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O Jornal das Boas Notícias Os problemas do ensino e em particular a recente polémica gerada em torno da revisão

dos programas de Português ocupam uma grande parte deste Jornal em período de férias.
A imagem que poderia ficar é a de uma situação difícil e complicada, compremetedora do
n.º6
20010820

futuro, onde a boa notícia seria apenas o facto de se falar disso. O diagnóstico e o debate
são, de facto, os primeiros passos da mudança.
Mas não faltam sinais luminosos de esperança.
Sinais que nos vêm das coisas boas que acontecem e também da memória de um passado
grandioso. Neste mês de Agosto, recordo Santa Beatriz da Silva (p.21) e a Lição do Planal-
to (Aljubarrota p.27).
Pedro Aguiar Pinto
"The wise only possess ideas; the greater part of mankind are possessed by them."
- Samuel Taylor Coleridge (1772-1834)

A Formosura do Carmelo......................................1 Estreia do Coro da Universidade Católica de Angola24


Papa apela à prudência nas estradas À Maneira de raiz ............................................. 24
durante as férias....................................................2 O fim do telejornal.............................................. 25
Bush aprova investigação em células Saber ler, escrever e pensar.................................... 25
indiferenciadas com restrições...................................2 A proibição de perguntar..................................... 26
Catholic Bishops Criticize Bush Policy A lição do planalto............................................. 27
on Embryo Research..............................................3 A Escola e a Família......................................... 28
Cardinal Ratzinger Compares A salvação da democracia.................................... 29
Human Cloning to Nazi Madness..........................3 Gagos presta homenagem a cardeal Saraiva Martins30
Grace Plus Man´s Humility Brings
Serenity, Pope Says ...............................................3
Ao Verão segue-se o Outono ..................................4 A Formosura do Carmelo
Na morte de Sancho Pança.....................................4 In: http://www.diocese-algarve.pt/ 010731
"Lusíadas" fora do secundário................................6 Ou dito de outra maneira: a beleza, o encanto, o a-
«Vão demolir» a língua portuguesa..........................6 tractivo do Carmelo é uma pessoa. É uma mulher que
"Camões e Portugal são praticamente se chama Maria, de Nazaré, a Mãe do Senhor.
sinónimo" ............................................................7
Matar Camões .....................................................7 Quando Santa Teresa d’Ávila quis apresentar às suas
Lusíadas..............................................................7 carmelitas o “modelo” a imitar, falou-lhes da humil-
Ministro da Educação garante relevo dade de Maria. E disse que sentia vergonha de ser
dos "Lusíadas".....................................................8 filha de tal Mãe e tão pouco se parecer com Ela.
Matemática: a Glosa do Seu Ensino........................9 Santa Maria do Monte Carmelo
Imigração...........................................................10 A noroeste de Israel, coroando a cidade de Haifa, si-
João Paulo II recorda Papa Paulo VI tua-se o Monte Carmelo. A uns dois passos do mar,
na sua oração de Angelus em coberto de vegetação e sob um céu azul muito claro,
Castelgandolfo ....................................................11
O Estado Regulador e a Lei de assemelha-se a um ramo de flores oferecido ao Altís-
Ordenamento do Ensino Superior..........................11 simo. No cume deste monte situa-se o Santuário da
A Paz caminho da Paz.......................................12 Virgem do Carmo. Ela é como a luz de um imenso
Uns dias no mosteiro ...........................................13 farol orientando a porto seguro.
A vida como negócio............................................13 A história bíblica podemos lê-la no 1º Livro dos Reis,
As madrugadas cheias de crianças.........................14 aonde se narra a história do Profeta Elias, um orante
Uma luz no fundo do túnel...................................14 apaixonado e enamorado de Deus que instantemente
Era ele... o principezinho......................................15 pediu e suplicou a chuva para o seu povo aflito e
Partem Caravelas................................................16
Muro de Berlim com 40 anos................................17 preocupado com tão grande seca.
Um problema sério..............................................18 Os sinais sucedem-se sem cessar e, aplicados à figura
Casas do povo.....................................................20 desta mulher admirável que é Maria, podem desco-
João Paulo II apela ao acolhimento e à brir-nos um mundo desconhecido. Na nuvenzinha
caridade.............................................................20 que sobe do mar, carregada de água, podemos ver
17 de Agosto - Santa Beatriz da Maria. No mar, a vida. O monte, é Cristo. A seca, é a
Silva e Menezes ..................................................21 nossa fealdade.
A idade da pedra ................................................21 No meio da impressionante riqueza simbólica do tex-
O reino da facilidade............................................22
Fé deve casar com a política..................................23 to sagrado, há uma nota que gostaríamos de realçar
Mãe doa parte do fígado à filha.............................23 para sintetizar o que até aqui dissemos: a Beleza é o
AMOR. O Amor é a Humildade. A humildade é a
Verdade. levantámos voo do nosso “pombalito” do Porto, in-
Elias é um ENAMORADO. Enamorou-se de um teiramente abandonadas à Providência de Deus... es-
Deus que descobriu como ternura, carícia, suavida- perando, confiadamente, prolongá-lo no Dia sem
de... naquela brisa suave que sucedeu ao vento, ao ocaso.
trovão, ao terramoto, etc. Carmelitas Descalças
do Mosteiro de N.ª S.ª Rainha do Mundo
Quando Elias ora no cimo do Carmelo, fá-lo com
amor, por amor e no amor. E Deus responde amoro- Papa apela à prudência nas estradas durante as
samente, feito água que, por antonomásia, é o símbo- férias
lo da VIDA. E a água vem na nuvenzinha In: Paróquias de Portugal, 2001-08-06 15:42:38
A beleza do homem é ser imagem viva de Deus. E O Papa João Paulo II pediu ontem "prudência" aos
Deus é AMOR. A Beleza é Amor, a Bondade é milhões de cidadãos que viajam de férias, aconselhan-
Amor, a Justiça é Amor, o Poder é Amor, a Sabedoria do que evitem os inconvenientes relacionados com o
é Amor, a Felicidade é Amor. O Amor é tudo! E Ma- excesso de tráfego nas auto-estradas. "Rezo", disse o
ria de Nazaré era uma imensa capacidade de amor, chefe da igreja católica, "para que o movimento da-
porque vazia de tudo o que não era verdadeiro, nobre queles que partem ou regressam das suas férias se faça
e não respondia ao seu ser de mulher pobre. sem contratempos, graças à prudência de cada um".
Rainha e Formosura A advertência do Papa foi feita ontem, depois de re-
Os irmãos e as irmãs da Virgem Maria do Monte zado o Angelus dominical a partir da varanda da sua
Carmelo nasceram geograficamente num lugar aprazí- residência estival, em Castelgandolfo, nas imediações
vel, de sonho, herdando uma espiritualidade de oran- de Roma, perante vários milhares de fiéis provenien-
tes enamorados. Com o tempo, Sta. Teresa de Jesus e tes de diversos países.
S. João da Cruz certificarão em suas vidas e nas suas
obras que a fealdade natural que todos temos (ou seja, Bush aprova investigação em células indiferen-
a inversão da capacidade de amar: o egoísmo) só se ciadas com restrições
pode evitar submetendo-nos à “cirurgia estética” de In: www.sapo.pt 2001-08-10
uma ascese alegre. Isto consiste em realizar certos Dirigindo-se aos cidadãos norte-americanos através
exercícios a que chamamos virtudes. Fundamental- da televisão, pela primeira vez desde a sua tomada de
mente a Fé, a Esperança e o Amor. Qualquer carmeli- posse, o presidente George W. Bush afirmou ontem à
ta deve imitar e prolongar o estilo de ser e estar de noite que o dinheiro federal dos contribuintes fosse
Maria, a Mãe do Senhor. utilizado para investigações com células indiferencia-
Na intimidade das nossas casas, tanto de frades como das obtidas a partir de embriões humanos.
de monjas, ela é a Mãe, a Irmã, a Rainha, que todos Ressalvou, no entanto, que vão ser apenas financiadas
desejamos e procuramos imitar com verdadeiro entu- as pesquisas que se limitarem às células que já foram
siasmo amoroso. Por isso se entende que não só Te- extraídas, ou seja, cujos embriões já tenham sido des-
resa, mas todos e todas, sintamos profunda vergonha truídos - não existindo assim hipótese de surgir vida a
quando não nos parecemos com Ela, que viveu po- partir deles -, opondo-se deste modo à destruição de
bre, despojada de tudo, sofrendo as contingências novos embriões, bem como à criação de novos em-
humanas; que teve uma Fé a toda a prova no Deus briões humanos para fins de pesquisa e à clonagem de
das Escrituras que prometeu um Messias, um Me- embriões para qualquer que seja o fim.
nino, um Filho que traria a bênção a Israel. E que Bush explicou que a investigação privada já produziu
amou intensamente, porque o Amor enchera plena- mais de 60 colónias ou linhas de células indiferencia-
mente o vazio do seu ser. Deste modo, Maria foi tan- das geneticamente diversificadas que podem auto-
to mais mulher, quanto maior era a sua capacidade de reproduzir-se indefinidamente, sendo bastante valio-
amar. sas na pesquisa médica. Estas linhas são criadas atra-
Partilha vés da remoção de uma massa interior de uma célula
É este o testemunho, ou melhor, a partilha que gosta- de um embrião com cinco a sete dias, um procedi-
ríamos de fazer com os nossos leitores assíduos, neste mento que faz com que este seja destruído. As células
mês dedicado a Maria, Rainha e Formosura do Car- indiferenciadas têm o potencial de se transformarem
melo, já que chegámos à recta final do Jubileu de Pra- em todos os tecidos do organismo.
ta desta nossa Fundação no Algarve. Falando a partir do seu rancho de Crawford, no Te-
O seu ponto alto foi vivido na solene Eucaristia a que xas, o presidente afirmou que aprovou o financiamen-
presidiu o Senhor D. Manuel Madureira Dias com o to devido ao potencial que este tipo de investigação
seu Bispo Auxiliar, Senhor D. Manuel Quintas e os tem para encontrar novas curas para doenças crónicas
Superiores Provinciais dos 2 ramos da Ordem Car- como a de Alzheimer e de Parkinson ou diabetes e
melita e demais Sacerdotes e fiéis da Diocese que a ataques de coração.
nós se uniram para louvar e “cantar eternamente as Esta decisão constitui um volte-face em relação à
Misericórdias do Senhor.” Sim, dizemos eternamente, oposição original de Bush, expressa durante a campa-
porque já iniciámos este canto há 25 anos, quando nha eleitoral, mas é talvez a mais restritiva que ele

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poderia tomar, tendo em conta a sua posição pró-vida dern developments like cloning and medical experi-
e contra o aborto ou as suas origens metodista e con- mentation with human embryos," the prefect of the
servadora. Vatican Congregation for the Doctrine of the Faith
Bush afirmou que vai criar um novo concelho do pre- said in statements published by the Italian newspaper
sidente sobre bioética, liderado por Leon Kass - espe- La Stampa.
cialista em ética biomédica da Universidade de Chica- The German cardinal added: "It is terrifying that so-
go -, para analisar as implicações humanas e morais me of the powers, which over half a century ago de-
deste tipo de investigação. Quem não ficou muito feated Nazism, today opt, in the scientific realm, for
satisfeito com esta decisão foram os movimentos pró- debatable and anti-human practices like cloning."
vida e os conservadores mais radicais, que acusaram Code: ZE01080805
Date: 2001-08-08
Bush de os ter traído, uma vez que estes grupos fo-
ram os seus principais eleitores. Grace Plus Man´s Humility Brings Serenity,
Pope Says
Catholic Bishops Criticize Bush Policy on Em-
bryo Research In: Zenite, 20010808
In: Press Release U.S. Conference of Catholic Bishops, Continues Catechesis on the Psalms
Thursday August 9, 10:53 pm Eastern Time VATICAN CITY, AUG. 8, 2001 (Zenit.org).- The
WASHINGTON, Aug. 9 /PRNewswire/ -- Follow- secret of serenity lies in the embrace of God´s grace
ing are the remarks of Bishop Joseph A. Fiorenza, and the humility of man who puts all his trust in his
President of the U.S. Conference of Catholic Bishops, creator, John Paul II told a general audience today.
regarding President George W. Bush's statement on "God´s loving faithfulness ... envelops us like a man-
stem cell research. tle, warms and protects us, offering serenity and gi-
``President Bush has reaffirmed his support for a ban ving a sure foundation to our faith and hope," the
on human cloning and other policies that deserve Pope told thousands of pilgrims gathered for the
support in their own right. However, the trade-off he midweek audience, held in Paul VI Hall.
has announced is morally unacceptable: The federal The Holy Father came from the papal summer resi-
government, for the first time in history, will support dence of Castel Gandolfo this morning to continue
research that relies on the destruction of some defen- his series of meditations on the Psalms, which he be-
seless human beings for possible benefit to others. gan earlier this year.
However such a decision is hedged about with quali- Today, he focused on Psalm 32 (or 33, depending on
fications, it allows our nation's research enterprise to the numbering system followed) which he compared
cultivate a disrespect for human life. to "a quiver of joy," describing it as a canticle to "the
``Researchers who want to pursue destructive embryo divine presence within creation and human events."
research and their allies in Congress have already re- In order to explain the way in which God intervenes
jected such limits, saying that these limits will inter- in human history, the Pope repeatedly referred to St.
fere with efforts to turn embryonic stem cell research Basil the Great´s (329-379) Homily on Psalm 32.
into possible medical treatments. The President's pol- "Human programs, planned as alternatives, introduce
icy may therefore prove to be as unworkable as it is injustice, evil, violence, rising against the divine plan
morally wrong, ultimately serving only those whose of justice and salvation," the Holy Father said. "And,
goal is unlimited embryo research. despite transitory and apparent successes, they are
``We hope and pray that President Bush will return to reduced to simple machinations, destined to dissolu-
a principled stand against treating some human lives tion and failure."
as nothing more than objects to be manipulated and The Holy Father pointed out that Psalm 32 is "a call
destroyed for research purposes. As we face a new to faith in a God who is not indifferent to the arro-
century of powerful and sometimes even frightening gance of the powerful and who is close to the weak-
advances in biotechnology, we must help ensure that ness of humanity, raising it and sustaining it, if it en-
our technical advances will serve rather than demean trusts itself to him, if it raises its prayer and praise to
our very humanity.'' him."
SOURCE: U.S. Conference of Catholic Bishops Quoting St. Basil, the Pontiff said that the "humility
Code: ZE01080808 of those who serve God shows that they hope for his
Date: 2001-08-08
mercy. Indeed, whoever does not trust in his own
Cardinal Ratzinger Compares Human Cloning to great enterprises, or expect to be justified by his own
Nazi Madness works, sees in God´s mercy his only hope for salva-
In: Zenit, 20010808 tion."
ROME, AUG. 8, 2001 (Zenit.org).- Cardinal Joseph "Divine grace and human hope meet and embrace,"
Ratzinger compared the attempt to clone human John Paul II said. That is where the secret to serenity
beings, proposed by Italian doctor Severino Antinori, and the sure foundation of hope lies, he concluded.
to Nazi madness.
"In a certain sense, Hitler somewhat anticipated mo-
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Ao Verão segue-se o Outono pre em torno dos projectos imobiliários. A solução
José Augusto Fernandes acaba sempre pelo recurso a um amigo do amigo que
In: Euronotícias, 2001-08-10 trabalha na Câmara e que poderá dar um jeitinho. A-
Os portugueses instalaram-se na praia e durante este través desta cultura de laxismo somos todos conde-
período o que conta mais é o bronze, os biquínis e as nados ao estatuto de vítimas sem direito a ressarci-
festas. Quanto ao resto, o país pode esperar. Mas a mento porque, em relação ao Estado, nunca existe
verdade é que a situação do país está pouco para fes- nenhuma sanção visível quando não cumpre com as
tas e o Outono virá inevitavelmente a seguir ao Ve- suas obrigações.
rão. O mesmo é dizer que todos aterrarão na reali- Ninguém deveria pagar os impostos pontualmente
dade depois da belle époque estival. É por isso que quando o Estado não devolve o IRS dentro do prazo
Paulo Portas se passeia agora no Algarve, de braço em que o deveria fazer. Ninguém deveria pagar por-
dado com Cinha Jardim, para depois ter que enfrentar tagens nas auto-estradas quando estas se encontram
o Outono recheado a Manuel Monteiro. permanentemente em obras. Ninguém deveria des-
O Governo teve vergonha do Verão e decretou que contar para a segurança social quando tem que espe-
este ano o Executivo não fechará para férias. Uma rar meses para uma intervenção cirúrgica num hospi-
decisão que deu de imediato origem a um arrufo acer- tal público. Ninguém deveria pagar as suas dívidas
ca de quem presidiria ao Conselho de Ministros na quando o Estado demora anos a pagar aos seus for-
ausência de Guterres. É pena que essa energia não necedores. Se isto acontecesse era quase certo que a
tenha sido canalizada para as matérias que aí deveriam cultura reinante nos serviços públicos seria diferente e
ser tratadas em vez de se discutir quem é que é, na todos viveríamos melhor. Infelizmente, temos um
realidade, o subchefe da turma. Estado que dá os piores exemplos quando exige os
E nesta turma, apesar de a remodelação ter equili- melhores dos comportamentos.
brado o Executivo, existe muito por arrumar. Que o
diga Oliveira Martins, que se deparou com as arma- Na morte de Sancho Pança...
dilhas deixadas nas Finanças pelo seu antecessor. É O bem comum dos portugueses
por isso mesmo que grande parte das medidas preco- José Adelino Maltez
nizadas por Pina Moura estão condenadas a ficar no In: Euronotícias, 2001-08-10
congelador. Desde a tributação das mais-valias até à Os comentários, muito politicamente correctos, que
reforma da tributação do património, o destino é a marcaram o falecimento do Marechal Francisco da
gaveta até todos se esquecerem delas. No entanto, os Costa Gomes, com as teses de Mário Soares e de
portugueses sentem-se enganados em questões muito Diogo Freitas do Amaral, apoiadas pelo PCP e se-
concretas. A sisa é uma delas, visto que a sua morte cundadas pelos actuais líderes do PS e do PSD, a que-
anunciada não chegou a receber a certidão de óbito e rerem estabeleceram o perfil oficioso do antigo Presi-
todos aqueles que não têm dinheiro para pagar imó- dente da Revolução, vieram confirmar como alguns
veis a pronto ou que recorrem ao crédito bancário protagonistas do actual sistema político precisam da
para aquisição de casa própria, a maioria, terão que certas interpretações da história para poderem sobre-
continuar a alimentar os cofres das autarquias sem viver.
que recebam alguma mais-valia em termos de serviços O misterioso militar que, muito tecnocraticamente,
públicos locais. Ricardo Sá Fernandes, que em tempos serviu o salazarismo, o marcelismo e o abrilismo (do
mereceu o epíteto da estrela de companhia do Go- pluralista ao vanguardista), depois de se destacar co-
verno, bem pode continuar a pregar no deserto pela mo amigo dos americanos e da NATO, durante o
sua reforma fiscal. Aliás, a sua promessa de que mete- golpe de Botelho Moniz, da Abrilada 1961, acabou o
ria a cabeça no cepo por esta reforma acabaria por ser respectivo activismo político como aliado dos soviéti-
realidade. Nem ficou no Governo para assistir ao seu cos e simpatizante dos comunistas. Se foi suspeito de
desenlace nem a sua obra verá a luz do dia. servir objectivamente a CIA, também não deixou de
Na verdade, este é apenas mais um exemplo do in- ser acusado de coincidir com o KGB. Mas talvez seja
cumprimento do contrato entre o Estado e o cidadão. mais simples reconhecer que sempre foi fiel à respec-
Raramente o Estado cumpre pontualmente com as tiva interpretação dos interesses nacionais portugue-
suas obrigações, pese embora obrigue os cidadãos a ses e deixar que futuros historiadores, depois de con-
pagarem pelos serviços públicos muito mais do que sultarem os arquivos de Washington e de Moscovo,
eles realmente valem. As câmaras municipais, salvo descubram o fio do meada.
pouquíssimas excepções, são o melhor exemplo deste Basta recordar que, nos começos do Outono de 1988,
incumprimento compulsivo. As horas de espera em em pleno estado de graça do cavaquismo, o mesmo
filas, o não respeito pelos prazos de resposta, a buro- Marechal Costa Gomes concedia ao semanário “Ex-
cracia infindável para obter licenças são uma verda- presso” uma curiosa entrevista, onde confessava que
deira prova de sanidade mental para qualquer cidadão sempre preferiu “uma evolução natural da ditadura
que necessite de recorrer a estes serviços. Isto, já para para um novo sistema em que se pudesse abordar
não falar das suspeições de corrupção que giram sem- noutros termos a política ultramarina”. Acrescentava
também que o plano operacional do golpe do 25 de

