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III SIMPÓSIO BRASILEIRO DO PENSAMENTO ESPÍRITA

3 A 6 DE SETEMBRO DE 1993
SANTOS - SP

MÉTODO PARA A ATUALIZAÇÃO DO ESPIRITISMO


JACI RÉGIS
SANTOS – SP

1ª Parte

Razões e bases para a Mudança

1. Introdução

Uma pergunta se apresenta inevitável, neste momento.


Será que existe, realmente a necessidade de atualizar o pensamento espírita?
A resposta é sim.
Isso fica muito claro quando afirmou Allan Kardec: “No estado de imperfeição de
nossos conhecimentos, o que hoje nos parece falso pode amanhã ser reconhecido como
verdade, devido à descoberta de novas leis. Isto acontece na ordem moral como na
ordem física. É contra essa eventualidade que a Doutrina nunca pode estar
desprevenida. O princípio progressivo que inscreveu em seu código será a salvaguarda
de sua perpetuidade. E sua unidade será mantida precisamente porque ela não repousa
sobre o princípio da imobilidade” (Constituição do Espiritismo – II Dos Cismas, Obras
Póstumas, página 260, Edicel).

2. Evolução das Doutrinas


2.1. Doutrinas estáticas

Se considerarmos a evolução de qualquer idéia, filosofia ou conceito, que não disponha


de estrutura para atualizar-se constantemente, portanto estática, verificamos que segue, quase
invariavelmente, uma seqüência degenerativa, no sentido da transformação gradual ou não,
até deformar-se definitivamente.
a. Partindo do pressuposto que atingiram ou descobriram a verdade absoluta,
estabelecem princípios imutáveis, insuscetíveis de qualquer aperfeiçoamento ou
evolução.
b. Todavia, essas idéias sofrem a ação das circunstâncias temporais e da evolução e
vão sendo sucessivamente interpretadas, de acordo com as idiossincrasias das
pessoas que as adotaram, criando-se escolas e formas de pensar que afirmam
serem as únicas que representam fielmente o pensamento inicial, ainda que se
afastem extremamente dele.
c. As idéias primordiais tendem a envelhecer, tanto na essência, quanto na linguagem e
na visão social, humana e espiritual que traduzem: no decorrer dos tempos, ainda
que adaptadas superficialmente à linguagem temporal, perdem o contato com a
realidade social e humana. Sem disponibilidade de superação, cristalizam-se,
servindo apenas a uma camada de crentes, conservadores de idéias superadas;
d. Chega o tempo em que já não possuem mensagem válida e acabam por
desaparecer.
O gráfico abaixo mostra essa degeneração.
2.2. Doutrinas progressivas

a. As doutrinas que se programaram para acompanhar o progresso jamais serão


superadas. Elas partem de um ponto evolutivo do pensamento humano,
reconhecendo que possuem verdades relativas e que o desenvolvimento da
humanidade, em todos os campos de atividades, fará surgir novos conhecimentos, a
descoberta de novas leis e exigências diferentes, devido ao progresso e a destruição
de conceitos e instituições que envelheceram.
b. Todavia, perderiam sua consistência e seriam prejudicadas pela avalanche de
propostas aleatórias, caso não possuam uma estrutura básica e fundamental
suficientemente forte para não perder a própria identidade pela constante reavaliação
de seus postulados.
O gráfico abaixo dá idéia desse processo.
3. Estrutura progressiva do Espiritismo

Allan Kardec previu que se a Doutrina se mantivesse estagnada seria decretar sua
falência: a imobilidade levará ao suicídio da Doutrina, afirmou.
Portanto, se está inscrito no código do Espiritismo, o princípio da progressividade, não
há como contestar na sua legitimidade.
O movimento de atualização é permanente, pois a vida e o progresso são dinâmicos.
Todavia, qualquer proposta de atualização ou revisão doutrinária, terá que obedecer a certos
critérios, sob pena de diluirmos a estrutura do pensamento espírita.
Temos que Ter em mente, sempre, que esse movimento deve procurar:
a) a consolidação dos princípios básicos;
b) a revisão de conceitos e interpretações específicas, próprias do tempo de Kardec e
que perderam alguma significação, no decorrer do tempo;
c) a análise da mentalidade ciada pelo movimento espírita, influência culturais,
idiossincrasias de dirigentes, médiuns e Espíritos que, sob muitos aspectos
deformaram a formulação conceitual da doutrina.

