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VIEIRA, Alberto (2000), As Ilhas as Rotas Oceânicas, Os Descobrimentos e o Brasil, Funchal, CEHA-
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1
ALBERTO VIEIRA
Funchal Madeira
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1. O Mediterrâneo e o Mundo Maditerrânico na época de Filipe III, 2 vols., Lisboa, 1984 (1ª edição em 1949).
2. Sevilla y América. siglos XVI y XVII, Sevilha, 1983.
3
. Confronte-se nossos estudos: Comércio inter-insular nos séculos XV e XVI. Madeira, Açores e Canárias, Funchal, 1987;
Portugal y las islas del Atlántico, Madrid, 1992.
2
o caso das Canárias, Santa Helena e Açores, e as que se filiam nas áreas económicas
litorais, como sucedeu com Arguim, Cabo Verde, e o arquipélago do Golfo da Guiné.
Todas vivem numa situação de dependência em relação ao litoral que as tornou
importantes. Apenas a de S. Tomé, pela importância da cana de açúcar, esteve fora
desta subordinação por algum tempo.
O protagonismo das ilhas das Canárias e dos Açores é muito mais evidente no
traçado das rotas oceânicas que se dirigiam e regressavam das Índias ocidentais e
orientais, resultado da sua posição às portas do oceano. Elas actuaram como via de
entrada e de saída das rotas oceânicas, o que motivava a maior incidência da pirataria
e corso na região circum-vizinha. Mas os dois arquipélagos não foram apenas áreas de
apoio, uma vez que o solo fértil permitiu um aproveitamento das potencialidades por
meio das culturas europeio-mediterrâneas. Foi esta última vertente que os projectou
para um lugar relevante na História do Atlântico.
Atente-se que a valorização sócio-económica dos espaços insulares não foi
unilinear, dependendo da confluência de dois factores. Primeiro, os rumos definidos
para a expansão atlântica e os níveis da sua expressão em cada um, depois as
condições propiciadoras de cada ilha ou arquipélago em termos físicos, de
habitabilidade ou da existência ou não de uma população autóctone. Quanto ao último
aspecto é de salientar que apenas as Antilhas, Canárias e a pequena ilha de Fernão do
Pó, no Golfo da Guiné, estavam já ocupadas quando aí chegaram os marinheiros
peninsulares. As restantes encontravam-se abandonadas —— não obstante falar-se de
visitas esporádicas às ilhas dos arquipélago de Cabo Verde e S. Tomé por parte das
gentes costeiras —— o que favoreceu o imediato e rápido povoamento, quando as
condições do ecossistema o permitiam. Se na Madeira esta tarefa foi fácil, não
obstante as condições hostis da orografia, o mesmo não se poderá dizer dos Açores ou
de Cabo Verde, onde os primeiros colonos enfrentaram diversas dificuldades. Para as
ilhas já ocupadas as circunstâncias foram diferentes, pois enquanto nas Canárias os
castelhanos defrontaram-se com os autóctones por largos anos (1402/1496). Já em
Fernão do Pó e nas Antilhas foi mais fácil vencer a resistência indígena.
O Atlântico transforma-se a partir do século XV num mar ibérico. Os actos
formais desta partilha pelas coroas peninsulares tem lugar em 1479 em Alcáçovas e
1494 em Tordesilhas. A resposta dos restantes reinos europeus a este mar fechado foi
o recurso ao corso como arma chave para abrir o oceano a todas as potencias
marítimas. Esta ultima situação apresenta consequências nefastas à estabilidade e
segurança das rotas comerciais, obrigando os reinos peninsulares a definiram uma
política consertada dos seus interesses no mar e em terra. Neste contexto as ilhas
assumem um papel fundamental.