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Abril de 1974 tinha sido mal feito: “por acaso tudo enquadradas pela moldura de um novo regime políti-
correu bem e as coisas passaram-se de uma maneira co, com outras regras do jogo. Todas as revoluções
muito cómica”. Porque se a PIDE “tivesse actuado apenas são pós-revolucionárias...
bem, hoje não tínhamos o 25 de Abril”. No essencial, tudo continua como dantes, porque,
Isto é, para o falecido marechal, o 25 de Abril de 1974 depois de passarem os fulgores de uma revolução
não passou de um acaso cómico, inserindo-se na linha política epidérmica, não aconteceu nenhuma revolu-
de outros do mesmo teor, como o 5 de Outubro de ção moral nem qualquer espécie de revolução cultural.
1910 e o 28 de Maio de 1926, onde os Otelos se cha- Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mas
maram Machado Santos e Gomes da Costa. Só que mantém-se o mesmo sistema de poder e, consequen-
estes acasos modificaram profundamente a história temente, permanecem pessoas do mesmo tipo e até
política portuguesa, confirmando a nossa ancestral das mesmas famílias. Aliás, o viracasaquismo tem sido
tendência para o improviso. uma constante em todas as nossas mudanças de regi-
É que, num povo dado a estes acasos do destino, po- me.
dem acontecer processos racionalizados de conquista Costa Gomes foi mais uma consequência do que uma
do poder, marcados pelo maquiavélico pragmatismo. causa. Nos primeiros dias de Abril, saudava a revolu-
Talvez por isso, os cravos vermelhos foram obrigados ção liberalizante. Não tardaria a ser um dos sustentá-
a elevar à categoria de vértice da revolução e da pós- culos das tentativas comunistas de controlo do pro-
revolução, tanto em 28 de Setembro de 1974 como cesso. Mas quando as relações das forças vivas apon-
em 25 de Novembro de 1975, um dos principais ge- taram no sentido do pluralismo e da democracia re-
nerais do “ancien régime”, cuja gélida racionalidade, presentativa, com o 25 de Novembro de 1975, tam-
típica de um matemático, sempre o configuraram co- bém foi capaz de navegar nesse sentido, sendo um
mo uma espécie de “anti-herói”, de um Sancho Pan- dos que garantiu a aprovação da Constituição e a rea-
ça, seguidor do espírito geométrico, analítico- lização de eleições livres.
dedutivo, que, depois de ser a sombra de vários Qui- Sem nunca ousar pegar o touro de caras e preferindo
xotes, acabou por ser o fiel de armazém das falências sempre a cernelha, apenas abriu a faina ao cerimonial
e desilusões que as paixões geraram. da pós-revolução, marcado por toda essa estirpe de
Costa Gomes talvez tenha sido um símbolo da faceta Sanchos Panças, que tanto não lutam contra moinhos
friamente calculista da personalidade portuguesa. Pelo de vento como, perante o desafio do Adamastor, não
aspecto e pelo discurso, a respectiva imagem não ge- querem morrer tentando, dado que preferem regres-
rava emoções no espectáculo político, sendo o exacto sar à praia da partida. Sem Tormentas, mas também
contrário de António de Spínola, um dos últimos he- sem Boa Esperança.
róis românticos da nossa história. Por isso é que Má- BEM COMUM DA SEMANA
rio Soares, nesse esforço ciclópico de ser o autor de- A coerência de Ramalho Eanes
finitivo da história de Portugal do último quarto de O primeiro Presidente da República, eleito por sufrá-
século, tenta reverter, em seu favor sintético, o preto gio universal e directo depois de 1974, voltou a recu-
e o branco dos dois marechais. Como, aliás, tem a sar aceder às alturas do marechalato. O homem de
desfaçatez de procurar estabelecer a última palavra Alcains, símbolo do regresso dos militares aos quar-
sobre as biografias de Francisco Sá Carneiro e Álvaro téis e da serena transição para a democracia pluralista,
Cunhal. justificou a atitude, dizendo que os últimos marechais
A tentativa soarista de se assumir como o vencedor representaram um certo ciclo das nossas forças arma-
da história, por vezes, não repara que esta é uma dita- das, intimamente ligado à defesa militar do Império.
dura de factos que nenhum revisionismo consegue Eanes, que tem os defeitos e as virtudes políticas in-
ocultar para sempre. Mesmo que consiga a parceria versas às de Mário Soares, assume, neste momento,
do memorialismo de Diogo Freitas do Amaral, ambas um estatuto que o deveria obrigar a quebrar mais ve-
as manobras só surtiriam efeito se Portugal se trans- zes o silêncio. Porque já nos cansam outros que an-
formasse numa espécie de cultura funerária, capaz de dam sempre a escrever os respectivos epitáfios.
instrumentalizar o outro mundo. Aliás, a Fundação MAL COMUM DA SEMANA
Mário Soares, com o dedinho historiográfico de Fer- As margens da direita
nando Rosas, faz aquilo que a defunta Fundação Sé- Alguns políticos, que, não estando no activo, tentam
culo XXI, nem no século passado, conseguiu. assumir o monopólio da palavra direita, ainda não
Para quem procura seguir o realismo da continuidade perceberam que a direita e a esquerda em democracia
histórica das nações, importa observar que continua- não são posições ontológicas, mas meras posições
mos a viver em pós-revolução, e que esta não passa relativas, obtidas por conclusão eleitoral, onde muitas
da mistura do situacionismo anterior a 1974 com as direitas até são antigas esquerdas. Com efeito, dois
chicotadas revolucionárias que o procuraram mudar. deles andam atarefados: um, a propor um Bloco de
A consequência deste choque é apenas o presente Direita, inspirado no pós-fascismo; outro, comple-
sistema híbrido, onde as mesmas pessoas, as mesmas xado por ter sido criatura, a querer vingar-se do cria-
mentalidades e idêntica sociedade civil apenas estão dor. Ora, a direita sociológica, capaz de ser maioria

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política, está muito perto dos cinquenta por cento do tura Portuguesa não fazem qualquer referência a esse
eleitorado e nada tem a ver com os jogos florais das princípio. Limitou-se a afirmar que o programa pre-
margens. Será que os ditos não percebem que tanta visto (não aprovado) para o 12.º ano define, na rubri-
audição na comunicação social de esquerda apenas os cação de conteúdos, “textos épicos e épico-líricos:
quer transformar na tal direita ineficaz que convém ao leitura literária - Camões e Pessoa: ‘Os Lusíadas’ e
actual situacionismo de esquerda. ‘Mensagem’”, e também que no 9.º ano (ano terminal
José Adelino Maltez do ensino básico) “o aluno adquire uma visão global
de ‘Os Lusíadas’, reforçada pela leitura e análise apro-
"Lusíadas" fora do secundário fundada de excertos significativos da obra”.
In: O Independente, 2001-08-10 Para alguns docentes, “visão global” e “análise apro-
Bruno Martins fundada” não jogam bem com “excertos”. Que a su-
bmartins@oindependente.pt
perficialidade programada não permite muito para
A partir de 2002, os alunos do ensino secundário não
além da leitura pura e simples, na perspectiva da lín-
vão ter de ler “Os Lusíadas”, de Camões, apenas se-
gua e não na perspectiva da literatura. No 9.º ano
rão convidados a ler excertos da obra, no 12.º ano, a
nunca se aprofundou o conhecimento sobre a obra de
par com textos extraídos da “Mensagem”, de Fernan-
Camões e para o 12.º vaticina-se que, por força da
do Pessoa e de muitos outros. A ideia, diz o Ministé-
dimensão dos programas e da pressão dos exames
rio da Educação, é não circuscrever a obra a um ou
finais, o tema seja secundarizado.
dois anos, mas o certo é que nenhum dos programas
Currículos Com a revisão curricular, que entra em
de português até agora aprovados para o novo ensino
vigor em Setembro do próximo ano, a disciplina de
secundário lhe concede qualquer referência. Os pro-
Língua Portuguesa passa a envolver, de forma igual,
gramas dos 10.º e 11.º anos para as disciplinas de Lín-
todos os estudantes do ensino secundário (desapare-
gua Portuguesa e de Literatura Portuguesa já estão
cendo os antigos Português A e Português B) e a dis-
aprovados e sobre “Os Lusíadas” nem uma palavra.
ciplina de Literatura Portuguesa é acrescentada ao
“Não deverá tardar para que uma criança se veja obri-
currículo dos alunos que escolherem a área específica
gada a recorrer a um dos avós para conhecer alguma
de Línguas e Literaturas (o agrupamento de Humani-
coisa sobre o poema berço da literatura portuguesa
dades é ramificado). No caso do programa homolo-
moderna”, ironiza um professor contactado pelo In-
gado para a disciplina de Literatura Portuguesa (10.º e
dependente.
11.º anos) Camões não é pronunciado, nem mesmo
Luís de Camões surge referido apenas nos “conteú-
pela sua obra lírica. No 12.º ano os alunos do agru-
dos de leitura”para o 10.º ano, mas apenas no que
pamento geral de Humanidades, vertente Línguas e
respeita à obra lírica, ao contrário do que acontece no
Literaturas, podem escolher entre ficar pela formação
programa antigo (ainda em vigor), que exige a leitura
literária do 11.º ou frequentar a disciplina de Literatu-
integral e aprofundamento de “Os Lusíadas”. Mesmo
ras de Expressão Portuguesa. Aqui terão contacto
Camões lírico é apresentado como sugestão, a par
com obras de escritores africanos, brasileiros e timo-
com a leitura de imagens, de filmes, ou de textos não
renses, mas não está previsto o estudo de autores por-
literários, como crónicas, artigos de opinião, ensaios e
tugueses.
escrita autobiográfica.
Leitura “soft”
«Vão demolir» a língua portuguesa
A política da tutela centra-se no incentivo à leitura
GRAÇA MOURA
entre os jovens, fornecendo-lhes matéria suave de ler In: tsfnotícias.com 12:01 10 de Agosto 01
e, sempre que possível, contemporânea. “Para que os O porta-voz do PSD para a Cultura comenta a inten-
alunos desenvolvam o hábito de ler, propõe-se a cria- ção do Ministério da Educação em retirar «Os Lusía-
ção de um espaço à leitura recreativa de textos de re- das» do Ensino Secundário. A obra fundamental da
conhecido mérito literário, das literaturas nacional e cultura portuguesa só vai ser ensinada no 12º ano e
universal, de autores maioritariamente contemporâ- nalguns capítulos.
neos (...) capazes de transformar os alunos em leitores O Ministério da Educação prepara-se para retirar o
mais assíduos”, é referido no programa de Língua ensino integral de «Os Lusíadas» do sistema do Ensi-
Portuguesa para os 10.º e 11.º anos. Numa nota expli- no Secundário. O programa para 2002 sugere que a
cativa - dirigida ao secretário de Estado da Educação, obra lírica de Camões seja abordada no 10º ano e tex-
João Praia, e enviado ao Independente -, a directora tos de «Os Lusíadas» serão entregues aos alunos do
do Departamento do Ensino Secundário do Ministé- 12º.
rio da Educação assinala que “o estudo de ‘Os Lusía- A ideia do Ministério da Educação explicada na edi-
das’ não deve ser focalizado num só nível de ensino, ção de hoje de «O Independente» é dar aos alunos
mas entendido ao longo de todo o percurso de esco- textos mais suaves e contemporâneos, que ajudem a
laridade, numa perspectiva de formação contínua do desenvolver o gosto pela leitura nos jovens.
aluno”. Para Vasco Graça Moura, porta-voz do PSD para as
O que Anabela Neves não explicou é porque os pro- questões culturais, «este é um atentado gravíssimo». O
gramas das disciplinas de Língua Portuguesa e Litera- «Presidente da República deve intervir» de imediato
Jornal das Boas Notícias Segunda-feira, 20 de Agosto de 2001 pág. 6
para travar a «veleidade demolidora do Ministério da más autobiografias feitas notórios "best-sellers" ou a
Educação», defendeu Graça Moura à TSF. toda a má literatura hoje erigida em fenómeno de
moda). Só Camões resiste - mas reduzido às "Líricas",
"Camões e Portugal são praticamente sinónimo" para aí beber míseros "aspectos gerais da poesia do
In: RR on-line 2001-08-10 - 19:35 autor"...
É esta a reacção de Manuel Alegre às mudanças que o O 11º varre Bocage e Antero, debicando mais "me-
Ministério da Educação introduziu nos programas do dia" e reduzindo Eça a um romance à escolha (talvez
ensino secundário no que respeita ao estudo de Ca- na esperança de ser "eleito" o menos volumoso e in-
mões. cómodo). Só Garrett e o Padre António Vieira resis-
"Retirando os Lusíadas e a obra de Camões do ensino tem, veremos por quanto tempo. Quanto ao 12º, aí se
secundário era a mesma coisa que retirar a alma de "casou" Camões com Pessoa (associando "Os Lusía-
Portugal", referiu o poeta. das" à "Mensagem"), mantendo-se Saramago e Sttau
O deputado socialista acrescenta ainda que não acre- Monteiro e varrendo-se para debaixo do tapete uns
dita que "Camões seja retirado, quem tem que ser dispensáveis Cesário Verde, Antero, Torga, Sophia,
retirado é quem promoveu essa barbaridade contra a Eça e Eugénio de Andrade. Em contrapartida, lá es-
Cultura, contra a poesia, contra Portugal e contra o tão os miraculosos "textos informativos"...
que Portugal tem de mais sagrado". Percebe-se a ideia: 'as crianças, coitadas, não têm pa-
Aliás, Alegre relembra mesmo que Portugal é "o úni- ciência para coisas muito complicadas. Não estão ha-
co país do mundo que em vez de ter como símbolo bituadas a ler, é preciso dar-lhes tempo.' Não, é preci-
um Patrono, um Guerreiro, um Rei ou um Santo tem so dar-lhes livros. Conhecimento. Cultura. Abrir-lhes
como símbolo um Poeta. Por isso é que o dia de Por- os horizontes para as magníficas obras-primas que
tugal é o dia de Camões". terão prazer em ler (leia-se, a este propósito, a opor-
A partir de 2002 o Ministério da Educação reduz o tuníssima crónica de Helena Matos na pág. 7) e não
estudo de Camões e de "Os Lusíadas": no 10º ano horror, desde que os livros não lhes sejam apresenta-
será feita uma referência à obra lírica, no 12º serão dos como animais mortos, a dissecar vértebra a vérte-
dados apenas excertos da obra épica. No 9º ano os bra, mas sim como obras vivas, essenciais à sua vida
cantos d' "Os Lusíadas" vão continuar a ser estuda- ao seu conhecimento. Talvez aprendam a amá-los,
dos. como várias gerações antes deles, se alguém se der ao
trabalho de os cativar para isso. O que não sucederá
Matar Camões com este inqualificável programa.
Por NUNO PACHECO
In: Público: Sábado, 11 de Agosto de 2001 Lusíadas
Decidididamente, a semana não anda boa para a lite- Por HELENA MATOS
ratura. Primeiro, morreu Jorge Amado. Agora, os re- In: Público: Sábado, 11 de Agosto de 2001
visores curriculares do nosso pobre ensino resolve- Está na altura de quem ainda não foi ou já regressou
ram, de um só golpe, matar Camões, Gil Vicente, Bo- de férias e tem filhos em idade escolar cumprir o ri-
cage, Garcia de Resende e Fernão Mendes Pinto. Será tual da compra dos manuais escolares. Ainda não há
matar um termo excessivo? Nem por isso. Porque muitos anos transcreviam-se listas de títulos e editoras
matar não é só cravar ferros ou soltar balas assassinas. e marchava-se para as livrarias para fazer a respectiva
É também liquidar modos de formação e pensamen- encomenda. Agora está tudo mais profissional e
to. O que agora sucedeu, com foros de escândalo, foi quando se chega às livrarias estas já têm devidamente
mais uma daquelas bizarrias a que se entregam os bu- empacotados os livros, para cada ano, das escolas da
rocratas daquilo a que impropriamente se chama entre zona.
nós educação (porque na verdade educa cada vez me- Receosos de cumprirem mal algum dos passos desse
nos e deforma cada vez mais): uma revisão curricular. ritual que lhes há-de garantir o sucesso escolar dos
Desta vez resolveram uniformizar os antigos portu- filhos (atestado imprescindível para se provar que não
guês A e B num só programa para cada ano do se- se faz parte duma família disfuncional), os pais, na
cundário. Só que nivelaram por baixo. Muito por bai- indesejável qualidade de encarregados de educação,
xo, mesmo. Onde o antigo português B do 10º ano nem se dão ao trabalho de vasculhar o interior dos
colocava as líricas medievais, Fernão Lopes, Gil Vi- ditos sacos ou, mesmo que o façam, nem se questio-
cente, Camões (e o português A, mais exigente, acres- nam quer sobre a real necessidade da compra destes
centava Garcia de Resende, Sá de Miranda, Fernão livros quer sobre o seu conteúdo. Sobre a sua neces-
Mendes Pinto e "A Castro" de António Ferreira ), o sidade repito o que já escrevi: os livros escolares não
actual português unificado propõe - pasme-se! - "tex- só poderiam ser reutilizados como se tem abusado da
tos informativos" (notícias, presume-se), "textos dos imposição da sua compra. Sobre o seu conteúdo é
media" (mais notícias?), "textos de carácter autobio- mais do que o momento de se dizer que há casos em
gráfico" "textos expressivos e criativos do séc XX" e que os manuais não fazem falta rigorosamente algu-
"contos/novelas de autores do séc. XX" (sem indicar ma. Embora à primeira vista possa parecê-lo, na ver-
títulos ou épocas, o que abre as portas a inimagináveis dade não me estou a referir à disciplina de Educação