3.1. Afinal o que precisa mudar?

Kardec delineou o quadro básico de nosso entendimento doutrinário:


“O programa da Doutrina só será invariável quanto aos princípios que passaram a
verdades comprovadas; quanto aos outros, ela só os admitirá, com sempre tem feito, a
titulo de hipóteses até que sejam confirmados. Se lhe demonstrarem que está errada em
algum ponto, ela se modificará nesse ponto”
Analisando os três pontos passíveis de reavaliação, que aludimos acima podemos tecer
os seguintes comentários:
a) consolidação dos princípios básicos
Nesse ponto, nada a acrescentar, porque pontos capitais da Doutrina: existência de
Deus, Existência, imortalidade, comunicabilidade dos Espíritos, evolução do Espírito
pela reencarnação constituem a base, o fundamento de todo o conjunto de idéias doutrinárias
e tem sido sustentados através de mais de um século. É evidente que alguns pensamentos
acerca desses princípios precisam ser atualizados, para dar-lhe consistência mais científica, se
possível ou pelo menos mais racionais.
Certamente muitas coisas são imutáveis, mas mesmo assim não estáticas. A
imortalidade da alma, por exemplo, é uma idéia imutável, mas dinâmica, na medida que pode
ser enriquecida, expandida, revista em sua operacionalidade. A idéia de Deus, central para a
Doutrina, é das que será fruto de constante mutação, pelo fato de não sabermos nada sobre a
natureza divina e que a imagem que dela temos decorre, em grande parte, da estrutura
doutrinária que herdamos dos judeus e seu velho testamento.
Trata-se, todavia, de consolidação pela expansão do entendimento e nenhum
questionamento sobre sua validade.
b) conceitos e interpretações específicas, próprias do tempo de Kardec e que perderam
alguma significação, no decorrer do tempo;
Essa parte tem sido, constantemente questionada e em alguns casos já foi feita uma
alteração semântica. Os tempos mudaram a linguagem, incluíram novos conhecimentos. No
tempo de Kardec não havia a noção da vida psicológica que Freud introduziu, nem as noções
da física relativista, da noção ondulatória da matéria, nem os avanços da pesquisa no campo
da medicina, na definição dos processos genésicos.
O que se torna imprescindível é evitar cristalizar ou sacramentar certas idéias e análises
pelo simples fato de constarem das obras básicas ou dos pensamentos de Kardec na Revista
Espírita e outros livros. Não trata, absolutamente, de mudar o estilo, substituir palavras
adulterando os textos doutrinários. Mas de situar o conceito na atualidade, cotejando-os com
avanços das ciências, do pensamentos filosófico, atualizando a linguagem e o entendimento.
Tudo isso será extremamente facilitado na medida que conseguirmos mudar a mentalidade
místico-religiosa que envolveu o movimento espírita e que leva a interpretação essencialmente
colidentes com o espírito doutrinário, ainda que agrade a multidões e fale emotivamente.
c) análise de mentalidade criada pelo movimento espírita, influência culturais,
idiossincrasias de dirigentes, médiuns e Espíritos que, sob muitos aspectos
deformaram a formulação conceitual da doutrina.
De um modo geral nenhum progresso será possível, se não houver uma substancial
Mudança na estrutura do pensamento efetivo que norteia a maioria dos espíritas, inclusive,
naturalmente, seus órgãos diretores. A realidade doutrinária foi estabelecida pela absorção dos
fatores culturais, que inclui todo o universo de crenças, superstições e formas pessoais, dando-
lhe a feição atual.
É aí que vemos, com veemência, a necessidade de haver profundas mudanças. Pois é o
modo de pensar a Doutrina, que leva a interpretações e a formas de operacioná-las e de
aplicá-las na análise dos fatos. Em outras palavras, o que se torna urgente é mudar a
mentalidade dominante no entendimento dos princípios espíritas.