Na estratégia de domínio e controle do espaço atlântico as ilhas assumiram um
papel fundamental. São áreas destacadas de exploração económica, mas também
portos fundamentais para o apoio e defesa da navegação. Neste contexto temos antes
de 1527 a criação da Provedoria das Armadas na ilha Terceira. Este papel das ilhas
será fundamental para entender as disputas que se sucedem na década de oitenta do
século XVI e que tem por palco as ilhas açorianas. As ilhas foram também espaços
criadores de riqueza, sendo a agricultura a sua principal aposta. Esta exploração
obedece às exigências da subsistência das populações e às solicitações do mercado
externo com os produtos de exportação. Os Açores assumem o papel de celeiro do
atlântico português, enquanto a Madeira se especializa nos produtos de exportação
com grande procura na Europa ou no mercado colonial. Estava assim dado o mote
para o binómio da economia madeirense: açúcar e vinho. Nas ilhas de Cabo Verde e
S. Tomé e Príncipe, a proximidade ao continente africano conduzirá a que assumem
3
“...porque a ilha da Madeira meu bisavô a povoou, e meu avô a de São Miguel, e
meu tio a de São Tomé, e com muito trabalho, e todas do feito que vê...”João de
Melo da Câmara, 1532.
5 . Urs Bitterli, Los "Selvajes" y los "civilizados"El encuentro de Europa y Ultramar, Mexico, 1981
5
madeirenses aparecem nas Canárias, Açores, S. Tomé e Brasil a dar o seu contributo
para que no solo virgem brotem os canaviais, apareçam os canais de rega ou de
serviço aos engenhos, a que também foram seus obreiros nos avanços tecnológicos. A
crise da produção açucareira madeirense, gerada pela concorrência do açúcar das
áreas que os seus habitantes contribuíram para criar, empurrou-nos para destinos
distantes. Nesta diáspora atlântica, iniciada na Madeira, é de referenciar o caso da
emigração inter insular dos arquipélagos do Mediterrâneo Atlântico. As ilhas, pela
proximidade e forma similar de vida, aliadas às necessidades crescentes de contactos
comerciais, exerceram também uma forte atracção entre si. Madeirenses, açorianos e
canários não ignoravam a condição de insulares e, por isso mesmo, sentiram
necessidade do estreitamento destes contactos.
A Madeira, mais uma vez, pela posição charneira entre os Açores e as
Canárias e da anterioridade no povoamento, foi, desde meados do século XV, um
importante viveiro fornecedor de colonos para estes arquipélagos e elo de ligação
entre eles. A ilha funcionou mais como pólo de emigração para as ilhas do que como
área receptora de imigrantes. Se exceptuarmos o caso dos escravos guanches e a
inicial vinda de alguns dos conquistadores de Lanzarote, podemos afirmar que o
fenómeno é quase nulo, não obstante no século dezasseis os açorianos surgirem com
alguma evidência no Funchal. Note-se, ainda, a presença de uma comunidade de
açorianos nas ilhas Canárias, principalmente nas ilhas de Gran Canária, Tenerife e
Lanzarote, dedicados à cultura dos cereais, vinha, cana sacarina e pastel. Mas
açorianos e canarianos, bem posicionados no traçado das rotas oceânicas, voltaram a
sua atenção para o promissor novo mundo.
6
Confronte-se João José Abreu de SOUSA, "Emigração madeirense nos séculos XV a XVII", in Atlântico, nª.1, Funchal, 1985,
pp. 46-52.
7
José PEREZ VIDAL, «Aportación portuguesa a la población de Canarias. Datos», in Anuario de Estudios Atlânticos, nº 14,
1968; A. SARMENTO, «Madeira & Canárias», in Fasquias e Ripas da Madeira, Funchal, 1931, 13-14.
8.Manuel Monteiro Velho ARRUDA(Colecção de documentos relativos ao descobrimento e povoamento dos Açores, Ponta
Delgada, 1977) refere as cartas atribuídas a João Vogado(19 de Fevereiro de 1462), Gonçalo Fernandes(29 de Outubro de 1462),
Rui Gonçalves da Camara (21 de Janeiro de 1473), Fernão Teles(28 de Junho de 1474 e 10 de Novembro de 1475), Fernão
Dulmo e João Afonso do Estreito(24 de Julho e 4 de Agosto de 1486).
8
Fevereiro de 1462, sendo a posse das novas ilhas Lovo e Capraria e outras que iria
descobrir, dadas ao João Vogado. Ainda antes de 1492 temos outras concessões a Rui
Gonçalves da Câmara(21 de Junho de 1473), Fernão Teles(28 de Janeiro de 1474),
Fernão Dulmo e João Afonso do Estreito(24 de Julho de 1486). Após a primeira
viagem de Colombo não esmoreceu o interesse dos insulares por tais viagens. A
atestá-lo estão as cartas concedidas a Gaspar Corte Real(12 de Maio de 1500), João
Martins(27 de Janeiro de 1501) e Miguel Corte Real(15 de Janeiro de 1502).
