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Cem anos do Três ensaios sobre a teoria da sexualidade –

a sexualidade infantil e seus problemas

Luiz Augusto Celes


Resumo
Este artigo debruça-se sobre o esquecimento da sexualidade na psicanálise contemporânea,
mostrando o que de revolucionário ela rejeita da descoberta da sexualidade infantil na obra
de Freud. O marco dos 100 anos de publicação da primeira edição do Três ensaios sobre a
teoria da sexualidade é tomado como motivo suficiente para a sua comemoração,
sugerindo-se que em 1905 Freud já indicara o que de mais desconcertante a psicanálise
teve a mostrar e trazer à consideração dos psicanalistas. Caracteriza-se com largos traços
os Três ensaios, indicando o problema que ele circunscreveu e para o qual buscou solução,
o da sexualidade infantil. Conclui-se com o entendimento do quê a psicanálise
contemporânea em seu senso geral veicula para solução para o impasse introduzido pela
sexualidade infantil.

Palavras chaves: psicanálise contemporânea; teoria da sexualidade; sexualidade infantil;


problemas.
Cien años de Tres Ensayos de Teoría Sexual - la sexualidad infantil y sus problemas.

Luiz Augusto Celes

Resumen:

Este artículo se inclina sobre el olvido de la sexualidad en el psicoanálisis contemporáneo,


mostrando lo que de revolucionario ella rechaza del descubrimiento de la sexualidad
infantil en la obra de Freud. El marco de los cien años de publicación de la primera edición
de Tres Ensayos de Teoría Sexual es tomado como motivo suficiente para su celebración,
sugiriéndose que en 1905 Freud ya había indicado lo que de más desconcertante el
psicoanálisis tuvo a mostrar y a traer a la consideración de los psicoanalistas. Se
caracteriza con grandes trazos los Tres Ensayos, indicando el problema que él
circunscribió y para el cual buscó solución, el de la sexualidad infantil. Se concluye con la
comprensión de qué el psicoanálisis contemporáneo, en su sentido general, difunde como
solución para la encrucijada introducida por la sexualidad infantil.

Palabras-clave: psicoanálisis contemporáneo; teoría sexual; sexualidad infantil;


problemas
Cem anos do Três ensaios sobre a teoria da sexualidade –
a sexualidade infantil e seus problemas

Luiz Augusto Celes

No ano atual, comemoram-se 100 anos da publicação de diversas obras freudianas 1 que
não somente marcaram importantes balizamentos do progresso da psicanálise, em Freud e
além dele, mas que também se constituíram (e se constituem até hoje) obras
particularmente relevante para a apreensão da psicanálise, em seu sentido mais radical,
como tratamento, como pesquisa e como teoria do psiquismo. Embora um ou outro evento
rememore o aparecimento dessas idosas obras de 100 anos, de uma maneira geral não se
encontrou alardes ou grandes festividades. Para tomar ligeiramente alguns exemplos: 44º
Congresso da IPA, realizado no Rio de Janeiro (julho/2005), teve como tema “Trauma:
novos Desenvolvimentos em Psicanálise”; o XX Congresso Brasileiro de Psicanálise, a ser
realizado em Brasília (novembro/2005), tem por tema “Poder, Sofrimento Psíquico e
Contemporaneidade”; a Reunião Lacanoamericana de Psicanálise de Florianópolis
(outubro/2005), não tem título específico, nem consta em sua convocatória referências às
obras freudianas de 1905; e o IV Encontro Latino Americano dos Estados Gerais da
Psicanálise (nov/2005), para o qual este trabalho está sendo apresentado, também não se
reúne em torno de tema específico, havendo entre os trabalhos até hoje divulgados alguns
que fazem referência a uma ou outra das obras freudianas de 1905. Isso somente cuidando
de citar eventos psicanalíticos de caráter nacional e internacional ocorridos no Brasil.
Diante da contemporânea psicanálise, que se propala como modificada, as obras de
1905 permanecem, em grande parte, obras esquecidas, de valor quase exclusivamente
"arqueológico", – velhas peças empoeiradas nas mais recentes bibliotecas psicanalíticas.
Ou, por vezes, são re-visitadas, um tanto às escondidas, como fizesse vergonha ter-lhes
apreço de ensinamentos efetivos e de serem tomadas como valor de recordação das
radicais descobertas de Freud e de seus efeitos inovadores e desconcertantes.

