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BORDADO DA MADEIRA

BORDADO DA MADEIRA

Alberto Vieira

Funchal, 2006
TÍTULO O Bordado da Madeira

1ª Edição Dezembro de 2006

AUTOR ©Alberto Vieira

EDIÇÃO:

Bordal-Bordados da Madeira Lda


Rua Doutor Fernão Ornelas 77,1º
9050-021 Funchal - Madeira Portugal
Telef.+351 291222965
Fax.+351 291227754

Webpage: http://www.bordal.pt

TIRAGEM: 3000 exemplares

PAGINAÇÃO: Gonçalo Mendes

FOTOGRAFIAS: Bordal, Alberto Vieira, Gonçalo Mendes, Museu de


Photographia Vicentes.

IMPRESSÃO: Tip. Peres, SA (http://www.tipografiaperes.com)

ISBN: 978-989-20-0416-7

Depósito Legal: 249553/06


Índice

Apresentação ..................................................................9
O Bordado no Mundo ......................................................19
Do Bordado Caseiro ao Bordado industrial .........................27
A Crise ou mudança do Bordado ......................................45
As Casas de Bordado ......................................................53
As Técnicas e os Materiais ...............................................75
O Processo de Fabrico do Bordado Madeirense ...................81
Os pontos do Bordado Madeira ........................................93
Os Mercados do Bordado Madeira ...................................107
Os Estrangeiros e o Bordado ..........................................117
Conclusão....................................................................131

7
Apresentação
10
O bordado faz parte da cultura e História dos
madeirenses. E, a exemplo do vinho, é uma das
marcas que os identifica. A sua presença suplan-
ta as barreiras naturais do arquipélago para se postar em mesa
ou cama rica em todas as partes do mundo. Executado em meio
pobre, mas quase sempre solicitado para mesa ou cama nobre.

O bordado madeirense não é uma criação do século XIX,


pois está presente na ilha desde os inícios do povoamento. A par-
tir da segunda metade do século XIX tivemos apenas a afirmação
como mercadoria com peso significativo no sistema de trocas da
ilha com o exterior e na economia familiar de muitos madeiren-
ses. É também considerado como uma iniciativa de Miss
Elizabeth Phelps(1820-1893). Mas, na verdade, esta ter-lhe-á
aberto o caminho do mercado britânico. Foi a partir de então que
o bordado, considerado um produto para uso e consumo caseiro,
assumiu a dimensão de produto mercantil, de grande procura e
valorização pelo mercado estrangeiro. Isto motivou uma profun-
da transformação. Apareceram as casas e os exportadores espe-
cializados no comércio, responsáveis por uma mudança radical
no sector produtivo. A garantia e continuidade do processo de

11
Bordadeiras.

Bilhete Postal de 1950

12
fabrico e circulação da mercadoria foram asseguradas pelas
casas de bordados. Ao mesmo tempo aprimorou-se tecnicamente
o produto e regulamentou-se o trabalho da agulha de acordo com
as exigências da nova clientela e a moda de cada época. O acto
de bordar deixou de ser uma forma de lazer para se transformar
numa actividade de subsistência, por vezes, exercida a tempo
inteiro.

Antes que o forasteiro oitocentista descobrisse o bordado


madeirense ele manteve-se reservado ao consumo familiar e à
actividade caseira. Bordava-se para fruição própria ou para pre-
sentear familiares e amigos. Para a donzela a
tradição do enxoval de casamento era muitas vezes
o motivo de tão paciente dedicação ao trabalho da
agulha. Raras eram as peças fora deste circuito.
Estávamos perante um bordado ancestral que
seguia uma tradição familiar, adequando-se, de
quando em vez, a novos pontos e desenhos a
gosto do criador.

A partir de meados da centúria oito-


centista o aparecimento das Casas de
Bordados e o interesse cada vez maior
de estrangeiros, nomeadamente ingle-
ses, alemães, norte-americanos e
sírios, pelas peças bordadas, conduzi-
ram à passagem do processo artesanal
para o industrial. Aqui os clientes passaram a
definir o tipo de encomendas, ficando às casas a Publicidade
função de coordenar o trabalho, definir as técnicas e os mate-
riais. O bordado deixou de ser livre criação da bordadeira,
entrando num processo de laboração que começava com o traça-
do dos desenhos ajustados à solicitação do mercado ou da exi-
gente clientela. A criação passou para a mão do desenhador,
ficando a forma final dependente da maestria das mãos da bor-

13
Bordadeiras dadeira. Por ser um trabalho eminentemente feminino a con-
cretização ocorria em casa de forma a poder conjugar-se a
azáfama caseira diária com o trabalho da agulha.

Para a maioria dos madeirenses o bordado foi a tábua de


salvação em face da situação difícil da agricultura da ilha desde
meados do século XIX. A crise económica, provocada pela situ-
ação da viticultura, obrigou à procura de novas formas de sobre-
vivência alternativas, de que o bordar terá sido uma delas. O
quotidiano da ilha transformou-se levando a que a mulher se
prendesse cada vez mais à casa e ganhasse importância social.

14
As lides caseiras passaram a ser companheiras da arte de bordar.

A presença do bordado no quotidiano ficou evidenciada por


todos os estrangeiros que visitaram a ilha e até o próprio
madeirense tem consciência disso. A jovem bordadeira era
alguém de prestígio na sociedade rural que, rapidamente se afir-
mou pela ostentação dos lucros fruto do novo labor. Por outro
lado o acto de bordar tornou-se comum e, não apenas para o
sexo feminino, pois segundo a quadra popular:

Borda o pai,
borda a filha
e borda a mãe.

No meio rural o contacto entre a bordadeira e as casas


fazia-se através dos agentes e caixeiros que calcorreavam todas
as localidades à descoberta das ágeis mãos capazes de dar forma
e relevo aos desenhos estampados nas peças de linho e cam-
braia. Na cidade do Funchal as casas de vinhos cederam lugar às
de bordados e a animação comercial transferiu-se para novos
cenários e arruamentos. No porto os navios, nomeadamente os
passageiros dos chamados vapores do Cabo, passaram a ser
assediados por minúsculas embarcações onde os bomboteiros
exibiam enormes toalhas bordadas.

A primeira metade do século XX foi um período difícil para


todo o mundo. As guerras mundiais (1914-19 e 1939-45) foram
um forte travão ao progresso e ao comércio. Perderam-se mer-
cados, encerram-se muitas casas, emigraram as bordadeiras e a
concorrência do bordado doutras regiões, nomeadamente orien-
tal, não deu tréguas aos madeirenses. Mesmo assim o bordado
manteve-se na economia local com o vinho como a marca
indelével que identifica a ilha. E enquanto houver quem valorize
o trabalho da agulha o bordado madeirense não morrerá, fican-
do na memória dos visitantes como a recordação perdulária da

15
Mulheres bordando.

Fotografia de
Museu Vicentes

16
visita e descoberta deste trabalho manual que teima em persis-
tir na era post-industrial.

Ainda hoje, passados os momentos de fulgor da produção e


comércio do bordado, a ilha continua a ser identificada por este
e pelo vinho. Apenas mudaram as possibilidades de acesso a
estas autênticas obras de arte, que no dizer do escritor
madeirense, Horácio Bento de Gouveia, são as nossas Lágrimas
correndo mundo.

17
Pormenor da toalha
apresentada no
Pavilhão da Madeira
da Expo-98 em
Lisboa.

Desenho de Leandro
Jardim.

18
O bordado
no mundo 19
20
A o contrário do que possa parecer a História
do bordado não se esgota na Madeira e tão
pouco se resume ao período decorrente da
afirmação a partir de finais do século XIX. Tudo isto porque o bor-
dado não é criação madeirense e o trabalho da agulha ocupou
sempre o sexo feminino nos quatro cantos do Mundo. Segundo a
tradição o berço do bordado situa-se no Oriente, Médio Oriente e
Rússia. E parece que esta actividade se perde nos anais da
História. Em 1964 o achado arqueológico de um caçador do “Cro-
Magnon”, datado de cerca de 30.000 AC revelou-nos o primeiro
registo fossilizado de um pano bordado com pontos à mão. O
primeiro bordado que se preserva em pano é chinês e data de
3500 AC. A China foi um dos espaços de afirmação da arte de
bordar, que remonta à dinastia Shang (1766-1122 AC.) e tornou-
se muito popular na dinastia Ming (1368-1644).

No Mediterrâneo a divulgação do bordado esteve a cargo


dos assírios, egípcios, gregos e romanos. Os gregos considera-
vam o bordado invenção da deusa Minerva. São inúmeros os re-
gistos arqueológicos onde é possível testemunhar a importância
do bordado para as civilizações do Mediterrâneo. O Cristianismo,

21
Bordadeiras. por força da necessidade dos trajes de culto litúrgico bordados a
ouro, defendeu e divulgou a arte de bordar em todo o mundo sob
Bilhete Postal. 1909
a sua influência. Roma, como sede do papado, transformou-se a
partir do século XVI num dos mais importantes centros do traba-
lho da agulha, por força da exigência das vestes de cerimónia do
papa e cardeais. O Cristianismo encarregou-se de divulgar a arte
em todo o lado e os conventos femininos foram centros de rele-
vo no incentivo da tradição de bordar.

Em toda a Europa, cristã ou não, era conhecido o trabalho


da agulha, popularizando-se o bordado no século XVIII. Os sécu-
los XVII e XVIII são considerados a época de ouro do bordado
europeu, numa vasta área que vai desde a Itália à Holanda, pas-
sando pelos países eslavos. A segunda metade do século XIX foi

22
marcada por profunda transformação fruto da mecanização do
trabalho com a máquina de bordar, considerada uma séria
ameaça para o bordado à mão de regiões como a Madeira. Em
1913 causou alvoroço no Funchal a notícia de que fora autoriza-
da a importação de máquinas de coser para o bordado. Foi nesta
época que se procedeu a uma maior divulgação dos motivos
através dos desenhos em revistas, contribuindo para o estabele-
cimento de padrões que em diversos momentos foram moda. A
divulgação de desenhos impressos terá começado no século XVI
com a publicação dos primeiros livros sobre o tema.

O bordado aplicado nas peças de vestuário era uma tradição


desde a Idade Média e estava ligado à realeza e nobreza. Os bor-
dados em seda e ouro eram o adorno principal das peças de ves-
tuário, alcançando, por isso, elevado preço. A tradição diz-nos
que as peças bordadas estavam reservadas para a oferta a reis,
imperadores e príncipes.

Em Portugal a arte de bordar está presente desde tempos


muito recuados afirmando-se em algumas regiões como Viana do
Castelo, Guimarães, Castelo Branco, Nisa, Caldas da Rainha e
Tibaldinho. A presença na Madeira de povoadores oriundos das
diversas regiões do país, mas de forma especial do norte, áreas
de grande tradição do bordado, deverá ter contribuído para que
esta arte se alargasse aos novos espaços de ocupação no
Atlântico. Um dos grupos mais significativos de povoadores do
arquipélago era oriundo de Viana do Castelo. Deste modo o bor-
dar é tão antigo quanto o povoamento da ilha, uma vez que os
primeiros portugueses que pisaram o solo madeirense foram dig-
nos representantes de uma tradição cultural que projectou a
terra de origem.

23
Camponesa, litografia da Mulher moendo cereal em moinho de mão.
Colecção Palhares, 1842. Litografia de P. Springett, 1843.

O bordado está directamente ligado ao vestuário e desde o


momento que o Homem sentiu a necessidade de cobrir o corpo
surgiram os tecidos, elaborados com diversos produtos e o recur-
so a técnicas de confecção, com aplicações de bordado. Na
Madeira as formas de vestir obedeceram ao padrão dos locais de
origem dos colonos e às disponibilidades de artefactos oferecidas
pelo meio e mercado. Por força disso cultivou-se o linho e o pas-
toreio de ovelhas foi também uma actividade significativa do
mundo rural pelo fornecimento de lã para a indumentária local.
Em 1862 temos 559 teares de linho e lã. A maior incidência ocor-
ria em Santana e Calheta, com 160 e 165 teares respectiva-
mente. No Funchal a concentração era menor, pois o porto abria-
lhe a possibilidade de acesso aos panos de importação.
A riqueza aliada à oferta de tecidos de importação, de preços
excessivamente elevados, conduzia ao luxo nos diversos estratos

24
Fiar o linho.
Litografia de J. Gellaty de 1840

sociais. A coroa interveio no sentido de travar a ostentação no


vestuário. Em 1686 D. Pedro fez publicar uma pragmática contra
isso. Aqui o principal alvo era “todos os bordados que chamam de
seda”, que não podiam levar prata ou ouro, e “todas as rendas que
se chamam bordados”. Já em 1749 D, João V condescendia com
algumas peças de vestuário bordadas: “poderá usar-se roupa
branca bordada de branco ou de cores, contudo porém que seja
bordado nos meus domínios, não de outra manufactura.”. As leis
sumptuárias, ao proibirem as peças de vestuário bordadas,
evidenciam que era tradição comum a todo o reino e que abran-
gia muitas das peças de vestuário masculino (camisas, calções,
etc.) e feminino (saia, colete, manto, capa, etc.). A partir da
Revolução Liberal o comércio de venda a retalho dos tecidos
tornou-se livre das peias sumptuárias, o que deverá ter contribuí-
do para uma reafirmação do bordado nas peças de vestuário.