O Ocidente exerceu sobre os ilhéus, madeirenses e açorianos, um fascínio
especial, acalentado, ademais, pelas lendas recuperadas da tradição medieval. Por isso
mesmo, desde meados do século XV, eles entusiasmaram-se com a revelação das
ilhas ocidentais - Antília, S. Brandão, Brasil. No extenso rol de aventureiros
anónimos que deram a vida por esta descoberta, permitam-nos que referencie os
madeirenses Diogo de Teive, João Afonso do Estreito, Afonso e Fernão Domingues
do Arco. A. Ballesteros9 identifica este último como o piloto anónimo que em 1484
veio a Lisboa pedir ao rei uma caravela para, segundo Fernando Colombo, "ir a esta
tierra que via."
A estas iniciativas isoladas acresce toda uma tradição literária e os dados
materiais visíveis nas plagas insulares. A literatura fantástica, a cartografia mítica o
aparecimento de destroços de madeira e troncos de árvores nas costas das ilhas
açorianas acalentavam a esperança da existência de terras a ocidente. Nas costas das
ilhas açorianas do Faial e Graciosa encalhavam alguns pinheiros, enquanto nas Flores
davam à costa dois cadáveres com feições diferentes das dos cristãos e dos negros.
Tudo isto levantava o fervor dos aventureiros que com assiduidade viam-se perante
ilhas que nunca existiram. A "décima ilha", por exemplo, nunca passou de uma
miragem.
A curta permanência de Colombo no Porto Santo e, depois, na Madeira
possibilitou-lhe um conhecimento das técnicas de navegação usada pelos portugueses
e abriu-lhe as portas aos segredos, guardados na memória dos marinheiros, sobre a
existência de terra a Ocidente. Bartolomé de Las Casas e Fernando Colombo falam
que o mesmo teria recebido das mãos da sogra "escritos e cartas de marear"10. Ambos
os cronistas fazem do sogro um destacado navegador quatrocentista. Tudo isto não
passa de criação para enfatizar a ligação de ambas as famílias. Na verdade
Bartolomeu Perestrelo, ao contrario de muitos genoveses ou seus descendentes, não é
referenciado nas crónicas portuguesas como navegador11. Ele apenas é referenciado
como capitão do donatário da ilha do Porto Santo, por carta de doação de um de
Novembro de 1446, e na condição de povoador da ilha acompanhou João Gonçalves
Zarco e Tristão Vaz em 1419 . Mesmo assim em sua casa podia ser possível a
presença de tais documentos. Mais importantes foram os elementos que lhe terá
fornecido o seu cunhado Pedro Correia, capitão da ilha Graciosa (Açores). Daí ele
dava conta de outras notícias das terras açoreanas, sem esquecer os estranhos despojos
que aportavam com assiduidade às praias da ilha do Porto Santo. Aí, na Madeira e
Porto Santo, ouviu histórias e relatos dos aventureiros do mar, teve acesso a provas
evidentes da existência de terras ocidentais legadas pelas correntes marítimas nas
praias. Um destes vestígios foi a castanha do mar, mais popularmente conhecida como
"fava de Colombo". Por tudo isto é legítimo de afirmar que o navegador saiu do
arquipélago, em data que desconhecemos, com a firme certeza de que algo de novo
poderia encontrar a Ocidente, capaz de justificar o seu empenho e da coroa.
A ilha ficou-lhe no coração e nunca mais a esqueceu no seu afã descobridor.
Bastaram alguns anos de convívio com os marinheiros madeirenses, esporádicas
viagens ao golfo da Guiné, para ganhar o alento, a sabedoria e os meios técnicos
necessários para definir o plano de traçar o caminho de encontro às terras índicas pelo
Ocidente: Cipango (=Japão) era o seu objectivo. Durante os cerca de dez anos que
permaneceu em Portugal Cristóvão Colombo acompanhou de perto as expedições
portuguesas ao longo da costa africana. O fascínio do navegador pelo mar,
conquistado no Mediterrâneo como corsário ou comerciante, despertou-lhe o apetite
para as navegações atlânticas portuguesas. No momento em que se fixou em Lisboa
toda a atenção e azáfama estava orientada para o desbravamento da extensa costa
africana além do Bojador, conhecida como costa da Guiné. Nesta época era já
conhecida e navegável toda a área costeira até ao Cabo de Santa Catarina, alcançado
em 1474, no período do contrato de Fernão Gomes.