2ª Parte

Metodologias para realizar as mudanças

1. Critérios básicos

Eis os passos que Kardec especificou para que pudéssemos, com segurança, seguir o
Caminho da constante atualização do pensamento doutrinário:
a. Não fechar as portas a nenhum progresso, sob pena de suicidar-se;
b. Não sair do círculo d idéias práticas;
c. Apoiar a descoberta de novas leis;
d. Assimilar todas as idéias reconhecidamente justas;
e. Seguir o movimento progressista com prudência;
f. Não imobilizar-se .
Esse roteiro, seguido criteriosamente, indicará o caminho claro para que o Espiritismo
alcance seus objetivos. Faremos um breve comentário a esses pontos fixados pelo fundador do
Espiritismo.
1. Não fechar as portas a nenhum progresso.
“A verdade absoluta é eterna e, por isso mesmo, invariável. Mas quem pode
orgulhar-se de possuí-la inteiramente? (...) O princípio que inscreveu em seu código será
a salvaguarda de sua perpetuidade. E sua unidade será mantida precisamente porque ela
não repousa sobre o princípio da imobilidade”
a determinação de Kardec em apresentar o Espiritismo como uma doutrina aberta, que
não teme o progresso, não pode ser abandonada, sob nenhum pretexto. A expressão de
Kardec é bem abrangente. Nenhum progresso deve ser descartado. Por isso é necessário,
dentro do esquema por ela traçado, Ter consciência do que seja “progresso”. Mas, apesar de
tudo, o que importa, segundo ele, é não rejeitar, a priori, qualquer contribuição e criar
mecanismos doutrinários capazes de absorver conflitos sem desestruturar-se.
Essa característica ímpar não tem sido adotada, porque exige uma disponibilidade
mental e intelectual capaz de absorver o progresso, filtrando as inovações, refletindo sobre as
propostas que são apresentadas na sociedade e no seio do próprio movimento.
Portanto, a conveniência de manter-se o Espiritismo atualizado é a sua própria
sobrevivência como movimento de idéias que pretende influenciar no destino humano.

2. Não sair do círculo de idéias práticas.


“O segundo ponto é não sair do círculo das idéias práticas. Se é exato que a
utopia de ontem é a verdade de amanhã, deixemos que o amanhã realiza a utopia de
ontem, mas não dificultemos a Doutrina com princípios que seriam considerados
quimeras e rejeitados pelos homens positivos.”
Kardec bem sabia que o pensamento espírita é cercado por um terreno conceitual
eivado de problemas, traduções e palco para inevitáveis explorações, tanto no nível do
charlatanismo, quando para o surgimento de pseudo reveladores, obsediados e psicóticos que
se lançam em empreitadas desequilibradas, ainda que manipulando palavras, idéias e
aspirações generosas.
Por isso, preveniu contra as utopias. Não aderir a nenhuma fórmula dou forma de ver as
coisas dentro de um viez místico, esdrúxulo, exótico. Não sair do que é prático, quer dizer, do
factível, do provável, do que se pode investigar, senão empiricamente, mas pela lógica, pelo
raciocínio e que suporte comparações positivas.
J. Herculano Pires, comentando as recomendações de Kardec afirmou: a afirmação
necessária de Kardec sobre a natureza evolutiva do Espiritismo tem sido aproveitada
para confusões. O Espiritismo só pode evoluir de maneira positiva, acompanhando a
evolução dos conhecimentos e nunca aceitando idéias utópicas.