Jornal das Boas Notícias Segunda-feira, 20 de Agosto de 2001 pág. 7


Física, pese ser assombroso o zelo com que alguns rectângulo ao lado de Calíope e das ninfas do Monde-
dos docentes de Educação Física exigem o manual da go. Por cima indicam-se os cantos e as estrofes em
dita disciplina. que as ditas serão invocadas. Versos nem vê-los, mas
Mas, infelizmente, é na aula de Português que os ma- o esquema é jeitoso e bem proporcionado.
nuais escolares prestam pior serviço e que, a partir do Poder-se-ia, contudo, pensar que uma vez chegados
9º ano de escolaridade, a imposição da sua compra é ao 10º ano este "puzzle" demoníaco se comporia.
não só uma exigência injustificada feita aos orçamen- Longe disso. Como se se estivesse perante leitores
tos familiares como uma exigência que se revela não que dominassem com grande à-vontade a totalidade
poucas vezes contraproducente. Pegue-se em vários da obra, passa-se para uma abordagem temática: o
manuais escolares de Português do 9º ano e verificar- conhecimento experimental; o amor; a grandeza e
se-á que basicamente o que as editoras escolares fa- miséria do Homem... Assim, transcreve-se uma estro-
zem, ano após ano, é juntar num volume o "Auto da fe do canto IX, depois outra do canto VI, e em segui-
Barca do Inferno" de Gil Vicente mais um conto de da outra do canto III, e assim sucessivamente. Claro
Eça ou de Manuel da Fonseca e umas estrofes de "Os que a tecer tudo isto vêm páginas e páginas de es-
Lusíadas". A distingui-los uns dos outros estão as ca- quemas.
pas, as ilustrações e, claro, a apresentação do emara- Este esquemas, que deveriam ser um complemento à
nhado de esquemas a que é passado nestes manuais leitura, tornam-se eles mesmos a leitura. Estas páginas
todo e qualquer texto digno desse nome. Acontece e páginas de setas e asteriscos, às vezes encimadas por
que estão no mercado livreiro, a preços muito inferio- títulos como "A magnífica arquitectura de 'Os Lusía-
res ao dos manuais escolares, edições completas e das'" promovem, na falta do texto, o 'Não leia. Marre.
excelentemente anotadas de todas as obras previstas Empine. Decore... Faça o que quiser, mas não perca
para a disciplina de Português a partir do 9º ano. Por tempo com leituras difíceis!'.
que razão se continua a levar para as aulas estes efé- Não há leituras difíceis. Há livros bons e maus. E "Os
meros sucedâneos de livros, repletos de excertos que Lusíadas" são uma obra magnífica de que se retira
chegam a pôr em causa a legibilidade e a dignidade prazer. O que é atroz é que se parte do princípio que
das obras e dos autores? um aluno do 9º e do 10º anos não têm emoções na
O caso mais grave do que acabo de dizer é o que leitura de um texto. Já alguém pensou em substituir o
acontece com "Os Lusíadas", os quais a TVI, com a hábito de ver as telenovelas pela leitura dos respecti-
certeza inabalável que só se encontra nos ignorantes, vos resumos? E mesmo assim sempre seriam resumos
afiançava irem deixar de ser dados na íntegra no ensi- e não esta sucessão de quadrados e setas. E por quê
no secundário a partir do momento em que entrem perder tempo a ver jogos de futebol quando a simples
em vigor os novos programas. "Os Lusíadas" não são informação do resultado é que conta? Porque as emo-
dados na íntegra há vários anos, como quem escre- ções contam. Porque as pessoas têm prazer em ver
veu, editou e assumiu a responsabilidade de pôr no ar telenovelas. Em ver jogos de futebol. E em ler. "Os
a dita notícia saberia se tivesse aproveitado alguma Lusíadas" também. De uma ponta à outra ou apenas
coisa das aulas de Português. Na verdade, "Os Lusía- uma estrofe. Mas sem lhe retirar a dignidade do livro
das" não só não são dados na íntegra como, antes que é. Um livro que não se deita fora. Um livro cuja
pelo contrário, das suas 1102 estrofes os alunos do história, cujas palavras, cuja condição são as nossas.
secundário lêem (quando lêem!), pouco mais de uma Lusíadas.
centena. escolhidas, aliás, com tão pouco critério nos
actuais manuais escolares que é absolutamente impos- Ministro da Educação garante relevo dos "Lu-
sível que alguém perceba o que quer que seja da obra síadas"
nessa sucessão desconexa de estrofes. In: Sic-online, 15:26 11 Ago. 2001
Aliás, a grande preocupação dos manuais escolares Isabel Marques da Silva, Jornalista
parece ser conseguir resumir e esquematizar o melhor Programa visa melhor entendimento da obra
possível "Os Lusíadas", tornando a sua leitura o mais Júlio Pedrosa defende a reforma do programa de Por-
dispensável possível. Páginas e páginas de esquemas, tuguês no ensino secundário e criticou a tentativa de
quadradinhos, setas e linhas remetem para umas ex- aproveitamento político da questão. As novas regras
pressões mínimas em que se condensam estrofes e servem para trazer mais, e não menos, alunos para a
cantos. Veja-se, por exemplo, a página 202 do manual leitura de autores portugueses, garantiu.
para o 9º ano de escolaridade intitulado "Português de "Toda a polémica suscitada e sobretudo o ataque que
Palavra". Aí se procura dar conta da estrutura interna se quis fazer de que havia facilitismo não tem funda-
de "Os Lusíadas". Mesmo considerando que alguém mento", disse, hoje, o ministro da Educação, Júlio
consiga perceber os diferentes planos duma narrativa Pedrosa, em reacção às duras críticas tecidas pelo
que não leu, para que servirá a referência à Invocação, PSD e CDS/PP pelo novo programa para o ensino
sendo que nem um único verso é transcrito para ilus- do Português no secundário.
trar o que é a Invocação ou a Dedicatória? Enfim, as Em conferência de imprensa, no Porto, defendeu a
Tágides, coitadinhas, lá estão muito arrumadas no seu reforma e explicou que a ideia é que a obra-prima de
Camões, "Os Lusíadas", seja estudada quando os alu-

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nos têm mais maturidade para a entender, mas que o na medida em que se os alunos não gostam das obras
primeiro contacto com a obra continuará a ser no 9º podem vir a fechar-se à leitura em geral no futuro. A
ano. dificuldade desta obra de Camões, que era obrigatório
"Os especialistas entendem que é mais proveitoso, ler na íntegra, é um dos casos apontados pelos peda-
que se consegue ir mais longe, na compreensão de gogos.
"Os Lusíadas" se antes de se fazer um estudo apro- Lista de autores "ainda" obrigatórios
fundado, se estudar a obra lírica". • Gil Vicente (que vai deixar de ser)
Complexos de esquerda e de direita • Fernão Lopes
• Padre António Vieira
A questão ideológica foi levantada, ontem, por Vasco • Eça de Queirós
Graça Moura, eurodeputado do PSD: "O medo que • Almeida Garrett
os programas do ensino secundário revelam perante • Fernando Pessoa
"Os Lusíadas", traduz um deplorável complexo de • Cesário Verde
esquerda retrógrada que tem vergonha do passado de • Agustina Bessa-Luís
• José Saramago
Portugal", argumentou. • Miguel Torga
A resposta coube, hoje, ao secretário de Estado da • Sophia de Mello Breyner
Educação, João Praia: "Jamais "Os Lusíadas" podem
ser apropriados ideologicamente e nós sabemos disso Matemática: a Glosa do Seu Ensino
em relação à "Ilha dos Amores" (um dos cantos), an- Por ANA BELA CRUZEIRO*
tes do 25 de Abril. Muito menos pode ser (apropria- In: Público, Domingo, 19 de Agosto de 2001
da) partidariamente, porque isso gera confusão na Muito se tem falado em matemática nos últimos tem-
própria opinião pública, nos pais e nos alunos, relati- pos. O que é, naturalmente, uma boa notícia, não só
vamente a esta questão. É uma obra de referência que para os seus agentes directos, mas também para o
une e parece que a querem pôr a dividir os portugue- público em geral. Porque falar de matemática é, con-
ses". forme Galileu, falar da linguagem em que o Universo
Por seu lado, a Juventude Socialista também conside- está escrito; é falar desse "princípio criador", que
rou que é irrelevante o ano em que se estuda a obra, Einstein referia. Porque a matemática é uma forma de
desde que se estude e criticou o apelo à intervenção pensamento presente na história da humanidade des-
de Jorge Sampaio por parte do CDS/PP, que consi- de os tempos mais remotos, assim nos usos comuns
derou "uma reacção típica de um partido extremista", da vida quotidiana como nas mais impressionantes
disse o líder João Ribeiro. descobertas científicas e tecnológicas, de que, afinal,
"Quanto aos complexos, gostaríamos de saber qual a somos todos beneficiários.
reacção do PSD e do PP se, eventualmente, o estudo As diversas opiniões que têm vindo a lume são refle-
da obra de José Saramago, Prémio Nobel da Literatu- xo de visões distintas da educação, e do ensino da
ra, passasse a ser obrigatório. Se calhar seriam contra, matemática em particular. O recente artigo de Eduar-
manifestando complexos de direita", concluiu. do Veloso (PÚBLICO, 14 de Agosto), reputado pro-
O que mudou fessor de quem tenho ouvido as melhores referências,
A reforma neste disciplina acabou com as divisões levou-me a pensar ser tempo de "pôr os pontos nos
entre Português A e B (consoante estudantes de áreas is", ou, mais precisamente, de apontar as razões que
de humanidades ou de científicas/tecnológicas), para efectivamente nos dividem.
passar a ser Língua Portuguesa, onde se aprende so- Antes de mais, perfila-se a visão do que deve ser a
bretudo a usar a língua correctamente em todas as educação. Para alguns um processo hedonista, empol-
expressões. Para a disciplina Literatura Portuguesa gante, de familiarização com o conhecimento univer-
ficou o estudo aprofundado de autores portugueses, e sal. Para outros uma forma esforçada de adquirir
esta é sobretudo para alunos do Curso Geral de Lín- competências técnicas e conceptuais, que deve ser o
guas e Literaturas. mais eficaz possível, sendo o prazer que dessa aquisi-
"Os Lusíadas" são abordados no 9º ano, desaparecem ção advenha um assunto de somenos, estritamente
no 10º (onde se estudavam exaustivamente), onde de subjectivo, pessoal.
Camões só se estuda a lírica. No 12º ano volta ao Ora o ponto é como aferir de maneira justa essa aqui-
programa e é acompanhado do estudo da obra "Men- sição de competências. Em nosso entender só através
sagem" de Fernando Pessoa, incluindo perspectivas de provas, de exames, que haverão de ser bem elabo-
mais filosóficas das obras. O 10º ano fica, agora, de- radas e em tanto maior número quanto possível. E
dicado a autores contemporâneos (século XX, poesia isto não por sermos cegos fideístas de tais medidas,
e prosa). nem por ignorarmos da sua infalibilidade, mas tão
Fugir da leitura somente por outro melhor recurso não conhecermos.
O estudo "Bibliotecas e Hábitos de Leitura, enco- E nestas provas a limitação do tempo é primordial
mendado, em 1998/1999, pelo Instituto do Livro e da factor, porque haverá sempre de se averiguar se o
Biblioteca apurou que a obrigatoriedade da leitura de aluno age e reage em tempo útil. Se a escola tem por
algumas obras exerce um "potencial efeito perverso", função primeira preparar para a vida, não deve o en-

Jornal das Boas Notícias Segunda-feira, 20 de Agosto de 2001 pág. 9


sinante ignorar que toda ela é feita de suspresas, im- Folgo em saber que, pelo menos, neste ensino dito
previstos que precisam de ser decididos, de imediato "actual" se procura que os alunos tenham a coragem
resolvidos. Que seria do nosso mundo se, por exem- de tentar resolver problemas não rotineiros. É louvá-
plo, um médico, em plena sala de operações, tivesse vel, e inteligente. Mas se são precisamente as questões
de consultar a Internet ou qualquer documentação, ou de rotina que nos exames conduziram os alunos a tão
ainda trocar persistentes opiniões sobre o "modus fracos resultados, como pode esperar-se que eles te-
faciendi" com colegas, porventura ausentes? nham a capacidade de abordar os outros? Como pode
Velho e simples é o exemplo da aprendizagem da mú- alguém que não aprendeu a nadar fazer face a essa
sica. Os seus instruendos geralmente a abordam com situação bem prática, bem real, que é um naufrágio
prazer mas, se profissionais, eles tiveram necessidade em pleno mar? Com coragem? Com imaginação e
de adquirir automatismos sem os quais não poderão criatividade? Pelo sim pelo não, antes de embarcar,
exibir-se na arte instrumental. melhor será ter consagrado umas horas a essa enfa-
Memorizar a tabuada! Mas eu nunca ouvi dizer a ne- donha e repetitiva tarefa de aprender a coordenar os
nhum docente de letras que não é preciso memorizar movimentos, isto é, melhor será ter adquirido os au-
a sua simbologia, nem que se deve evitar o automa- tomatismos necessários ao nado.
tismo na sua integração para formar sílabas, tão pou- Há ainda e importante questão dos conteúdos. Que
co que não se saibam de cor os significados das pala- vão diminuindo, ao longo dos anos e das sucessivas
vras. Ora se isto é assim nas artes, como pode deixar reformas curriculares. Como se se entendesse que,
de o ser nas ciências e nas técnicas? Napoleão, cujo quanto menor a quantidade de matéria a conhecer,
génio militar ninguém parece ter posto em causa, di- mais eficazmente se alcançasse o seu conhecimento.
zia que uma cabeça sem memória era como uma pra- Ora o que a ciência nos diz sobre o funcionamento
ça sem guarnição. E acrescento eu que exemplos há do cérebro aponta precisamente no sentido contrário.
de notáveis professores de matemática que procura- O saber, não só não ocupa lugar, como abre cami-
vam treinar a própria, por vezes com informações de nhos para novos saberes. Sejamos exigentes. Saber
pouca utilidade. A ciência tem demonstrado que, ao mais abre-nos horizontes mais vastos, faz-nos subir a
invés do que poderia prescrever a física tradicional, a outras alturas para dominar campos largos, desconhe-
capacidade de memorizar se alarga na justa medida cidos. É esta subida que os professores, designada-
em que mais informações armazena. mente os universitários, devem ajudar os seus discen-
Na matemática existe um outro ponto que motiva tes a fazer. E não, com o sugere Eduardo Veloso,
várias opiniões sobre o seu ensino. É que há quem fornecer-lhes tão só a matéria que eles irão mais tarde
esteja sinceramente convencido que esta ciência, tal- transmitir aos alunos do secundário. É que esta até já
vez devido ao formidável desenvolvimento da infor- deve estar sabida à entrada da universidade.
mática, se alterou em sua natureza. Ora isso não é, de Finalmente, já que estamos nas comemorações cente-
todo, verdade. Será daí que vem o chamado "ensino nárias de Eça de Queiroz, deixemos aqui a sua cons-
actual", a que se refere Eduardo Veloso? Desconheço pícua receita sobre o ensino: "Para ensinar há uma
a definição deste conceito. Compreendo o que seja formalidadezinha a cumprir: saber".
um bom ensino, "versus" um mau ensino, concebo *Professora universitária, presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática

mesmo um ensino excelente, ministrado por profes- Imigração


sores, não só competentes nas matérias, mas também In: O Independente, 2001-08-10
entusiasmados por elas, entusiasmo contagiante, que Paulo Castro Rangel
leva por vezes o mestre a ser tomado por modelo. Portugal vive hoje um fenómeno novo: a imigração.
Mas não sei o que é isso de "ensino actual". Há uma imigração cultural e natural: africanos lusófo-
Fala Eduardo Veloso em trabalho cooperativo que, nos e brasileiros (diversa entre si). Há uma imigração
diz, "acontece" no exercício profissional da matemáti- regional e conjuntural: europeus de leste e - ainda pa-
ca. Felizmente, sendo Eduardo Veloso um homem de ra vir, com novos problemas - árabes e berberes ma-
rigor, utilizou aqui a palavra "acontece". De facto, grebinos. Há uma imigração global e estrutural: chine-
"acontece", mas raramente - a maior parte do trabalho ses e indianos, por força de uma pressão demográfica
de investigação em matemática é feito em longas ho- incontornável. A imigração reclama uma política. Su-
ras de reflexão, longas horas solitárias de esforço com põe, primeiro, uma política humanitária, preparando a
o recurso exclusivo desse laboratório único de que os polícia e orientando a população para o tratamento
matemáticos dispõem - o seu próprio cérebro. Porque digno dos imigrantes (legais ou ilegais). Impõe, de-
há que não confundir investigação com mera recolha pois, uma política cultural, dotando a Administração
de informações. E "acontece" também que, como de “know-how” sobre a realidade e a cultura dos paí-
comunidade humana que formam, os matemáticos ses de origem e criando centros de atendimento e de
comunicam entre si o resultado das suas reflexões, e ensino da língua para os imigrantes. Exige finalmente
que as de uns estimulam as de outros. Esta comunica- uma política económica, procurando ajustar os fluxos
ção é praticamente tudo o que "acontece" a nível de mão-de-obra às necessidades do mercado nacional.
cooperativo. A simples existência de uma política já põe limites à
liberdade e à igualdade dos imigrantes. Organizar re-
Jornal das Boas Notícias Segunda-feira, 20 de Agosto de 2001 pág. 10
gistos e controlos, monitorizar o apoio humano - ain- convido-vos todos a oferecerdes um testemunho vá-
da que para neutralizar a acção de máfias estrangeiras lido e sincero da vossa fé, vivendo despreendidos das
e portuguesas - restringe a esfera de direitos dos imi- coisas deste mundo, pois só assim pode-se "ser ricos
grantes. Terá de aceitar-se até, embora sem resignar, diante de Deus" (Lc 12,21) Dou-vos de todo o cora-
uma medida moderada de diferenciação social (v.g., ção a minha Bênção Apostólica."
salarial). Este é o preço que uma política de rosto O Papa celebrará amanhã, as 8 horas, uma missa em
humano terá de pagar. Essa política correrá o risco de sufrágio de Paulo VI, em sua Capela Particular de
construir um reino de metecos. Mas antes metecos do Castelgandolfo. (CM)
que “escravos com nome de cidadãos” - preço que,
O Estado Regulador e a Lei de Ordenamento do
por ora, todos (eles e nós) pagamos. Ensino Superior
João Paulo II recorda Papa Paulo VI na sua ora- Por LUÍS VALADARES TAVARES*
ção de Angelus em Castelgandolfo In: Público, Sexta-feira, 10 de Agosto de 2001
In: http://www.radiovaticana.org/ 1. O Estado
2001-08-05 Faz parte da cultura moderna a convicção de que é
Noticiário da Rádio Vaticano ANO II - Nº 31 importante repensar as funções do Estado, evitando
Semana de 30 de julho a 05 de agosto de 2001
que se dedique a actividades onde se caracteriza pela
Cidade do Vaticano, 05 ago (RV) - Por ocasião da
ineficiência e pela insatisfação dos beneficiários, tal
festividade da Transfiguração, que se celebra amanhã, como é o caso da produção de bens e serviços, a fim
o Santo Padre quis hoje, durante o encontro com os de poder concentrar-se nas suas missões essenciais,
fiéis ao meio-dia no pátio do Palácio de Castelgandol-
designadamente de defesa, segurança ou regulação
fo, recordar o Papa Paulo VI, na véspera de seu 23º
dos mercados.
aniversário de morte. João Paulo II assinalou sua gra-
Esta cultura foi sendo absorvida pelas diversas cor-
tidão e afeto por seu venerado predecessor, que foi rentes políticas, muito especialmente desde que o fra-
testemunho de Cristo em anos tão complexos e difí-
casso das Economias de Leste evidenciou os perigos
ceis.
do Estado inspirado pelo oposto ao princípio da sub-
Por este motivo, o Pontífice leu hoje parte das pala-
sidiariedade. Felizmente a União Europeia e a própria
vras escritas pelo próprio Papa Montini para o Ânge-
Constituição estabelecem o princípio da subsidiarie-
lus de 6 de agosto de 1978, e que nunca foram pro- dade segundo o qual será dever do Estado prosseguir
nunciadas. Nelas, Paulo VI assegurava que a Transfi-
o que não esteja ao alcance da Sociedade Civil.
guração do Senhor derrama uma luz deslumbrante
De acordo com esta filosofia, o Estado deverá dar a
sobre nossa vida cotidiana e nos faz pensar no destino
maior atenção às funções de regulação, evitando as de
imortal que este fato anuncia. produção de bens e serviços. É evidente que esta
Eis as palavras de João Paulo II: "Este mistério que o
orientação não significa que seja o beneficiário a pagar
Senhor recomendou ficasse secreto depois de sua
directamente pela sua usufruição já que, sempre que
Ressurreição, tornou-se parte integrante da Boa No-
se justificar, poderão ser parcial ou totalmente finan-
va: Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, que hoje con-
ciados pelo Estado sem que se confunda a provisão
templamos pleno de luz em sua gloria." com o financiamento.
Para o tradicional encontro dominical com o Papa,
Entretanto, as funções de regulação são especial-
reuniram-se peregrinos de todo o mundo, inclusive
mente exigentes e incluem sempre importantes res-
um grande grupo de poloneses e mexicanos, e muitos
ponsabilidades, designadamente:
jovens vestidos em trajes típicos. O entusiasmo dos - prospectiva, orientação estratégia e planeamento;
presentes fez com que o Papa repetisse três vezes a - esclarecimento, informação e respeito pela igualdade
sua saudação inicial "Caríssimos irmãos e irmãs" antes
de oportunidades;
de começar seu discurso. Antes de se despedir dos
- garantia e defesa de direito dos beneficiários;
fiéis, o Papa dedicou algumas palavras especialmente
- estabelecimento de quadros legais, sociais e econó-
aos italianos, recomendando-lhes prudência nas estra- micos apropriados;
das durante este período de êxodo de verão. As rodo-
- avaliação e controlo de qualidade;
vias italianas estão repletas de automóveis, e não são
- financiamento segundo orientações que incentivem
raros os acidentes e engarrafamentos.
a qualidade, a eficiência e as apostas prioritárias.
"Saúdo também todos aqueles que estão partindo ou É neste quadro que têm vindo a surgir, também no
voltando das férias. Peço ao Senhor para que estes nosso país, os Institutos Reguladores para vários sec-
maciços deslocamentos se realizem sem grandes pro-
tores, designadamente Recursos Hídricos e Resíduos
blemas, graças à prudência e à contribuição de todos.
Sólidos (IRAR), Sector Eléctrico (ERSE), Co-
De coração, desejo a todos um bom domingo."
municações (ICP), Transporte Ferroviário (IFP), Mo-
Por fim, saudou os peregrinos em diversas línguas. netário (Banco de Portugal), Bolsista (CNVM) e Se-
Eis a sua saudação em português:
guros (ISP).
"É-me grato também saudar agora os estimados ir-
O que se passa então em relação à Educação?
mãos e irmãs de língua portuguesa eventualmente
Ora, uma das áreas em que a análise desta evolução
presentes e, seguindo os passos da liturgia de hoje,
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de pensamento é mais interessante corresponde, jus- rede pública!
tamente, ao Ensino Superior. Primeiro, porque é mui- No que respeita ao princípio, designadamente no que
to variada a tradição dos diferentes países, desde toca à relação com as instituições públicas do Ensino
aqueles que foram tentando preservar o modelo na- Superior, qual a função que surge com maior desta-
poleónico até aos que aproximaram a Universidade que? Orientação e definição de prioridades para o
do sistema empresarial sob estatutos privados ou pú- financiamento, tal como é actualmente normal em
blicos fortemente autonómicos, tal como acontece muitos dos países da União Europeia? Coordenação
nas culturas nórdicas ou anglo-saxónicas; segundo, estratégica curricular, estabelecendo critérios e orien-
porque surge aqui a conhecida questão ideológica re- tações sobre equilíbrios e áreas de conhecimento, tal
lativa à liberdade do ensino e à sua avaliação por enti- como já se faz na vizinha Espanha? Promoção da
dades governamentais ou, pelo contrário, indepen- auto-regulação, da internacionalização e da aprendiza-
dentes; por último, porque o Ensino Superior, sob os gem organizacional, tal como vem sendo defendido
desafios da Nova Economia, passou a desempenhar pela Agência Nacional Sueca para o Ensino Superior?
novos papéis estratégicos no desenvolvimento social, Aproximação da Universidade à empresa através de
económico, regional e empresarial. novas soluções com financiamento misto e cultura
É, pois, oportuno e interessante analisar, à luz destas empresarial, de que é exemplo a "University For In-
orientações, a Lei nº 26/2000 de 23 de Agosto que dustry" do Reino Unido?
"Aprova a organização e ordenamento do ensino su- Nada disto. A grande atenção incide sobre a criação
perior" de novos cursos, a qual fica dependente de autoriza-
2. A Lei ção ministerial.
Esta Lei baseia-se no artº 3º que define o seu objecto: Será esta prática, já a funcionar, baseada em processos
"A organização institucional do ensino superior deve decisórios casuísticos e conduzidos nos gabinetes mi-
assegurar que cada estabelecimento: a) É uma comu- nisteriais, embora pontuados aqui ou ali de Comissões
nidade autónoma de saberes e competências dedicada Independentes (de quem? quem as nomeia?), compa-
à educação e ao conhecimento; b) Tem um projecto tível com orientações de avaliação e regulação referi-
educativo próprio e autónomo; c) Ministra um ensino das, aliás de forma vaga, nos últimos artigos desta lei
de elevada qualidade científica, técnica e cultural; d) e, curiosamente, não relacionados com estes meca-
Satisfaz um conjunto adequado de requisitos infra- nismos de autorização?
estruturais, humanos e materiais; e) Estabelece inte- Como é evidente, justo será não identificar o texto
racção com a comunidade e o território em que se desta lei com muitas das convicções dos nossos go-
insere; f) Contribui para dar resposta às exigências de vernantes já que nas suas intervenções públicas não
desenvolvimento do País quanto a formação de nível cantam a mística do Estado produtor mas sim a lógica
superior." do Estado regulador. Mas serão conciliáveis orienta-
Este artigo está gramaticalmente incorrecto pois, nas ções tão profundamente contraditórias? Embora sen-
suas seis alíneas, não utiliza a forma conjuntiva apro- do muito provável que prevaleça uma cultura de regu-
priada, aproximando, assim, o Ministério da Educação lação, não serão graves os custos dos atrasos e das
de muitos dos alunos que têm dificuldades seme- perturbações assim causadas?
lhantes. Todavia, e infelizmente, afasta o sistema do * Professor universitário
Ensino Superior, por omissão, de dois sistemas es-
senciais à sua missão e, como tal, a qualquer activi- A Paz caminho da Paz
dade de regulação: o sistema científico-tecnológico e In: Correio da Manhã, 2001-08-11
o sistema de inovação empresarial. por João Caniço
As relações com o primeiro são especialmente im- "Não há caminho para a Paz: a Paz é que é o cami-
portantes em países como Portugal onde grande parte nho". Parece ser cada vez mais a palavra orientadora
da investigação é desenvolvida nas universidades e o de todos os que procuram sinceramente o fim duma
relacionamento com o segundo será talvez ainda mais guerra que, num quarto de século, transformou um
crítico se se pretender dar novo impulso à competiti- País, rico e promissor, num enorme campo de acções
vidade empresarial. militares, incapaz de produzir e de se alimentar.
No que respeita à opção produção versus regulação, a Anteontem, os Bispos Católicos anunciaram que
lei também é clara, curiosamente, quer para o ensino iriam responder à carta de Jonas Savimbi, a eles diri-
estatal, quer para o privado. Na verdade, quanto a gida há cerca de um mês. Ainda não foi divulgado o
este, escolhe a primeira opção ao remeter o ensino teor dessa resposta, mas sabe-se já que os Bispos,
não estatal para uma cultura de suplectividade (ver embora admitam poder vir a ser "mediadores" neste
artº 12º), chegando mesmo a dizer que o desenvolvi- conflito, põem como condição indispensável recebe-
mento do "cursos de ensino superior público fica rem um convite oficial de ambas as partes beligeran-
condicionado "à sua adequação às necessidades da tes.
rede pública de estabelecimentos de ensino superior". Por seu lado, há uma semana, estiveram reunidos em
Ou seja, as necessidades não são do país, mas sim da grande assembleia os membros de 15 Organizações
da Sociedade Civil (entre as quais o COIEPA, a que