Não obstante este espaço ser vedado à navegação de embarcações que não
fossem portuguesas, os estrangeiros poderiam faze-lo a bordo e ao serviço de
embarcações nacionais. Assim havia sucedido na década de cinquenta com
Cadamosto e Usodimare. Tal como o fez o seu patrício Usodimare, Colombo
embarcou em caravelas portuguesas que demandavam as costas da Guiné. Facto
normal para um experimentado marinheiro genovês, que na praia do Porto Santo ou
na Madeira, acompanhava o vai e vem das nossas caravelas. É de salientar que por
muito tempo a Madeira foi escala obrigatória das embarcações portuguesas que se
dirigiam à costa africana. Tal facto derivou de o Funchal ser o único porto seguro,
avançado no Atlântico, dispondo de excedentes de cereais e vinho, necessários à dieta
de bordo dos marinheiros. A par disso os madeirenses acalentavam, desde a década de
quarenta, a aventura das navegações africanas, tendo-se empenhado nisso as
principais famílias da ilha. Por tudo isto é inevitável associar a viagem de Colombo à
sua curta estadia nas ilhas da Madeira e Porto Santo, onde contactou com a realidade
atlântica, adquiriu as necessárias técnicas para se embrenhar na aventura de busca das
terras ocidentais. O retorno do navegador à ilha, em 1498, no decurso da terceira
viagem, pode e deve ser entendido como o seu reconhecimento aos madeirenses. Aqui
teve oportunidade de relatar, aos que com ele acalentaram a ideia da existência de
terras a Ocidente, o que encontrara de novo.
O convívio com as gentes do Porto Santo havia sido prolongado e cordial pois
em Junho de 1498, aquando da terceira viagem, não resistiu à tentação de escalar a
vila. A sua aproximação foi considerada mau presságio pois os portossantenses
pensavam estar perante mais uma armada de corsários. Desfeito o equívoco foi
recebido pelos naturais da terra, seguindo depois para a Madeira. A 10 de junho de
1498 a chegada do navegador ao Funchal foi saudada apoteoticamente, como nos
refere frei Bartolomé de Las Casas, o que provoca mais uma vez, a familiaridade com
esta gentes e a esperança que elas depositavam em tal empresa. O cronista remata da
seguinte forma o ambiente de festa que o envolveu: "le fué hecho mui buen
recibimiento y mucha fiesta por ser alli muy conocido, que fué vecino de ella en algún
tiempo"12.
"Deus deu aos portugueses um berço estreito para nascer e um mundo inteiro para
Aqui são evidentes duas formas de expressão dos fluxos migratórios: por um lado o
espaço atlântico, onde o português tem que criar as condições para a sua instalação,
isto é o "povoar", e, por outro, as Índias, aqui entendidas como o Oriente, onde se lhe
depara uma sociedade estruturada e, por isso, o que deve fazer é integrar-se, no
13 Veja-se Armando de Castro, Camões e a sociedade do seu tempo, Lisboa, 1980; IDEM, "Camões emigrante, poeta do drama
da emigração", in Revista Camões, nº.2-3, 1980. Luís de ALBUQUERQUE, "Luís de Camões. O cantor de uma obra colectiva",
in Navegadores viajantes e aventureiros portugueses. sécs.XV e XVI, vol. I, Lisboa, 1987, pp.143-156; Martim de
ALBUQUERQUE, A expressão do poder em Luís de Camões, Lisboa, 1988.
14 A World on the move. The portuguese in África, Asia, and América 1415-1808, London, 1992
15 Ob.cit., pp.112-119.
16 Ilídio do Amaral, "Medidas portuguesas para a organização dos novos territórios nas margens continentais do Atlântico Sul,
no século XVI(apontamentos de Geografia e História)", in Revista da Universidade de Coimbra, vol. XXXVI, 1991, 277-316.
11
entender de Garcia de Resende "morar". É este segundo destino que atraiu maior
número de migrantes, motivando uma completa sangria populacional, pois como
refere, de novo, Garcia de Resende:
"ao cheiro desta canela
o reino se despovoa".
