constitucional – 1866 a 1868
• Diário de Minas – 1867 a 1868
• O Liberal de Minas – 1868 a 1869
• O Pharol - 1870

Jornais paraguaios

• Cabichuí - 1868
• El Semanário – 1867

137
ACERVOS CONSULTADOS

Belo Horizonte:

• Arquivo Público de Minas Gerais


• Hemeroteca de Minas Gerais
• Biblioteca Pública Luíz de Bessa
• Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais

Diamantina:

• Biblioteca Antônio Torres

Rio de Janeiro:

• Biblioteca Nacional
• Arquivo Nacional
• Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

138
COMENTÁRIOS

Entre os grandes pensadores políticos e humanistas que Minas deu


ao Brasil no século XIX, a figura do serrano Joaquim Felício dos Santos, à
medida em que o tempo passa, vai também se tornando cada vez mais
destacada. Sua vida e suas idéias vêm sendo motivo de estudos e teses
universitárias, como o recente lançamento do livro “O Jequitinhonha e a
Guerra do Paraguai”. Nele, a escritora e historiadora Maria de Lourdes
Reis nos mostra, com competência, como um pequeno jornal de Diamantina,
na época dirigido por Joaquim Felício dos Santos, tinha uma visão crítica e
lúcida do maior conflito armado da história da América do Sul, a Guerra do
Paraguai. Este, de 1864 a 1870, ensangüentou o continente e levou o Brasil,
a Argentina e o Uruguai, após uma série de equívocos, a se baterem contra
a Nação Guarani de Francisco Solano López.
Carlos Herculano Lopes
Escritor / jornalista
Parabéns pelo livro: está ótimo! Foi elogiadíssimo por quantos o
viram, por que é claro que eu fiquei contentíssimo pelo modo como foi
valorizado, na edição – da melhor qualidade em todos os sentidos – seu
trabalho de Mestrado.

Prof. Dr. Earle Diniz Macarthy Moreira


Prof. Orientador de Mestrado da PUC/RS

Seu livro “Imprensa em tempo de guerra: o jornal O Jequitinhonha e


a Guerra do Paraguai” veio enriquecer o nosso acervo.
Dr. Murilo Badaró
Presidente da Academia Mineira de Letras

Parabéns pelo seu livro “Imprensa em tempo de guerra: o jornal “O


Jequitinhonha e a Guerra do Paraguai”. Trabalho interessantíssimo que
enriquece a bibliografia histórica do Brasil.
Dr. Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza
Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e da
Academia Mineira de Letras

139
Maria de Lourdes Reis caminha ao lado de pesquisadores e
historiadores que vencem receios e preconceitos. E é com esta coragem
que ela oferece sua contribuição para a nossa História, após retirar de uma
preciosa fonte, o desejo de recriação. Neste livro, a autora sabe como
poucos, ser histórica sem perder a arte literária. Uma obra enxuta na medida
certa, que prende o leitor mais desavisado da primeira à última página.
Rogério Salgado
Poeta / escritor / crítico literário

Fico feliz em ver a sua dedicação ao grande Joaquim Felício, pois


também o considero uma das grandes figuras da política e da literatura
brasileira. Parabéns pelo seu trabalho que irá mostrar às novas gerações
uma época tão rica do nosso país.

Dr. Carlos Murilo Felício dos Santos


Ex-Deputado Federal / sobrinho de Joaquim Felício dos Santos

No livro “Imprensa em tempo de guerra: o jornal “O Jequitinhonha”


e a Guerra do Paraguai”, a historiadora e jornalista mineira Maria de Lourdes
Dias Reis empreende esclarecedora e oportuna pesquisa a partir de fontes
primárias, utilizando um jornal de Diamantina para estabelecer uma nova
visão sobre o papel da imprensa na oposição à Guerra do Paraguai.
Baseada na proposta metodológica da Nova História, a estudiosa
debruça-se sobre “O Jequitinhonha”, jornal editado em Diamantina sob o
comando do jornalista e homem de cultura Joaquim Felício dos Santos.
Nesse periódico oposicionista, antimonarquista e antibelicista, compõe-se
uma seqüência de críticas ao móvel imperial para levar a guerra ao Paraguai,
guerra esta comandada com lentidão, tibieza e dissipação de recursos que
nos fazem falta até hoje.
O ônus econômico, financeiro, político e moral acarretado pela
longa guerra contra o Paraguai – 1864-1870 – foi um grave equívoco do
Imperador que comprometeu, de vez, o futuro que o Brasil poderia
modestamente forjar.
O livro de Maria de Lourdes Dias Reis, desde já, se torna uma valiosa
referência para os leitores e para os estudiosos desse acontecimento que
não honra o Império e a História do Brasil.

Marco Aurélio Baggio


Escritor / Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais

140
Joaquim Felício dos Santos sempre foi uma figura muito admirada.
Patrono do Grupo Escolar que fica ali na Grupiara, no alto da Rua das
Mercês, em Diamantina. Fui professora e orientadora da referida escola e
cultuei a sua memória como escritor. Sua obra de referência era o famoso
“Memórias do Distrito Diamantino”. O tempo passa, mudanças acontecem
e o nosso Joaquim Felício ficou apenas na memória. Recentemente, quando
do lançamento do livro “O jornal O Jequitinhonha e a Guerra do Paraguai”,
de Maria de Lourdes Dias Reis, diamantinense por opção, vou encontrá-lo
em outras dimensões. Jornalista responsável, político destemido nas
denúncias contra a Monarquia e a Guerra do Paraguai, na defesa da abolição
e da implantação da República, mostrando assim que a imprensa deve ser
livre, independente.
Cada página do livro da Lurdinha é mais um motivo para se afirmar
que o jornalista Joaquim Felício dos Santos era um homem que transpunha,
em muito, a sua época.
Helena Lopes
Diamantinense, professora / membro da Academia de Letras e Artes de
Diamantina e colaboradora do jornal “A Voz de Diamantina”.