1
São elas: Sobre a psicoterapia (1905a); Os chistes e sua relação com o inconsciente (1905c); Três ensaios
sobre a teoria da sexualidade (1905d); Fragmento da análise de um caso de histeria (1905e [1901]).
2

Compreendo encontrar retratado nas então jovens obras de 1905, um Freud


particularmente ousado. Audácia que talvez lhe conviesse como auxílio em sua política de
difusão desta disciplina, a psicanálise, recém constituída como tratamento e, pari passu,
como teoria, na sua forma mais essencial, como metapsicologia. Hoje se pode avaliar que
lhe parecia convir tamanha coragem em se opor às correntes médicas majoritárias e ao
senso comum de sua época, ao mesmo tempo anunciando e afirmando sua diferença que
vai além do aspecto teórico-prático e de política de difusão da psicanálise – parece tratar-se
de afirmação social, acadêmica (embora Freud se afastara desse meio), criativa (e
narcisista), mas como diferença, como o que destoa, e muitas vezes declaradamente como
oposição – embora Freud não renunciasse ao sonho de elevar a psicanálise como
movimento abrangente, que merecesse o respeito e a difusão das grandes descobertas
científicas. Essas são impressões que me alcançam após trinta anos de contato com a
psicanálise, sabendo de minhas restrições quanto ao conhecimento biográfico e histórico
para plenamente fundamentá-las e sustentá-las. Meu interesse aqui é outro: o de uma
visitação ao velho senhor que são o Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, obra que
deve ser tomada em sua condição de teoria recém-nascida da sexualidade.
Alguém já disse que após 1895, teríamos, a cada ano, de nos dedicarmos aos
festejos de significativas obras de Freud, como justificando esse esquecimento
(recalcamento?) do Três ensaios. Embora não me oponha ao valor, repetidamente
inaugural, das obras de Freud, o Três ensaios carrega o peso de uma particularidade
inovadora somente comparável à Interpretação dos sonhos, e também somente a ela
comparável em ousadia e desconserto. Mas, enquanto a ousadia de uma metapsicologia e o
desconcerto provocado pelo conceito de "inconsciente" podem em certo sentido ser
assimilados aos meios científicos e filosóficos correntes; o fundamento notadamente sexual
das constituições subjetivas e o desregramento sexual como norma abalam as mais
cotidianas crenças do privilégio da autoconservação como sentido vivenciado dos
comportamentos, alcançando questionar toda boas e primeiras intenções. No entanto e
como já fizeram notar vários psicanalistas, foi e é justamente esse aspecto da psicanálise
freudiana o mais rejeitado e abandonado – e, segundo Freud, o que encontrou maior
resistência.
Tendo passado o tempo em que a questão sobre o fundamento da sexualidade e seu
predomínio na compreensão das estruturações psíquicas causava o maior motivo das
dissidências no movimento psicanalítico, agora que majoritária e frontalmente se opõem à
descoberta freudiana da sexualidade em sua especificidade, a questão para o movimento
3

psicanalítico se coloca como sendo a da normalização da psicanálise ela mesma, de sua