Tudo isto releva-nos duas atitudes distintas que resumem a forma de expressão de
ambos os fluxos migratórios: dum lado é a plena ocupação dos espaços desertos ou
ocupados, do outro a intervenção no comércio, por meio do estabelecimento de
feitorias e fortalezas, instrumentos de controlo dos circuitos comerciais17.
A isto sucede um fluxo inverso de escravos, que atemoriza os que ficam:
Vemos no reino meter
tantos cativos, crescer,
e irem-se os naturais,
que se assim for, serão mais
eles que nós, a meu ver
Destes últimos já muito se tem dito, mas dos primeiros pouco ou nada se sabe.
Fala-se de uma verdadeira sangria populacional do reino mas quase ninguém
questiona a dimensão assumida por este movimento: quantos partiram à aventura?
Quem são estes aventureiros da conquista do Norte de África e Oriente, do
descobrimento das ilhas, costa africana e Brasil? Por fim, importa saber porque se sai:
vão todos de livre vontade, guiados pelo espírito de aventura ou por outros interesses
e objectivos.
Aqui surge um pouco de tudo: viajantes, aventureiros, militares, funcionários e
missionários. É uma gesta nacional pelo que estão representadas todas as localidades
do reino. A saida faz-se de Lagos ou Lisboa mas as gentes que acodem às plagas
lusitanas para a partida ou despida são de todo o país. Não são os algarvios os únicos
a aderirem de alma e coração a este processo. O Norte e o interior também estão
representados: marinheiros, lavradores, e oficiais mecânicos que aderem à aventura
são de todo o país. A alguns as crónicas lavraram o nome em letras douradas. A
maioria ficou incógnita e será difícil, senão impossível, reconstituir essa lista.
O tema não se esgota neste breve enunciado de nomes e números. Há que dedicar
muito tempo à recolha de dados avulsos em documentos, crónicas e relações de
viagens que testemunhem esta realidade. A literatura reserva um apartado para esta
diáspora. Algumas das páginas de ouro da nossa escrita do século XVI são baseadas
nessa vivência. A lista é extensa e contempla todas as áreas literárias: desde Gil
Vicente, passando por Camões, Fernão Mendes Pinto é evidente tal premência das
migrações geradas pelos descobrimentos18.
Fernando Pessoa em o "mar português" dá-nos conta disso do seguinte modo:
"Ó mar salgado, quanto do teu sal
são lágrimas de Portugal!
por te cruzarmos, quantas mães choraram,
quantos filhos em vão rezaram!
quantas noivas ficaram por casar
para que fosses nosso, ó mar!"
17. Confronte-se João Paulo COSTA, "A Colonização Portuguesa na Ásia", in Portugal no Mundo, vol. III, 158-179; Ilídio do
AMARAL, "Medidas portuguesas para a organização dos novos territórios nas margens continentais do Atlântico sul, no século
XVI(apontamentos de Geografia Histórica)", in Revista de Universidade de Coimbra, XXXVI, 1991, 277-316;
18. Confronte-se Hernani CIDADE, A Literatura Portuguesa e a Expansão Ultramarina, vol.I, Coimbra, 1963.
12
mercador"33
Na Índia, segundo Luís F. Reis Thomaz e Genevieve Bouchon34, a classe dirigente
apresenta-se como um clã, composto por um grupo restrito da famílias, na sua maioria
da velha nobreza anterior à crise de 1383-1385. Ainda, segundo os mesmos, há uma
continuidade das famílias no processo de descobrimento e ocupação: "les fils se
combattants à Ceuta em 1415 se battent à Tanger en 1437 ou à Alcacer-Ceguer en
1458, leurs petits-fils conquièrent Arzila en 1471 ou se battent à Toro en 1475, les fils
de ceux-ci commencent à apparaitre en Indie"35. Esta ideia pode ser certificada com
o testemunho de um dos descendentes do primeiro capitão do Funchal: João
Gonçalves Zarco. Em 1526 João de Melo da Câmara, irmão do capitão da ilha de S.