Nos alvores do século XXI, onde a agitação é uma constante, e tudo


é elaborado numa correria que tolhe a reflexão, você nos presenteia com
este excelente livro, fruto de três anos de pesquisa.
Parabéns pelo tão brilhante trabalho, onde, num estilo bastante
agradável e acessível, enfoca a Guerra do Paraguai, a partir do publicado
na época, destacando o jornal “O Jequitinhonha” de Diamantina.
Percebemos, sobremodo, a importância da imprensa, em dado momento
do tempo, como registro vivo da história.
Não obstante seu pequeno porte, o jornal “O Jequitinhonha” deu sua
contribuição para a modernidade, já criticando o desencadear da Guerra
do Paraguai e o genocídio ali perpetrado, ora vinculando ideais republicano
e abolicionista, numa região onde os interesses da coroa eram fortes.
Grato por você relembrar relatos já esquecidos e que um dos mais
importantes papéis do escritor e da imprensa será sempre de clamar para
o país. A pátria necessita de uma sacudidela em direção ao humanismo.
Antônio Emílio Pereira
Escritor / autor de “Memorial – Januária, Rios e Gente”

141
Estamos comemorando este ano os 200 anos da chegada de D.
João ao Brasil. E mais do que isto – comemoramos também a criação da
imprensa no Brasil, quando, em 1808 surgiram os primeiros jornais
brasileiros.
O que nos faltava até agora era o estudo, a pesquisa científica,
sobre estes jornais e o seu volume na construção da História do Brasil. São
muitos os períodos e locais que ainda não foram estudados e pesquisados
com o rigor acadêmico. Mas aos poucos, jornalistas, professores e
pesquisadores se alistam neste ideal de analisar, registrar e documentar o
papel da imprensa nas principais etapas de nossa histórica.
Uma pesquisa importante é da jornalista, historiadora e professora
Maria de Lourdes Dias Reis, mineira de Belo Horizonte, com o título:
Imprensa em Tempo de Guerra: O Jornal O Jequitinhonha e a Guerra do
Paraguai (BH, Edições Cuatiara, 2008, que sai agora em 4ª edição,
reformulada e aumentada). Ao longo de suas 144 páginas, ela analisa e
documenta o papel de um periódico de oposição ao regime monárquico, o
jornal O Jequitinhonha, editado na cidade de Diamantina, cidade importante
de Minas Gerais do ponto de vista econômico, político, social e cultural.
O estudo de Maria de Lourdes é todo baseado nas páginas do
jornal, O Jequitinhonha. A autora usa a metodologia da História Nova, que
se ancora em pesquisa nas páginas dos jornais como fonte de documentação
fundamental. A cidade de Diamantina, no coração do Vale do Jequitinhonha
comandava a oposição ao projeto do governo imperial de D. Pedro II.
A autora pesquisou com afinco para reconstruir a visão liberal do
jornalista mineiro Joaquim Felício dos Santos, editor de O Jequitinhonha
que usava o jornal para lutar pelos ideais republicanos de desenvolvimento
industrial, justiça social e democratização do país.
Enfim, o livro traz uma nova versão da Guerra do Paraguai. E o
que é importante, para nós estudiosos da mídia, é que as fontes para estas
novas revelações são páginas de um importante jornal da histórica
Diamantina. Através da análise das notícias, dos artigos e editoriais, surgem
resultados surpreendentes para compreensão deste período histórico
nacional.

Sebastião Breguez
Jornalista e doutor em Comunicação

142
A Professora Maria de Lourdes Dias Reis em “Imprensa em
Tempo de Guerra: o jornal “O Jequitinhonha e a Guerra do Paraguai”,
narra o trabalho do jornalista/ historiador Joaquim Felício dos Santos no
período da Guerra do Paraguai, através do Jornal O Jequitinhonha, da
cidade de Diamantina. Neste periódico, ele apresenta editoriais denunciando
interesses escusos, desumanidades e desnecessidade do genocídio. Assim,
juntos dois jornalistas / historiadores em tempos históricos diferentes,
advogam por ideais libertários expressando a própria lucidez, suplantando
exatidões da cronologia do tempo.
Estas convergências de genialidades e almas elevam conscientizações
humanitárias e proporcionam perpetuação de homens e ações do bem.
Ler “Imprensa em Tempo de Guerra: o jornal “O Jequitinhonha” e
a guerra do Paraguai” é ter a oportunidade de conhecer um pouco mais
sobre a imprensa mineira e brasileira do século XIX e também sobre a
personalidade do jurista de Diamantina, Joaquim Felício dos Santos.

Erildo Antônio Nascimento de Jesus


Professor e historiador de Diamantina
Membro da Academia de Letras e Artes de Diamantina

A Guerra do Paraguai inscreve-se entre os importantes fatos


característicos de nosso Império e da ação de seu Soberano. Merece,
assim, este acontecimento, novos e cuidadosos exames dos historiadores
brasileiros.
É o que se concretiza com o erudito estudo: “Imprensa em Tempo
de guerra: o jornal “O Jequitinhonha” e a Guerra do Paraguai”, sobre este
jornal que circulou na cidade de Diamantina, no século XIX e se tornou
admirável fonte de estudos sobre este indicado assunto, graças ao livro
que saiu da cultura da admirável historiadora Maria de Lourdes Dias Reis.
Minas, portanto, possui valiosa publicação sobre fatos da Guerra do
Paraguai, que tantos sacrifícios impôs ao Brasil.

Oilliam José
Escritor e Historiador/ Especialista em Historiografia mineira
Membro da Academia Mineira de Letras

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