adaptação às demandas contemporâneas do atendimento aos infelizes casos da inadaptação
ao mundo contemporâneo caracterizado pela diversidade estandardizada na forma da
produção e do consumo. Reanimam-se sob novas formas as concepções do trauma (mais
ou menos inevitável – como, aliás, sugere o tema do 44º Congresso da IPA) considerado
como quebra ou fratura no "ambiente" que teria a tarefa de sustentar e assegurar, no
sentido mais imediato, a autoconservação dos sujeitos. Por outras vezes, o ambiente fica
entendido tendo a tarefa da própria constituição dos sujeitos – diferença entre sustentação e
constituição que para este argumento introduz pouca deferência. Para implementar esses
novos desenvolvimentos do trauma, grande parte da psicanálise contemporânea, senão
mesmo o que mais significativamente se entende como tal, sequer necessitou de abandonar
o inconsciente, como o conceito fundamental de uma clivagem nos sujeitos. Absorveram-
se as diversas e sofridas vicissitudes psíquicas às questões da boa adaptação do "ambiente",
diante do que se entende o inconsciente, grosso modo, como o resto não adaptado: como
resto precisamente, e não mais como fundamento ou a sustentação da parte visível do
iceberg, com o qual Freud uma vez comparou o psiquismo. Com isso, o inconsciente-resto
descaracteriza-se de sua natureza sexual, ou, pelo menos, descaracteriza-se como efeito da
sexualidade em conflito. Diferentemente de Freud que se empenhou em elevar ao conceito
a sexualidade, essa psicanálise, mais convém colocá-la no plural – ainda que uma
pluralidade bastante homogeneizada –, essas psicanálises contemporâneas recolocaram a
sexualidade em seu "devido lugar" de uma função sujeita a fases, desenvolvimentos,
conflitos, retrocessos conseqüências da inadaptação que rigorosamente permanece
compreendida como alheia a ela mesma – o que significa também dizer que a sexualidade
perdeu seu inerente sentido traumático. Para isso, em algumas teorizações, sequer se
desprezam a pulsão, o Édipo e a castração, mas são retomadas secundariamente como
funções egóicas em meio a outras, ou funções de self – funções de uma totalidade e síntese,
afinal re-encontrada. Nessa perspectiva, à psicanálise dita contemporânea parece ter-se
reajustado a sua interpretação funcionalista. Os efeitos dessas posturas mais ou menos
homogeneamente adotadas são vários.
No miúdo das sessões cotidianas, privilegiam-se as situações do aqui e agora dos
vínculos, do enquadre e do ambiente físico dos consultórios de psicanálise. Pelo que se
pode apreender do pouco que se encontra exposto, a análise tende a ser exercida como uma
interpretação do jogo do vínculo entre terapeuta e paciente – sendo o vetor desse vínculo
predominantemente tomado pelos analistas no sentido do paciente para o terapeuta, mesmo
4

quando consideram o que se fez conhecido como sentimentos contratransferenciais.


Também a índole voltada para a reconstrução, ou para a regeneração das adaptações
necessárias para a boa re-instauração do ego ou do self se faz sobremaneira presente: nova
chance, novo nascimento... A psicanálise termina diferenciada de outras formas da
psicoterapia não mais pelo que sustenta ou pelo que a fundamenta, mas sim pelo
cumprimento de certas normas de tempo, freqüência e posições relativas de analista e
analisando. 2 Isso significando em essência, como se percebe, verdadeira indiferenciação
entre psicanálises e psicoterapias.
Nas conversas cotidianas entre analistas e mesmo na difusão midiática, não raro a
psicanálise é oferecida como panacéia: remédio para todos os sofrimentos, psíquicos ou
quase tais; remédio para as inadaptações escolares, para os ciúmes e invejas entre as
crianças, que parecem exagerados aos olhos daqueles que se propõem satisfazê-las;
remédio para as rivalidades entre irmãos, para as fantasias mais ou menos expressas em
atos e brincadeiras, para os sentimentos de ódios, para os desregramentos etc. Não somente
a psicanálise se debruça cada vez mais atentamente sobre os processos concretos de
constituições ontogenéticas, mas também tomam essas constituições como seus objetos
privilegiados, em concepções de intervenção precoce, de auxílio na educação e boa
adaptação dos pequenos filhotes humanos, ou, menos concretamente, tomam como objeto
a “criança” no interior de cada adulto – e sugiro que convém uma distinção essencial entre
“criança” e infantil.
Voltando ao problema que propriamente me mobiliza, ou seja, o do movimento de
desmerecimento da desconcertante proposição freudiana expressa no Três ensaios sobre a
teoria da sexualidade, retomo o que nela me parece mais crucial sob a perspectiva do
assentamento do sentido da psicanálise, mas também de seu fundamento de compreensão
dos modos e processos de subjetivação. Trata-se nomeadamente da sexualidade infantil.

2
São característicos a respeito a maior parte dos textos reunidos em Green (2003), alguns afirmando tais
condições normativas de maneira completamente explicita. Essa obra bastante significativa da cultura
psicanalítica contemporânea aponta com certeza a diversidade que, não obstante, permanece no pensamento
psicanalítico. Isso é absolutamente claro: ninguém aqui pretende ser pensador único da psicanálise freudiana
em seu fundamental sentido, por muitas vezes revisitado e reinterpretado. É mesmo a diversidade que nos
permite tomar partido, re-elaborar e continuar pensando. Neste artigo estamos nos esforçando para delimitar
certa concepção que grosso modo adquiriu não as marginais, mas as melhores e muitas significativas
intenções da psicanálise na contemporaneidade. Essa concepção grosso modo me parece a mais próxima da
concepção da psicanálise que se divulgou e alcançou entendimento, sintomaticamente, dentro da psicologia e
da psiquiatria – disciplinas com respeito às quais Freud viu a psicanálise distanciar-se. Com respeito à
psicologia dita acadêmica ou clínica, o caso é sobremaneira curioso, cujo alguns dos aspectos desenvolvemos
em Celes (1988). Lá, uma significativa referência bibliográfica que explora essas características
aproximações entre a psicanálise e a psicologia é indicada.
5