3. Apoiar a descoberta de novas leis


É evidente que o Espiritismo não pode ilhar-se, como detentor da verdade absoluta e
rejeitar outras contribuições científicas que surgem no cenário mundial. Apoiar novas idéias,
todavia, como acentuou Kardec não é iludir-se ou arrastar-se para aventuras bisonhas.
Constantemente surgem propostas marginais, alternativas, seja de desencarnados como
de encarnados que atraem um certo tipo de espíritas. Estes pretendem ver nelas similaridades,
pontos de contato com os fundamentos doutrinários. Todavia, quando analisados
criteriosamente mostram-se fantasiosos, incoerentes e mesmo contrários ao sentido da
doutrina. Essa anomalia, contamina o Espiritismo praticado nos centros, estabelecendo
profunda confusão. Mister se faz separar claramente as propostas doutrinárias legítimas das
que lhe são marginais e mesmo assemelhadas, mas que não pode ser absorvidas pelos
critérios estabelecidos para definir a estrutura do pensamento doutrinário.

4. Seguir o movimento progressista com prudência.


“Entretanto, embora seguindo o movimento progressista, é mister fazê-lo com
prudência e evitar entregar-se às cegas aos devaneios, utopias e novos sistemas.
importa fazê-lo a tempo, nem muito cedo, nem muito tarde e com conhecimento de
causa.”
O ponto crítico é justamente a hora de fazer mudanças. Kardec foi criticado em seu
tempo por recusar-se a lançar idéias precipitadas que encantam alguns, mas que com o tempo
desmoralizam a Doutrina. Mas é igualmente funesto não perceber que a hora chegou.
Retardar-se é perder o trem da história e ficar para trás.

5. assimilar todas as idéias reconhecidamente justas.


Outra exigência bastante positiva e, também, muito difícil que Allan Kardec colocou foi a
Necessidade de manter a doutrina aberta às novas idéias, reconhecidamente justas. A questão
fundamental, que exigirá sempre a maior cautela é identificar as “idéias reconhecidamente
justas”, isto dentro do esquema montado por Kardec que elimina utopias, exageros e
exotismos. Porque é importante frisar que sendo uma Doutrina estruturada, o Espiritismo
estabelece, consequentemente, uma visão específica das coisas, o que determina uma linha
de análise. É claro que até essa linha pode e deve ser questionada. Mas não a ponto de
descaracterizar a própria estrutura da doutrina. Nesse caso ela se diluiria, pulverizaria e
deixaria de Ter um corpo coerente de idéias.
Por isso, as idéias só são assimiladas pela contiguidade de critérios, visão do homem e
do mundo. Elas devem obedecer a uma seqüência, a um desdobramento complementar e não
uma linha oposta, contraditória subversiva ao essencial. Com isso ela jamais será
ultrapassada.
6. Não imobilizar-se.
“A imobilidade, em lugar de seu uma força, torna-se causa de fraqueza e ruína
para os que não seguem o movimento geral. Rompe a unidade, porque os que desejam ir
para a frente separar-se dos que se obstinam em ficar para trás”, afirmou Kardec (idem
página 292).
2. Seqüência metodológica

A estrutura metodológica, no processo de revisão, atualização, desenvolvimento e


enriquecimento de qualquer idéia, segue etapas, períodos geralmente bem determinados e que
é preciso conhecer e compreender para que haja realmente espaço para manter o progresso
desejado.
Seguindo os critérios definidos por Allan Kardec, podemos estabelecer a seqüência para
a análise de qualquer proposta ou idéia que venham questionar, enriquecer ou modificar
pontos não essenciais, básicos do pensamento doutrinário.
a) período de turbulência
Caracteriza-se pelo impacto que causa o surgimento os novas idéias. Como é
compreensível qualquer sistema tenta manter-se coeso e com isso cria defesas e rejeita, em
princípio, qualquer tentativa de revisão do que já está posto e consagrado.
A proposta pode ser apresentada pelos estudiosos e preliminarmente deve ser cortejada
com os critérios estabelecidos, uma vez que qualquer alteração ou sugestão deve Ter um
mínimo de consciência.
Essa providência, contudo, não pode ser delegada a nenhum organismo, sob pena de
estabelecerem uma censura prévia, manipulada e cerceadora.
Recordar que o primeiro critério é não fechar a porta para nenhum progresso. Por isso,
deve-se garantir a ampla possibilidade de apresentar propostas. Até hoje tem surgido muitas
idéias, principalmente através de obras mediúnicas, pelas quais certos médiuns e Espíritos
propõem revisões geralmente de fundo místico, utópico e afirmativo, sem outra autoridade
senão a auto-afirmação dos autores. Embora causando polêmicas, são sustentados por
organismos doutrinários, criando um corpo de adeptos e sectários. São toleradas por não
ameaçarem as bases místico-religiosas impostas ao movimento. A maioria termina, entretanto,
por repudiá-las.
O que se reivindica é que propostas mais abrangentes e que questionem os
fundamentos místico-religiosos, sejam também aceitas para a discussão e não rejeitadas como
meras manobras de obsediados e inimigos da Doutrina.