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pertence a Igreja Católica), com a tríplice finalidade de tual, para a ordenação de presbítero, no domingo se-
clarificar os objectivos do Movimento da Paz, de tra- guinte, no Porto e em Leiria.
çar um plano de acção conjunto e de estruturar uma Na sua tradição milenar, continuam os mosteiros a
Rede da Paz. A Paz como caminho a percorrer para serem reduto de verdadeira e profunda espiritualida-
se chegar à Paz. de, e ainda mais nestes tempos de vazio e mediocri-
A Paz, como conquista a realizar, está assim a tomar dade, folclore religioso de superfície, que a Igreja não
vulto e passou já dos intelectuais para a maioria dos entra em crise, mesmo com todas as crises de seus
cidadãos que seguem dia a dia, pela rádio ou pela tele- homens e mulheres.
visão, os acontecimentos da sociedade e da nação. A É espectacular, a experiência do viajar pela "Nuvem
paz não deverá consistir apenas no calar das armas, do não-saber", frente a um mundo "sábio", convenci-
mas numa pacificação dos espíritos com garantias do de, sobre todas as coisas, tudo saber!
mínimas de justiça social. A Paz, por que lutam essas Fui carregado de jornais e revistas, não me fosse
organizações da sociedade civil, é a Paz duradoira, aborrecer num ambiente de tanto silêncio, não saíram
através duma verdadeira reconciliação nacional. do saco, nem me lembrei!
Esta reunião considerou também que o movimento "Se conhecesses o dom de Deus... Jesus à samarita-
da paz tem dado passos decisivos, colocando no cen- na", os mosteiros estariam cheios, como estiveram em
tro das preocupações dos angolanos e da comunidade épocas menos consumistas, mais dadas às coisas do
internacional a "Paz pela via do diálogo", mas que espírito. Dizem que este milénio caminha para aí.
precisa de intensificar a sua acção no sentido de con- Monge, do grego "monos", só com o Só... e não pre-
quistar um espaço de intervenção próprio e até mes- cisa de nada mais! E qualquer ser humano tem acesso
mo o estatuto de mediador interno na guerra civil que a esta experiência, comece por passar uns dias na
assola o País. hospedaria dum qualquer mosteiro!
Mais uma vez se reafirmou que "compete aos angola- (*) Padre
nos definirem o seu caminho para a paz" e empenha-
rem-se com todas as forças que possuem para a con- A vida como negócio
seguirem. Deus queira que seja depressa, pois a mor- António José Saraiva
te, a doença e o sofrimento já ultrapassam todas as In: Editorial Expresso, 2001-08-11
medidas. PODE o Homem tornar-se refém e vítima das ciên-
cias que desenvolveu, a ponto de comprometer os
Uns dias no mosteiro direitos do indivíduo e a própria dignidade da espé-
In: JN, 2001-08-11 cie? Na sua busca de eternidade, na sua ânsia de pro-
Acácio Marques (*) longar a vida e dominar os seus mistérios, estará dis-
Aquele, além no tractor, a lavrar na quinta, calças ponível para admitir que essa mesma vida se torne
ganga azul, camisa manga curta, barba grisalha, alto, objecto de negócio?
magro, logo ao jantar, no hábito preto beneditino, a Em cada dia que passa os avanços da ciência e das
comer pausadamente e em silêncio, enquanto escuta tecnologias, aliados muitas vezes ao poder do dinhei-
passagens bíblicas, biografias de santos, regra de S. ro e à falta de escrúpulos, confrontam-nos com este
Bento, artigos de cultura, ou informação, que o leitor tipo de perplexidades e dúvidas. Esta semana, por
oficial proclama da tribuna, ao fundo do refeitório, é exemplo, um especialista italiano que, segundo a pró-
o mesmo que às sete da manhã, em comunhão com pria Ordem dos Médicos em que está inscrito, «privi-
uns outros trinta monges, salmodiam Laudes, conce- legia o folclore em vez da ciência», apresentou à Aca-
lebram Eucaristia, intercalam o dia entre a oração e o demia das Ciências dos EUA um projecto de clona-
trabalho. gem humana para o fim do ano. Do que se trata, se-
Foi este "ora et labora", reza e trabalha, síntese da gundo a descrição do projecto, é de reproduzir, no
Regra de S. Bento, do século VI, que construiu a Eu- ventre da mulher, uma cópia genética do «pai».
ropa e continua hoje a produzir frutos de equilíbrio O médico diz que abundam os candidatos e não custa
emocional e afectivo, realização pessoal no humano e a crer. Casais estéreis que se consomem no sonho de
coisas do espírito, no corpo e na alma, a atingir ideais um filho impossível são presa fácil de alguém que lhes
de perfeição técnica e profissional, na contemplação prometa torná-lo realidade. Dispõem-se a correr to-
mística e na santidade. dos os riscos e a pagar o que for preciso, nem que, no
Quantos cientistas, sábios, artistas e santos, não con- seu íntimo, eles próprios reconheçam que estão a vio-
tinuam a sair das escolas, colégios, universidades, lentar a natureza para lá do que é admissível e a iludir-
priorados e mosteiros, das grandes ordens religiosas, se de forma a não verem que o «filho» desejado por
como os beneditinos? ambos será, afinal, o mero produto de uma engenha-
O mosteiro de Alcobaça teria sido das primeiras esco- ria sinistra.
las agrícolas, e logo nos primórdios da nacionalidade. Aceitar que um ser humano possa ser gerado nestas
A chegar eu e a saírem uns tantos diáconos, não be- condições seria retirar-lhe, à partida, o mais elementar
neditinos, há uma semana, ali, em preparação espiri- dos seus direitos: o direito à individualidade, que é
talvez o bem mais preciso da vida. Permitir que em
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torno deste processo nasça e se desenvolva um negó- go de serem induzidas em comportamentos desvian-
cio repugnante para, em nome da ciência, encher os tes, que o Governo de Blair decide intervir.
bolsos de aventureiros irresponsáveis, seria abdicar de Entre nós, a cultura de uma geração «soixante-
todos os princípios e encorajar as mais funestas inten- huitarde» dominante nas múltiplas instâncias de poder
ções. Hoje, um «filho» para um casal frustrado na sua político e social, ferozmente antiproibicionista em
compreensível ambição de paternidade, amanhã um todos os domínios e à qual repugna qualquer ideia de
corpo de clones para alimentar o exército de um autoridade, gritaria «aqui d'el rei!, isto é o princípio do
qualquer ditador delirante. A mais ousada ficção Estado policial». E os conservadores mais impeniten-
dificilmente seria capaz de descrever o universo a que tes tenderiam a ver em tal iniciativa uma forma inacei-
se abre a porta com a simples ideia de permitir a tável de o Estado se imiscuir numa matéria em que a
clonagem para efeitos reprodutores. decisão pertence em primeiro lugar à família e nessa
À medida que a comunidade científica e os agentes esfera deve permanecer.
políticos tomam consciência de todos os riscos, vão Realmente, é à família, em primeiro lugar, que compe-
reagindo com maior firmeza aos projectos temerários te autorizar ou não a saída dos filhos menores. Mas
de que há conhecimento. Mas a dúvida terrível com quem percorra certas zonas de diversão nocturna de
que já estamos confrontados é a de saber se alguma Lisboa, por exemplo, ou decida entrar numa das mui-
lei poderá impedir a concretização, mais tarde ou mais tas discotecas para adolescentes que o mercado ofere-
cedo, desses planos sombrios ou de outros secreta- ce, logo comprova que as madrugadas estão demasia-
mente concebidos. Aberta a caixa de Pandora, o mais do cheias de crianças - não só da faixa 14/15 anos,
provável é que já ninguém a possa fechar. mas abaixo disso - para a situação se afigurar normal.
Não custa perceber que ela já escapa, em grande par-
As madrugadas cheias de crianças te, ao controlo das famílias ou do que sobra delas. E
Fernando Madrinha quem tenha filhos nessa idade crítica sofre na pele
In: Expresso, 2001-08-11 uma fortíssima pressão exterior a que tem, por vezes,
O GOVERNO trabalhista britânico tomou a polémi- dificuldade em resistir. Muitas dessas famílias, que
ca decisão de instituir uma espécie de recolher obriga- não querem demitir-se da sua própria responsabilida-
tório para os menores de 15 anos. Se forem encon- de, agradeceriam certamente se, à semelhança dos
trados na rua entre as 21h e as 6h da manhã, a polícia trabalhistas britânicos, o Estado, que tanto tem con-
poderá mandá-los para casa, retê-los na esquadra ou temporizado com o negócio da noite no mercado
noutro local seguro. adolescente, fosse algum dia capaz de encarar estes
Legislação do mesmo tipo existe também em cidades assuntos com a coragem necessária. Ou, pelo menos,
francesas e norte-americanas, variando os limites de com outra atitude que não fosse encolher os ombros
idade - 13 anos nuns casos, 17 noutros - assim como e lavar as mãos.
as horas do recolher. O objectivo desta iniciativa é,
evidentemente, o de proteger as crianças de adultos Uma luz no fundo do túnel
indesejáveis, afastando-as dos lugares de maior risco, In: DN, 2001-08-11
em matéria de droga, prostituição e criminalidade em J. B. Mota Amaral
geral. Do que se trata é de evitar que elas sejam víti- Alguma vez tinha de suceder e afinal foi mais cedo do
mas de abusos ou aliciadas para práticas delinquentes que se esperava: o triste problema dos repatriados dos
num período da noite em que, por regra, a inseguran- Açores chegou à apreciação do Supremo Tribunal dos
ça nas cidades atinge os níveis mais preocupantes. Estados Unidos e este julgou inconstitucional a lei
Usar a força da lei para tirar as crianças da rua quando que permite aos Serviços de Imigração decretarem,
elas correm maiores riscos é uma decisão controversa por autoridade própria e como medida meramente
mesmo na Grã-Bretanha, onde um diploma seme- administrativa, sem recurso aos tribunais, a deporta-
lhante já existia para os menores de 10 anos, ainda ção de qualquer pessoa, embora a sua situação de re-
que não fosse aplicada de uma forma sistemática e sidência no país seja legal. O que ficou agora decidido
rigorosa. Imagine-se o que aconteceria em Portugal se reporta-se ao recurso judicial apenas, mas é já um
o Governo socialista, tão próximo de Tony Blair em grande avanço em termos de garantia dos direitos das
doutrina, mas tão distante da sua prática política, sur- pessoas envolvidas. O passo seguinte será o reconhe-
preendesse o país com uma iniciativa similar destina- cimento do carácter inconstitucional da retroactivida-
da, por exemplo, aos menores de 13 anos e para vigo- de desse diploma. Todos os países gozam da prerro-
rar entre as 22h e as seis da manhã. Caía o Carmo e a gativa de expulsarem os não nacionais indesejáveis.
Trindade. Mas mesmo nestas situações-limite os direitos huma-
E, no entanto, os trabalhistas ingleses não são gente nos hão-de ser rigorosamente respeitados. Ora, no
destituída, orientada por princípios desumanos, ou caso dos repatriados dos Açores há muito trigo a dis-
violadores contumazes dos direitos individuais, in- tinguir de algum joio...
cluindo os direitos das crianças. Bem pelo contrário, é A seu tempo narrou a imprensa casos chocantes, refe-
para tentarem preservar os seus direitos, designada- rentes aos Estados Unidos e também ao Canadá.
mente o de não correrem desnecessariamente o peri- Comovida e indignada a nossa comunidade nesses
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países movimentou-se e alguma travagem se conse- Sempre entendi por isso que da parte portuguesa não
guiu. Foi mesmo introduzida legislação correctiva, se pode nem deve ceder na apresentação deste assun-
que já esteve à beira de ser aprovada, mas por fim to como um caso muito grave de direitos humanos,
abortou. No Congresso norte-americano há uma no- para o qual aos nossos amigos e aliados norte-
va iniciativa em curso, apoiada por representantes e americanos não cabe fazer vista grossa. Dar o assunto
senadores de estados onde há forte presença portu- por encerrado, deixar de falar dele por vergonha de
guesa. O objectivo dela é revogar por via legislativa, enfrentar uma realidade dura e desagradável, agir co-
relativamente aos delitos de reduzida importância, a mo se nada houvesse mais a fazer senão abrir aulas de
retroactividade da lei em causa, onde se pressentem português nas cadeias americanas para os presos des-
até alguns fumos de xenofobia, abrindo por outro tinados à deportação - é a pior maneira de lidar com o
lado a porta à revisão do processo daqueles que de problema, um verdadeiro passaporte para a desgraça.
medida tão exagerada foram vítimas. Um eventual Na consciência da América, terra de gente livre e tão
pronunciamento do Supremo Tribunal dos Estados capaz de superar-se, o caso dos repatriados dos Aço-
Unidos pode vir a ser, porém, de eficácia mais com- res tem de pesar, forçando a uma solução razoável,
pleta, eliminando de vez essa inconcebível e desuma- que será naturalmente acolhê-los de regresso ao seio
na retroactividade. Também mereceria consideração o das suas famílias, que ansiosamente os esperam, aju-
caso daquelas pessoas que têm família constituída no dando-os a triunfar mediante uma nova oportunidade.
país onde se encontram legalmente emigrados, sendo J. B. Mota Amaral é deputado e assina esta coluna ao
o respectivo cônjuge natural deste e até com filhos sábado
nele nascidos. A deportação assume então uma gravi-
Era ele... o principezinho
dade desproporcionada, sendo para os familiares uma
In: DN, 2001-08-11
verdadeira violência, por corresponder a divórcio ou Vera Roquette
orfandade determinados autoritariamente. O proble- Foi numa praia deserta, de areia branca e fina como a
ma dos repatriados dos Açores tornou-se visível a seda e um mar denso de prata, que o encontrei - ao
partir de meados da década de noventa e tem vindo a principezinho.
crescer de ano para ano. A princípio, um ou outro Estava sózinho, sentado na areia. E uma leve brisa
desembarcava surpreendido em terras mal conheci- afagava-lhe docemente os cabelos côr de ouro. Vestia
das, surpreendendo por seu turno algum parente afas- uma túnica de linho branca, que se diluia na bruma,
tado e as autoridades locais; depois o fluxo foi en- fazendo-o parecer ainda mais frágil.
grossando, passou a haver aviso-prévio e delinearam- Aproximei-me de mansinho, para que nada se alteras-
se políticas públicas para o acolhimento e a integração se em seu redor. Ele continuava de olhos fitos no
dos fracassados e das fracassadas da saga, até aí con- mar, com as mãos pálidas e esguias entrelaçando-se
siderada só gloriosa, da emigração açoreana. na areia. Sentei-me a seu lado. Foi aí que me olhou
Tem havido sucessos neste doloroso retorno, teste- sem qualquer espanto e me sorriu como se há muito
munhando a capacidade de adaptação dos próprios e me aguardasse.
as estruturas generosas da sociedade insular. Mas não Desconhecia a minha amizade por Antoine e a minha
têm faltado situações complicadas e mesmo rotundos paixão por voar. Talvez a tivesse sentido... não sei...
falhanços, verificáveis através da percentagem elevada E, por um instante, sem tempo nem cuidados, fiquei
de reclusos dessa proveniência em alguns dos estabe- aprisionado.
lecimentos prisionais da Região. Perguntei-lhe então o que fazia ali, como e quando
Encarada a questão em pormenor, forçoso é reconhe- chegara. Mas ele não me respondeu. E exclamou:
cer como a especificidade da emigração açoriana para - Não! A ovelha não comeu a minha flor! É isso que
a América atribui conotações peculiares ao fenómeno queres saber, não é?... É claro que todos os dias cuido
dos repatriados. Quase todos eles deixaram as ilhas dela e lhe ponho à noite a redoma... pelo sim, pelo
ainda crianças e pouco delas lhes resta na memória e não... nunca se sabe ... até por causa do frio! Mas com
nos comportamentos. Moldados nos padrões ameri- o tempo também a ovelha foi cativada pela minha
canos do nível social que frequentaram, tendo-se frus- flor. E agora sente-se responsável por ela. Quando faz
trado para eles, provavelmente por culpa própria, as frio, aquece-a com o seu bafo, ou quando se constipa
vias de mobilidade ascendente características de uma e desata naquelas tosses!
sociedade aberta e com grande dinamismo, os repa- Fiquei, por instantes, calado, surpreso com o que me
triados dos Açores ficam duplamente inadaptados. Da contava. Uma ovelha que fora cativada por uma flor!
parte dos Estados Unidos, a sua deportação corres- Uma ovelha que preferia um planeta perfumado a
ponde ao afastamento de responsáveis por atitudes ceder aos seus instintos básicos. Uma ovelha que
desviantes, mas isso não melhora nada o panorama, amava por certo ou se enternecia... sei lá!... com o
face à dimensão da chaga lá existente; no Arquipélago nosso principezinho, e não o queria desgostar! E res-
dos Açores, uns pares de centenas de repatriados sig- pondendo à minha pergunta inicial:
nificam um problema sério e podem mesmo vir a - Estou aqui... mas de passagem! Sabes, não consigo
constituir uma semente de tragédia. deixar por muito tempo a minha rosa. É um nó na