25
A Bordadeira.

Monumento
escultórico de Anjos
Teixeira, inaugurado
em 30 de Junho de
1986 nos Jardins do
IVBAM

26
Do bordado caseiro
ao bordado industrial

Pormenor de barra antiga

27
Miradouro do Largo
das Cruzes com o
Convento de Santa
Clara.

Gravura de Frank
Dillon, 1850.

28
Peças de vestuário

O
antigas

bordado está presente na ilha desde os primi-


tivos tempos da ocupação. A tradição de bordar,
do local de origem dos povoadores, acompa-
nhou-os na travessia atlântica e instalou-se no novo espaço.
Borda-se na ilha desde o início do povoamento. Bordava-se em
linho, algodão, seda e organdy para se fazerem toalhas de mesa,
peças decorativas, jogos de cama e peças de vestuário,
nomeadamente feminino. Muitas das peças de vestuário pas-
savam de pais para filhos, não apenas pelo valor sentimental que
detinham, mas também, pela raridade e riqueza do bordado.

O mais antigo testemunho sobre o bordado madeirense


surge em finais do século XVI no volume das “Saudades da
Terra” que Gaspar Frutuoso dedicou à Madeira. A propósito do
casamento de Isabel de Abreu, da Calheta, com António
Gonçalves, o autor refere que as delicadas mulheres da ilha da
Madeira, que (além de serem comummente bem assombradas,
muito formosas, discretas e virtuosas) são estremadas na per-

29
Peças
de vestuário
antigas

feição deles e em todalas invenções de ricas coisas, que fazem,


não tão somente em pano com polidos lavores.... Daqui resultará
que o bordado Madeira se manteve por muito tempo no segredo
das arcas das criadoras. Era trabalho de inestimável valor que,
por isso mesmo, não podia ser vendido, sendo apenas de usufru-
to familiar, prenda de enxoval ou legado por morte.

Por muito tempo o bordado foi considerado um produto não


vendável, que raramente saía do circuito familiar. Os estrangeiros
que escreveram sobre a ilha até meados do século XIX não fazem
referência ao bordado. Aquilo que mais lhes chamava a atenção
eram as flores artificiais feitas pelas freiras do Convento de Santa
Clara. No relato das três viagens (1768, 1772, 1776) de James
Cook não surge qualquer indicação do bordado mas sim às ditas
flores. O Convento de Santa Clara foi uma referência para a
maioria dos estrangeiros que visitaram a ilha entre os séculos
XVII e XIX. Era local de romagem obrigatória. Aqui, para além da
doçaria, realçava-se as flores de penas. Para muitos dos visi-

30
Peças
de vestuário
antigas

tantes o principal “souvenir” da Madeira. A juntar a tudo isto


temos em princípios do século XIX uma verdadeira atracção para
os visitantes, a madre Maria Clementina. Nos conventos femini-
nos, como o de Santa Clara, o bordado foi também uma activi-
dade que ocupou as freiras nos momentos de lazer, mas a maio-
ria dos estrangeiros apenas se detém nas flores artificiais e na
doçaria.

Até meados do século XIX não existem referências à venda


ou exportação do bordado Madeira. E, nas diversas descrições
das actividades artesanais, não aparece o bordado. Foi, na ver-
dade, com a exposição das indústrias madeirenses realizada no
Palácio de S. Lourenço a partir de 1 de Abril de 1850 que se
descobriu o bordado, como mercadoria salvadora da economia
familiar. A partir daqui procedeu-se ao aproveitamento ca-
pitalista, assumindo-se as peças bordadas como um produto de
grande rentabilidade económica. A exposição industrial foi orga-
nizada pelo então Governador Civil, José Silvestre Ribeiro, com o

31
objectivo de promover junto dos madeirenses e
visitantes, as diversas indústrias e artesanato do
arquipélago. A escolha do mês de Abril deveu-se
ao facto de ser o mês em que havia maior
número de estrangeiros na ilha. O sucesso parece
que se ficou pela valorização comercial das obras
de artesanato expostas, nomeadamente o borda-
do.

Graças ao empenho pessoal do Governador


a exposição foi um sucesso e a mais completa
amostra das potencialidades sócio-económicas do
arquipélago. No caso dos bordados o relatório
sobre a exposição não podia ser mais elogioso:
...bordados em seda a matiz com guarnições de
froco, de mastro, e de ouro, em diferentes
José Silvestre quadros, tudo feito com muito asseio e beleza. Bordados de
Ribeiro passe em filó, bem acabados e de bom gosto. Bordados brancos
(1807-1891).
diversos de muito merecimento. Como forma de incentivo aos
Governador Civil
da Madeira entre expositores distribuíram-se medalhas e louvores. No sector dos
1846 a 1852 bordados e lavores tivemos duas medalhas a premiar os borda-
dos brancos de Luísa e Carolina Teives.

O interesse britânico por esta exposição foi enorme,


recebendo a Madeira convite para estar presente em Londres na
Exposição Universal que decorreu no ano seguinte de 1851. Mais
uma vez, sob o impulso do Governador Civil, José Silvestre
Ribeiro, a Madeira apresentou um rico bordado feito pela senho-
ra Breciano com reprodução de flores da Madeira, flores de penas
das freiras do Convento de Santa Clara. Os comentários às peças
presentes foram auspiciosos: bordados a branco que foram
geralmente aplaudidos e considerados de uma perfeição inex-
cedível.

Ambas as exposições foram um marco decisivo na afir-

32
Pormenor
de bordado
antigo

mação do bordado no mercado local e londrino. O primeiro re-


gisto referenciado das exportações é de 1849 e dá conta do envio
para Lisboa de esguião de linho bordado, mas foi nas expor-
tações para o mercado britânico, a partir de 1854, que começou
a delinear-se o primeiro e promissor mercado para o bordado
Madeira. As primeiras exportações aconteceram por iniciativa de
Miss Elizabeth Phelps, filha de Joseph Phelps, um destacado mer-
cador de vinhos que se havia instalado no Funchal em finais do
século XVIII. Ela foi responsável pela propaganda do bordado
madeirense junto de algumas famílias e teve também uma acti-
va intervenção no ensino do trabalho da agulha. Em meados da
centúria, a mesma, com outras senhoras funchalenses criou uma
escola lancasteriana feminina. Aqui, para além do ensino básico,
sem recurso à palmatória, ensinava-se as jovens a trabalhar com
a agulha. O ensino das técnicas do bordado inglês influenciou de
forma decisiva o bordado Madeira nos primeiros anos, de tal
forma que Émile Bayard afirmava que era conhecido como bor-
dado inglês.

A ligação de Miss Elizabeth Phelps, filha de Joseph Phelps


(1791-1876) e Elizabeth Dickinson (1795-1876), ao bordado

33
madeirense tem dado lugar a alguma confusão.
É comum dizer-se que foi esta donzela britânica
que introduziu o bordado na ilha. Pelo que atrás
ficou dito parece estar demonstrado que o bor-
dado já existia na ilha muito tempo antes da sua
chegada e que o contributo mais significativo foi
o de o divulgar à sociedade britânica, abrindo as
portas para um promissor mercado.

A partir de meados do século XIX os visi-


tantes ingleses passaram a dar atenção ao bor-
dado. Assim, entre 1853-54, Isabella de França,
no diário da visita que fez à ilha, dá conta de
forma clara da presença do bordado na indu-
mentária madeirense. Na romagem de Santo
António da Serra, em Outubro, refere um
homem com casaca azul recamada de magnífi-
cos bordados a ouro. Quanto ao vestuário femi-
Joseph Phelps nino destaca um corpete de fustão amarelo ou material seme-
(1791-1876) e lhante muito bem bordado a ponto branco. E na inevitável visita
Elizabeth Dickinson
(1795-1876)
a Maria Clementina no convento de Santa Clara desperta-lhe de
novo a atenção o bordado da camisa:...tinha um peitilho franzido
em volta do pescoço, de cassa tão fina e clara que mostrava a
extremidade bordada da camisa a despontar por baixo [...]. Na
mão sustinha um lenço bordado, da mesma casa,...

À medida que o produto foi ganhando mercado em


Inglaterra surgiram os primeiros intermediários. Robert e Frank
Wilkinson foram os primeiros ingleses envolvidos no negócio. As
relações comerciais entre a Madeira eram assíduas desde o sécu-
lo XVII, fruto da ligação madeirense ao processo de afirmação
colonial britânica, onde o porto do Funchal foi um dos centros de
apoio no Atlântico. A presença de ingleses era frequente no
Funchal e a actividade alargava-se a todos os produtos com valor
mercantil. Os britânicos, por força destas circunstâncias, foram

34
os primeiros a interessar-se pelo
comércio do bordado.

A valorização do bordado como


mercadoria de exportação teve implica-
ções directas no processo de fabrico.
Primeiro assinala-se a necessidade de
recrutamento de cada vez mais mão-
de-obra de forma a atender às solici-
tações. Em 1862 temos mais de mil
bordadeiras em toda a ilha.

Paulatinamente o bordado con-


quistou novos mercados, fruto da
divulgação que fizeram os britânicos,
nomeadamente nos roteiros e literatu-
ra de viagens. A fama ultrapassou as
fronteiras e chegou à Alemanha. As
primeiras peças de bordado foram
para aí conduzidas em 1881 por inicia-
tiva de Otto von Streit, que havia fixa-
do morada no Funchal em Novembro
de 1880, na busca da cura para a tísi-
ca pulmonar. A presença marcou o início da intervenção alemã Bordadeiras.
que perdurou até 1916, altura em que Portugal entrou na
Colecção de
primeira Guerra Mundial. Photrographia Museu
Vicentes

A intervenção dos industriais e comerciantes alemães foi um


marco importante na História do bordado madeirense. A partir da
década de oitenta provocou uma verdadeira revolução no proces-
so de fabrico do bordado. A primeira alteração ocorreu ao nível
dos tecidos e linhas. A linha azul, usada até então, foi substituí-
da pela linha branca. Ao mesmo tempo introduziu-se uma nova
técnica de aplicação directa dos desenhos sobre o tecido, aca-
bando-se com os desenhos alinhavados por baixo. Sucede,

35
Bordadeiras.

Painel de Azulejo
na Avenida Arriaga.
Funchal. 1932

37
ainda, que os desenhos eram até então criação das bordadeiras,
mas com esta nova técnica os desenhos passaram a ser feitos e
estampados no tecido antes de serem entregues às bordadeiras.
Para facilitar o processo introduziram-se as máquinas de picotar.
A técnica obrigou ao estabelecimento de casas comerciais
no Funchal com a função de proceder ao trabalho de preparação
e à distribuição do tecido e linhas pelas bordadeiras. Junto destas
actuavam os caixeiros que procediam à distribuição pelas bor-
dadeiras dos panos e que depois os recolhiam já bordados. Toda
a tarefa de engomar e embalar os bordados estava reservada à
casa, com sede no Funchal.

A cada vez maior procura de bordado implicou as


necessárias inovações técnicas devidas aos alemães, o aumento
da mão-de-obra no bordado e o aperfeiçoamento da rede de
agentes de distribuição e recolha. O facto de os panos a bordar
serem apresentados às bordadeiras já estampados com os
desenhos facilitou a adesão de muitas mulheres a esta actividade
que poderia ser partilhada com a vida diária.

Os industriais e as casas alemães

Os alemães intervieram no comércio do bordado a partir da


década de oitenta do século XIX, fazendo-o entrar no circuito
internacional através do porto franco de Hamburgo. A Casa
Grande de Otto Von Streit começou por enviar os bordados em
bruto para Hamburgo, onde eram depois preparados para a
exportação com destino aos Estados Unidos da América, facul-
tando-lhes um fácil controlo dos ciclos produtivo e comercial.
Assim, se por qualquer motivo o trabalho das bordadeiras não
satisfizesse os seus interesses, procuravam outros mercados de
mão-de-obra, uma vez que eram detentores dos padrões usados.
A situação de 1916, fruto das represálias da guerra, foi dupla-
mente prejudicial para a ilha, pois a fuga não impediu de conti-

38
nuarem o comércio de bordado, mas apenas desvi-
ou a atenção para novos mercados.

A presença da comunidade alemã a partir das


duas últimas décadas do século XIX era impor-
tante, disputando mano a mano com os ingleses o
domínio da Madeira. A ilha era um espaço aberto
de acolhimento de inúmeros europeus, incluídos os
alemães, que procuravam no clima ameno a cura
para a tísica pulmonar. E foi do seio do grupo que
surgiu muitas vezes os empreendedores comer-
ciantes e industriais.