b) período de maturação
É o tempo necessário para a discussão de novas idéias. Deve-se dar tempo para que
elas tenham um certo curso, uma vez que, não raro, provocam um certo impacto ao início e,
entretanto, posteriormente, podem ser melhor compreendidas.
Se obedecidas as regras e critérios deixadas por Kardec, deverão passar pelo crivo da
lógica, pela plausividade, pela consistência. Se houver um mínimo de entendimento, a
discussão, ainda que calorosa, pode conduzir-se num sentido civilizado, embora contundente
ou positivo.

c) período conclusivo
Após o período mais ou menos longo de maturação a idéias é rejeitada ou aceita,
Totalmente ou em parte. Nesse caso, produzirá inevitáveis alterações nos conceitos atingidos
ou na globalidade do entendimento, conforme o caso.
A assimilação pode ser, como vimos, parcial ou total e influenciará de forma gradual ou
total, como demonstra o quadro abaixo:
QUADRO DEMONSTRATIVO DA INFLUÊNCIA POSSÍVEL DE NOVAS IDÉIAS
___________________________________________________________________________

TIPO DE ASSIMILAÇÃO

Parcial – somente uma parcela é aceita e assimilada, descartando se, por inadequada,
as demais.

Total – a proposta, na sua totalidade, é incorporada ao corpo doutrinário.

MODIFICAÇÕES POSSÍVEIS

Acomodação – nesse caso, as novas idéias se acomodam ao conjunto, sem


acrescentar alterações substanciais, enriquecem os conceitos existentes apenas;

Complementação – geralmente as idéias aceitas parcialmente vêm completar,


complementar, alguns conceitos consagrados, dando-lhes um sentido de atualização.

Modificação – parcial ou totalmente aceitas, algumas idéias introduzem modificações


substanciais no conjunto existente, determinando, em alguns casos novos rumos para a
própria doutrina. São atualizações que forçam o abandono de antigas posições e
enriquecem a Doutrina.
3ª Parte
Problemas e Resistências