Jornal das Boas Notícias Segunda-feira, 20 de Agosto de 2001 pág. 15


garganta... um aperto no peito... um vazio! Mas apro- veraroquette@sapo.pt
veitei uma estrela cadente... Os amigos são tão impor-
tantes! E confidenciou-me, em seguida: Partem Caravelas
- Voltei, para sentir de perto os amigos que, muitas In: Diário on-line Região Sul, 2001-08-11
Por: Paulo Geraldo
noites, ao olhar as estrelas, me sorriam ... pjgeraldo@yahoo.com.br
E com um ar melancólico: Há muito tempo - antes de que existis-
- Mas as estrelas já não brilham como dantes, porque se a abundância de bens de consumo a
os homens não têm tempo para as contemplar. Des- que agora estamos habituados - a sa-
conhecem o segredo delas! É pena... são tão bonitas bedoria popular considerava o nasci-
as estrelas! Confortam-nos tanto! mento de uma criança como o receber
Ouvia-o constrangido, porque também eu andava de um dom, de uma prenda sem pre-
sempre ocupado, entre voos e negociações e punha ço.
muitas vezes de lado "as minhas estrelas" e muitas As nossas avós repetiam isto, com aquele espanto
outras estrelas, que precisavam um pouquinho de bri- sempre renovado perante o mistério da vida.
lho. Agora, o nascimento de uma criança é frequentemen-
E o principezinho prosseguiu: te considerado como uma catástrofe. Deve ser evita-
- As estrelas, tal como a minha rosa, precisam de ser do a todo o custo. Prefere-se mil vezes que nasça uma
acariciadas pelo olhar. São um bocadinho vaidosas, vaca a que nasça uma criança.
precisam de ter sempre muita gente à volta delas. É A vaca é útil.
natural! Dão-nos tanto em troca. Tanto sonho...Tanta Faz-se aquilo que for preciso para evitar um nasci-
luz! Nas noites vazias e tristes... nem se fala! E quan- mento. Mesmo que seja a esterilização; mesmo que
do se ama... seja o aborto.
Rendi-me às evidências. De facto, o mundo das pes- As crianças eram antes bem vindas, mas agora não
soas grandes estava cada vez mais fechado e calculis- são.
ta. Viviam encerrados em redomas, postas pelos pró- Que foi que perdemos entretanto? Como pudemos
prios, para se defenderem ... chegar a este ponto?
- Defenderem-se de quê? - perguntou abismado o É verdade que nos tornámos materialistas. Tudo se
principezinho. tornou para nós num negócio. Todos os nossos pen-
- Deles próprios... e dos outros. samentos giram agora à volta de números: crédito,
- Ah! - exclamou o principezinho, não querendo acre- débito...mensalidades, multibanco...
ditar no que ouvia. E perguntou: Nasceram-nos calos nos dedos, de tanto contarmos
- O que é ser calculista? dinheiro.
- É viver mediante interesses, resultados ou contra- Mesmo as poucas crianças que deixamos nascer são
partidas... fruto de umas quantas contas, feitas antecipadamente
- Ah! - proferiu ele de novo, escandalizado, abrindo com todo o cuidado.
muitos os olhos. Não parecem ser resultado do amor. São filhas do
É verdade - acrescentei com uma certa nostalgia: Há cálculo.
milhares de crianças como tu, de cabelos cor de trigo E dizemos: «Agora ainda não; mais à frente se verá».
ou cor da noite, que nada têm para comer, porque as Fazemos contas. Fazemos sempre muitas contas.
pessoas grandes queimam searas... Pesamos muito bem os prós e os contras. Quanto
- Queimam searas? - repetiu incrédulo o principezi- trabalho nos darão? Quanto tempo nos farão perder?
nho. Mas porquê? Explica lá... Que bens teremos para lhe dar? E - temos de reco-
- Porque no mundo dos grandes o que conta é a cor nhecer que fazemos esta pergunta - que ganharemos
do dinheiro e não o dourado das searas... com a vinda desse ser? Que trará ele à nossa vida?
Parei de falar. Não suportava vê-lo triste. Ele respon- O que aconteceu, porém, não foi apenas termo-nos
deu-me, com um ar longínquo e sonhador: tornado materialistas.
- No meu planeta há também, por vezes, umas zan- É que continuamos, cada vez mais, a falar dos direitos
gas, uns amúos e umas guerrinhas... mas de pirraça! humanos. Trazemo-los na boca com uma facilidade
Entre amigos. Ou de amor, de ciúme... coisas banais. que impressiona. Ora os direitos do homem começam
Só de Amor... pelo direito a nascer, evidentemente.
Permanecemos por muito tempo calados. Lado a la- Quando, com a boca cheia, dizemos direitos humanos
do. A olhar um pôr do Sol imenso, que os homens estamos a referir-nos apenas aos nossos próprios di-
não conseguem esgotar. Fez-se noite. Então deitámo- reitos. Ao nosso direito ao bem-estar, à comodidade e
nos na areia, a olhar o céu, a sorrir... E foi assim que o à satisfação dos nossos apetites.
principezinho adormeceu. Envolto num manto res- Falamos de direitos humanos - nós os que contamos
plandescente bordado a estrelas. Peguei então na ca- dinheiro e fazemos abortos - e, por isso, somos hipó-
neta e no bloco, e disparei a escrita: "Vem, Antoine! critas.
Nas asas do sonho. Ele voltou... Avisa a raposa..." Acrescentámos ao materialismo a hipocrisia.
Vera Roquette é cronista e assina esta coluna quinzenalmente ao sábado

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Não sei como suportamos olhar-nos ao espelho. pouco dessa "loucura" de ousar.
Transformámo-nos em canalhas e não demos conta E como seria depois?, perguntamos prudentemente.
disso. Depois... - sirvo-me de novo da sabedoria popular -
Uma criança é, antes de mais, um dom. O dom mais cada filho que chega traz um pão debaixo do braço.
belo que uma mulher pode oferecer ao marido; o
Muro de Berlim com 40 anos
dom mais belo que um homem pode oferecer à sua
Expresso on-line. 09:32 13 Agosto 2001
mulher; o dom mais belo que uma família pode ofere-
Berlim comemora hoje a construção, há 40 anos, do
cer à sociedade.
Muro que dividiu a cidade durante 28 anos e foi um
É verdade que um filho que nasce não produz nada
símbolo da divisão da Europa e da Guerra Fria. Na
de material, e que não recebemos grande ajuda do
madrugada de 13 de Agosto de 1961, vários milhares
Estado, e que teremos de gastar muito dinheiro com
de soldados e polícias da Alemanha Oriental
ele. Mas, ao mesmo tempo, um filho é um poderoso
comunista foram chamados a participar na construção
estímulo para os pais, que desejam oferecer-lhe um
do que foi então definido como «um muro de
ambiente agradável, uma boa educação, roupa, férias.
protecção antifascista» contra o Ocidente capitalista.
É também um estímulo para os poderes públicos, que
O objectivo era porém barrar o êxodo de cidadãos da
terão de se modernizar, de melhorar as infra-
então República Democrática Alemã para o Ocidente.
estruturas e o sistema educativo.
Desde o início dos anos 50 até ao Verão de 1961, cer-
Mas se calhar não estamos dispostos a receber
ca de 2,5 milhões deles deixaram o seu país - numa
estímulos. Estamos muito bem assim como estamos.
população de cerca de 19 milhões de habitantes em
Temos a barriga cheia, aquecimento em casa e uma
1947.
conta confortável no banco. Não estão a correr nada
Com 155 quilómetros de comprimento, constituído
mal os nossos planos para em breve podermos com-
tanto de placas de cimento de mais de três metros de
prar um novo carro, ou para, finalmente, fazermos
altura como de gradeamentos, o muro rodeava a parte
aquelas férias com que sempre sonhámos.
ocidental de Berlim, convertendo-a numa ilha.
Aventuras? Sim, ouvimos falar delas nos bancos da
Símbolo da divisão da Europa e da Guerra Fria, exis-
escola.
tiu até 09 de Novembro de 1989. Durante estes 28
Que grandes homens eram esses nossos antepassados
anos, pelo menos 254 pessoas foram mortas e mais de
que atravessavam mares imensos naquelas frágeis ca-
3.000 foram presas por tentavam atravessá-lo em Ber-
ravelas! E que vidas cheias tinham!
lim.
Ter uma criança significa que aceitámos embarcar
O chanceler alemão, Gerhard Schroeder, e o presi-
numa dessas caravelas que, através de mares desco-
dente do Bundestag (câmara baixa do Parlamento),
nhecidos e tormentas, tentaremos levar a um bom
Wolfgang Thierse, prestam-lhes hoje homenagem,
porto. E que não há caminho de regresso.
depondo coroas de flores junto do memorial da Ber-
Mas hoje o nosso sonho não vai sequer até à beira-
nauerstrasse.
mar. O nosso olhar tem um horizonte que não ultra-
Esta rua faz parte dos locais altamente simbólicos da
passa o nosso umbigo; que não chega sequer lá, no
história da cidade: no dia da construção do Muro,
caso de a barriguinha estar demasiado pejada de pra-
habitantes em pânico saltaram das janelas dos edifí-
zeres...
cios de Berlim-leste para toldos estendidos em baixo
De cada vez que parte outro navio nós ficamos a o-
por bombeiros oeste-alemães.
lhar. Somos sempre daqueles que ficam na praia.
Nesse dia 13 de há 40 anos, os berlinenses descobri-
Terra firme! Terra firme! As mãos e os pés bem
ram atónitos logo de manhã que uma dezena de para-
apoiados, não vá acontecer qualquer coisa...
gens de metro, 48 estações de caminho de ferro e 193
De cada vez que parte outro navio sentimos - mas
ruas estavam fechadas.
fazemos por esquecer isso depressa... - que há algo
Só voltariam a ser abertas 28 anos depois, tempo du-
em nós que gostaria de ter partido também. São vestí-
rante o qual o mecanismo de divisão se foi aperfei-
gios das loucuras da juventude, pensamos. E rapida-
çoando até se converter num alto muro protegido por
mente fazemos por retornar ao "bom senso"...
artilharia, valas e patrulhas de soldados com ordens de
É também isso: envelhecemos antes de tempo. Reves-
disparar contra quem o tentasse atravessar.
timos de cinza a alma que devia ter ainda as cores do
O Muro foi modernizado em quatro ocasiões, a últi-
sonho e do ousar.
ma das quais em 1975, ano em que foram levantadas
E quando às vezes - talvez num passeio pelo parque
placas de betão de 3,60 metros de altura, resistentes às
ou na missa do Domingo - deparamos com uma
inclemências do tempo.
família daquelas que têm muitos filhos, a mexerem-se
Segundo dados de 1989, o Muro estava protegido por
agitadamente em brincadeiras e risos, calamos um
302 torres de vigia, 127 quilómetros de valas de alar-
não-sei-quê de inveja. Apressamo-nos a pensar coisas
me e 105 quilómetros grades contra veículos.
do estilo de «Estes pais são loucos... Nos tempos que
O Muro de Berlim obedecia a um critério contrário
correm...».
ao de qualquer outra fronteira: era uma defesa voltada
O que nos acontece é que estamos a precisar de um
para o interior e não para o exterior. A grade de segu-