No sentido de melhorar o serviço de acolhi-


mento aos doentes avançou-se com o projecto de
construção de sanatórios. Em 1903 o príncipe
Frederico Carlos de Hohenlohe foi o promotor da Publicidade
iniciativa. Mas o Governo Português, por influência
dos britânicos, foi forçado a rescindir a concessão
outorgada à dita companhia dos Sanatórios, medi-
ante uma indemnização pesada, travando-se
definitivamente a plena implantação no Funchal.

O afrontamento das comunidades, britânica e


alemã, deverá ter pesado na pronta fuga dos
alemães em 1916 e nos dois bombardeamentos à
cidade do Funchal, a 3 de Dezembro de 1916 e 12
de Dezembro de 1917. Não obstante a ani-
mosidade britânica, os alemães conseguiram fir-
mar uma posição de destaque no comércio do bor-
dado entre 1890 e 1914. A hegemonia tornou-se
notória a partir de 1895, altura em que a
Alemanha recebeu 33173 Kg de bordados, contra
os 2751 Kg da Inglaterra. Os valores não reflectem Desenho humorístico de Re-
a realidade das exportações uma vez que estavam Nhau-Nhau

39
Pormenor de
Bordado antigo

excluídos os bordados enviados para o porto franco de


Hamburgo, um dos principais destinos das exportações.

A intervenção da comunidade alemã no comércio do borda-


do só foi possível com a presença de um influente grupo directa-
mente implicado no fabrico e exportação do bordado. Em 1912 o
negócio era assegurado por seis casas: Wilhelm Marum (1898),
Georg Wartenberg, R. Kretzschomar, Otto von Streit, Dutting &
Gaa, Wolflenstein & Horwitz.

A saída dos alemães em 1916 foi compensada pela chega-


da dos sírios que rapidamente dominaram o bordado madeirense
até 1925. Aqui, o mercado norte-americano, que desde 1910
vinha adquirindo importância, domina as exportações. Mas o
século XX, uma esperança segura para o comércio do bordado,
trouxe à ilha mercadores franceses, ingleses e americanos.

Os primeiros anos do século XX foram ainda marcados pela


concorrência desenfreada. Internamente envolveu os industriais

40
Pormenor de
Bordado antigo

envolvidos no fabrico e comércio do bordado, enquanto externa-


mente a Madeira teve que competir com os mercados produtores
da Boémia, Alsácia, Irlanda e Suiça. No caso da Suiça, o proces-
so de mecanização em curso desde a década de sessenta do
século XIX, trazia vantagens acrescidas, uma vez que reduzia
drasticamente os custos de produção. As inovações tecnológicas
no sentido da mecanização do processo de fabrico do bordado,
que ocorreram a partir da segunda metade do século XIX, não
impediram a Madeira de manter a procura do bordado, não só,
pela qualidade do trabalho, mas acima de tudo, pelo baixo custo
da mão-de-obra que foi durante muito tempo a garantia concor-
rencial face ao processo de mecanização do processo noutras
regiões.

41
42
43
44
Desenho para toalha de Leandro Jardim

A crise
ou mudança do bordado
45
46
A situação da economia mundial na primeira
metade do século XX, muito marcada pelas
duas guerras mundiais (1914-19, 1929-35),
condicionou a evolução do mercado do bordado. A guerra isolou
a ilha, impedindo-a de contactar com os mercados fornecedores
de matéria-prima e consumidores de bordado. Pior que isso foi a
crise económica que lhe andou associada e que condicionou o
poder de compra dos potenciais clientes. E, como o bordado
madeirense era considerado um produto caro, não era fácil
encontrar saída. Ao mesmo tempo sucederam-se entraves em
alguns mercados. A Inglaterra estabeleceu em 1917 a proibição
de importação do bordado Madeira, sendo secundados no ano

47
Aspecto da Igreja de
Santa Clara depois do
bombardeamento
alemão de 12 de
Dezembro de 1917.

Colecção de Photographia
Museu Vicentes.
As represálias fizeram-
se sentir ao nível
económico no sector
dos bordados.

imediato pelos Estados Unidos da América

A primeira guerra mundial afugentou os alemães e trouxe


os sírios que consolidaram as exportações para o mercado ameri-
cano, que se afirmou como a principal esperança. Sucedeu,
entretanto em 1929 o golpe fatal com o “crush” da Bolsa de Nova
York que arrastou os Estados Unidos para uma das piores crises
da História. Tudo isto abalou fortemente o comércio do bordado
Madeira. A crise do mercado norte-americana foi contrabalança-
da com a valorização do mercado brasileiro, que se manterá até
1956.

O movimento autonomista dos anos vinte manteve-se aten-


to aos bordados e nos planos dedicava espaço ao debate e defe-
sa do bordado regional, que continuava a ser considerado uma
indústria fundamental, que mais não seja na preservação da
identidade regional. A verdadeira autonomia tardou muito tempo
a ser alcançada, privando os madeirenses a possibilidade de
encontrar soluções para o problema desta actividade.

48
Desenho humorístico Bordadeiras
de Re-Nhau-Nhau.

Perante tais condições de crise do bordado o Governo da


ditadura, saído da Revolta de 28 de Maio de 1926, estabeleceu
algumas medidas de apoio. A 9 de Setembro o Governo permitiu
a importação de tecidos de seda e linho para o bordado em
regime de drawback. A mesma medida alargou-se em 1928 aos
fios de tecido. Os anos trinta foram muito complicados para a
sociedade madeirense e para a sobrevivência do bordado. Deste
modo o governo saído da Revolta da Madeira de 4 de Abril de
1931 procurou intervir na salvaguarda do sector abrindo a 20 de
Abril uma linha de crédito de mil contos a favor da indústria.

Em 1935 o bordado continuava a ser um sector sob a


vigilância e especial protecção do governo, tal como o refere
Salazar em carta que escreveu ao Dr. João Abel de Freitas,
Presidente da Junta Geral. Assim, à criação do Grémio para o
sector em 1936, juntou-se no ano imediato a isenção de direitos
de importação e das imposições locais sobre a matéria-prima
necessária à indústria do bordado.

49
KASSAB.

Desenhos
humorísticos
de Re-Nhau-Nhau.

Documento da
firma KASSAB.

Nos anos quarenta, de novo o período da guerra provocou


redobradas dificuldades ao sector dos bordados e à economia
familiar, uma vez que as mulheres estavam quase por completo
entregues ao bordado e os homens ao vime. Ao mesmo tempo a
emigração para o Brasil, Venezuela, África do Sul e Austrália veio
a dar o golpe mortal na indústria. Primeiro saíram os homens,
deixando todos os afazeres do casal a cargo da mulher que passa
a dispor de menos tempo para bordar. Depois, foi a restante família
a se juntar, fazendo diminuir drasticamente a mão-de-obra
disponível.

No post-guerra tudo fazia indicar que o mercado do borda-


do da Madeira estava definitivamente perdido e que dificilmente
retornaria aos tempos dourados de princípios da centúria. Nos
anos sessenta surgiram novas dificuldades provocadas pela
instabilidade económica dos principais mercados: Estados Unidos
da América, África do Sul e Rodésia. A tudo isto havia que juntar
a concorrência dos bordados à mão da China, Filipinas, Tailândia

50
Edifício do IVBAM. Aspecto do Núcleo Museológico do IVBAM.

e Coreia, e aquele feito à máquina oriundo da Suiça e Hong Kong.


A Revolução do 25 de Abril de 1974 aconteceu num dos
momentos mais difíceis da História do bordado da Madeira e ape-
nas o processo autonómico a partir de 1976 conduziu à definição
de uma política para o sector. Em 1978 foi criado o Instituto do
Bordado e Tapeçarias e Artesanato da Madeira (IBTAM) com o
objectivo de intervir no sentido da valorização, preservação e
promoção do artesanato madeirense. Das actividades do IBTAM
nos últimos anos destacam-se a criação da marca Bordado
Madeira, o Núcleo Museológico do Bordado e o Centro de Moda e
Design. Finalmente em 2006 o Governo Regional fundiu este
instituto com o do Vinho da Madeira, criando uma entidade
comum para a defesa e promoção dos bordados, artesanato e
vinho da Madeira, ficando conhecido como Instituto do Vinho e
do Bordado e Artesanato da Madeira (IVBAM).

51
52
Interior casa de bordados. Colecção de Photographia Museu Vicentes.

As casas de bordado
53
Os Caixeiros.

Colecção
de Photographia
Museu Vicentes.

Casa de Bordados
Emil Marghab Cª
Lda Sucr.

Arquivo do Museu
Photographia
Vicentes

54
O mercado do bordado da Madeira foi marcado ao
longo dos últimos cento e cinquenta anos por uma
elevada instabilidade, que denuncia a fragilidade
da indústria no mercado mundial. Para isso contribuiu, não só, a
conjuntura internacional, mas também, a precariedade das casas
de bordados criadas por estrangeiros, nomeadamente ingleses,
alemães e sírios. A cada grupo correspondeu uma forma de inter-
venção e mercados distintos. Os ingleses foram os primeiros a
intervir no processo. Mas foram os alemães que deram o impul-
so decisivo na diversificação dos mercados. O avanço foi travado
apenas por influência dos ingleses e acabou por ser interrompi-
do com a Primeira Guerra Mundial. Estes, forçados a sair por
força da represália política, permitiram que os sírios assumissem
o comando dos negócios.

A partir de 1890 processou-se uma profunda transfor-

55
Arquivo de antiga
Casa de Bordados.

56
mação, com a afirmação das casas de bordado em detrimento
dos exportadores. A diferença estava em que os últimos se limi-
tavam a adquirir o bordado às bordadeiras, enquanto os segun-
dos passaram a intervir directamente no processo produtivo
dando às bordadeiras o tecido já com os desenhos estampados.
Para isso montaram uma rede de agentes em toda a ilha, que
procedia à distribuição dos panos e depois recolhia-os já borda-
dos. A mudança incrementada pelos alemães conduziu à afir-
mação das chamadas Casas de Bordados. No primeiro quartel do
século XX são referenciadas as seguintes casas: A. J. Fróes, Casa
Bradwil, Casa Grande, Casa Hougas, Casa Maru, Casa Suiça,
Companhia Portuguesa de Bordados, H. C. Payne, Hamú, José
Clemente da silva, Mallouk Bros, M. R. Silva Diniz, Wagner,
Schinitzer, União Madeirense de Bordados, Casa Americana.

Em 1923 são referenciadas 100 casas de bordado, o que


atesta a vitalidade da indústria no período entre as duas guerras.
O peso das pautas aduaneiras levou a partir de 1924 à saída dos
sírios que entregaram as casas aos madeirenses, que passaram
a controlar o sector. Nos anos seguintes manteve-se o número
elevado de empresas do sector. Na década de quarenta, Orlando
Ribeiro (1949) refere a actividade de 91 casas empenhadas no
comércio e exportação do produto. Em 1953, um relatório do
Grémio do sector anota a existência de 103 casas, mas sucede
que 61 destas não ultrapassam os 50 contos de exportações
mensais, sendo casas de pequena dimensão. Apenas 12 casas
facturavam mensalmente mais de sete mil contos. Em 1969 são
referenciadas 88 casas de bordados.

A política de associação e classe do Estado Novo também


atingiu a indústria dos bordados. Assim pelo decreto-lei nº.
25643, de 20 de Julho de 1935 foi criado o Grémio dos industri-
ais de Bordados da Madeira, com a missão de orientar a indús-
tria no campo da produção e comércio. Tal como enuncia um fo-
lheto publicitário do Grémio de 1958 a defesa dos interesses do

57
Escola de bordado.

Arquivo do Museu
Photographia
Vicentes

sector estava assegurada, pois não se repetiram na vigência do


grémio, as crises periódicas que, no passado, tanto afligiram a
economia da indústria e dos seus trabalhadores. De acordo com
a portaria 8337 foi estabelecida uma taxa sobre o valor das
exportações e as vendas locais para acudir às despesas da
agremiação. Foi com os fundos resultantes desta taxa que se
construiu a sede, o actual edifício do IVBAM, inaugurado nos
anos cinquenta. O grémio dispunha de armazéns para reserva de
tecidos e linhas para abastecer o sector, situação que é ainda
hoje garantida no mesmo edifício, apenas para a reserva dos
tecidos.