Para que o Espiritismo alcance essa dinâmica e estabeleça criterioso espírito de


acumulação de experiências e renovação, será necessário resolver alguns problemas e
superar resistências opostas pelo sistema estabelecido. Este supõe Ter sua garantia na
imobilidade e teme mudanças que levaria a hipotética perda de controle.
1. Quem decide aceitar esta mudança?
Essa a primeira questão. Num movimento livre como o Espiritismo, quem tem autoridade
para questionar o que foi posto e aceitar novas idéias?
A) Papel dos Espíritos e dos espíritas
Allan Kardec procurou, enfaticamente, colocar o Espiritismo no rol dos acontecimentos
promovidos pela Divindade, – supondo que ela só se move em determinadas circunstâncias e
devido ao acúmulo de erros dos homens e não continuidade – motivo porque não apenas o
considerou a “terceira revelação” da Lei de Deus, como atribuiu aos Espíritos o papel relevante
no surgimento da Doutrina.
Sem embargo da parte que toca à atividade humana na elaboração desta doutrina,
a iniciativa da obra pertence aos Espíritos, porém não constitui a opinião pessoal de
nenhum deles. (...) Pois que ela tem sua fonte de origem no ensino dos Espíritos, para
que sucumbisse seria necessário que os Espíritos deixassem de existir, afirmou ele. (A
Gênese – Introdução)
Todavia, seria precipitar-se supor que ele tivesse se subordinado, cegamente ao
comando dos Espíritos. Bem ao contrário subordinou ao critério lógico e à análise dos
encarnados a validade da atuação dos Espíritos, como se vê no seguinte trecho, extraído de A
Gênese:
Que autoridade tem a revelação espírita, uma vez que emana de seres de limitadas
luzes e não infalíveis?
A objeção seria ponderada, se essa revelação consistisse apenas no ensino dos
Espíritos, se deles exclusivamente a devêssemos receber e houvéssemos de aceitá-la de
olhos fechados. Perde, porém, todo valor desde que o homem concorra para a revelação
com o seu raciocínio e o seu critério; desde que os Espíritos se limitam a pô-lo no
caminho das deduções que ele pode tirar da observação dos fatos.
A que nos leva isso? Ao que ele estabeleceu no Capítulo I, do seu livro A Gênese:
Por sua natureza, a revelação espírita, tem duplo caráter: participa ao mesmo
tempo da revelação divina e da revelação científica (...) Participa da primeira porque foi
providencial seu aparecimento (...) porque os pontos fundamentais da doutrina provêm
do ensino que deram os Espíritos encarregados por Deus de esclarecer os homens
acerca de coisas que ignoravam, que não podiam aprender por si mesmos (...) Participa
da Segunda, por não ser esse ensino privilégio de indivíduo algum (...) por não serem os
que o transmitem e os que recebem seres passivos (...) porque a doutrina não foi ditada
completa nem imposta a fé cega; porque é deduzida pelo trabalho do homem, da
observação dos fatos que os Espíritos lhe põem sob os olhos (...) Numa palavra, o que
caracteriza a revelação espírita é ser divina a sua origem e da iniciativa dos Espíritos,
sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem.
Isto é, o Espiritismo é uma doutrina que associa as duas partes da humanidade, a
incorporada e a desincorporada, ambas capazes, ainda que sob ponto de vistas diferentes, de
determinar seu rumo. O que Kardec não queria era que a doutrina resultasse de uma única
fonte mediúnica, nem de uma única cabeça, mas que fosse o produto do debate, da pesquisa e
da assimilação criteriosa do progresso.
“O Espiritismo é forte, precisamente porque se apoia sobre essa sanção e não
sobre opiniões isoladas. Proclama-se imutável no que hoje ensina e diz que nada mais
tem a ensinar? Não, porque até hoje seguiu e seguirá no futuro, o ensino progressivo
que lhe for dado, e nisto ainda para ele uma causa de força, pois jamais se deixará
distanciar pelo progresso. (Revista Espírita, 1865 – outubro – pg. 297/98).