Embora fundamento da psicanálise freudiana, a apreensão e a sistematização da


sexualidade na teoria psicanalítica não encontraram caminhos fáceis – talvez essa
dificuldade contribua, desde aquela época, para a rejeição dos princípios da sexualidade na
constituição e estruturação psíquica. Já em 1900, à época do tratamento de Dora, Freud se
queixava com Fliess a respeito de suas próprias dificuldades para uma síntese da teoria da
sexualidade. Em 1905, a forma de “ensaios”, na qual foram publicadas as primeiras
aproximações teóricas sobre a sexualidade, renova o sentido da dificuldade encontrada por
Freud na tarefa de apreender tematicamente o que, não obstante, já se constituía o alicerce
de sua compreensão da neurose e do tratamento psicanalítico. Os acréscimos constantes
nas sucessivas edições dos Três ensaios, caracterizados por substantivos e inovadores
temas e problemas, sem desfazer-se do que já havia sido expresso nas edições anteriores,
também revelam as dificuldades da síntese almejada da sexualidade como conceito na
teoria da libido.
Por outro lado, a insistência de Freud testemunha o papel privilegiado da
sexualidade como fundamento e origem dos processos de subjetivação, do qual papel
Freud parece não abrir mão, sob pena – talvez hoje se possa entender – de a psicanálise
perder sua especificidade como trabalho de tratamento. No entanto, os seguidos acréscimos
ao Três ensaios, mantendo-se não obstante o que já se publicara, ganham importância para
salientar que eles não se permitem compreender nem como puras progressões do
pensamento de Freud – que estaria, se assim fosse, sendo constituído em sínteses cada vez
mais completas sobre a sexualidade –, nem como simples redistribuição e aprimoramento
da compreensão freudiana estabelecida em 1905. A experiência freudiana com a teoria da
sexualidade parece apontar para a resistência da sexualidade em ser elevada ao conceito. A
experiência da sexualidade em análise, que parece ter sido imediatamente apreendida por
Freud, não se fez dócil à tematização, isto é, à sua teorização além de sua apreensão
fenomenológica. Tarefa de teorização da qual Freud jamais se esquivou, inquietando-se
com atitudes simplesmente descritivas.
O que, desde a origem, atravessa o empenho de teorização da sexualidade parece
ser o que está expresso já na primeira edição do Três ensaios, a saber, o caráter infantil da
sexualidade. Sendo esse caráter o que Freud inúmeras vezes sustentou no âmago de nossas
constituições, as mais recalcadas, e a favor do que tomou posição contra sua destituição.
Revisitar os Três ensaios no que ele foi em 1905, como se depreende, não é tarefa
fácil. Trata-se de limpar o texto, separando suas partes, operação que já nos foi adiantada
por Strachey. Mas trata-se, sobretudo, de ler 1905, apesar das elaborações subseqüentes,
6