O grémio, para além da função reguladora do sector, actu-


ava no sentido da defesa, promovendo o ensino do bordar às
jovens, com as escolas criadas em Câmara de Lobos e Machico.
Ao mesmo tempo estabelecia os preços mínimos da mão-de-obra
baseada numa unidade de medida conhecida como pontos indus-
triais. Entre 1935 e 1958, houve uma melhoria significativa na

58
Lavandaria de casa de bordados. Selo holográfico.

valorização do trabalho da bordadeira, passando-se de 35 cen-


tavos por 100 pontos para 2420 em 1958. Esta melhoria atingiu
também as 750 operárias das Casas que em 1935 recebiam
entre 3$00 a 6$00 de salário e passaram a auferir em 1958 entre
11$00 e 20$00. Para isso contribuiu também a criação em 1 de
Março de 1937 do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de
Bordados da Madeira. Esta agremiação sindical passou a chamar-
se em 1974 de Sindicato Livre da Indústria de Bordados da
Madeira, integrando também as bordadeiras de casa.

O 25 de Abril de 1974 destronou o regime e as estruturas


económicas criadas pelo Estado Novo e consideradas como seu
sustentáculo. Os grémios do regime deram lugar às Associações,
surgindo no caso do Bordado Madeira a Associação de Produtores
de Bordado Tapeçarias e Artesanato e Obra de Vimes da Madeira.

A defesa do bordado foi uma das atribuições do Grémio dos


bordados desde 1935. Para isso criou-se por decreto-lei de 8 de

59
60
Publicidade

Bilhete antigo
da Bordal (1968)

61
Bordadeiras. Dezembro de 1938, a obrigatoriedade de o bordado para venda
dispor de um selo de garantia. A criação por decreto regional do
Painel de Azulejo
na Avenida Arriaga.
IBTAM em 1977 veio a atribuir uma nova dinâmica e intervenção
Funchal.1932 do Governo Regional no sector. A defesa da qualidade do borda-
do continuou a ser uma aposta definindo-se a partir de 2000 o
uso do selo holográfico como forma de evitar falsificações. Por
outro lado a aposta na inovação levou o Governo Regional a criar
o Centro de Moda e Design. Dos objectivos fazem parte a apos-
ta na criação de novos produtos, servindo-se das tecnologias de
ponta, com a introdução do Design, Imagem e Marketing. A par-
tir daqui abriu-se uma nova oportunidade para o sector do bor-
dado. E hoje é evidente que o bordado Madeira conquistou um
lugar cativo na moda, surgindo vários estilistas madeirenses que
apostaram com sucesso na utilização do bordado no vestuário.

62
A BORDADEIRA

Minha Madeira ou meu encanto


Por ti quanto e sou profano
Jóia que Deus num dia santo
Deixou cair no oceano

Como tu não há nenhuma


E nas noites sonhadoras
Bordam das ondas a espuma
Os dedos das bordadouras.

(canção de MAX (1918-1980)

A bordadeira

Em todos os momentos da História do bordado a referência


mais comum prende-se com o labor da bordadeira. É ela, que
com mãos de fada, dá o toque de beleza aos pontos do bordado.
A destreza, dedicação e sacrifício são motivo de constante
panegírico e admiração por todos os que descobriram o bordado.
Preservou na ilha a ancestral tradição de bordar e, antes que em
meados do século XIX, interviessem os estrangeiros a dominar o
circuito de produção, foi ela que criou os desenhos que tão gra-
ciosamente esculpia à linha sob o pano.
O labor incansável da bordadeira, em delongas noites, está
testemunhado nas peças bordadas que encantam os naturais
como visitantes, embelezam quem veste as peças de vestuário,

63
Desenhos
humorísticos de
Re-Nhau-Nhau

engrandece as recepções e repastos e enriquece o aconchego dos


lençóis e travesseiros. A marca indelével do trabalho está pre-
sente em todo o lado.
O quadro típico da bordadeira sentada em frente do casebre
que a abriga durante a noite foi uma imagem frequentemente
mantida na retina dos visitantes desde finais do século XIX. A
este labor isolado juntou-se outra imagem dos grupos de mu-
lheres que se juntam à beira de caminhos e atalhos. Por toda a
ilha era habitual os ajuntamentos de mulheres casadas, donze-
las, idosas e crianças, cujas mãos bordavam mas o pensamento
está no quotidiano próprio e alheio. Bordava-se mas também se
conversava sobre a vida de um e de outro. Raras vezes alguém
entoava uma cantiga popular, daquelas que andam de boca em
boca, ou se ouvem na rádio.
O bordado é o testemunho da arte da mulher madeirense,
como também das dificuldades quotidianas. Bordava-se, não por
prazer, mas por necessidade de forma a garantir-se o magro sus-

64
Bordadeiras.

Bilhete Postal

tento da casa. A sobrevivência do bordado continua ainda hoje a


depender do seu paciente labor. Durante muito tempo foi uma
actividade garantida pelo seu trabalho e dedicação. Ela tinha
liberdade de escolha dos tecidos, linhas e padrões a bordar.
Concluído o trabalho calcorreava a cidade ou ia de porta em porta
a oferecer o lavor por alguns tostões que garantissem a sobre-
vivência da família. Muitos estrangeiros, cativados por estas
autênticas obras de arte, testemunham que era aqui que se
encontrava o melhor bordado feito na ilha.
As exigências das exportações conduziram ao aparecimen-
to de novos agentes no processo, implicando uma mudança radi-
cal na confecção do produto. A bordadeira perdeu o controlo do
processo, passando a actuar como mero executante do bordado
sobre tecidos já estampados. Em troca receberá uma magra re-
compensa contabilizada em pontos.
Embora o trabalho da bordadeira seja ancestral a primeira
referência ao número de mulheres dedicadas ao bordado surge

65
66
Acabamentos na produção do bordado.
só em 1863 no relatório de Francisco de Paula Campos e Oliveira
sobre as indústrias do arquipélago. Aqui considera-se o bordado
já como uma indústria caseira muito importante que ocupa 1029
mulheres em toda a ilha. Não obstante esta ser uma actividade
caseira usual era na cidade e freguesias vizinhas do recinto ur-
bano que se notava uma maior incidência de mulheres dedicadas
a esta actividade. Apenas o Funchal e Câmara de Lobos totalizam
mais de 97% do total. Isto resulta certamente da proximidade do
local de venda e de ainda não estar montada a rede de dis-
tribuição e recolha organizada pelas casas comerciais. O Norte da
ilha não assumia ainda qualquer importância.

O período que decorre entre a segunda metade do século


XIX e meados do seguinte foi marcado por um movimento ascen-
dente de mão-de-obra feminina indispensável para a afirmação do
bordado. O relatório das indústrias feito por Vitorino Santos para
o ano de 1906, em plena época de afirmação da indústria, evidên-
cia esta realidade, apresentando um total de 32.000 bordadeiras.
O Funchal e Câmara de Lobos, com 58% continuavam a dominar,
mas as bordadeiras estão presentes em todos os concelhos.

Durante o século XX o número das bordadeiras foi crescen-


do. Diz-nos Orlando Ribeiro (1949), citando um relatório de
1940, que eram 50.000 as bordadeiras rurais, que junto com as
da cidade e as empregadas das lojas faziam elevar a mão-de-
obra ligada ao bordado para 70.000. O número mais elevado
destas que conhecemos é de 1950 com a presença de 60.000
mulheres dedicadas ao bordado, o que representa 21,2 % da
população. Os últimos dados de 1983 apontavam para 33.000 e
no primeiro ano do novo milénio o valor rondava apenas as
6.000. A distribuição geográfica das bordadeiras nas décadas de
setenta e oitenta do século XX demonstra que houve uma
mudança na configuração geográfica dominante em épocas ante-
riores. Assim o Funchal e C. de Lobos perdem em favor de con-
celhos como a Ribeira Brava e Machico.

68
Bordadeiras.

Bilhete Postal

Em plena euforia da indústria do bordado, que ocupava


mais de trinta mil mulheres, o aparecimento de epidemias como
a cólera morbus em 1911 teve reflexos evidentes na indústria.
Em 1910 a despesa com a mão-de-obra havia sido de
760.000$00, descendo no ano imediato para 480.000$00, o que
reflecte uma diminuição acentuada da mão-de-obra disponível,
uma vez que não se assinalou qualquer alteração no valor dos
pontos pagos e tão pouco houve uma quebra da procura.

No primeiro registo da mão-de-obra relacionada com o borda-


do de 1862 surgem apenas dados sobre as bordadeiras, mas em
1906 diferenciava-se dos demais trabalhadores das casas de borda-
dos, que neste momento eram 2000. Aqui incluía-se todos os profis-
sionais necessários para a última fase do processo de preparação do
bordado a exportar e os que se ocupavam da preparação dos dese-
nhos e tecidos a entregar às bordadeiras. Isto quer significar que a
instalação e pleno funcionamento das casas de bordados ocorreu
apenas a partir da década de sessenta do século XIX.
A técnica de produção de bordado, imposta pelos alemães a
partir da década de oitenta do século XIX, retirou à bordadeira o

69
domínio exclusivo do processo de fabrico.
Entrou-se num ciclo de produção em que
intervêm diversos agentes, como os dese-
nhadores, estampadores, agentes, veri-
ficadoras e engomadeiras. Ao lado da bor-
dadeira caseira surgiu a profissional que
trabalha nas casas de bordados. A estas
juntam-se ainda outros trabalhadores que
intervinham no processo. Todavia este
grupo é diminuto. Em 1922 eram 2500 que
trabalhavam nas 70 casas, enquanto em
1968 as 88 casas empregavam apenas 450
e estavam servidas de 1500 agentes.

A forma de pagamento do trabalho às


bordadeiras sofreu alteração a partir dos
anos vinte do século XX. Até então o traba-
Desenho
lho era pago ao palmo, passando desde esta data a ser feito ao
humorístico de ponto, fazendo-se a contagem industrial com o curvímetro. Um
Re-Nhau-Nhau dos aspectos que chama à atenção de todos que descrevem esta
indústria e elogiam o trabalho primoroso das bordadeiras é o
baixo preço do trabalho. Já em 1863 a bordadeira era entre,
todas as actividades que se ocupavam as mulheres, a mais mal
paga sendo apenas de 100 reis no Funchal, enquanto as demais
recebiam salários médios superiores a 300 reis.

Nos anos vinte a concorrência de novos mercados fez rever-


ter de novo o ónus da situação para a bordadeira. As autoridades
conscientes da realidade ordenaram em 1929 o estabelecimento
de uma comissão para estudar a possibilidade do aumento do
preço do trabalho da bordadeira, através da fixação de um preço
mínimo. A tudo isto juntava-se a necessidade de socorrer as
mesmas na doença e invalidez. A razão da resignação da bor-
dadeira resultava do facto de este ser um trabalho executado nos
intervalos das lides caseiras ou nas longas noites, não sendo, em

70
muitos casos uma actividade que as
ocupasse o dia inteiro. Os centavos dos
pontos eram sempre bem vindos. Em
1952 os 47.252 contos contemplavam
mais de cinquenta mil famílias em toda
a ilha, o que representava 18% do total
da população.

A protecção aos profissionais do


sector aconteceu já em 1894 com a cri-
ação da Sociedade José Júlio Rodrigues
de Protecção às Bordadeiras Madeiren-
ses. Sobre esta associação de benefi-
cência pouco se sabe. A partir de
Dezembro de 1907 por iniciativa dos
alemães tivemos iniciativas semelhan-
tes. Nesta data as casas Wilhelm
Marum, R. Kretzchan, George Warten-
berg criaram uma Caixa de Socorros
para os cerca de dois mil trabalhadores
que empregavam. Todos passam a usu-
fruir de assistência médica e de medica-
mentos gratuitos, sendo os fundos para
a manutenção deste serviço resultantes
do desconto mensal de 50 réis por tra-
balhador, feito por cada casa. O alarga-
mento deste sistema de protecção
social só sucedeu a partir de 1946 com
a criação da Caixa de Previdência.

O Grémio dos Industriais dos


Bordados, criado em 1935, teve tam-
bém uma acção de relevo no apoio ao
sector e às bordadeiras. Em Câmara de
Lobos e Machico criaram-se escolas Bordadeiras. Bilhete Postal

71
Pormenor de Bordado antigo

infantis que permitiram o ensino do trabalho da agulha a mais de


691 crianças. E, mais tarde em 1961, apoiou-se as bordadeiras
através da construção de um bairro residencial com 30 moradias.

O século XX foi marcado pela dispersão dos madeirenses


por diversos destinos de acolhimento. A crise e as dificuldades
provocadas pelas guerras mundiais e pela situação de abandono
e subdesenvolvimento conduziram à forte pressão da emigração,
nomeadamente nos anos cinquenta e sessenta. Muitos saíram
rumo ao Brasil, Venezuela e África do Sul em busca de melhores
condições de vida. Primeiro os homens, mas depois acompa-
nham-nos os restantes elementos do casal. A todo o lado onde
chegou a mulher madeirense chegou também o bordado. A arte
e tradição do bordado são-lhe inseparáveis.