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rança era altamente perigosa no lado oriental e todos A comparação, recentemente feita por quase todos os
os mecanismos de alarme instalados pela RDA esta- jornais, entre as notas internas das escolas e as dos
vam orientados para os seus próprios cidadãos. exames nacionais, revela factos interessantes. De mo-
Pelo contrário, no Ocidente, os berlinenses podiam do sistemático, as notas internas são superiores, por
pintar o Muro e empoleirar-se em «miradouros» para vezes mesmo muito superiores, às dos exames. O que
turistas instalados a poucos centímetros da fronteira. suscita várias interrogações. Estaremos diante de um
fenómeno de laxismo dos professores e das escolas?
Um problema sério Tratar-se-á de uma atitude “generosa” dos professo-
In: Portugal Diário, 13-08-2001 20:15:24 res que, conhecendo os alunos, seus pais e suas co-
António Barreto munidades, sobem as notas por misericórdia? Ou fa-
Curiosamente, foi nas férias grandes que, este ano, os zem-no simplesmente para obter aprovações a qual-
problemas das escolas secundárias, das notas, dos quer preço e melhorar a imagem da escola?
exames e do acesso à Estas perguntas não têm, hoje, resposta. Mas poderá
universidade se também perguntar-se: não serão os exames totalmen-
tornaram mais visíveis e te inadequados à matéria e ao currículo? Ou não serão
discutidos. os professores que examinam as provas nacionais (e
Há, evidentemente, o que não conhecem os candidatos pessoalmente) seve-
facto de as notas dos ros de mais? Também estas perguntas ficam, por en-
exames terem acabado de sair e o de as provas de quanto, sem resposta.
acesso se terem desenrolado há pouco. Mas, normal- Já ouço as soluções de alguns pedagogos, especialis-
mente, destes acontecimentos decorrem festas e cho- tas, governantes e burocratas do ministério: dimi-
ros, conforme os resultados. Ora, desta vez, e muito nuam-se e simplifiquem-se os programas; reduzam-se
bem, ficou na praça pública matéria para reflexão e ou eliminem-se os exames e respectivo “stress” cau-
discussão. sado aos estudantes; reforce-se a componente “com-
Depois de conhecidas as condições de acesso ao en- petências” e reduza-se a de conhecimentos. Com uma
sino superior e de termos ficado chocados com a pos- ou outra excepção, tem sido esta a tendência domi-
sibilidade de entrar em Faculdade ou Instituto Poli- nante nas últimas décadas. E como, na educação, o
técnico, público ou privado, com várias negativas e ministério tem sempre razão, continuar-se-á por esta
até, em certos casos, com notas inferiores a três e via.
quatro valores (num máximo de vinte), conhecemos O novo ministério da Educação, o quarto em seis
agora as notas dos exames nacionais. anos, ou o terceiro em dois, já disse que estava preo-
A estas, acrescentam-se as classificações internas das cupado. Mas não deu nenhum sinal de querer alterar a
escolas. O exame da matéria prima disponível reforça tradição pedagógica que ali se instalou. Ora, como os
todos os sentimentos de inquietação e preocupação. governantes e outros dirigentes conhecem exacta-
As médias gerais nacionais de todas as disciplinas são mente o problema (são professores experientes, sindi-
vergonhosas e incrivelmente baixas. calistas qualificados, burocratas competentes...) e não
Aliás, as médias nacionais finais parecem ser todas anunciaram nenhuma vontade de inverter o rumo,
positivas, mas trata-se de uma ilusão: na verdade, só podemos prever, com resignação, mais uma vaga de
são positivas porque “melhoradas” pelas classifica- “facilitismo” e outra de complicação burocrática e
ções internas das escolas, dado que as médias dos institucional dos sistemas de avaliação e de acesso.
exames nacionais são péssimas: quase duas dezenas de Aliás, as notícias recentes relativas à matemática e ao
disciplinas com média negativa! E mesmo as médias português, vão exactamente nesse sentido. Depois de,
nacionais finais positivas são de uma mediocridade por demagogia, se ter dado importância simbólica às
estonteante: oscilam entre o dez (10) e o onze (11)! duas disciplinas, logo se tenta reduzir a matéria, elimi-
Esta é a verdadeira e genuína prova de aferição das nar autores clássicos, diminuir o trabalho, simplificar
políticas de educação e dos métodos consagrados. o esforço e simplificar as matérias. A verdade é que
O ensino enterra-se gradualmente numa crise sem estamos realmente diante de um problema muito sé-
fim. Apesar das tentativas de “simplificar” o ensino e rio. Do qual toda a gente tem ideias e interpretações e
os exames, para fomentar o sucesso, os resultados para o qual todos têm soluções.
pioram. Mau grado as instruções dadas, oficial e ofi- Eu também tenho, mas começo por reconhecer que
ciosamente, para limar arestas, arredondar para cima e vale a pena estudar melhor os problemas, trazer novas
mostrando benevolência, os resultados agravam-se. cabeças para este debate e ouvir todos os protagonis-
Não obstante se ter manipulado a engenharia de ava- tas experientes. Por mim, tendencialmente, reforçaria
liação (alterando as percentagens a valorizar), com o a exigência, aumentaria o papel da matemática em
objectivo de diminuir o insucesso, as notas não me- todas as variantes de ensino, seria mais severo nos
lhoram. E, finalmente, contrariamente a todas as exames, consideraria que todas as notas negativas
promessas sucessivamente feitas por governantes, as (menos de dez) seriam eliminatórias (do ano ou da
exigências diminuem e as negativas aceites (???) são disciplina, conforme os casos), obrigaria os professo-
cada vez mais baixas.
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res e os estudantes a mais esforços e mais trabalho, banco dos arguidos. Como poderá o ministério jamais
faria dos três anos do secundário um ciclo completo e reconhecer que tem errado? Que a sua propensão
continuado e reduziria o número de opções especiali- para a facilidade e a complacência é criminosa?
zadas: eis, entre outras, algumas direcções de trabalho Há umas décadas atrás, por razões várias, equipas da
que teriam o meu favor. Mas sei que não deve ser OCDE organizaram uma espécie de exame e avalia-
apenas na base de ideias gerais como estas (onde pode ção do sistema de ensino português. Colaboraram
sempre haver preconceito e erro) que se deve cami- muitos portugueses e até entidades oficiais. Mas a
nhar. É necessário, também, estudar o problema. autoria e a responsabilidade eram, em última instân-
Como o ministério é o patrão e o fiscal, o sujeito e o cia, de entidades independentes e estrangeiras. Os
objecto, de nada servem os estudos e as avaliações relatórios e as recomendações que então surgiram
que ele próprio se encomenda. É como se uma asso- foram dos mais importantes na história recente da
ciação de malfeitores fosse encarregada de estudar as educação em Portugal. Mais tarde, outras entidades
condições de segurança nas ruas e nas prisões, assim internacionais, como o Banco Mundial, ocuparam-se
como os processos de julgamento. igualmente do diagnóstico da nossa educação. Mais
Na verdade, o que está errado na Educação começa uma vez, as suas avaliações foram contundentes e
por ser da responsabilidade do ministério. Não será a certeiras. Até porque não estavam limitadas pelos
única, concedo facilmente, mas é a primeira e a mais preconceitos paroquiais, não estavam envolvidos nas
importante. Se o ministério deixasse de ser o “Grande lutas internas de profissões e interesses. E sobretudo
educador” e passasse a fiscalizar e avaliar, poderíamos não olharam para a educação de maneira dogmática e
talvez confiar nele. Assim, não vale a pena sonhar. fechada. Não só consideraram a educação como algo
A este propósito, vale a pena recordar os episódios que não se limitava ao famigerado ministério, como
recentes da tentativa de ocultação dos processos de entenderam que era necessário olhar para a educação
avaliação das escolas. Depois de uma sucessão de tra- do ponto de vista da sociedade, da cultura, da ciência,
palhadas, na qual o ministério se revelou, uma vez da economia e das profissões.
mais, déspota e incompetente, acabaram os resultados Chegámos a uma situação semelhante. Ou antes, ain-
por ser, graças a uma pequena mas eficaz pressão da da mais premente dada a expansão do sistema e a gra-
opinião, distribuídos aos jornais e tornados acessíveis. vidade dos problemas. A educação transformou-se no
Eu próprio colaborei, tendo mesmo tido de suportar maior responsável pelo desperdício de recursos públi-
uns “ralhetes” do então ministro Augusto Santos Sil- cos, pela quebra de produtividade dos portugueses,
va, que, pouco depois, teve de fazer o contrário do pela menoridade da ciência portuguesa, pela subalter-
que dizia. O caso terminou bem (ainda por cima ti- nidade da cultura portuguesa no mundo, pela desmo-
vemos o bónus da demissão do ministro...) e talvez se ralização de sucessivas gerações de estudantes e jo-
tenha criado um precedente na luta contra o secretis- vens diplomados, pela vaga de facilitismo que aflige o
mo do ministério de educação (e, verdade se diga, de país, pela complacência para com a preguiça e a frau-
quase toda a Administração Pública). de e pelo clima de impunidade em que vivemos.
Mas, sinceramente, ainda hoje me interrogo sobre a Uma vez mais, se queremos honestamente saber onde
eficácia e a bondade dessa reivindicação e desse resul- estão realmente os defeitos e as causas, encarreguem-
tado. O combate pelo princípio da abertura e da se entidades isentas e independentes de fazer o estudo
comparação bastava-se a si próprio. Mas os frutos e o diagnóstico. Não necessariamente de tudo, de
dessa vitória podem estar envenenados. Com efeito, modo a cairmos uma vez mais na impotência dos pla-
as avaliações e as comparações só deveriam ser feitas nos globais. Mas de um ou outro entre os problemas
pelo ministério se este fosse retirado da tutela efectiva já identificados. As notas do secundário, por exemplo.
sobre as escolas. Caso contrário, deveriam ser feitas Ou as negativas no acesso ao ensino superior. Alguns
por entidades isentas e exteriores ao sistema. Profis- meses e pouco dinheiro bastariam para estudar um
sionais ou universitárias. Privadas ou públicas. Nacio- problema. E fornecer, ao debate público, recomenda-
nais ou estrangeiras. Mas independentes. Isentas. E ções. Em poucos anos, graças a uma metodologia
competentes. como esta, seria possível encontrar soluções racionais
O caso recente das notas das escolas e dos exames para alguns dos problemas que compõem este cancro
nacionais é mais um poderoso argumento nesse sen- nacional.
tido. Queremos saber se são as escolas que estão er-
radas? Ou os professores? Ou os currículos? Ou os Casas do povo
exames? Ou os examinadores? Ou o ministério? Ou a In: Portugal Diário 17-08-2001 18:29:59
concepção do ensino secundário? Muitas poderão ser Luísa Melo
as respostas úteis. Mas há umas que eu dispenso abso- Recuperar património e, ao mesmo tempo, dar uma
lutamente: as do ministério. Nem sequer me interessa resposta social a quem mais precisa. Esta é a ideia da
saber se são técnicos competentes e experientes: bas- União das Instituições Particulares de Solidariedade
ta-me saber que avaliadores e avaliados são os mes- Social (IPSS): pôr de pé as chamadas «casas comunitá-
mos, que o ministério é o primeiro a sentar-se no rias» ou «casas do povo». O projecto chama-se Mode-
lo Integrado de Coesão Social e vai ser apresentado
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dentro de uma semana ao primeiro-ministro. A secre- Estado da Habitação, Leonor Coutinho, já se mostrou
tária de Estado da Habitação apoia a ideia e já há 500 disponível para, no âmbito do projecto SOLARH (foi
juntas de freguesia interessadas. lançado o ano passado, mas sobrou dinheiro por
«O Rendimento Mínimo Garantido já deu o que tinha «inoperância de muitas autarquias»), dar apoio aos
a dar», diz o presidente da União das IPSS, Padre José idosos.
Martins Maia, e há problemas muito mais urgentes E funcionários? O padre Maia tem tudo pensado: «As
para os quais é preciso encontrar resposta. «Idosos, mulheres, homens e jovens que recebem o rendimen-
pobres, doentes e sós, há muitas pessoas que reúnem to mínimo garantido têm aqui o seu trabalho natural e
todas estas caraterísticas e não podemos admitir isso», vão ter trabalho durante muitos anos. Isto para a eco-
adianta. A União, acrescenta aquele responsável, «fez nomia social é uma medida estruturante».
uma previsão e estima-se que em 2025 existam cerca Quanto à gestão das «Casas Comunitárias», a União
de 600 mil idosos. O cenário é assustador». oferece-se para fazer isso. Pretende dar vida às «redes
A ideia do padre Maia é dar resposta a estas pessoas, de vizinhança, identificar algumas pessoas locais pre-
mas também a todos os que possam precisar de uma pará-las, dar-lhes cursos de formação e pagar-lhes um
casa condigna, de comida ou de ajuda, incluindo pes- salário». Isso sim ficaria a cargo do Ministério do Tra-
soas portadoras de deficiência, sem-abrigo, pessoas balho e Solidariedade Social.
com alta hospitalar, mas com necessidade de conva- Esta ideia da Casa Comunitária ou Casa do Povo já
lescença temporária assistida, pessoas em situação de arrancou, a título experimental, em Valpaços. Foi re-
pobreza e desemprego de longa duração e toxicode- cuperada uma casa, onde funciona um centro de dia, e
pendentes. «vamos recuperar outra para um lar e café/convívio
Em tempos de aperto de cinto a questão que se colo- para a comunidade», acrescenta o presidente da União
ca é onde arranjar dinheiro para isto? O padre Maia das IPSS.
explica que a estratégia passa por apresentar candida-
turas às verbas desconcentradas (que foram para as João Paulo II apela ao acolhimento e à caridade
Comissões de Coordenação Regionais) do III Quadro In: Ecclesia, 20010816
Comunitário de Apoio, mais precisamente às medidas «Fiel ao seu dever no serviço do Evangelho, a Igreja
passíveis de enquadrar a recuperação urbana. continua a aproximar-se dos homens de todas as na-
No caso da CCRNorte, por exemplo, a medida 1.3 – cionalidades para lhes dirigir o alegre anúncio da sal-
Qualificação Territorial – disponibiliza, até 2006, 76 vação», refere João Paulo II na sua Mensagem para a
milhões de contos. Na região Centro, exisem três me- Jornada Mundial das Migrações. O apelo passa por
didas enquadráveis e 86 milhões de contos. O pro- uma reflexão «sobre a missão evangelizadora da Igre-
blema é que só as autarquias podem apresentar candi- ja, em relação aos fenómenos vastos e complexos da
daturas. emigração e da mobilidade».
A União pretende contornar esta dificuldade através Este ano, com o especial tema «A pastoral para os
das Comissões sociais de freguesia, criadas por reso- Migrantes, caminho para a realização da missão da
lução do Conselho de Ministros em 1997, onde estão Igreja hoje», o Santo Padre distingue «a mobilidade
representadas as IPSS. «500 freguesias de todos os livremente escolhida» e «a que nasce de um constran-
distritos já responderam à nossa ideia e estão dispos- gimento de natureza ideológica, política ou económi-
tas a trabalhar connosco na rede social e nós vamos ca». Assim, a Igreja chama a atenção para o facto do
ajudá-las a apresentar candidaturas àqueles progra- termo «migrantes» se referir «em primeiro lugar aos
mas», explica aquele responsável. refugiados e exilados à procura de liberdade e de se-
Como pôr de pé o projecto gurança fora dos limites da própria pátria» e, em se-
Primeiro é preciso identificar prédios e casas abando- gundo lugar, «aos jovens que estudam no estrangeiro
nadas a nível local e depois fazer com que sejam de- e a quantos deixam o próprio País para procurar nou-
claradas áreas críticas de recuperação e reconversão tro lado uma melhor condição de vida».
urbanística. É aqui que o primeiro ministro vai ser Consciente de que a mobilidade se tornou uma carac-
chamado a intervir. Tudo porque, actualmente, este terística geral da humanidade, o Santo Padre explica
processo inicia-se na câmara, passa pela assembleia na sua Mensagem que «a convergência de raças, civili-
municipal, pela respectiva CCR, Direcção Geral do zações e culturas no interior dos próprios ordenamen-
Ambiente e Ordenamento do Território e termina tos jurídicos e sociais põe um problema urgente de
num despacho do ministro que tutela a área. Ou seja, convivência. As fronteiras tendem a cair, encurtam-se
demora pelo menos um ano. as distâncias, os acontecimentos fazem sentir as suas
O padre Maia sugere que se faça uma alteração legis- próprias repercussões mesmo nas zonas mais longín-
lativa para tornar o processo mais célere: as comissões quas». Neste sentido, cabe à Igreja, na sua actividade
de junta iniciariam o processo que seria depois levado pastoral, procurar ter constantemente presentes estes
à câmara e de seguida ao ministro». graves problemas não se cansando de «afirmar e de-
Há ainda outras verbas com as quais é possível con- fender a dignidade da pessoa, pondo a descoberto os
tar, uma vez que, garante o padre Maia, a secretária de direitos irrenunciáveis que dela brotam - o direito a

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ter uma pátria própria, a viver livremente no próprio tíssima virgem Mãe de Deus e a outros bem aventu-
País, a conviver com a própria família, a dispor dos rados do céu.
bens necessários para uma vida digna, a conservar e a Texto enviado pela Ir. Eleusa Maria, OIC como colaboração ao "Santo de
cada Dia"
desenvolver o próprio património étnico, cultural e
linguístico, a professar publicamente a própria reli- A idade da pedra
gião, a ser reconhecido e tratado em qualquer circuns-
In: Expresso, 2001-08-18
tância em conformidade com a dignidade própria do António José Saraiva
ser humano». «Costuma dizer-se que os homens avaliam os outros
Hoje, o quadro das migrações vai mudando. «Por um por aquilo que eles próprios são. Ora, o mundo dos
lado diminuem os fluxos de migrantes católicos, por dirigentes futebolísticos é um mundo de desconfian-
outro aumentam os de migrantes não cristãos que vão ças, traições, manobras e golpes. Movimentam-se nes-
estabelecer-se em Países de maioria católica». É neste sas águas, gerem o seu mundo de acordo com essas
contexto que a Igreja tem um papel especial a cum- variantes e tornam-se profundamente ridículos sem
prir. A migração é cada vez mais «um fenómeno que disso se aperceberem.»
continua a pôr em acção na Igreja a caridade enquan- ANTES da actual época futebolística ter início, os
to olha de novo o acolhimento e a ajuda a respeito dirigentes dos clubes, através da Liga, sua represen-
destes irmãos e irmãs à procura de trabalho e aloja- tante, decidiram mudar a forma de sortear os árbitros.
mento». É, em certo modo, uma acção muito seme- Do velho sistema de bolas, encerrando um papelinho
lhante àquela que muitos missionários realizam em com o nome sorteado, passariam à era informática:
terras de missão, ocupando-se dos doentes, dos po- um programa de computador faria mais rapidamente
bres e dos analfabetos. todo o serviço.
[16-08-2001 0:55:52] [Internacional] [2735 caracteres] [Grátis] [ Santuário
de Fátima ] De caminho, os mesmos dirigentes decidiram sortear
não só os árbitros, mas também os seus auxiliares —
17 de Agosto - Santa Beatriz da Silva e Menezes os antigos bandeirinhas —, bem como os observado-
Virgem – fundadora das Monjas Concepcionistas. res, aqueles que classificam o desempenho de cada
Santa Beatriz da Silva e Menezes, nasceu em Ceuta – juiz dentro das quatro linhas.
África, em 1424 de pais portugueses: Dom Rui Go- Todas estas medidas nasciam de um sentimento, a
mes da Silva e Dona Isabel de Menezes, filha do con- desconfiança, de que algo nos sorteios poderia não
quistador de Ceuta, descendentes das famílias reais de ser totalmente claro. Com a informática, dizia-se, aca-
Portugal e Espanha. bavam os pretextos. Tudo seria transparente.
Em 1433, transladou-se com sua família a Campo Entretanto, as equipas prepararam a actual tempo-
Maior, Alentejo- Portugal. rada, algumas delas — com o Benfica à cabeça —
Em 1447 a convite da Infanta Isabel de Portugal, Ra- gastando milhões de contos em reforços. Prometia-se
inha da Espanha – que contraíra núpcias com D. João um campeonato diferente, com maior qualidade e
II, rei de Castela, foi viver na corte espanhola. Por competitividade, com mais «fair-play» e justiça. Bas-
causa de sua beleza foi vítima de ciúmes da Rainha tou, porém, a primeira jornada, no passado fim-de-
que tentou matá-la por asfixia, em um baú em 1453. semana, para que tudo voltasse à estaca zero.
Apareceu-lhe a Virgem Imaculada e lhe ordenou fun- lguns erros de arbitragem, nomeadamente nos jogos
dar uma ordem em louvor de sua Imaculada Concei- com os grandes — Benfica, Sporting, Porto e Boa-
ção. Deixou a corte e retirou-se ao Mosteiro de São vista —, foram suficientes para que, de uma penada,
Domingos, das Monjas Cistercienses, onde sem pro- se levantassem inúmeras acusações contra os árbitros,
fessar regra alguma, viveu como verdadeira religiosa contra o sorteio por computador, enfim, numa pala-
contemplativa. vra contra o «sistema», palavra que ninguém sabe o
Em 1484 fundou a Ordem da Imaculada Conceição que significa, mas que anda sempre presente no fute-
com 12 companheiras. Teve a alegria de ver a ordem bol.
aprovada em 1489 e ereta em 1491. O mais inacreditável de tudo isto é que, quem agora
Faleceu a 17/08/1491, tendo antes recebido o hábito protesta, são os mesmos que há tempos verberaram
e a profissão da Ordem da Imaculada Conceição. Se- precisamente o contrário. Quem agora pressiona para
pultaram-na na Igreja do primeiro mosteiro e casa- que se acabe com os sorteios por computador, apre-
mãe da Ordem nascente. O Papa Paulo VI a canoni- sentava há meses essa solução como desejável. Os
zou solenemente no dia 03 de Outubro de 1976. dirigentes do futebol (sobretudo, como sempre,
"Santa Beatriz da Silva fundou a Ordem da Imaculada quando as suas equipas fazem um mau resultado) não
Conceição para o serviço, a contemplação e a cele- preservam a estabilidade, não se importam de mudar
bração do mistério de Maria em sua Imaculada Con- regras a meio do jogo nem se coíbem (como fez o
ceição." porta-voz do Benfica) de apelar a uma espécie de jus-
Entre outras coisas, brilhou na vida de Beatriz a in- tiça popular contra os árbitros ou contra seja quem
contida necessidade que a impulsionava a render culto for. Apenas eles não têm quaisquer culpas; apenas
de modo admirável a Jesus Cristo crucificado e à San- eles desejam a seriedade e a transparência.

Jornal das Boas Notícias Segunda-feira, 20 de Agosto de 2001 pág. 21


Para estes dirigentes, a palavra memória não existe, bém preocupante e que perpassa em todos os ramos
como desconhecido parece ser o conceito de decoro. do conhecimento (e também da comunicação): a ideia
Costuma dizer-se que os homens avaliam os outros da facilidade. E esta, se pode ser compreensível nas
por aquilo que eles próprios são. Ora, o mundo dos televisões e jornais (sem bem que por vezes condená-
dirigentes futebolísticos é um mundo de desconfian- vel), é completamente insane no que toca à educação.
ças, traições, manobras e golpes. Movimentam-se nes- Sustentar que no plano educativo se deve motivar os
sas águas, gerem o seu mundo de acordo com essas alunos para o prazer de aprender e compreender é,
variantes e tornam-se profundamente ridículos sem sem dúvida, bastante louvável. Mas pretender que
disso se aperceberem. toda a educação se faça sem esforço, sem apelo ao
São os primeiros a não ter qualquer «fair-play», a não trabalho e à dificuldade, tem sido um péssimo serviço
ter qualquer indício de civilidade ou cavalheirismo, a prestado.
verem conspirações e ardis nas intenções e actos de Ainda que não seja esse o intuito dos inúmeros peda-
outros, porque eles próprios — sublinhe-se — se ha- gogos do Ministério da Educação, a ideia que passa
bituaram a agir dessa maneira. para a opinião pública é que cada vez mais se pre-
Os dirigentes do nosso futebol, ao recusarem os sor- tende não maçar os estudantes. Os Lusíadas são difí-
teios por computador, deram a ideia exacta daquilo ceis? Passam-se para mais tarde... Os Maias são dema-
que são: pessoas avessas a tudo o que não os sirva siado grandes? Pode escolher-se outra obra? O padre
exclusivamente; homens da idade da pedra. António Vieira utiliza palavras complicadas? Pode
optar-se por um qualquer cronista actual...
O reino da facilidade O convite é à preguiça, à simplicidade inculta e ba-
In: Expresso, 2001-08-18 coca. Não se desenvolve o raciocínio, nem a estética,
Henrique Monteiro nem a ética. Oferece-se leveza, prazer e felicidade
«Sustentar que no plano educativo se deve motivar os instantânea. Os resultados já estão à vista e ninguém
alunos para o prazer de aprender e compreender é, deles se orgulha.
sem dúvida, bastante louvável. Mas pretender que E-mail: hmonteiro@mail.expresso.pt
toda a educação se faça sem esforço, sem apelo ao
trabalho e à dificuldade, tem sido um péssimo serviço Fé deve casar com a política
prestado.» In: DN, 2001-08-19
O DEBATE sobre o papel de Os Lusíadas no pro- D. Ximenes Belo apelou ao envolvimento dos cristãos no proces-
grama educativo (bem como de outras obras de ou- so eleitoral para que possam defender os interesses da Igreja
tros autores) revela um ponto interessante sobre os Licínio Lima em Baucau
conceitos modernos de educação (e repare-se que o Promover o casamento entre a fé e a política é um
qualificativo moderno nem sempre é sinónimo - salvo dever de todos os cristãos, defendeu D. Carlos Xime-
para os optimistas impenitentes - de melhor). nes Belo, administrador Apostólico de Dili, durante
Independentemente de se saber qual a altura exacta um congresso de antigos alunos salesianos que estes
em que determinado texto ou obra deve ser apresen- dias se realizou na vila de Fatumaca, próximo de Bau-
tado aos alunos, tarefa que deve ser deixada aos espe- cau.
cialistas, há desde logo um argumento que deve servir Para o prelado, são os leigos, e não a hierarquia, a não
de ponto de partida. Esse argumento, já aflorado por ser em casos excepcionais, que devem envolver-se na
Eduardo Prado Coelho e Vasco Graça Moura, é o de construção da sociedade civil. Com a sua visão do
que toda a literatura (e não apenas a epopeia de Ca- Evangelho, é a eles que compete defender os interes-
mões ou os autos de Gil Vicente) está a ser substan- ses da Igreja, disse. O bispo apelou, assim, para que
cialmente mal tratada pelo sistema educativo em no- marquem presença na composição da Assembleia
me de uma tendência democratizante que quase faz Constituinte que as eleições do dia 30 de Outubro
equivaler crónicas de jornais (escritas à pressa e ao hão-de ditar.
sabor dos acontecimentos, já para não se falar do ta- "Homens da Igreja no poder? Porque não?" - conti-
lento) com obras fundamentais, algumas identificado- nuou D. Carlos, sublinhando que a todos cabe parti-
ras da nossa vivência comum e do modo como utili- cipar na política para que a fé nela se inculture.
zamos a linguagem. Explicou, no entanto, que a opção partidária é de ca-
É interessante tentarmos compreender por que mo- da um, sem que a hierarquia ou padres devam orientar
tivo existirá esta vontade de tudo fazer equivaler; de o voto. "Essa é uma decisão que nos obriga a uma
recusar a ideia do estabelecimento de uma hierarquia séria e profunda reflexão inspirados nos princípios da
entre obras que, obviamente, não se podem comparar fé que os faz mover", afirmou.
em termos de escrita e de substância. Igreja no poder? - esta é uma perspectiva que, na opi-
Esta ânsia de tornar tudo igual, como se não pudés- nião expressa por D. Carlos, deve ser refutada. "Não
semos estabelecer outro critério que não fosse o do gostaríamos de ver os ministros a ajudar à missa",
mero gosto individual, não olhando à mais dura prova adiantou, provocando na assembleia uma gargalhada
que qualquer obra de arte tem de suportar – o tempo geral. E sublinhou: "O voto é em consciência e não
- , a ideia de que «tanto faz», esconde uma outra tam- de cruz."