expressas ou não nas edições posteriores dessa obra. Afinal, constitui-se missão
impossível, uma vez que não está em nosso alcance ler Freud desprevenidamente, como se
o encontrássemos pela primeira vez. No entanto, um trabalho de contextualização ajuda
nessa ambiciosa leitura. 3 Aqui não se trata de renovar ou completar estudos de
contextualização, mas de diretamente indicar minha leitura do Três ensaios de 1905, a
modo de revitalizar o que penso lhe ser essencial, desconcertante e um tanto revolucionário
– sendo talvez esses motivos suficientes para a rejeição ou simplesmente o esquecimento
da sexualidade na psicanálise contemporânea, acontecimento que, é importante lembrar,
não é de hoje que se têm notícias. 4
O primeiro dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (As aberrações sexuais)
possui um caráter predominantemente fenomenológico. Freud adota uma atitude descritiva
para alcançar a variabilidade e a disseminação das “aberrações” sexuais, especificando-as
quanto à inversão da escolha sexual, quanto à imaturidade dos comportamentos sexuais,
quanto à incerteza e variabilidade dos objetos sexuais, quanto às fixações em objetos e
experiências que se repetem, quanto à descentralização dos órgãos genitais como os meios
mais adequados do prazer sexual etc. A partir do item “(4)”, algum ensaio teórico começa
a se fazer presente, na aproximação entre perversão e psiconeurose, na conceituação de
zonas erógenas e de componentes da pulsão e numa primeiríssima aproximação ao caráter
infantil da sexualidade. A seqüência do argumento de Freud nesse primeiro ensaio parece
inverter a aproximação de sua descoberta havida no tratamento das psiconeuroses. Já em
1897, na famosíssima carta a Fliess de 21 de setembro, onde Freud anuncia o abandono de
sua teoria traumática, ele nomeia o caráter fantasioso da sexualidade, aproximando-se da
concepção infantil da sexualidade exatamente pelo negativo da perversão. A concretude –
autorizemos-nos a assim afirmar – da perversão no Três ensaios induz, além do caráter
descritivo do primeiro ensaio, à adoção de certo parâmetro ideal da sexualidade, que seria a
sexualidade genital e adulta, com referência ao que justamente se descrevem as
“aberrações” – mesmo se entendendo que Freud tenha adotado uma tal estratégia para
chegar à conclusão do desregramento da sexualidade como a norma. Norma essa que não
significa nenhuma normalidade da sexualidade, mas a sua base, a sua origem como
sexualidade infantil. De qualquer maneira, a apreensão desse primeiro ensaio não parece