No caso do Brasil é conhecido o facto de, nos anos cinquenta,


existir um apelo e promoção da imigração das bordadeiras

72
madeirenses para o Brasil. No Rio de Janeiro, S. Paulo, Santos e
Ceará é notória a presença do bordado madeirense. No morro de
São Bento, em Santos o bordado já não tem a qualidade dos anos
sessenta e está em vias de desaparecimento. Em Itapajé, no Ceará
em Fortaleza, mantém-se vivo. Aqui a cidade é conhecida como a
capital do bordado, porque o mesmo é uma das principais activi-
dades económicas. Na Venezuela, os testemunhos de muitas das
mulheres madeirenses que saíram da ilha nos anos cinquenta reve-
lam que não se perdeu o hábito de bordar, havendo casos em que
se enviavam as peças desde o Funchal e que depois eram devolvi-
das já bordadas.

A homenagem ao trabalho da bordadeira, insistentemente


louvado por todos os que conheceram o seu trabalho, só aconte-
ceu a 30 de Junho de 1986 com a inauguração da estátua do
escultor Anjos Teixeira nos jardins do IVBAM.

73
74
Material para estampagem dos desenhos. Núcleo Museológico do IVBAM

As técnicas
e os materiais 75
Máquina
de estampar
desenhos.

Núcleo Museológico
do IVBAM

76
A segunda metade do século dezanove foi marca-
da por profundas alterações nas técnicas usadas
no bordado, nos tecidos e nos padrões bordados,
ajustando-os nos padrões mais solicitados pelos mercados de des-
tino do bordado. Primeiro os ingleses, através de Miss Phelps e,
depois, os alemães deram o contributo mais significativo para a re-
volução do bordado e a afirmação no mercado externo.
Os tecidos mais comuns para bordar eram o algodão de
cassa, cambraia, linho, seda natural, sendo aplicada a linha bran-
ca baça e raramente a azul e vermelha. O bordado em algodão e
seda foi promovido pelos alemães que também apostaram na
linha branca. Mas a introdução do bordado em seda é considera-
do um contributo da senhora Counis. Quanto ao tecido usado,
temos algumas referências: em 1849 enviou-se para Lisboa o
bordado em esguião de linho. E no ano imediato, na exposição
organizada pelo Governo Civil peças de bordado apresentadas
em seda, matiz e de “passe em filó”(uma espécie de renda).
A maior parte dos tecidos com que se bordavam eram de
importação. Da Inglaterra e da Holanda importava-se linho,
enquanto da Alemanha chegava o algodão. A presença do algo-
dão foi promovida de forma clara a partir de 1897 pelo governo

77
Memória histórica
do bordado,
vendo-se a máquina
de picotar e alguns Desenho
desenhos enrolados. humorístico
de Re-Nhau-
Bordal. Nhau

alemão com o sistema aduaneiro conhecido como drawback, isto


é, os tecidos de algodão saídos do país e que retornassem va-
lorizados com o bordado para depois serem reexportados
estavam isentos de direitos. Esta situação persistiu até 1906. A
generalização do uso do linho, importado de Inglaterra, levou as
autoridades alemães a aumentarem desde 1 de Março de 1906 os
direitos que oneravam os bordados de linho. Os direitos cobrados
na alfândega do Funchal sobre os bordados de algodão e linho
eram motivo de polémica apelando-se à intervenção do governo
no sentido de uma redução dos direitos sobre os panos impor-
tados para bordar, apontando-se inclusive a necessidade de seguir
o exemplo da Alemanha, introduzindo o sistema de drawback.
As dificuldades sentidas nos anos sessenta resultam de
medidas aduaneiras prejudiciais. Em 1967 o bordado Madeira não
beneficiava das regalias da EFTA, desde que o tecido não fosse
expedido de um Estado membro, sendo tributado com as taxas da
pauta mínima dos tecidos sem obra, estabelecida em 1953.
A partir do momento que o bordado passou a ser feito por
encomenda e o processo de fabrico comandado pelas casas, as
mudanças foram evidentes em todos os sentidos. Miss Phelps

78
Oficina de
desenho
e picotar.

trouxe os motivos do bordado inglês, como os ilhós e cavacas. Já


nos anos vinte do século XX a crise do sector levou os industriais
a procurar uma alternativa, que se revestiu numa adequação ao
bordado doutras regiões europeias. Deste modo o bordado apre-
senta-se como uma mistura do francês (com o Richelieu), suíço e
veneziano. Nos anos cinquenta os italianos impõem os seus dese-
nhos e aqui é notória uma aproximação a motivos bordados com
tendências artísticas, como a arte “nouveau” e ”deco”. Daí para cá
tem-se mantido este tipo subordinando-se a uma criadora arte de
imaginação e de bom gosto. Neste processo de transformação do
bordado madeirense ocorrido no século XX enquadra-se a policro-
mia dos trabalhos, por apelo dos mercados consumidores.
Neste momento, nos bordados para exportação, bem como
para venda no mercado local, são usados essencialmente o algo-
dão, linho e o organdy. Os pontos mais comuns continuam a ser
o ponto francês, sombra, bastido, ponto chão e richelieu, sendo
este último pouco usado para exportação devido à imitação dos
mercados orientais. O bordado no século XXI tem ainda uma faixa
de mercado, mais pequena é claro, do que há 100 anos atrás e
mais virada para as personalização e não para quantidades.

79
Máquina de picotar.

80
O processo de fabrico
do bordado madeirense
81
O processo de fabrico do bordado Madeira pode ser dividido em
cinco fases, descritas a seguir por Maria da Soledade.

[Bordados da Madeira (Viagem numa Fábrica de Bordados),


Funchal, 1957, 7-13]

82
É desacertado classificar de artífice o desenhador,
pois a sua função não é, como se possa julgar,
copiar, ampliar, decalcar, etc; ele é, antes, um artista criador de
inesgotáveis recursos.
O desenho
do bordado

Desenhar

Ele começa por esboçar, a carvão, o motivo que a sua imagi-


nação idealizou; lançada a ideia, o carvão volta ao papel a traçar
novas linhas e aperfeiçoar as primeiras; a fase definitiva é traça-
da a “crayon”, e finda esta operação o papel, ainda há pouco
virgem de traços, apresenta-se-nos com os mais diversos
motivos, onde, geralmente, predominam as flores, fantasiadas
ou em felizes e fiéis reproduções. Em geral o desenhador “não
sabe” o que vai traçar. Salvo raras excepções em que lhe é pedi-
do determinado género, a sua mão vai riscando o que o cérebro
concebe e ordena. Tal como o poeta escreve os seus versos do-
minado pelo poder divino das musas, assim o desenhador trans-
mite ao papel o que a inspiração lhe segreda compondo, a maior
parte das vezes, verdadeiros primores; não é desatinado, por-
tanto, colocá-lo no primeiro plano dos bons e imprescindíveis

83
Curvímetro

Contagem
dos pontos
com o curvímetro

contribuintes para o engrandecimento desta preciosa indústria.


Mas, caso curioso, sendo o desenho um verdadeiro trabalho de
Arte, é quase sempre mandado executar, prosaicamente, sob a
determinação e limite do factor “verba”, porque será vendido.
Exemplificando: o industrial encomenda o “risco” para uma
toalha de determinada dimensão que terá de ser vendida por X
escudos.
Apenas com este ponto orientador, e dentro desta vaga indi-
cação, o desenhador faz verdadeiros milagres de precisão. Os
que têm prática, e bastante desenvolvida a faculdade de cálculo,
raramente se enganam; eliminando uns traços, aumentando
umas folhas, simplificando uns “pontos”, o resultado é exacto.
Há, por vezes necessidade de transpor o desenho para for-
mato maior ou menor; é ainda o desenhador que o interpreta,
esteticamente nas proporções exigidas.
E as mãos não param!
A inspiração nunca se esgota!
Mimosas flores, delicadas figuras, as mais estranhas alego-
rias, linhas geométricas das mais díspares configurações, e tan-
tos outros motivos de inconfundível beleza, tudo brota da fonte

84
inesgotável que é a imaginação
deste artista ao qual não foi ainda
reconhecido todo o real mérito.
Mas, vamos continuando a
“nossa viagem”.
O desenho passa em seguida
para a secção da “contagem” dos
pontos a fim de se apurar a verba a
pagar à bordadeira. Os preços ou-
trora eram feitos por cálculo medi-
ante o critério, dos industriais,
adquirido com a prática. Ainda há
pouco ouvimos uma referência ao
assunto, reportando-se há vinte
anos atrás, em que “ilhós” e “grega”
eram pagos a X centavos... por palmo...
Os pontos são classificados e, feito a média, apura-se o
preço. Há que medir todos os traços do desenho (incluindo as
brides do “richelieu”) para achar o total exacto.
A medição faz-se com o curvímetro – aparelho para medir o
comprimento de linhas curvas- que vai registando as medidas pe-
rante as quais o encarregado da contagem “acha” o número de
pontos que a ela corresponde: “Xis” metros de “caseado” equivale
a “Ipsilon” de pontos, (...)
O curvímetro tem um pequeno cabo onde se pega para o
manejar, e é provido dum mostrador, redondo, com a circunfe-
rência de 9,5 cm., aproximadamente. Um pequeno rodízio vai
deslizando por todos os traços e o ponteiro do mostrador acusa a
medida – cada volta equivale a um metro.- O empregado, com a
mão livre, vai anotando os metros e assinalando a vermelho, leve-
mente, os traços já percorridos pelo curvímetro, para que não haja
falhas ou repetição. (...)
Quando o formato da peça e o modelo do desenho se
prestam, tanto este, como a medição refere-se apenas a uma
quarta parte, fazendo-se depois o desdobramento.
Feita a “contagem dos pontos” o desenho vai para a secção
de picotagem.

85
Máquina de picotar. Picotagem do desenho

Picotar

Esta fase é também de muito interesse. A máquina de pico-


tar tem a função de perfurar o papel desenhado, seguindo fiel-
mente os riscos traçados a fim de facilitar a estampagem no teci-
do. A máquina é accionada por um pedal enquanto as mãos guiam,
simultaneamente, o papel, e a agulha que o vai perfurando em
orifícios de fracção de milímetro. É um trabalho muito delicado e
que requer muita prática para se conseguir a sincronização entre
o pedal e a agulha. São precisos muitos anos para atingir firmeza
na mão e golpe de vista, necessários para um resultado perfeito,
além de muita atenção e paciência, pelo que a pessoa que o exe-
cuta, a contento, merece ser devidamente apreciada.
A picotagem pode ser feita em uma ou mais folhas de papel,
ao mesmo tempo, mas nunca além de quatro.
Podem-se aplicar à mesma máquina agulhas de várias
espessuras, as quais são relacionados com a delicadeza do
desenho e modalidade de “pontos”.

86
Estampagem.

Estampar

A estampagem ou estresido
(passar o desenho para o tecido) faz-
-se em largas mesas pondo o papel,
bem estendido, em cima da peça que
se pretende bordar, fixando-o com
pesos para que não deslize. Depois as
operárias passam, em toda a superfí-
cie, picotada com uma “boneca” de
algodão embebida em anil desfeito
com petróleo e uma mistura de cera,
e imediatamente o desenho passa
para ao tecido.

87
Desenho
pintado para
a bordadeira

88
Bordadeiras. Arquivo do Museu Photographia Vicentes Bilhete-Bordal

Bordar

Dali vamos para a secção onde se procede ao registo, se


põem as etiquetas de controle, se marcam os coloridos a lápis de
cor, se o trabalho o requer, seguindo depois para o local da expe-
dição, que é também do recebimento.
As “agentes” dos campos – das várias freguesias rurais –
vêm buscar e trazer as encomendas. Essas “agentes” por sua vez
é que distribuem o trabalho pelas bordadeiras e recebem, dos
industriais, uns tantos por cento sobre a totalidade do preço que
é pago à bordadeira.
Para o expediente da entrega e recepção dos bordados, há
em todas as fábricas uma dependência “recebedoria” com um
balcão onde as “agentes” são atendidas.
Recebido o trabalho, este passa às mãos da “verificadora”
para analisar se há imperfeições. Se existem, volta para trás para
serem remediadas. (...)