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No contexto, recordou os que o conotam com o par- estão a recuperar bem.
tido da Fretilin, esclarecendo: "O bispo não pertence O primeiro caso aconteceu há poucos meses atrás e
nem à Fretilin nem a nenhuma outra força partidária." foi um sucesso. Agora a complexa operação voltou a
O Estado, frisou em seguida, "deve ser neutro, im- repetir-se De mãe para filha foi novamente transplan-
parcial, preocupado com a promoção da liberdade tado parte do fígado nos hospitais da Universidade de
religiosa para todas as confissões e a defesa dos direi- Coimbra.
tos humanos". A acção política e partidária só têm Operação delicada
sentido, na sua perspectiva, quando no centro dos A intervenção foi feita por uma vasta equipa liderada
seus desejos e acções estiver nada mais do que o bem por Linhares Furtado, Director da Unidade de Trans-
comum. plantes Hepáticos.
D. Carlos Ximenes Belo defendeu, neste sentido, a Trata-se de um processo delicado:" Esta cirurgia con-
existência de um Estado laico, com os poderes bem siste em retirar cerca de 35 a 40 por cento do fígado
distribuídos e completamente separados da Igreja. da pessoa que está a dar essa parte do seu fígado, para
Do mesmo modo, explicou depois, os bispos devem um receptor que é menor, que tem um peso menor. É
ser neutros, imparciais, relativamente acção governa- uma intervenção que é extremamente delicada, é a
tiva. mais delicada de todo o conjunto, se assim se pode
No entanto, isto não significa indiferença perante o dizer"
desenrolar dos acontecimentos. A Igreja tem o direito Operar aos poucos
de criticar sempre que surjam leis que firam valores A intervenção teve lugar ao início das 12h00 de dia 18
considerados fundamentais. Mas, sem provocar um deste mês e terminou quase 13 horas depois. Tudo
golpe de Estado, explicitou. aconteceu em minuciosas etapas, durante as quais,
D. Carlos Ximenes Belo, antigo aluno dos missioná- mãe e filha eram operadas em simultâneo.
rios salesianos, dirigia-se aos seus outrora colegas de Na primeira fase foi retirado à doadora -a mãe- parte
escola durante o congresso que estes organizaram, do fígado, que depois foi limpo e implantado na re-
tendo-lhes lembrado, a propósito, a educação que ceptora, a filha:"são várias operações porque a da da-
lhes foi oferecida inspirada na pedagogia e espirituali- dora é uma intervenção cirúrgica de grande minúcia,
dade de São João Bosco, o fundador daquela institui- não pode ficar a sangrar, todos os vasos têm de ser
ção religiosa. laqueados" .
D. Ximenes Belo começou por sublinhar a importân- Do outro lado, a filha recebeu o fígado:"é preciso pôr
cia da serenidade perante as fricções e provocações este fígado que vai lá ser implantado, e é necessário
entre as forças partidárias que já se fazem sentir no depois fazer também uma intervenção especial sobre
presente processo eleitoral em Timor, tendo subli- os intestinos para fazer derivar a bílis para os intesti-
nhado: "A política deve ser obra de todos com perse- nos porque se trata de uma criança".
verança e temperança." A primeira de muitas
Em seguida, salientou também o optimismo, frisando Mãe e filha encontram-se agora a repousar, ambas se
que Timor, após a independência, tem muito trabalho encontram bem de saúde e a evolução tem sido satis-
burocrático para resolver e precisa de competência e fatória.
profissionalismo. Um sucesso que abre assim as portas para a continui-
Neste tempo de renascimento nacional, o prelado dade deste tipo de transplantes.
apelou ainda para que ninguém se assuste com a
grande variedade de forças políticas que surgem no Estreia do Coro da Universidade Católica de
panorama político. Angola
Timor para ser independente e livre exige a existência João Caniço
de vários partidos e a participação de todo o povo nos 2001-08-19
actos eleitorais. Neste sentido, considerou que abster- Foi esta tarde a estreia do Coro da UCAN (Universi-
se de ir às urnas, neste período de reconstrução, pode dade Católica de Angola).
significar um recuo. Ocorreu na Igreja de Jesus, actual Catedral de Luanda,
O bispo, recorrendo frequentes vezes ao documentos que estava cheia de público. Honraram-nos com a sua
do Vaticano II, foi claro na sua mensagem aos con- presença, o Senhor D. Anastácio Kahango, Bispo
gressistas: "Os cristãos, com a sua visão do Evange- Auxiliar, que representava o Senhor Arcebispo D.
lho, não se podem alhear deste processo de recons- Damião (que se escusou por impossibilidade), os Se-
trução de Timor." nhores Ministros da Cultura e da Justiça, dois vice-
ministros da Educação, e vários professores da
Mãe doa parte do fígado à filha UCAN, entre outras personalidades.
Joana Boavida A TPA deu cobertura, com transmissão no Telejornal
In: SIC on-line 22:51 18 Ago. 2001 à noite. A Rádio Nacional também, assim como a
Foi feito o segundo transplante de parte do fígado em Voz da América. A Rádio Ecclesia, que colaborou na
Portugal, uma das intervenções que maior capacidade difusão deste concerto, acabou por não estar presen-
técnica exige. A operação foi um sucesso e mãe e filha te.

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O comentário final era de muito agrado e de surpresa mo-nos aos heróis dos livros e dos filmes e das histó-
pela perfeição com que foram apresentadas algumas rias que nos contavam. Esses heróis, juntamente com
peças. Os próprios membros do Coro da Igreja do os comportamentos que porventura observámos na-
Carmo, dirigidos pelo Frei José João, e que actuaram queles que então nos rodeavam, ajudaram a construir
como padrinhos desta estreia, se manifestaram reco- a nossa personalidade. Para o bem ou para o mal. De
nhecidos pelo que tinham visto e ouvido. alguma maneira, temos tendência a identificarmo-nos
Os cantores do Coro da UCAN mostraram-se tam- com os heróis (ou principais personagens, ainda que
bém muito entusiasmados nos não sejam muito heróicas...) das narrativas e da vida.
comentários que foram fazendo durante o lanche de E fazemos de algo deles substância nossa.
convívio que se seguiu ao Concerto, e que foi ofere- Somos da nossa infância - de uma infância habitada
cido pela Reitoria da UCAN. por essas personagens - e não podemos fugir a isso.
Inicia-se assim, com alegria e com muito ânimo, um O nosso passado mais antigo persegue-nos e, em par-
projecto cultural que não está ainda claramente deli- te, explica-nos. Sucede como com a árvore, que não
neado, mas que se mostra com pernas para andar. consegue libertar-se da sua raiz...
No Programa do Concerto, distribuído pelo público, Como são os heróis que actualmente propomos como
podia ler-se o seguinte: exemplos aos mais novos nos filmes e nos livros? São,
O "Coro da UCAN", que agora inicia um caminho de sem dúvida nenhuma, na sua maior parte, inadequa-
animação e de divulgação cultural, cujo programa irá dos: personagens com muito músculo ou grande be-
sendo divulgado oportunamente, é constituído em leza, ou com muita inteligência, ou muito bem equi-
princípio por estudantes das três Faculdades da padas materialmente. É muito pouco. Não são de
UCAN (Direito, Economia e Gestão e Engenharia grande ajuda na tarefa de construir um homem, que é
Informática). Neste momento, eleva-se a 92 o núme- aquilo que se pretende com a educação.
ro dos cantores, sendo 70 aprovados e 22 em estágio Para que servem os músculos, quando chegar a hora
ou à experiência. No seu conjunto, 68 são senhoras e de haver um cancro nesses músculos? Para que serve,
24 são homens, da seguinte proveniência: 45 de Direi- sozinha, a inteligência, se ela, como lhe compete, nos
to, 28 de Engenharia Informática, 13 de Economia e mostrar um caminho que, por não termos coragem
Gestão e 6 entre funcionários e externos. nem força de vontade, somos incapazes de seguir?
O "Coro da UCAN" escolheu a Igreja de Jesus para Que é feito da beleza quando se envelhece? Sem os
se apresentar publicamente, por três motivos princi- valores humanos, sem as virtudes humanas, andamos
pais: por ser a Sé Arquiepiscopal, a Igreja-Mãe dioce- pela rama. Teremos, apenas, aparências de homens,
sana; pelo seu glorioso passado académico, integrada projectos humanos inacabados, fracassos existenciais
no Colégio dos Jesuítas, de 1622 até 1760; e por ser comprováveis na hora da verdade.
uma Igreja ampla e acolhedora, apropriada para este Propor aos jovens que se revejam e que se identifi-
género de manifestações culturais. Homenageia-se quem com personagens destas é estar a enganá-los. É
assim a Fé Cristã, evoca-se a cultura do passado e assim como tratar de enfeitar o que não existe: pregar
dinamiza-se o diálogo da Fé com a Cultura. um belo quadro numa parede que não tem estuque
O facto de se executar neste concerto apenas música nem tijolos.
religiosa e sacra deve-se ao respeito por este espaço Precisam os jovens - e precisamos nós - de mais qual-
sagrado, e não quer dizer que o "Coro da UCAN" se quer coisa: de exemplos de valentia, de honradez, de
vá dedicar unicamente a este género de repertório. lealdade; precisam - precisamos - de ver noutras pes-
Ele irá trabalhar todo o género de música coral, cultu- soas (também nas personagens das histórias) exem-
ralmente positivo e acessível às potencialidades dos plos vivos de como podem e devem ser encarados a
seus cantores. vida, o trabalho, o amor e a morte.
Quem me dera que as pessoas que têm responsabili-
À Maneira de raiz dades neste campo entendessem melhor como são
In: http://www.diario-online.com/ Publicado: 14 de Agos- grandes, e graves, essas responsabilidades!
to, 2001 | 22:54 Está alguém comigo?
Por: Paulo Geraldo
pjgeraldo@yahoo.com.br
Todos comprovamos isto diariamente: o nosso mun- O fim do telejornal
do interior está povoado de imagens e recordações, Miguel Gaspar
In: O Independente, 2001-08-17
muitas vezes nebulosas, que têm origem nos anos da Quando era mais novo, o telejornal era diferente. Era
nossa juventude. Temos, até, de recuar a essas épocas mais pequenino e dava notícias
da nossa vida para compreendermos certas atitudes,
As pessoas ligam a televisão e perguntam: mas o que
hábitos, reacções, gostos, que fazem parte da nossa
aconteceu ao telejornal? Bem, parece estar mais cres-
maneira de existir. cido, aumentou de tamanho para aí duas ou três ve-
Como miúdos que éramos, brincávamos, sonháva- zes. E a gente sem reparar. Como o tempo passa! Mas
mos, amávamos a aventura e entusiasmávamo-nos
também anda esquisito, o telejornal. Deixou de dar
com feitos grandiosos. E, inevitavelmente, agarráva-
notícias. Agora, o telejornal conta histórias. Acciona-
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mos o telecomando às oito (ou, melhor, um pouco para o povo. Que fizemos nós para merecer isto?
antes das oito) e, na RTP1, na SIC ou na TVI, está
sempre a dar o mesmo filme. Nos últimos tempos, a Saber ler, escrever e pensar
história era morte em oficina de pirotecnia. Já foi fa- Franco Caruso
mília desaparecida no Tejo. Ou crime, ou fogo ou, à In: Euronotícias 2001-08-17
falta de melhor, acidentes de viação. É o que está a Os “Lusíadas” de Camões passam a ser revelados aos
dar. Quando era mais novo, o telejornal era diferente. alunos do ensino secundário apenas no 12º ano. Ou
Era mais pequenino e dava notícias. Trinta e cinco a talvez não, porque afinal houve alguma vergonha na
45 minutos, 20 a 25 notícias, era a bitola, há uns três cara e esboçou-se um recuo. A descoberta da prosa
anos atrás. Todos compreendiam o significado da livre e do espírito crítico através do teatro de Gil Vi-
“missa das oito”: a realidade que contava e tinha re- cente já não é obrigatória. Em vez disso, os pequenos
percussão era a que as notícias na televisão transmi- portugueses – outrora, lusitos - vão aprender a ler
tiam. Tratava-se de um ponto de ligação entre toda a através de artigos de jornais e revistas e de trechos
gente e a todos oferecia uma mundivisão do dia: notí- escolhidos de obras literárias nacionais e estrangeiras.
cias hierarquizadas através de um alinhamento. O ali- Há professores de português que declaram, na televi-
nhamento é o maior editorial do mundo * através de são, serenos e naturais, que talvez um dia, o correcto
uma sequência ele determina o que é e o que não é “hás-de” poderá ser substituído pelo mais popular
importante. Foi esse sentido da mundivisão que os mas errado “hádes”, porque a língua portuguesa é
telejornais perderam. Não apenas porque se noticiem viva e os ignorantes têm o direito à esperança de um
“fait divers”. Ou porque tudo o que se faz em infor- dia lhes darem razão apesar de não a terem. O para-
mação televisiva seja mau, longe disso. Nem por se digma das conquistas neológicas do Dicionário de
terem desinstitucionalizado as notícias e as câmaras Língua Portuguesa da Academia das Ciências – vimo-
terem passado a filmar gente comum que antes não lo reconhecer por Sua Excelência, o Presidente da
tinha acesso ao espaço público. O problema, uma vez República – é a consagração da palavra “bué”.
mais, é um problema de hierarquia, de prioridades. Estas inovações sucessivas no português e no seu
Entre o critério da relevância noticiosa e o da ensino mostram-nos um caminho que, noutros países
ressonância junto do público, passou a ser este último mais ciosos da sua cultura, provocaria motins e aten-
a ditar as leis. E, como as notícias já não chegam para tados. Mas, a estratégia do golpe tem conseguido pre-
as audiências, o telejornal está a morrer. As televisões venir reacções, com a ajuda da comunicação social
transformaram este mal-estar num dogma: “audiência que, dando apenas voz aos defensores, contribui para
ou morte”. Tudo passou a ser permitido, ao arrepio silenciar os críticos.
de todo e qualquer valor social. E nasceu a ideologia Tudo isto faz pensar e, talvez, identificar algumas
onde dar políticos é ser bafiento, falar de coisas com- “leis” observadas pelos autores dos programas escola-
plicadas, como o alargamento europeu, é perder tem- res.
po e o que conta é mostrar o povo. Pensa-se até que A primeira é de que “as regras são para se mudar, não
mostrar o povo é ser contrapoder. Mas é uma ilusão. são para se cumprir”. Quando se verifica que os me-
Ao tornar-se uma sucessão de casos isolados, o tele- ninos – ou os professores – não conseguem acompa-
jornal deixou de dar a noção do todo: já não é um nhar os programas, estes mudam-se. Por uma questão
espelho, mas apenas um vidro partido. O impacte do de facilidade…
que mostra é, regra geral, instantâneo e rapidamente A segunda é a de que “a escola serve para passar o
substituído pela sensação seguinte. Transformar tele- ano, não serve para aprender num ano”. As escolas
jornais em sequências intermináveis de protestos loca- C+S são, afinal, gigantescos “playgrounds” onde os
lizados é destruir essa mundivisão, essa hierarquia de pais deixam os filhos para não andarem aí pela rua,
notícias. As notícias traduziam uma hierarquia do correndo o risco de ser atropelados. Mandar as crian-
mundo que, até à queda do Muro de Berlim, era pla- ças para a escola para aprender já não é uma preocu-
netário. Tal como o mundo se pulverizou no pós- pação paterna. Importante é arranjar uma forma de
Guerra Fria, a televisão, de facto, desglobalizou-se. passar o ano.
Na vida real, o senhor presidente da Reserva Federal A terceira lei diz que “a escolaridade obrigatória serve
norte-americana determinará o estado futuro da nossa fins estatísticos, não existe para preparar melhores
carteira. Na vida noticiada, ele tornou-se um par do cidadãos”. Portugal não pode fazer má figura na
senhor presidente da junta de Freguesia de Oliveira de União Europeia. Deve apresentar bons níveis de
Baixo, que está contra o nome que deram à aldeia. A escolaridade, porque sempre compensam os maus de
tabloidização não é apenas um exercício de sangue, literacia. Mas não é relevante conseguir que os portu-
suor e sexo. É uma parede onde se contam as histó- gueses de amanhã saibam o necessário para não serem
rias ao gosto do cliente (a audiência). Mostrando, ele um dia os “cafres da Europa” (vide Pe. António Vieira).
esconde a realidade, porque a desorganiza e transfor- Uma quarta lei explica que “os programas servem
ma em literatura de cordel. E o futuro será assim: no- para disfarçar as incompetências do sistema e de al-
tícias para as elites, na SIC Notícias e na RTP2, e lixo guns dos seus actores, não para promover a compe-
tência dos seus destinatários”. É talvez a mais revela-
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dora. É aquela que explica que a guerra ao “zarolho mais novas de factores preciosos da identidade portu-
Camões” pode ser fruto da ignorância profunda da- guesa". O presidente da CNAP refere "Os Lusíadas"
queles que teriam de ensiná-lo. O facto é que um pro- como "documento histórico e cultural importantíssi-
fessor de português pode sair da universidade sem mo". Elementos da esquerda aproveitaram para de-
nunca ter tido estudos camonianos a nível universitá- nunciar “os burocratas do ministério”; outros fizeram
rio. E muitos deles, até sem saber gramática. É im- o elogio da literatura pura e “da festa da língua” vio-
possível gostar de algo que exige uma iniciação, se lentadas por este programa inqualificável. Poucos
aqueles que deviam promovê-la não são eles próprios lembraram como Teófilo começou a abalar a monar-
iniciados. quia com o jubileu nacional de Camões, em 1880, em
O problema está nestas, e noutras, leis inventadas por que “Os Lusíadas” “tornou-se para os portugueses o
um sistema de ensino dominado pela facilidade e pela depósito dos germens da sua liberdade”.
ignorância. O problema está num sistema que tem Pormenor decisivo: os mais de 120 títulos da bi-
como produto, no final do 9º ano, desgraçadas crian- bliografia do novo programa não incluem um estudo
ças que só sabem ler soletrando. Nivela-se, assim, o sequer sobre Camões, Garrett, Vieira, Eça ou Pessoa.
país por baixo, criando cidadãos viciados em visões Podia estar a falar-se de livros de cozinha, de manuais
do mundo sem brilho e sem rasgo. Um país sem es- de Gulag, de literatura oriental ou de quaisquer outros
perança de que qualquer cidadão saiba ler, escrever e textos. É o deserto dos conteúdos, recoberto da areia
pensar. Um país onde cada vez menos serão homens cinzenta das ciências ocultas da educação.
livres e cada vez mais serão escravos. E por aqui se começa a perceber que o problema não
é só “acabar com “Os Lusíadas” mas sim acabar com
A proibição de perguntar a capacidade de pôr questões. Há já muitos anos que
Bem comum dos portugueses “Os Lusíadas" não são dados na íntegra. Os alunos
Mendo Castro Henriques do secundário liam pouco mais de uma centena de
In: Euronotícias 2001-08-17 entre as suas 1102 estrofes. Mas agora, na ânsia de
O Ministério da Educação anda a ser acusado por satisfazer os jovens sem paciência para ler, e dar-lhes
alcançar o que nem a Inquisição conseguiu: proibir textos à altura deles, esqueceu-se que a melhor apren-
Camões. Mas o que se passa é muito mais grave. An- dizagem da língua é a que resulta dos momentos lite-
dam, sim, a proibir a capacidade de perguntar, a liber- rários culminantes e não dos usos banais. E isso re-
dade que só nasce quando aprendemos a pôr questões quer interpretações.
em conjunto com as grandes vozes e textos da huma- A “História da Literatura Portuguesa”, de António
nidade, neste caso, em português. José Saraiva e Óscar Lopes, formou uma geração in-
O que está à vista é assustador. No Programa de Lín- teira de professores de Português numa síntese instá-
gua Portuguesa para os 10º, 11º e 12º anos dos Cur- vel de humanismo e marxismo. Sem obras de referên-
sos Gerais e Tecnológicos, com 77 páginas, e que cia, Os Lusíadas e outros clássicos são ininteligíveis
formará a mente de uns 90.000 adolescentes por ano, para o leitor comum. O que se reclama de cada época
a partir de Outubro de 2002, o primeiro autor referi- é que traga explicações inovadoras, conforme os pa-
do vem na p.36, e é Camões; os seguintes vêm na radigmas culturais, as perspectivas de comunicação e
p.41: Vieira, Garrett e Eça; o último vem na p. 46, a sensibilidade estética. Por isso existem enormes bi-
Pessoa, por suposto Fernando. Depois, Camões e bliografias secundárias sobre a literatura portuguesa, e
Pessoa na p.61. E não há mais nomes, nem autores, espectaculares meios audio-visuais e informáticos pa-
nada. Em 77 páginas, é obra. ra auxiliar o estudo.
O que se passa é que a revisão curricular nivela por O cinzentismo do actual programa ignora tudo isso
baixo os antigos Português A e B num único progra- em nome das fatídicas Ciências da Educação. Está
ma para cada ano do Secundário. Se os antigos pro- por fazer um balanço objectivo dos males que estas
gramas do 10º ano tinham as líricas medievais e re- infligiram em trinta anos de Ministérios de Educação
nascentistas, o actual propõe textos: “informativos", iniciados pelo Professor Químico Veiga Simão. Mas
“publicitários”, "dos media", "de carácter autobiográ- vê-se pelos resultados, e com horror, que o neo-
fico", "expressivos e criativos do séc XX" e "con- positivismo dominante nas Ciências da Educação é
tos/novelas de autores do séc. XX". Está-se a ver a um cancro da inteligência portuguesa. Opera com
“Lírica” de Camões a par das “Sandálias de Prata”, do esplendor catedrático no que se refere às formas di-
Herman José, e da prosa de anúncios, requerimentos, dácticas e como despachante de alfândega no que
declarações, e contratos. No 11º resistem Garrett, toca aos conteúdos. Aqui a responsabilidade é da
Vieira, e Eça reduzido a um romance. No 12º ano, Universidade Portuguesa, mais depressa liquidada
vem Camões aliado a Pessoa. E mais "textos ", in- pela relativização dos conteúdos que pela falta de
formativos, e dos media. vencimentos.
Perante este espectáculo, elementos do PSD denun- Já quanto à “política cultural”, a responsabilidade é do
ciaram "um deplorável complexo de esquerda retró- Governo, que desfaz de noite a rede tecida durante o
grada que tem vergonha do passado de Portugal". No dia. De dia manda o Ministério dos Negócios Estran-
PP, fala-se numa "tentativa de demolição nas gerações