3
Alguma coisa dessa contextualização, antecipei-a num estudo sobre o caso Dora (cf. Celes, 1995)
4
Muito a propósito, vejam-se as críticas de Fairbairn (1980/1952), cuja atualidade se torna inconteste, diante
de obras como Grotstein, J.S. e Rinsley, D.B. (2000), onde se encontram releituras desse autor realizadas por
principais psicanalistas contemporâneos. Também significativa quanto à sua atualidade é o texto de
Figueiredo (2003).
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simples precisamente por estes dois aspectos: devido à passagem do descritivo para o
teórico; e devido à adoção do ideal sexual para precisamente desfazê-lo. Nesse ensaio,
encontramos Freud muito mais envolvido numa política de convencimento que numa
postura do desmanche efetivo de qualquer normalidade teórica. Do ponto de vista teórico,
com certeza esse não é o mais desconcertante ensaio dessa obra.
O último dos Três ensaios reafirma, pelo menos em parte, o aspecto da
normalização da sexualidade, embora não desfaça completamente o que há de inovador e
desconcertante nessa obra. “As transformações da puberdade” no mesmo passo em que
retoma os conceitos e as inovações do ensaio que o precede, sobre a sexualidade infantil,
traz para ela a possibilidade de sua normalização, ainda que essa normalização passe para
uma condição secundária, isto é, como fruto de um desenvolvimento, efeito de certas
confluências da sexualidade infantil. No entanto, o caráter genital da puberdade –
responsável inclusive pela síntese e pelas transformações por que passa a sexualidade
infantil em direção à sexualidade adulta – concede certo ar de naturalidade ao
desenvolvimento da sexualidade, estando o seu sentido voltado para a genitalidade: esta se
constituindo a meta da sexualidade. A genitalidade nesse ensaio, no que tem de 1905, é
pensada por Freud positivamente. É o que há de diferença quando introduz,
posteriormente, o conceito de castração, que re-atualiza a genitalidade numa forma
negativa. Para dar sustentação teórica a essa última virada, foi essencial o trabalho
intitulado “A organização genital infantil: uma interpolação na teoria da sexualidade”, de
1923, onde, em resumo, Freud estende à genitalidade o caráter infantil da sexualidade,
dando-lhe o estatuto de uma organização libidinal parcial. Pode-se sugerir que Freud então
iça para o infantil a genitalidade (parcial), tirando-lhe o remanescente privilégio de síntese
da sexualidade, de sua normalização. A partir de então é a castração – forma negativa da
genitalidade – que assumirá a função “sintética” da sexualidade, cujas “sínteses” se
expressam nas diversas estruturações psíquicas que se tornam possíveis de serem
entendidas, incluindo-se aí, na visão freudiana, também a sexualidade feminina e o
desenlace feminino da sexualidade. Com o “complexo de castração” – o termo “complexo”
parece fundamental para Freud, pois aponta o caráter psíquico do que sintetiza, do que
reúne, ainda que permaneça uma síntese e reunião falhas – a sexualidade encontra o ponto
máximo de sua desnaturalização na teoria de Freud. Embora tenha feito o propósito de
manter esta análise ao circunscrito no texto de 1905, esta incursão à castração e à
genitalidade infantil tem o objetivo de, por contraste com certos aspectos do terceiro ensaio
de 1905, apontar o peso que ganha em Freud a qualidade de infantil da sexualidade. O
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terceiro ensaio, na versão de 1905, parcialmente recobre aquilo que se impõe com toda
força no segundo dos três ensaios.
“A sexualidade infantil”, o segundo ensaio do Três ensaios sobre a teoria da
sexualidade, concentra, segundo minha avaliação, o mérito inovador da obra. É verdade
que o “Sinal do caráter infantil da sexualidade”, último item do primeiro ensaio, traz
anunciado o valor da inovação (revolução) que Freud introduz com essa exemplar obra.
Mas o segundo ensaio também traz a inovação teórica mais radical de todos os três ensaios.
Menos que se deter sobre a descrição da sexualidade infantil, ela é teorizada como parcial,
trazendo como conseqüência diversas conceituações, ou firmando-as de modo mais cabal:
as zonas erógenas, as fases, o objeto, o objetivo da sexualidade infantil são introduzidos
tematicamente. O esforço de Freud por conceituar a sexualidade infantil, e, com isso, o
infantilismo da sexualidade, parecem mostrar a importância que a sexualidade encontra no
edifício psicanalítico. Se a experiência psicanalítica de Freud já o havia permitido colocar a
sexualidade no âmago das psiconeuroses, o Três ensaios trouxe a oportunidade inicial de
situá-la no centro e no fundamento das estruturações psíquicas de um modo geral, o que se
deu precisamente com a teoria da sexualidade infantil.
No entanto, essa teoria não se mostrou imediatamente apaziguadora das
inquietações freudianas a seu respeito da sexualidade infantil. E isso se verifica não
somente nos acréscimos e modificações que posteriormente se produziram na teoria da
libido. A formulação da sexualidade infantil no Três ensaios já fora resultado de um longo
amadurecimento, cujas questões e problemas podem ser encontrados na correspondência
de Freud com Fliess (Masson, 1986), e que alcançaram no caso Dora uma primeira
publicação (Freud, 1905e – até mesmo se poderia afirmar que esse caso se constituiu o
primeiríssimo ensaio da “teoria” da sexualidade, se tomado nesse aspecto). O empenho que
conduziu à articulação da sexualidade infantil foi profundamente impulsionado pelo
aspecto de problema que ela introduziu na compreensão das psiconeuroses, no seu
tratamento e na sua teoria. A sexualidade infantil, na forma da fantasia que se apresentara
nas análises, teve o impacto inicial de ruptura da compreensão já solidificada por Freud
nos primeiros trabalhos de psicanálise – marco dessa ruptura é a já citada carta a Fliess de
21 de setembro de 1897. A fantasia, animada pela sexualidade infantil, opôs-se à teoria
traumática (que Freud designou “neurótica”), então porto seguro da prática analítica e da
teoria das psiconeuroses. Sabe-se que o desânimo de Freud à época foi grande, pois essa
ruptura deixou sem explicações o fundamental processo de defesa (recalcamento) que
sustentava a teoria das psiconeuroses. O “achado” da sexualidade infantil nas fantasias que
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encenavam essa sexualidade não foi inicialmente um achado de solução. Ao contrário,