89
Lavar e engomar

Agora, dirigimo-nos para a lavandaria,


onde todas as peças são lavadas manual-
mente como qualquer roupa vulgar – quer
se trate de uma enorme e rica toalha de
mesa, de um mimoso vestido para bebé, em
seda ou organdi, ou ainda minúsculos
lenços.
As peças, mal escorridas, passam para
a engomadeira onde grandes mesas as
Lavagem do bordado. esperam; começa então a árdua tarefa das
engomadeiras, se atendermos que a maioria
dos bordados é feito em linho, quanto este
é rebelde ao ferro de engomar, e à perfeição
que verificamos, depois, ao vê-los nos esta-
belecimentos do género. Peças muito
grandes e bastante bordadas, requerem
várias operárias; umas esticam, outras
engomam, e eis às vezes oito mulheres em
torno da mesma mesa, às voltas com uma
toalha enorme, onde pouco tecido ficou por
bordar.
Os fios eléctricos que se ligam aos fer-
ros descem do alto, de uma instalação
própria, para não embaraçarem.
Mas outras operárias esperam ainda os
bordados para os recortar, e “consertar”
pois sucede, como é natural, a tesoura cor-
tar, inadvertidamente, alguns pontos, per-
calço que outras mãos logo remedeiam;
outras ainda ajeitam as folhas abertas e
ilhós com um furador a que popularmente
chamam “furalhó”. E só então é engomado
Engomar o bordado definitivamente, dobrado e preparado para

90
Remates finais do bordado. Recorte de uma
Arquivo do Museu Photographia Vicentes peça bordada.

figurar em exposição nos salões de venda das próprias fábricas,


em estabelecimentos comerciais, (...) ou para a exportação.
Referimo-nos de uma maneira geral ao bordado propria-
mente dito, porque os trabalhos de confecção de vestidos,
camisas, etc., é feito por costureiras que trabalham em sua casa
e vão, ou mandam, buscá-los às fábricas. Há também especia-
listas em filetar (bainha finíssima enrolada de pontos invisíveis a
rematar lenços). Esta palavra em geral, emprega-se estropiada-
mente e de várias formas: “filitrar”, “filhetar”, “filtrar”, “flitrar”.
[...]

91
92
Os pontos
do bordado
madeira

93
94
H oje, os bordados feitos na nossa ilha abrangem,
praticamente, quase todas as modalidades em
voga em todo o país, quer em configuração quer
nos “pontos” e por esse motivo é vasta a denominação dos mes-
mos, que vamos apontar tanto quanto possível:
Granitos “garanitos” – pequenas circunferências, a cheio,
pouco maiores que cabeças de alfinetes; Ilhó; Folha Aberta e
Folha Bastida (bastido é o bordado a cheio e aplica-se em várias
formas e formatos); “Richelieu” e Oficial (o desenho é do mesmo
género, mas o “oficial” é todo feito em cordão, incluindo as
brides, ao passo que, como se sabe, o “richelieu” é caseado;
Ponto francês, (no continente, ponto Paris) singelo ou duplo para
aplicações de tecido simples ou sobreposto; Grega (ilhós contor-

95
Pontos
do Bordado
Madeira

nando uma peça), feito a cordão na parte interior e caseado na


orla fazendo recorte); Arrendado (crivo); dentro deste género há
vários modelos que têm por sua vez outras designações: “latadi-
nha” “olho de passarinho” etc. Cavaca não é positivamente um
“ponto”; o que lhe dá o nome é o formato do desenho; Pesponto
(ponto de areia) para encher superfícies lisas sombreando o teci-
do; Caseados (ponto de recorte) que comporta ainda: caseado
bastido e caseado bastido de “unhas” Ponto de Sombra ou revés
que se emprega só em tecidos transparentes; “Viúvas” (espécie
de trevo de cinco folhas, bastidos). Temos ainda o cordão, Ponto
de corda (pé de flor) Ponto Ana e de Escada, são o vulgar ponto
aberto com fios previamente tirados. No ponto escada os fios são

96
Toalhas de bordado madeira, Bordal

apanhados pela agulha no mesmo sentido, de um e outro lado;


ponto Ana os fios são apanhados desencontradamente. Quando
o desenho o exige para que o efeito resulte da melhor forma,
empregam o matiz, ponto de cruz, e tantos outros que à nossa
memória não ocorrem, embora não façam parte dos pontos clas-
sificados e tabelados pelo Grémio. [...]

[Maria da Soledade, Os Bordados da Madeira (Viagem numa


fábrica de Bordados), Funchal, 1957, pp.7-13]

97
MATIZ
E PONTO CHÃO

Ponto chão - ponto não urdido


um pouco inclinado e não apertado.
Matiz - Os fios bordados, dispos-
tos como no ponto chão, sendo uns
mais curtos e outros mais longos,
interpenerando-se assim as cores.

ARRENDADOS,
ponto de crivo

É um dos pontos mais dificeis de


executar, quer pela tiragem dos fios,
quer pelo remate dos que per-
manecem. De acordo com a estrutura
resultante pode ser designado de cru-
zinhas, latadinha e olho de passarinho.

98
BASTIDOS
ou ponto cheio

O bastido é um ponto produzido


em alto relevo devido à "urdidura" ou
linha deitada" e depois coberto com
"ponto de cetim".
Os granitos com mais 6 mm de
diâmetro são conhecidos como granitos
bastidos, o mesmo sucede com as fo-
lhas fechadas com mais de 8 mm que
são folhas bastidas.

CASEADOS

«Como o cordão do qual deve ser


derivado, o caseado é feito sobre urdi-
do (linha deitada) e a dois tempos. Mas
no segundo tempo, a agulha passa por
cima da linha a ser puxada e produzin-
do uma lançada que, ao ser apertada
cria um rebordo reistente e apto a ser
recortado (o pano aderente)sem desfa-
zer o ponto.» [Leandro F. Jardim, Elu-
cidário dos Pontos Mais Usuais nos Bor-
dados da Madeira, texto policopiado).
É normalmente usado para rema-
tar os extremos das peças bordadas.
Temos a variante do caseado
bastido, que é mais cheio e às "unhas"
em vez de recto.

99
CAVACAS

Vários círculos divididos em


quatro meios semi-círculos cujo cen-
tro é geralmente bordado com um
garanito ou ilhó.
Este ponto deriva do ilhó e das
folhas abertas.

GRANITOS
ou garanitos

Pequenos pontos cheios sepa-


rados uns dos outros.

São seguidos quando o espaço


entre eles é pequeno (3 mm) e pas-
sam de um para outro sem cortar a
linha e rematados quando o
espaço é superior a 3mm.
Quando se usa “bastidin-
hos” em vez de garanitos em
forma de miosótis, essa com-
posição toma o nome “mali-
cioso” pelo povo rural de viúva
ou solteira.

100
ILHÓS

«os ilhós devem ser feitos um de cada


vez. Quando mínimos e em tecidos leves, faz-
se a cobertura do círculo desenhado no pano,
forçando os fios e abrindo-o-buraco forçado
pela passagem da agulha e da linha pela
primeira abertura; e, assim, circulando-a. Há
quem use o fura-ilhó para tal.
Não são urdidos quando mínimos (fa-
zem-se com 1 mm de diâmetro). Porém, a
partir de um certo diâmetro, as bordadeiras
que os fazem bem-feitos, deitam linha; isto é,
cobrem a ponto cordão o círculo desenhado do
ilhó sobre a linha deitada (urdida)» [Leandro
F. Jardim, Elucidário dos Pontos Mais Usuais
nos Bordados da Madeira, texto policopiado]
Reporta-se à tradição continental do
bordado de Tibaldinho, aparecendo nas mais

antigas representações do bordado da ilha.


Ponto Escada

É um ponto feito entre dois fios retirados


paralelamente. Entre os dois fios que mar-
caram a largura retiram-se todos o outros,
ficando assim somente os fios descendentes
(ou ascendentes).
Então, em quantidades exactamente
iguais, estes fios são apanhados e presos com
pontos simples: e vai surgindo como que uma
escada simples. Daí o nome.
Prende muito bem baínhas e “barras”.
[Leandro F. Jardim, Elucidário dos
Pontos Mais Usuais nos Bordados da Madeira,
texto policopiado]

101
PESPONTO
ou ponto de areia

Tem a finalidade de sombrear o


espaço.
É um ponto que exige perícia e
paciência da bordadeira de forma a
que os pespontos surjam bem dis-
tribuídos e iguais no tamanho e den-
sidade pela área a preencher.

RICHELIEU E OFICIAL

O Richelieu, vindo de França,


abriu as portas à criatividade do dese-
nhador, deixando de parte o aspecto
formal, para se tornar
numa autêntica obra
de recorte e bordado.
O oficial com-
põe-se a partir do
cordão, como o
Richelieu que se com-
põe de caseado liso.
O oficial é, contudo,
um ponto mais antigo
no bordado Madeira.

102
Ponto Cordão ou pau

“É deitada uma linha que depois é


envolvida em espirais unidas e uni-
formes. Chamam também este ponto
de pau, porque as composições que
sugerem caules e troncos ou ramos, as
bordadeiras entendem por pau.”
[Leandro F. Jardim, Elucidário dos
Pontos Mais Usuais nos Bordados da
Madeira, texto policopiado]

PONTO FRANCÊS
E PONTO SOMBRA

Ponto francês-este ponto serve


especificamente para prender o tecido
onde o desenho a ser aplicado está
desenhado (estampado) sobre o tecido
-fundo onde o bordado se desenvolve.
Ponto sombra - é feito sob tecidos
leves (cambraia, organdy etc.), trans-
parentes e pelo avesso. Produz, natu-
ralmente um efeito perfeito de sombra.
[Leandro F. Jardim, Elucidário dos
Pontos Mais Usuais nos Bordados da
Madeira, texto policopiado]

103
Tabela de Contagem de Pontos de Bordar
Aprovada por Despacho Ministerial de 9 de Janeiro de 1946

Moda- Descrição Pontos


lidade industriais

(A) ILHÓS
Ilhó aberto até 6mm de diâmetro Um
Ilhó fechado (bastido) até 6mm de diâmetro, Um
Ilhó aberto de grega até 6mm de diâmetro; Dois

NOTA: Por cada 3rnrn de diâmetro a mais ou fracção,


aumenta 50% dos pontos industriais respectivamente.

(B) FOLHAS
Folha aberta até a area de 25mm2 e até o
comprimento de 8mm Um
Folha fechada (bastida) até a are a de 25mm2 Um
e até o comprimento de 8mm..

NOTA: Por cada 10mm de área e 2mm de comprimento a


mais ou fracção aumenta 50% dos pontos industriais
respectivamente As Cavacas serão medidas e contadas
como ponto de corda.

(C) GRANITOS
Granitos seguidos até a área de 3mm2,
por cada 6 granitos Um
Granitos rematados até a área de 3mm2
por cada quatro granitos Um
Granitos seguidos até a área de 3mm2
em forma de estrela, por cada seis granitos Um
Granitos bastidos até área de 3mm2 em forma de
viúva, por cada cinco granitos Dois

NOTA: Granitos de área superior a 3mm2 até 5mm2 e


superior a 5mm2 até 7mm2 (área máxima de granitos)
aumenta-se respectivamente 100% dos pontos industriais.

(D) RICHELIEU E OFFICIAL


Richelieu por cada metro, Setenta
Oficial por cada metro, Setenta

NOTA: Não é permitido fazer-se buracos de richelieu ou de


oficial de áreas superiores a: Para Richelleu , 2cm2
Para Oficial, O,5 cm2

(E) DIVERSOS
Pesponto, por cada 1cm2 Quatro
Bastido-Matiz, por cada lcm2 Quatro
Ponto de sombra (reverso) por cada 1cm2 Dois
Ponto Chão Três

104
(E) ARRENDADO
Até a area de 5cm2, por cada Cm2 Dez
Superior a 5Cm2 até a area de 15cm2 por cada Cm2 Oito
Superior a 15cm2 até 25cm2 por cada Cm2 Seis
Superior a 25cm2, por cada Cm2 Cinco

(G) PONTOS DIVERSOS


Ponto cordão, por cada metro Cinquenta
Ponto Francês, por cada metro Vinte e cinco
Ponto Francês duplo, por cada metro Sessenta
Ponto Francês: quando prendendo o contorno de
aplicações que não estejam alinhavadas, aumento
de 1OO% dos pontos industriais ou seja 50 pontos
por cada metro Vinte e cinco
Ponto Corda,por cada metro Vinte e cinco
Ponto de Remendo, por cada metro Setenta
Ponto Ana: até o comprimento de 10cm,
por cada metro Cinquenta
Ponto Ana, de comprimento superior a 10cm,
por cada metro Cento vinte
Ponto Escada, até o comprimento de 10 cm,
por cada metro Oitenta
Ponto Escada, de comprimento superior a 10cm,
por cada metro

NOTA: Todos os pontos destas modalidades quando


prendendo o contorno da aplicação ou bainha aumenta
de 50 % os pontos industriais respectivamente.

(H) BAINHA FILETE


Por cada metro de filete Vinte

(I) CAZIADOS
Caziado liso até 4mm, de espessura por cada metro Sessenta
Caziado bastido ate 4mm de espessura,
por cada metro Oitenta
Caziado: prendendo o contorno de aplicação ou
bainha (excepto na orla da bainha quando o
caziado seja para recortar) aumento de 50%
dos pontos industriais.

NOTA: Os caziados serão medidos e contados na sua extensão,


rectos se são direitos, e pelas curvas se são curvos ou aos
bicos: nas combinações de caziados medir-se-há cada
qualidade por si. Os caziados superiores a 4mm de espessura
contar-se-ão por mais 50 % por cada 4mm a mais ou fracção.