B) A concordância universal e concordância cultural
Allan Kardec afirmou que qualquer novidade doutrinária deveria obter a concordância
universal para ser válida. “Sem essa concordância, quem poderia estar seguro de Ter a
verdade? A razão, a lógica, o raciocínio, sem dúvida são os primeiros meios de controle
a serem usados. Em muitos casos isso basta. Mas quando se trata de um princípio
importante, da emissão de uma idéia nova, seria presunção crer-se infalível na
apreciação das coisas. (Revista 1864, pág. 69 – março).
É preciso saber que muitas das proposições de Kardec partiam, como não poderia
deixar de ser, de uma visão idealizada do mundo dos Espíritos e, possivelmente, tinha uma
certa base mecanicista, positivista, como era típico da cultura de seu tempo. Por exemplo,
falando dos desencarnados ele disse: “as condições da nova existência em que se acham
lhes dilatam o círculo das percepções: eles vêem o que não viam na Terra: libertos dos
entraves da matéria, isentos dos cuidados da vida corpórea, apreciam as coisas de um
ponto de vista mais elevado e, portanto, mais são; a perspicácia de que gozam abrange
mais vasto horizonte; compreendem seus erros; retificam suas idéias e se
desembaraçam dos prejuízos humanos”.
A experiência tem demonstrado que, ao contrário dessa idealização, os desencarnados
permanecem, via de regra, apegados às suas crenças, às estruturas culturais e conceituais,
modificando-se, quase sempre, apenas suas disposições afetivas e emotivas, posições
tipicamente circunstanciais. Naturalmente, é muito difícil equalizar a heterogeneidade das
mentes e dos tipos dos Espíritos, mas parece adequado chamá-los de homens desencarnados,
estabelecendo o claro limite de suas potencialidades.
Se tudo corresse como Kardec previa, o Espiritismo seria a doutrina dominante no
século vinte. Em toda a parte a mediunidade seria cultivada com fins superiores e os Espíritos
elevados ditariam, paulatinamente novas mensagens, contendo verdades que se iriam
completar ou pelo menos dariam dicas para que os homens observassem e descobrissem por
si mesmos.
Mas a verdade é que o Espiritismo não se converteu nesse paradigma, nem a
mediunidade se tornou porta-voz universal. Nesse praticamente século e meio, a mediunidade
tem sido pesquisada, analisada, estudada sem que seja reconhecida como canal de
intermediação entre mortos e vivos. Especula-se sobre paranormalidade, sobre percepções
extra-sensoriais, retidas como possibilidades do organismo. As manifestações que impliquem
na presença de entidades desencarnadas são cercadas de dúvidas, hesitações.
Uma outra questão real é que, como acontece particularmente no Brasil, devemos
considerar a existência de uma concordância cultural devido aos fatores específicos da
cultura de nosso país. O movimento espírita brasileiro foi sendo desenvolvido aleatoriamente. A
influência mística de nossa mentalidade emocional envolveu inevitavelmente o movimento
doutrinário e, a partir da década dos trinta, deste século, o que podemos classificar de
pensamento dominante em nossos meios, proveio da produção mediúnica do médium
Francisco Cândido Xavier, que determinou um tipo de literatura e princípios.
Suas influências é de tal ordem que podemos, sem dificuldade, identificá-la em toda a
produção mediúnica brasileira que, a rigor, é uma cópia geralmente piorada do que ele já
publicou e disse. Essa concordância cultural é, pois visível e., por si mesma, invalida certas
proposições de ordem religiosa proposta por Xavier.
Isso não quer dizer que sua obra seja desprezível. Ao contrário. Quer dizer apenas que
deve ser analisada, colocada em discussão e não simplesmente aceita, como em geral é feito.
E que, de modo geral, e “concordância” encontrada em outros médiuns não possui, dadas as
circunstâncias, o valor comprobatório.