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geiros celebrar a lusofonia, o Instituto Camões difun- guns, em especial dos militares, aquele campo históri-
dir a língua portuguesa, a Comissão para a Comemo- co e o seu museu guardam uma lição extraordinária
ração dos Descobrimentos divulgar o encontro dos para o futuro do nosso país.
povos, o Ministério da Ciência e Tecnologia financiar A batalha de Aljubarrota encerra todos os pressupos-
projectos de literatura de viagens, o Ministério da Cul- tos de um grande feito, seja ele na vida de um povo,
tura apoiar espectáculos camonianos. E pela noite, na seja noutros campos, da economia, da cultura ou da
cabecinha alegadamente rasca dos alunos portugueses, própria vida familiar.
manda o Ministério da Educação apagar os vestígios A ideia que os portugueses têm dessa batalha é redu-
da língua, do humanismo, e do universalismo do vate. tora: a bravura de poucos portugueses teria sido sufi-
Homero diz que Penélope esperava pelo marido. O ciente para destruir o gigantesco exército castelhano.
Governo desespera (d)os portugueses. A nossa sedução voluntarista assimilou sem embara-
Por fim, verifica-se que não basta desfazer-nos da ços esta tese.
Santa Inquisição e da PIDE fisicamente violentas, que Aljubarrota foi bem mais do que uma cena de panca-
proibiam as respostas. A Nova Inquisição educativa, daria bem sucedida, ou um simulacro de uma aventu-
mentalmente brutal, proíbe as perguntas: apenas per- ra de um Asterix português.
mitirá comunicar no nível rebaixado do novo ensino. O primeiro pilar da vitória portuguesa foi a visão.
Manda o bom senso que em Portugal se ensine e a- Não há projecto valioso que se afirme sem uma visão.
prenda Camões, Fernão Lopes, Gil Vicente, Sá de D. João I, o Mestre de Avis, não defendia que a bata-
Miranda, António Ferreira, Fernão Mendes Pinto, lha ali se travasse. Pretendia atacar Castela nos seus
Bocage, Camilo, Antero, Cesário, Vergílio Ferreira, domínios andaluzes, assim obrigando o inimigo a dis-
Torga, com igual entusiasmo com que os ingleses persar forças.
lêem Shakespeare, os espanhóis Cervantes, e os italia- O Rei castelhano também não trazia, com os seus
nos Dante. Só mesmo os textos das famigeradas incontáveis 35.000 homens, o objectivo de combater
Ciências da Educação é que são idênticos em todas as ali. O seu propósito era conquistar Santarém e, então,
línguas europeias. Lisboa.
Mendo Castro Henriques D. Nuno Álvares Pereira, com 28 anos, impôs a sua
MAL COMUM DA SEMANA
vontade ao Rei. Era vital enfrentar o tremendo exérci-
Um Estalinista Bem Empregado O actual ministro da
to que entrara em Portugal, indo-lhe ao caminho.
Cultura diz, em entrevista, que há uma política cultu-
A visão completou-se nos domínios da estratégia: era
ral de esquerda e que é uma obrigação do Estado
essencial escolher o terreno onde havia que combater
apoiar os criadores, mas insiste na formação de públi-
o inimigo, impedindo-o de ser ele a escolher os terre-
cos, a melhor forma de sustentar uma política cultu- nos que mais lhe convinham.
ral. Um estalinista não diria melhor e, muito grams-
O segundo pilar de um grande feito - e como os por-
cianamente, o Prof. Doutor Augusto Santos Silva sa-
tugueses são frágeis neste domínio - é o planeamento
be que “formados os públicos”, o resto virá por a-
e a organização.
créscimo. Que vergonha ! Tanta doutorice e professo- D. Nuno, escolhidos os limites do confronto, armadi-
rice ao serviço da….(complete o leitor)…! lhou-os de forma assombrosa, certamente com a aju-
BEM COMUM DA SEMANA
Jorge, o gigante amado da dos veteranos guerreiros ingleses.
Jorge Amado morreu. Apesar de marxista, um génio As mais recentes investigações provam que todo
da Literatura e um gigante que fez da Língua Portu- aquele estreito planalto fora armadilhado. Não só o
guesa uma Pátria universal. Um homem que, através espaço preciso onde a batalha teve lugar, como a zona
da sua obra, ajuda a entender as vicissitudes que a que não foi utilizada, mas por onde os castelhanos
vida tem para dar. Apesar dos enganos e desenganos poderiam ter investido.
ideológicos, alguém que faz despertar a consciência Nada ficou ao acaso.
para a justiça social, o respeito ao próximo. Um ho- O terceiro pilar de um feito colectivo é a liderança.
mem apanhado a contratempo pelos Prémio Nobel Na Idade Média, onde cada exército respondia ao seu
políticos mas que é património da humanidade. Um senhor feudal, o exército português agiu sob uma só
homem a quem a irmã morte resolveu chamar mas voz de comando. Agiu como um exército nacional.
que nós devemos lembrar. As delicadas manobras a que foi obrigado, e que tão
bem se encontram explicadas no museu, revelam uma
A lição do planalto força que respondeu com precisão e quase automa-
António Pinto Leite
tismo à autoridade pessoal de quem a comandava.
In; Expresso, 2001-04-07 Ao invés, aspecto pouco ensinado nos manuais de
Dizia-me o general Themudo Barata, no fim da visita História, o exército castelhano, transportando de litei-
ao campo de batalha de Aljubarrota: «Quando se per- ra o Rei doente, agiu desordenadamente e sem co-
de o sentido dos valores, perde-se tudo.» É este o mando que lhe valesse. Agiu como um exército feu-
Portugal com que me identifico. dal.
Guardado pelo entusiasmo e pela dedicação de al- A batalha não duraria mais de meia hora, talvez uma

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hora, e milhares e milhares de soldados dispersos e assistentes sociais disfarçados: resolvem as dificulda-
assustados fugiram, muitos deles perseguidos e mor- des psico-sociais dos alunos e, acessoriamente, ensi-
tos pelo saque popular. nam. Esta situação parece ser já dominante na perife-
O último pilar de um feito significativo é, obviamen- ria das grandes cidades onde a escola é um híbrido de
te, a determinação. família, Igreja, assistência social, consulta de psiquia-
Os cerca de seis mil portugueses e algumas centenas tria e instituição de ensino. Sem tempo nem condi-
de ingleses precisaram da bravura lendária de que nos ções para ensinarem, os professores têm que nivelar
falaram nas escolas. por baixo. O que diminui no imediato a dificuldade
Aquele planalto, pontuado pela Capela de S. Jorge, da maioria dos pais - que têm um baixo nível de esco-
mandada construir por D. Nuno Álvares Pereira pou- laridade e se alegram por os filhos passarem, tenham
co depois, e mutilado, séculos a seguir, pela estrada ou não aprendido.
nacional Lisboa-Porto e por um casario e alguns ne- Como a escola ensina pouco, é quase nulo o seu valor
gócios sem propósito, é um tesouro de valores. na promoção social. Os jovens percebem-no. Uma
Os valores da nossa pátria e da nossa independência, carta de uma leitora do PÚBLICO o narrava um epi-
valores críticos, sobretudo para as gerações jovens, sódio ilustrativo. Uma professora fazia o seu melhor
nesta fase da História: Portugal é uma casca de noz para motivar os alunos. Um deles disse-lhe: "Profes-
no oceano global, atraído, pela lógica das coisas, para sora, não se preocupe, que isto aqui - gesto abrangen-
ser uma região ibérica. te para a sala - vai ser tudo 'caixa' de supermercado."
Os pontos de referência das nossas decisões alterar- A escola desmoraliza os jovens: sabem que andam lá a
se-ão aceleradamente e é essencial que o ponto de matar tempo. Indirectamente perturba a já perturbada
referência da nossa identidade e da nossa indepen- família: "os meus filhos arranjarão emprego?", dizem
dência se não deteriore, antes se consolide. os pais quando esquecem o alívio da nota falsa que os
Mas também os valores que fizeram de Portugal, Por- filhos recebem em tudo o que não é exame. As famí-
tugal. A lição daquele planalto é impressionante e ac- lias com capital cultural resistem melhor: pagam ex-
tual: a necessidade de uma visão que motive e deter- plicadores, escolhem boas escolas - portuguesas ou
mine um povo, a necessidade de uma liderança que estrangeiras - e pilotam o futuro dos filhos.
planeie e organize os poucos meios disponíveis. Agravamos a crise da família. Fazemos uma geração
Este envolvente vazio que tantos portugueses hoje triste e ignorante. Este "massacre dos inocentes" é
sentem encontra resposta a três quilómetros do Mos- perpetrado em nome dos grandes princípios da Revo-
teiro da Batalha. lução Francesa: liberdade para os jovens, igualdade de
ricos e pobres, fraternidade entre todos.
A Escola e a Família
Por LUÍS SALGADO DE MATOS A salvação da democracia
In: Público, Segunda-feira, 20 de Agosto de 2001 João César das Neves
A marginalização escolar de Camões - e de Gil Vicen- In: DN, 2001-08-20
te, e de Fernão Mendes Pinto - tem uma causa óbvia: Tudo começou com um artigo científico publicado
a doutrina oficial que todos os meninos gostam de em Março de 2003 por um reputado investigador. O
estudar. Como nem todos os meninos gostam de es- professor Jan Spadet, famoso politólogo, afirmou no
tudar, entramos no Reino da Fantasia. Se reprovam, seu texto "A morte da democracia" que o sistema
os culpados são os professores. Por isso está por re- ocidental estava a ser afectado pelo mesmo vírus que
vogar um despacho único no mundo: docente que matara a democracia ateniense e a república romana: a
reprove fica sem férias, a ensinar o reprovado. Se não má qualidade dos políticos. "Hoje em dia", afirmava o
sabem, passam na mesma. Para isso, o melhor é ensi- professor, "são necessárias habilitações mínimas em
nar menos. Tudo em nome da liberdade. É a pedago- todas as actividades, excepto nas relacionadas com o
gia de "filhos de Rousseau", na fórmula de Maria Fi- Governo. Para conduzir um automóvel é preciso car-
lomena Mónica. ta de condução, mas não há requisitos para dirigir um
Passa desapercebida uma outra causa do desconcha- país. Para construir uma casa, educar crianças, carim-
vo: dizem-nos que o português tem que ser ensinado bar impressos é imposta aprovação em cursos de
para motivar as crianças a gostarem de ler. Porque formação complexos e adequados. Só os ministros e
surge esta necessidade de a escola ter que dar o gosto deputados estão livres dessas exigências. Em conse-
pela leitura? quência, qualquer desmiolado sem escrúpulos e com
Porque os pais não o dão. A família funciona cada vez carisma ganha eleições ou é escolhido pelo partido e
pior. Aumenta o número de mães que trabalham fora obtém licença para determinar o destino de multi-
de casa - e por isso pouco vêem os filhos. Com a de- dões. Como resultado, temos má gestão e os perma-
mocratização do ensino, os pais têm uma educação nentes abusos e escândalos que corroem o sistema,
formal inferior à dos rebentos: são incompetentes gastando tempo e recursos." O cientista terminava
para os guiar nas suas leituras. dizendo: "As velhas democracias estão doentes. E nas
O Estado ignora a crise da família. Usa a escola para a novas ainda é pior, pois há como que uma indústria
remediar. De dois modos. Os professores tornam-se global de Watergate."
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Este texto teve um enorme impacte em todo o mun- oportunistas e escroques. Também desistiam muitos
do, sobretudo na Dinamarca. Aí, o Parlamento deci- dos que tinham notas de capacidade abaixo de 60 por
diu tomar medidas urgentes para eliminar o chamado cento. Houve, é verdade, uma forte quebra súbita no
"vírus Spadet". Foi encomendado um estudo à número de candidatos. Mas depois vários tipos de
OCDE para a reforma do sistema eleitoral e as suas pessoas, normalmente desgostosos da política, come-
propostas, depois de ratificadas, foram introduzidas çaram a interessar-se. Sobretudo jovens de altas quali-
em 2004. O essencial da reforma exigia a avaliação de ficações foram atraídos à carreira pública. Algumas
todos os candidatos a qualquer eleição política no país universidades criaram cursos de preparação para o
em dois exames prévios, o "teste de idoneidade" e o exame de capacidade, descrevendo a realidade nacio-
"teste de capacidade". Assim se procurava garantir a nal. O sucesso na Dinamarca leva outros países da
qualidade dos dirigentes políticos. O primeiro exame, União Europeia a tentar sistemas semelhantes. Os
relativo à idoneidade, era eliminativo. Consistia numa mais avançados são a Itália e Portugal. Mas os proces-
declaração pessoal do candidato, escrita e detalhada, sos de avaliação que inventaram são tão complexos e
dos aspectos principais da sua vida anterior. Nela de- exigentes que poucos pensam que venham a ser apli-
viam constar não apenas as habilitações, carreira e cáveis.
finanças pessoais e familiares do político mas também
todo o tipo de aspectos duvidosos da sua história que Gagos presta homenagem a cardeal Saraiva
poderiam vir a dar escândalo na imprensa. Fuga aos Martins
impostos, investimentos e negócios escuros, aventu- In: DN, 2001-08-20
ras extramatrimoniais, amizades com criminosos, par- Há 12 anos que D. José não visitava a sua terra natal
ticipações em agrupamentos ilegais ou de má reputa- Gagos tem 40 habitantes e é uma das mais pequenas
ção, etc. freguesias do distrito da Guarda, mas tem "o filho
Esta declaração, obviamente confidencial, era apre- mais ilustre" - diz o povo, olhando embevecido para o
sentada ao Conselho de Idoneidade Política, consti- cardeal José Saraiva Martins.
tuída por juízes jubilados dos tribunais Criminal, Civil, Há 12 anos que o prefeito da Congregação da Causa
Administrativo e de Contas. Feita a análise, o candida- dos Santos não se deslocava à sua terra natal, mas fê-
to podia ser rejeitado, caso em que ficava impedido lo ontem com as vestes de cardeal, sendo recebido
de ocupar cargos públicos no país. No caso de ser por centenas de populares para uma "festa digna da
aprovado, era-lhe passado o Certificado de Idoneida- sua importância".
de Pública, que lhe dava acesso à carreira política na- "Os outros têm ministros da terra nascidos do povo,
cional e autárquica. Este certificado tinha a grande mas nós temos um ministro do Céu e isso é muito
vantagem de conceder ao político o chamado "passa- mais importante", disse à Lusa Albano Costa, de 53
do com imunidade jornalística". Se um meio de co- anos.
municação social descobrisse algo de duvidoso na José Saraiva Martins, de 69 anos, é cardeal há menos
vida de um eleito, o conselho emitia um comunicado de um ano, mas para o povo de Gagos, como susten-
afirmando que esse facto comprometedor constava da ta com convicção Albano Costa "é um presente para
declaração e fora considerado pouco grave, o que a eternidade".
normalmente acabava com o escândalo. Mas, por ou- Gabriel Libano foi companheiro do cardeal Saraiva
tro lado, se a descoberta fosse de algo omitido na de- Martins no seminário dos missionários do Coração de
claração, a pena seria a demissão imediata compulsiva Maria em S. Vicente, Penafiel, em 1945, e não tem
de qualquer cargo público que ocupasse, o que tam- "dúvidas na memória" para afirmar que "ele tinha as
bém matava o escândalo. Isto levou os jornais a inte- qualidades mais importantes para um seminarista:
ressarem-se menos pelo passado dos políticos e mais piedoso e estudioso".
pelas suas decisões no cargo. Ser o sucessor de João Paulo II é algo que, apesar de
O segundo teste, relativo à capacidade, não era em Gagos se dizer sem embargos no verbo que a
eliminativo mas apenas informativo. Consistia num próxima visita será como Papa, para o cardeal Saraiva
misto de análise psicotécnica, medindo as qualidades Martins "não passa de fantasia sem limites".
de liderança e agilidade intelectual do candidato, com "João Paulo II está de muito boa saúde e temos Papa
um exame sobre os seus conhecimentos da situação para muitos anos", afirma.
sociopolítica do país. Era um teste de duas horas,
realizado em vários postos espalhados pelo território,
feito ao computador e avaliado centralmente, com
uma nota de zero a cem. Cada político podia repetir o
teste quantas vezes quisesse, contando apenas o valor
mais alto que obtivesse em qualquer tentativa. Não
havia nota mínima para aceder às eleições, mas o
resultado do candidato era público. Este sistema foi
um sucesso. A necessidade da declaração de
idoneidade afastou oportunistas e escroques.
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