105
Bomboteiros.

Colecção de Photographia
Museu Vicentes

106
Os mercados
do bordado madeira 107
Funchal.
Século XIX

Casa de Bordados
Alexander I Hamrah
Inc - Lavadeiras,
1919.

Arquivo do Museu
Photographia Vicentes

108
O mercado do bordado Madeira em pouco mais de
século e meio evoluiu de acordo com as con-
tingências da conjuntura internacional, apresen-
tando-se como um produto vulnerável face às mudanças no mer-
cado de destino, pelo simples facto de ser um produto de luxo.
Ao longo deste período foi evidente a fixação quase exclusiva em
determinados momentos em quase só um mercado, o que veio a
condicionar a evolução desta indústria. Primeiro tivemos os ingle-
ses, seguiram-se os alemães, os norte-americanos, o Brasil e,
finalmente a Itália. A tudo isto acresce que desde o século XIX o
mercado europeu do bordado era extremamente competitivo,
não dependendo apenas da existência da ilha da Madeira, uma
vez que em várias regiões da Europa esta indústria artesanal
existia e passou por um lento processo de transformação. O
processo de mecanização do trabalho desde meados do século
XIX e, depois, a concorrência do mercado oriental foram fortes
entraves à afirmação do bordado artesanal da Madeira.

O bordado Madeira começou primeiro por ser um produto


alheio ao sistema de trocas. Bordava-se para uso pessoal ou para
oferta a familiares e amigos. Só muito tardiamente se descobriu

109
o seu valor comercial nas trocas locais e depois
na exportação para distintos mercados. Em
meados do século XIX, antes que chegasse ao
mercado britânico, vendia-se porta a porta aos
inúmeros estrangeiros de visita ou de pas-
sagem pelo Funchal. Durante muito tempo o
mercado local de souveniers foi alimentado por
estas vendas feitas pelas próprias bordadeiras.

Vários testemunhos de estrangeiros que


visitaram a ilha no decurso da segunda metade
do século XIX corroboram a importância deste
comércio local do bordado. Em 1854 a gover-
nanta Auguste Werlich refere as vendas porta a
porta, destacando o caso de Madame Harche
que encomendara lenços de assoar para enviar
à Alemanha. Os padrões foram escolhidos pela
própria numa revista, sendo o trabalho execu-
tado por uma bordadeira. Já Rudolfo Schultze
em 1864, diz-nos que o bordado era um dos
muitos souveniers que se ofereciam à chegada
dos visitantes ao porto. De acordo com E.
Taylor (1882) foi Miss Phelps quem a partir de
1856 promoveu o comércio com o Reino Unido.
Estas trocas foram asseguradas por Franck e
Robert Wilkinson. Depois tivemos o mercado e
mercadores alemães.

Não dispomos de dados completos sobre a


exportação do bordado para os primeiros anos,
surgindo apenas a partir de 1878 alguns dados
soltos que atestam a dimensão do bordado no
conjunto dos artefactos. A predominância do
bordado é evidente, perdendo importância para
os demais artefactos a partir do ano seguinte,
Peça de Vestuário bordada.

110
Funchal. Século XIX. Casa de Bordados
Alexander I. Hamrah
o que denúncia uma crise do bordado que será superada com a Co. Inc, 1920.
presença dos alemães a partir dos anos oitenta. Depois só volta- Arquivo do Museu
mos a dispor de dados a partir de 1890, que assinalam uma Photographia Vicentes
mudança no mercado de destino do bordado. Os alemães, desde
1881 passaram a intervir localmente e de imediato assumiram
uma posição dominante, desviando o rumo das exportações para
a Alemanha. A viragem foi significativa a partir de 1895 e man-
teve-se até 1911, altura em que começou a perder importância.
O mercado inglês foi sempre muito reduzido nunca ultrapassan-
do as 3,5 toneladas, enquanto o alemão desde 1895 suplantou
as 30 t, atingindo mais de 50 em 1907. Nos primeiros anos do
século XX o bordado assumiu uma posição de relevo nas expor-
tações, sem conseguir suplantar o vinho.

A primeira Guerra Mundial provocou a saída dos alemães, não


se reflectindo esta situação nas exportações como seria previsível.
Os reflexos da fuga fizeram-se sentir apenas no ano de 1916, tal
como nos informam os valores da exportação. Em 1915 as receitas
da exportação do bordado foram de apenas 201 contos, passando
para apenas 29 no ano seguinte, mas subiram no ano imediato
para 702 contos. Em 1912 voltará a sentir-se outra quebra
momentânea, mas esta foi provocada pelos colera-morbus que
alastrou a toda a ilha em 1911 e dizimou muitas das bordadeiras.

111
Os dados disponíveis sobre a exportação para o período da
guerra provam precisamente o contrário do que é comum afir-
mar-se. A guerra não provocou qualquer crise no bordado que
continuou a ter mercado garantido e encontrou nos sírios os per-
feitos substitutos dos alemães. Aliás, o período foi de prosperi-
dade para o bordado, sendo os anos vinte o momento de plena
afirmação nas exportações. As vendas que em 1906 não suplan-
tavam os 6 contos atingem em 1924 os 100.000 contos. Em
1923 o bordado ocupava mais de 70.000 madeirenses e o comér-
cio era garantido por 100 casas que o exportavam para a
América do Norte, Canadá, Inglaterra, França.

As dificuldades começaram a surgir apenas a partir de


1924, altura em que os sírios começaram a abandonar a ilha. A
perda nas exportações de 100.000 contos, sendo de 30.000 no
bordado. A situação de crise, agravada com o crush da bolsa de
Nova York em 1929, repercutiu-se na indústria conduzindo para
o desemprego mais de 30% da mão-de-obra do sector. Mas, rapi-
damente a ilha recuperou mesmo no período da segunda Guerra
Mundial. O debate em torno da autonomia tinha também na mira
a crise do bordado, estabelecendo-se uma relação directa entre
a solução da crise do sector e atribuição de mais autonomia.

112
Pormenor de Bordado antigo

A guerra atingiu de forma directa alguns mercados concor-


rentes do bordado na Europa e Pacífico, deixando espaço aberto
para o da Madeira. Em 1936 a Madeira continuava a exportar o
bordado para distintos destinos, como a Inglaterra, Estados
Unidos da América, Austrália, Canadá, França, União Sul
Africana, Brasil, Alemanha, Bélgica, Holanda, Peru, Malta,
Noruega e Singapura. Em 1952 a ilha exportou 259.165 Kg de
bordados, sendo dominado pelos Estados Unidos da América do
Norte. Em 1956 a Madeira perdeu o mercado do Brasil ao mesmo
tempo que se afirmava um espaço concorrente nos morros da
cidade de Santos. Muitas das bordadeiras e empregados
madeirenses do sector do bordado que emigraram para o Brasil
não deixaram de parte o trabalho que se ocupavam na ilha.

Nos anos sessenta o bordado Madeira chegava a novos e


tradicionais mercados como os Estados Unidos da América,
Suiça, Suécia, Dinamarca, Alemanha, França, Inglaterra,
Espanha, Austrália e África do Sul. Nesta década mais precisa-
mente nos anos de 1966 e 1967, foi notória a quebra nas expor-
tações, fruto da crise interna de alguns mercados, como os dos
Estados Unidos da América e África do Sul e a concorrência do
bordado à mão do Oriente e à máquina da Suiça e Hong Kong.

113
Funchal
Princípios século XX

Funchal hoje.

114
Casa Portuguesa
de Bordados.

Arquivo do Museu
Photographia
Vicentes
Casa de bordados Perestrellos.
Arquivo do Museu Photographia Vicentes

Mesmo assim o mercado norte-americano continuará a dominar


as exportações até princípios dos anos setenta. A Itália é um
novo mercado que surge apenas a partir de 1967 e só conseguirá
suplantar os EUA a partir de 1974, assumindo uma posição domi-
nante nos anos oitenta.

Nos anos setenta o peso do bordado nas exportações era


assinalável e só começou a perde-lo a partir de 1974, não
obstante o volume de negócios do bordado ser ascendente. A
partir dos anos setenta é evidente a concentração das expor-
tações em apenas cinco mercados: Itália, Estados Unidos da
América, República Federal da Alemanha, Suiça, Grã-Bretanha e
França. O mercado nacional continua a deter alguma importân-
cia na venda do bordado, mas nunca ultrapassou um quarto do
total do volume de negócios.

115
Bomboteiros no Porto do Funchal.

116
Os estrangeiros
e o bordado 117
Pormenor de Bordado antigo.

118
Lenço antigo.

P ara além das informações referentes aos dados


do comércio e exportação importa saber como
os locais e forasteiros viam e valorizavam esta
actividade. Através dos guias turísticos e dos diários de viagem é
possível medir a importância que assumia o bordado para os
forasteiros que visitaram o Funchal entre meados do século XIX e
princípios da centúria seguinte. O relatório não sendo exaustivo é
revelador da atenção que despertava tanto para os nacionais,
como estrangeiros. Até mesmo o próprio madeirense não se
alheou desta realidade, dando conta disso em prosa e em verso.

OS ALEMÃES

A valorização do alemão no mercado do bordado reflecte-se


de forma evidente na literatura de viagens da mesma proveniên-
cia, que está desperta para esta realidade. A senhora Auguste
Werlich (1822-1892), que esteve na Madeira entre 17 de
Novembro de 1854 e 4 de Julho de 1855, dá especial relevo ao
bordado, que considera tão rico e magnífico. As madeirenses são
excelentes bordadeiras em linha branca. Em 1857 o Prof. Schacht

119
Pormenor de toalha.

Núcleo Museológico
do IVBAM

apresenta a mulher madeirense das classes baixas como indolente


mas exímia na arte de bordar, pois apresentam bordados finos de
toda a espécie. Já em 1864 o médico Rodolfo Schultze ficou
impressionado com o movimento de chegada de navios ao porto
do Funchal, em que os estrangeiros compram obras de vimes, bor-
dados, trabalho de croché e flores artificiais para presentear famili-
ares e amigos. Em 1909 Boedecker ficou maravilhado com os pro-
dutos da indústria caseira, destacando o bordado que era especial-
mente exportado por firmas alemães. E no ano imediato Meyer
notou que as raparigas e mulheres dedicavam-se ao bordado.

OS INGLESES

A partir de meados do século XIX o bordado Madeira passou


a ser uma referência assídua nos roteiros turísticos e diários de
viagem. Mesmo assim, em 1901, Ellen M Taylor refere a ignorân-
cia que existe sobre o superior trabalho realizado na ilha pelas

120
bordadeiras. Todavia, isto não era impedimento para que as Pormenor de
Bordado antigo.
exportações fossem elevadas chegando a 25 toneladas. Ainda no
mesmo ano o norte-americano Anthony J. Drexel Biddle afirma-
va que a Madeira era famosa pelo bordado, ocupando a indústria
o sexo feminino na cidade e no campo. O trabalho de Miss
Phelps, na promoção da actividade a partir de 1856 é motivo de
orgulho para os britânicos.

OS PORTUGUESES

Os portugueses foram também atraídos pela beleza do bor-


dado madeirense, presente nas roupas que vestem os locais ou em
peças separadas que se vendem aos visitantes. Em 1864, Vilhena
Barbosa, na descrição do arraial do Monte chama a atenção para
as roupas com “bordados de retrós ou de missungas” e as camisas
com guarnições de rendas. Já o feiticeiro do Norte, Manuel
Gonçalves (1858-1927), dedicou um dos livros de quadras às

121
Aspecto de toalha. Núcleo Museológico do IVBAM Peças de quarto de dormir.
Núcleo Museológico do IVBAM

“Raparigas do Bordado”, pondo a ridículo a pretensa riqueza.

Raparigas que tem luxo


São aquelas dos bordados
Põe nos pobres rapazes
Daqui pr’a rua digradados

A poesia popular, transmitida de geração em geração pela


via oral, foi enriquecida entre finais do Século XIX e princípios do
século XX com versos alusivos ao bordado que as mulheres can-
tavam enquanto davam à agulha.

Se eu fosse mulher herdava


Uma agulha e dois dedais
Com fui homem só herdei
As enxadas de meus pais

Vai um dia a minha noiva


A casa dumas bordadeiras
Onde estavam metidas
Mais de vinte bilhardeiras

122
Ai borda Rica Filha borda borda
Ai borda rica filha borda bem
Em casa rica filha todos bordam
E borda o pai e borda a filha e borda a mãe.

Em 1901 José Cupertino Faria aclamava o


bordado como a principal riqueza da ilha: Os bor-
dados da Madeira, conhecidíssimos no
estrangeiro, de um trabalho dificílimo e de uma
perfeição inexcedível no seu acabamento, são
uma das principais indústrias da Madeira.
Rivalizando, se não excedendo em fino gosto e
primoroso trabalho todas as indústrias con-
géneres do estrangeiro como por exemplo, as
famosas rendas d’Alçon; e no país, os afamados
bordados de Peniche, a indústria dos bordados
na Madeira, ainda há pouco, limitada ao trabalho
de uma ou outra bordadeira, tem tido ultima-
mente um largo desenvolvimento e numerosas
mulheres se ocupam simplesmente neste mister.