Miguel, justificava a sua capacidade de povoador do seguinte modo: "porque a ilha da
Madeira meu bisavô a povoou, e meu avô a de São Miguel e meu tio a de São Tomé,
e com muito trabalho, e todas do feito que se vê..."36. Estes dois mil colonos que ele
se propunha levar para a colonização do Brasil não eram "da espécie de tomarem
índias por concubinas e de viverem na terra sem a fazerem produzir". Não sabemos
se, com tão valiosa tradição e intenção, conseguiu os seus intentos. Outra família é
também protagonista de rumo idêntico. São os Betencourts, que da Normandia,
através das Canárias, avançam a todo o espaço atlântico. São um exemplo de família
atlântica37.
No caso do Brasil o processo foi distinto. Entre 1532 e 1548 tivemos o sistema de
capitanias. Os seus usufrutuários são capitães e altos funcionários a quem a coroa
procura compensar os serviços prestados no Indico38. A mudança foi operada em
1549 por iniciativa de D. João III, que procurou a unidade política e administrativa do
Brasil através da criação do cargo de governador-geral, entregue a Tomé de Sousa. É
a política de povoamento dos demais espaços atlânticos, que levará a uma forte
presença dos obreiros madeirenses para o lançamento da cultura da cana de açúcar39.
Tal como o refere João Paulo COSTA40 este permanente fluxo migratório é
alargado a todos os estratos sócio-profissionais, com especial incidência para os
"comerciantes, sacerdotes, marinheiros, guerreiros e missionários" que "trilharam
juntos os mesmos caminhos, falaram às mesmas gentes, perscrutaram o mesmo
horizonte infinito de água...". A bordo das embarcações iam os soldados para a peleja,
os funcionários que defendem os interesses da coroa e os missionários como arautos
da fé. Estes últimos, segundo José Pereira da Costa41, são na maioria estrangeiros,
"sob a égide da coroa portuguesa". É de salientar que eles são companheiros
inseparáveis dos povoadores e conquistadores. Sucedeu assim na Madeira, em 1420,
como para o Oriente no século XVI. Vasco da Gama em 1498 fez-se acompanhar
33 Vitorino Magalhães Godinho,"As ilhas atlânticas.Da geografia mitica à construção das economias oceânicas", in Actas do I
Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1989, 47.
34. Voyage dans les Deltas du Gange et de l'Irraouaddy. 1521, Paris, 1988, pp.367-413.
35.Ibidem, p.410.
36 História da Colonização Portuguesa do Brasil, vol.III, 90.
37 J. Moniz BETTENCOURT, Os Betttencourt. Das origens normandas à expansão atlântica, Lisboa, 1993.
38 Veja-se História da Colonização Portuguesa do Brasil, vol.III, pp.160-258.
39 Gilberto FREIRE, Aventura e Rotina, 2ª ed., s.d., 440-449; David F. GOUVEIA, "A manufactura açucareira madeirense
1420-1550", in Atlântico, nº.10, 1987, 115-131.
40. ""As missões cristãs em África", in Portugal no Mundo, vol. III, 1989, p.88.
41 "Comunicação sobre a Relação da viagem que fizerão de Lisboa para Macao na galera Novo paquete 5 congregados de
missão: Henriques e Almeida sacerdotes: cinco subdiaconos Amorim e Pinto menoristas em 1831", in Studia, nº.48, 1989, 369-
444.
15
apenas de dois religiosos, mas Pedro Álvares Cabral em 1502 levou 8 padres
capelães, 1 vigário e um grupo de franciscanos sob as ordens de Frei Henrique
Álvares42. A missão destes religiosos não se resumia apenas a assegurar a actividade
de culto, a bordo e nos locais de fixação, à conversão dos gentios, pois podem ter
também a missão específica de embaixadores. Depois foi a fixação com a criação de
casas de franciscanos, dominicanos e, finalmente, jesuítas. Isto provocou a ida de
muitos clérigos, oriundos do reino ou estrangeiro43. A estes juntam-se outros grupos
de degredados ou aventureiros44 e também os judeus, que fundiram a sua diáspora
com a dos descobrimentos. O ano de 1497 marca o início dessa diáspora da
comunidade judaica portuguesa, que fê-los chegara ao Norte de África, às ilhas, Costa
da Guiné e Brasil45. Um dos factos mais significativos deste fluxo étnico sucedeu em
S. Tomé com a ida em 1470 de 2000 crianças judias, arrancadas do seio da família
para as terras inóspitas do Golfo da Guiné46. É de salientar que a presença da
comunidade judaica nas terras da Costa da Guiné foi importante, tornando-se, por
vezes, incómodos pela sua condição de lançados47. Tudo isto é revelador de algumas
especificidades deste fluxo migratório provocado pelos descobrimentos. Às crianças
judias enviadas para S. Tomé juntam-se as "órfãs del rei" no Oriente a partir de 1545.