apresentou-se como um problema a ser resolvido, em torno do qual haveria de se erigir
uma outra teoria das neuroses, ou, dito de maneira mais ampla, uma outra teoria das
estruturações psíquicas. Dessa vez, mais abrangente, não se limitando à compreensão de
desenvolvimentos psicopatológicos. A universalidade da sexualidade infantil permite a
consideração das constituições psíquicas, dos modos e processos de subjetivação, tornando
os destinos psicopatológicos casos particulares, isto é, formas de estruturações, dentre
outras possíveis. Com isso, os chamados casos psicopatológicos não ganham distâncias da
suposta normalidade: uns e outros seriam tomados como destinos da sexualidade infantil,
submetidos, segundo Freud, a determinações constitucionais e acidentais.
Com essa radical mudança, estando Freud impossível de escapar de seus próprios
“achados” clínicos (como se costuma dizer), a chamada época de ouro da psicanálise
encontra seu fim, superada por alguma coisa muito menos esperançosa: as estruturações
dos sujeitos elas mesmas se fazem objetos da psicanálise. Uma certa abordagem de Lacan,
lida não me lembro mais aonde, que parafraseio, revela, à minha compreensão, toda
dramaticidade (talvez tragédia) da história a partir de então da psicanálise, pois: do que se
trataria quando se trata da cura do sujeito. Como tratar a submissão psíquica à sexualidade
infantil?
No entanto, a sexualidade infantil impõe desde então outra questão à psicanálise,
que é a questão pela consideração dos destinos humanos (individuais e sociais), tomados
de uma maneira geral, como determinados por sua perversidade e não simplesmente por
influências dos meios ou situações específicas. É claro que aqui estamos discutindo muito
rapidamente a natureza dessa apropriação da perversão e das chamadas influências do
meio, aliás, rigorosamente falando, nem a estamos discutindo. O caráter dessas causações e
determinações é tarefa que também se põe à psicanálise desde Freud. O que aqui interessa
é apontar que entre as causas chamadas por Freud constitucionais ou acidentais, sejam elas
tomadas como adquiridas na experiência ontogenética ou filogenética, ou em ambas, sejam
elas suplementadas pelos meios nos quais os sujeitos se constituem, sejam tomadas como
tendo o caráter “metabiológico”, como sugere nomear Green (2000) a chamada e
contestada fundamentação biológica da sexualidade na obra de Freud, sejam enfim os
arranjos que se queiram dar a isso – inclusive o arranjo, bem ao estilo freudiano, de
entender como mal formulada a questão –, a psicanálise teve, desde então, de enfrentar o
crucial problema antropológico da natureza psíquica dos humanos, dado que a sexualidade
infantil e o infantilismo da sexualidade se afrontavam com as mais sedimentadas e valiosas
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crenças da modernidade sobre a autonomia, a auto-suficiência e os fins de autoconservação


dos atos, comportamentos e atitudes dos homens. Também assim a psicanálise solapa as
promissoras soluções para os sofrimentos humanos e para seus mal-estares.
O esforço da psicanálise contemporânea de re-introduzir a questão traumática sob
novos desenvolvimentos – como sugere o tema do 44ª Congresso da IPA – pode ser
entendido como uma resposta (afinal nem tão atual quanto se supõe) ao problema
introduzido pela sexualidade infantil, como acima esboçamos. Nos novos
desenvolvimentos não se torna importante o aspecto da sexualidade no trauma, não se
considera relevante a sua natureza sexual, mas a concretude traumática que, sendo sexual
ou não, colocaria em questão a autoconservação (física ou psíquica) do sujeito que se
constitui. A inadaptação do meio às necessidades da criança – que na forma da perversão
paterna, fora abandonada por Freud –, retorna como uma espécie de “perversão” psíquica
do meio – da mãe, do pai ou do casal parental – nas figuras, por exemplo, do objeto sempre
insuficiente para atender às necessidades egóica (Fairbairn, 1980/1952), na condição da
mãe que não é suficientemente boa (Winnicott5 ), ou ainda na metáfora – aliás, bastante
concreta – da “mãe morta” sugerida por Green (1988). A resposta assim formulada que
parece se fazer consensual àquele problema assemelha-se à responsabilização do meio –
não fosse sua insuficiência, ainda que considerada inescapável, a história seria outra, para
os destinos humanos, individuais e coletivos. 6

5
É sobejamente conhecido o tema winnicottiano da mãe suficientemente boa, sendo várias as obras em que
trata desse tema.
6
É curioso constatar como quase instantaneamente a mídia, principalmente a impressa, veicula reflexões de
psicanalistas sobre os fatos e notícias hodiernos, expressando suas opiniões psicanaliticamente bem fundadas
sobre as mazelas factuais de nossa sociedade e sua responsabilização pelo nosso mal-estar. A pressa me
parece tamanha que convém perguntar pelas atitudes psicanalíticas que se constituíram como seu
fundamento: a paciência em ouvir e a espera de somente entender posteriormente.
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Referências bibliográficas

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Luiz Augusto Celes

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