Em 1924 Raul Brandão no périplo pelas ilhas, que reportou em Quarto de Dormir.
As Ilhas Desconhecidas, apresenta o fadário da bordadeira insular: As
Núcleo Museológico do
mulheres bordam. É a grande indústria feminina dos Açores e da IVBAM.
Madeira. Em quase todas as cabanas se vêem raparigas atentas
sobre o linho de dedal enfiado no dedo. A América leva tudo. O nego-
ciante fornece-lhes o pano estampado e elas compram as linhas.
Pouco ganham. Mas criam hábitos de trabalho. Tornam-se atentas e
delicadas. Desde que bordam que no campo se fala mais baixo.

A imagem do bordado está sempre presente na memória


dos muitos que tiveram a felicidade de visitar a ilha ou de fazer
escala no porto. A imagem dos bomboteiros fazendo um
mostrador sob o mar com as toalhas bordadas ou a forma deli-
cada da sua exposição nas casas de bordados era algo que

123
Saiote.

Núcleo Museológico do IVBAM


Peça de Vestuario bordada.

impressionava qualquer um. Em 1929 Alberto Mário de Sousa


Costa em Ilha das Três Formosuras é exemplo do que acabamos
de referir: ainda tenho na retina toda a sinfonia em branco das
lojas de bordados—sinfonia executada por mãos pacientes de
raparigas que corporizaram no linho as variações das espumas
no desabrochar da ressaca.

Entre 1932 e 1933 o contacto de Ferreira de Castro com a ilha


impressionou o escritor que escolheu-a para a ambiência do
romance Eternidade. Aqui, um dos personagens, o Álvaro, é um
negociante de bordados. Esta casualidade é motivo para uma breve
referência ao bordado e aos principais interventores. O mesmo
noutro texto de viagens [Pequenos Mundos, os Velhos, A Civilização
(1938)] refere que (...) a economia da Madeira assenta nos seus
vinhos, nos bordados, nos lacticínios, no turismo, nas bananas, nos
produtos da horta. Os bordados, porém, entraram em crise, já pela
concorrência de outras terras na mesma indústria especializadas, já
pela moda de os ter quase abandonado como enfeite, já por (..) a

124
adaptar-se aos modernos desenhos.
Para António Montes (Terras de Portugal, 1939) o que mais o
comoveu na visita foram os ajuntamentos de mulheres que bor-
dam: Das indústrias regionais madeirenses, é, no entanto, a dos
bordados, a mais notável, e, por isso, mesmo, a que constitui fac-
tor económico apreciável.(...).

Quem percorrer a ilha da Madeira encontra em todas as


freguesias grupos de mulheres, junto de choupanas humildes,
silenciosamente dobradas sobre bordados caprichosos, que nos
claustros tranquilos dos conventos ensinaram a suas avós os bor-
dados graciosos, que transmitidos de geração em geração,
chegaram ao nosso tempo, constituindo lembrança apetecida para
quem visita a Madeira.

Luís Chaves exalta também o bordado em A Arte Popular em


Portugal. Ilhas Adjacentes e Ultramar (1968): Quem desembarque
admirará os bordados e as rendas nas lojas da cidade e no merca-
do ambulante. Ficará conhecendo, se a não conhece já, uma das
riquezas artísticas de tradição madeirense, o seu melhor cartaz de
propaganda etnográfica e turística. Quem continua viagem tem
oportunidades palpitantes no barco para admirar a imaginação, a
destreza e o sentimento estético de composição dos bordados,
largamente expostos ao tombadilho.

Maria Lamas, uma assídua presença na Madeira dos anos


cinquenta, deixou-nos um verdadeiro poema à terra de exílios em
Arquipélago da Madeira Maravilha Atlântica (1956.), em que faz
uma referência histórica ao bordado. Em As mulheres do meu País
(1948) não se esquece de prestar homenagem à bordadeira
madeirense: Elas próprias sabem apenas que aprenderam com as
mães e as irmãs mais velhas, a quem sucedeu o mesmo desde
remotas gerações, como se o bordado fizesse parte das coisas
essenciais da sua vida.(...) O que era pois o primitivo bordado da
ilha ou a broderie Madère, como é conhecido no estrangeiro? Um
bonito bordado a branco, quase todo feito com ilhós, executado

125
Pormenor de Bordado

Pormenor de Bordado antigo Peça de Vestuario bordada.

com linha ligeiramente anilada e pertencendo ao conhecido género


de bordado inglês, que fez furor no princípio do século, e que dava
tanta frescura às toilettes de verão das elegantes da belle époque.

O madeirense Horácio Bento de Gouveia dedicou também um


dos seus romances do quotidiano madeirense à vida da Bordadeira.
Lágrimas Correndo Mundo (1959) pode ser considerado um livro de
homenagem à bordadeira madeirense da primeira metade do sécu-
lo XX. O convívio com a vida difícil das bordadeiras de Ponta
Delgada leva-o a concluir que as peças de bordado são lágrimas
que correm mundo, transformadas em regalo dos olhos por mãos
pacientes de ignoradas artistas.

Calvet de Magalhães, num magistral texto sobre Bordados e


Rendas de Portugal (1963), dedica espaço largo aos segredos do
bordado Madeira: A indústria de bordados mais bem organizada é
a da ilha da Madeira. Aos nove, aos dez anos, as pequenitas das
aldeias lá estão às portas das toscas casas, de agulha na mão, cur-
vadas sobre o tecido, realizando com perícia a parte mais fácil do

126
Peças de Bordado
com selo holográfico

127
bordado e deixando para a mãe ou para a avó a parte mais difícil.
São 70.000 operárias recrutadas em todas as idades, desde as que
começam a espigar até às velhas simpáticas de óculos encavalita-
dos no nariz. Trabalham muito, lutam heroicamente pela vida.
A indústria dos bordados é a primeira das exercidas no distri-
to do Funchal. Rara é a mulher da Madeira que não sabe bordar e
que não aproveita o tempo que lhe sobra das lides da casa para
ganhar algum dinheiro por essa forma.(...)

A fama e importância do bordado manteve-se na década de


sessenta e continuou a despertar a atenção dos visitantes. De novo
em A. Lopes Oliveira (Arquipélago da Madeira-Epopeia Humana,
1969) a exaltação da arte do bordado e do paciente labor das bor-
dadeiras: O bordado da Madeira, corre mundo, entra nas mesas dos
palácios dos grandes senhores de oiro e da sociedade, no vestuário
íntimo das damas da alta roda e no guarnecimento de enxovais
para bebés. Um mundo de sonho e de beleza! O bordado- como a
espuma que o mar oceânico faz rebentar nas agrestes penedias
madeirenses- é a mais representativa mensagem artística de um
povo voltado, sem se aperceber, para a consumação de um ideal
de arte. Uma arte que esteve escondida algum tempo nas dobras
de montanha e nas arenosas terras de beira-mar. As mãos deli-
cadas das madeirenses que nas horas vagas deixam o testo ao
lume, a faina dos campos, a luta pela sobrevivência, para ele, um
golpe, se aplicarem na feitura de bordados que são autênticas ma-
ravilhas (...).

No bordado não há idades nem, às vezes, sexos. Há corpos


todos inclinados sobre um grande pano de lençol, de uma toalha de
mesa, ou de outras peças mais simples, como lenços e outros
mimosos arranjos domésticos. (...) o bordado é o título de honra do
madeirense, que passa de geração em geração, revitalizado de vida
e, para cada vez mais atraente e mais apetecido para quem o
adquira para regalo dos olhos e contemplação da alma.

128
129
Bordadeira.

Gravura de Max
Romer, 1925

130
Conclusão
131
Peças de Cama. Bordal.

132
O bordado como mercadoria de exportação com peso
evidente na economia da ilha tem pouco mais de
cento e cinquenta anos, mas está presente desde
os tempos do povoamento do arquipélago na casa dos
madeirenses. Durante este silêncio de mais de trezentos e
cinquenta anos a madeirense bordava de portas adentro para
compor o seu enxoval ou para presentear os parentes e amigos.
A assiduidade da presença de estrangeiros na ilha, de passagem
ou em actividade de negócios e o seu interesse evidente pelos
usos e costumes propiciou a revelação do quotidiano madeirense
e a valorização do trabalho artesanal, como as flores, as rendas
e o bordado.

A partir do século XVIII a assiduidade dos europeus aumen-


ta e prolonga-se o período de estadia. Aos aventureiros e mer-
cadores, juntam-se agora os cientistas e, acima de tudo, os
doentes da tísica pulmonar que buscam no clima ameno da ilha
na época invernal o alívio para a doença. Ao Funchal acodem
muitas personalidades de destaque na sociedade europeia de
então. Os registos de entrada da alfândega e, por vezes, os jor-
nais referem-nos a presença de aristocratas, príncipes,

133
Toalha de Mesa. Bordal

134
escritores, cientistas. Foram estes que, em estâncias demoradas
em casas e quintas dos madeirenses, descobriram o segredo dos
lavores guardados portas adentro, apaixonando-se pelo lavor das
mulheres que os fizeram.

A notícia correu de boca em boca e rapidamente o bordado


saiu do casulo familiar para se transformar numa forma de apoio
à economia de muitas famílias. As bordadeiras retiram das arcas
os desenhos das peças herdadas e fazem delas autênticas obras
de arte, que vendem à chegada dos estrangeiros ao porto ou de
porta em porta das casas e quintas onde estes se alojam. A fama
do trabalho da agulha das madeirenses encantou aristocratas e
burgueses europeus e rapidamente se entendeu que estava aqui
uma mais-valia para os negócios. Por mão de uma mulher, Miss
Phelps, o bordado singrou no mercado britânico. Não foi esta
donzela britânica quem descobriu ou criou o bordado madeira a
partir de 1856. A ela apenas se deve a promoção do bordado no
mercado londrino e o facto de ter procurado adaptar os padrões
bordados ao gosto dos clientes.

O Funchal de meados do século XIX era uma cidade cos-


mopolita. Nas suas ruas cruzam-se cidadãos de diversas
nacionalidades, nomeadamente britânicos e alemães. A disputa
entre as duas potências pelo domínio do Atlântico passa também
pela Madeira. Até então os britânicos dominavam quase por com-
pleto o mercado madeirense, que começaram a perder com a
independência dos Estados Unidos da América. A estes seguiram-
se os alemães a partir de 1880 que passaram a intervir de forma
directa no comércio e produção do bordado. A entrada foi o élan
necessário para a completa renovação e afirmação do bordado
não apenas no mercado alemão, mas também no norte-ameri-
cano.

Os alemães trouxeram as mais significativas inovações tec-


nológicas para o sector e alteraram por completo o processo de

135
Peças de bordado. Bordal

Bordadeira. produção do bordado. A bordadeira passa a assumir apenas a


função de bordar, sendo-lhe impostos os panos, os linhos e os
desenhos. A mudança implicou o aparecimento de novos interve-
nientes no processo e à afirmação das imponentes casas de bor-
dados na cidade. As vetustas casas de vinho e até mesmo alguns
hotéis mudaram de inquilino e de funções. A partir do último
quartel do século dezanove o bordado é uma das principais
riquezas, enquanto o vinho agonizava vítima do oídio e filoxera.

O século XIX anunciou-se como a época dourada do borda-


do madeirense. Apenas os conflitos mundiais e a concorrência de
outras áreas fez perigar esta esperança dos madeirenses. A
primeira Guerra Mundial afugentou os alemães mas trouxe os
sírios que contribuíram, ainda que por pouco tempo, para o
reforço do mercado norte-americano. As dificuldades dos anos
vinte afugentaram os sírios, mas não acabaram com o bordado.
Isto foi o princípio do retorno do bordado às mãos dos
madeirenses.

136
Pormenor
de bordado

O bordado Madeira, perante as dificuldades evidentes de um


mercado limitado e exigente, não agonizou, antes pelo contrário
soube vencer as dificuldades, diversificando os mercados e ajus-
tando-se às exigências dos clientes. A inovação esteve sempre
presente no historial do bordado a partir dos anos oitenta. Esta
situação continuou até aos dias de hoje e as novas tecnologias e
o Design entraram na tradição de bordar no novo milénio. Em
todo o processo foi fundamental o trabalho do desenhador, que
traça de forma primorosa os motivos florais e a composição, bem
como a bordadeira, que qual mãos de fada, lhe dá forma e rele-
vo.
A história regista dois produtos que ontem como hoje, são
a imagem de marca do arquipélago. A Madeira identifica-se pelo
vinho e bordado, que correram mundo. Foram, e continuam a
ser, produtos de grande interesse económico.

137
Toalhas de Mesa Bordal

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