C) Instâncias Hierarquizadas
Kardec atribuiu aos Congressos periódicos, de estrutura mundial, a tarefa de atualizar a
Doutrina. Nesses Congressos seriam pautadas para estudo, as hipóteses que os estudiosos
apresentariam.
Considerando 1) que o desenvolvimento do Espiritismo kardecista ao obedeceu às
esperanças do seu fundador; 2) que a prática de Congressos do tipo que ele previu não se
consolidou; 3) e, mais ainda, que não se pode levar a sério, para esse propósito, os recentes
Congressos internacionais promovidos por entidades comprometidas com a religião e o
misticismo; temos que procurar um caminho adequado para a consolidação das mudanças que
se tornem necessárias, mesmo contrariando o estereótipo geralmente aceito e o poder que tais
organismos possuem.
Acreditamos firmemente no poder das idéias. Como fez Kardec: “Desejando ser aceita
livremente, por convicção e não por coação, proclamando a liberdade de consciência,
como um direito natural imprescritível, ela (a Doutrina) diz: Se estou com a razão, os
outros acabarão por pensar como eu; se estou errado, acabarei por pensar como
outros.”

D) Posição do Espiritismo Brasileiro


É visível que o movimento espírita não se fundamentou para seguir o roteiro proposto
por Kardec . o movimento espírita brasileiro se estruturou, desde o início, de forma peculiar,
involuindo para uma posição fronteiriça a de uma igreja sectária.
O Espiritismo brasileiro, criou algumas balizas decorrentes, em parte, da incorporação
de modelos místicos próprios da cultura nacional e, inclusive, pela infiltração das idéias
roustainguistas que, embora geralmente rechaçadas, se incorporaram ao ideário prático,
devido à ação de pessoas influentes e organizações centralizadoras, que tenho aderido a tais
idéias, influenciaram o desenvolvimento do movimento doutrinário.
Já salientamos a influência marcante, decisiva, para a determinação do Espiritismo
brasileiro, da atuação do médium Francisco Cândido Xavier, através do qual um grupo de
Espíritos vinculados às idéias religiosas, promovendo seu crescimento mas, também,
marcando-o com uma face e uma identidade que, sob alguns aspectos, afastaram-no do
sentido não-místico com que Allan Kardec procurou defini-lo.
Um dos entraves do pensamento místico é que ele permanece estático, ortodoxo,
imóvel, mesmo diante das catástrofes, das mudanças profundas na visão social. Por isso ele
insiste em raciocinar em termos imutáveis num mundo em mudança.
Essa a razão porque, embora teoricamente reconhecendo o sentido progressista do
Espiritismo, escritores, oradores e dirigentes insistem em dizer que a Doutrina não precisa de
inovações e nenhum se candidata a trazer um contribuição à renovação.
Eis alguns pontos que, a meu ver, definem o movimento espírita brasileiro:
a) Utilizou-se do fato de Kardec afirmar que o Espiritismo não era obra dele, mas dos
Espíritos, para diminuir o seu papel na doutrina que ele mesmo fundara;
b) A obra de Kardec, sem a qual não existiria o Espiritismo foi desprezada e o
Evangelho, na sua expressão moralista, foi exaltado. Os oradores, médiuns,
Espíritos, passaram à condição de pregadores, a exemplo dos padres e pastores
das igrejas.
c) Somado à incultura geral do país e seu misticismo miscigenado, deixou-se de lado
qualquer precaução quanto a validade dos ditados mediúnicos, generalizados como
mensagens sagradas enviadas por Espíritos Superiores sem a criteriosa isenção,
recomendada por Kardec.
d) Além disso, os criadores de centros espíritas usaram critérios próprios e deformaram,
não raro, os princípios do Espiritismo, porque jamais estudaram a obra de Kardec.
Ouviram Espíritos ignorantes e partidários que se impuseram à pieguice e à vaidade
de muitos, criando bolsões anti-doutrinários.
e) De modo geral desacreditou-se o estudo sério, repudiou-se a intelectualidade devido
ao estratagema de Espíritos e dirigentes que, na ânsia de poder ou no sentido de
deturpar o Espiritismo, passaram a exigir a “reforma íntima” dos adeptos, tornando a
Doutrina uma seita salvacionista, a curto prazo.
Considerando a expressão do movimento espírita brasileiro pode-se afirmar em, resumo,
que ele embora se dizendo de tríplice aspecto: ciência, filosofia e religião – o que é uma
imposição cultural sem base na obra de Kardec – é um movimento mísitico-evangélico-
assistencial, onde não existe, genericamente, espaço para pesquisa, questionamento e
renovação do pensamento, como desejado por Kardec.

Conclusão

A conclusão óbvia é que Allan Kardec não só desejava, como preparou o Espiritismo
para atualizar-se. Então porque a grande maioria dos dirigentes recusa-se a pensar em mudar,
em atualizar?
Uma coisa parece inevitável. Ou voltamos aos parâmetros básicos de Kardec, para que
tenhamos bases para manter o Espiritismo atualizado, progressivo ou ele perecerá por
engessamento, imobilidade e pela doença incurável do misticismo.

Observação: tomou-se como base, a Constituição do Espiritismo, publicada em OBRAS


PÓSTUMAS, de Allan Kardec, tradução de Sylvia Mele Pereira. Introdução e Notas de J.
Herculano Pires, publicada pela EDICEL – SP.

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