Estas foram recrutadas em Lisboa e Porto e conduzidas à Índia com a promessa de um
dote e casamento48.
A presença da mulher nas expedições rege-se por determinadas regras49. Aqui, ao
contrário de Castela50, a coroa portuguesa nunca promoveu a saída da mulher, pois
toda a política foi, no início, de desencorajamento. Os descobrimentos parecem
conjugar-se no masculino. Primeiro, ela só está presente nos casos de ocupação nas
ilhas e Norte de África, sendo proibida, nos primeiros dez anos, a bordo das caravelas
da Índia. Depois a necessidade de fixação no Indico mudou a política promovendo a
coroa a migração do sexo feminino. É de salientar que, quer em Marrocos, quer no
Oriente, algumas mulheres ficaram nos anais da História pelo empenho na defesa das
praças ou guarnições em momentos de aflição.
42 Manuel dos Santos ALVES, "A cruz, os diamantes e os cavalos: Frei Luís do Salvador, primeiro missionário e embaixador",
in Mare Liberum, nº.5, 1993, pp.9-20.
43 Sobre esta temática confronte-se: António BRÁSIO, História e missiologia, Luanda, 1973; C. R. BOXER, A igreja e a
expansão ibérica.1440-1770, Lisboa, 1975; Francisco Leite de FARIA, "Evangelização das terras descobertas no tempo de
Bartolomeu Dias", in Congresso Internacional Bartolomeu Dias e a sua época.Actas, vol.V, Porto, 1989; João Paulo Oliveira e
COSTA, "As missões cristãs em Africa", "As missões cristãs na China e no Japão",in Portugal no Mundo, vol.III, 1989, 88- 103,
143-157; Luís Filipe F. R. THOMAZ, "Descobrimentos e evangelização. Da cruzada à missão pacífica", in Congresso
Internacional de História. Missionação Portuguesa e encontro de culturas.Actas, vol I, Lisboa, 1993, 81-129.
44 Veja-se Luís de ALBUQUERQUE, Navegadores, viajantes e aventureiros portugueses. séculos XV e XVI, 2 vols, Lisboa,
1987
45. São muitos os estudos sobre os Judeus em Portugal, confronte-se a síntese actualizada de Maria José FERRO, Los judíos en
Portugal, Madrid, 1992.
46. Samuel USQUE, Consolação às tribulações de Israel, Coimbra, 1906.
47 Maria Emília Madeira SANTOS, "Origem e desenvolvimento da colonização. Os primeiros lançados na Costa da Guiné.
Aventureiros e comerciantes", Portugal no Mundo, vol.II, pp.125-136.
48. Confronte-se C.R.BOXER, A mulher na expansão portuguesa ultramarina ibérica, Lisboa, 1977.
49 Sobre a presença da mulher na expansão veja-se: Elaine Sanceau, Mulheres portuguesas no ultramar, Porto, 1979; C.R.
Boxer, A mulher na expansão ultramarina ibérica, Lisboa, 1977; Maria Regina Tavares da Silva, Heroínas da Expansão e
Descobrimentos, Lisboa, 1989.
50 Veja-se Richart KONETZKE, "La imigración de mujeres españolas a América durante la época colonial", in Revista
Internacional de Sociologia, nº.9-10, Madrid, 1945.
16
51. Veja-se no caso do Oriente o estudo de Luís de ALBUQUERQUE e José Pereira da COSTA, "Cartas de serviço da
Índia(1500-1550)", in Mare Liberum, nº.1, 1990, 309-396.
52. Confronte-se Luís Miguel DUARTE e José Augusto P. de Sotto Mayor PIZARRO, "Os forçados das galés(os barcos de João
da Silva e Gonçalo Falcão na conquista de Arzila em 1471)", in Congresso Internacional.Bartolomeu Dias e a sua época. Actas,
vol. II, Porto, 1989, pp.313-328.
53. Citado por Pedro de AZEVEDO, Documentos das chancelarias reais anteriores a 1531 relativos a Marrocos, t.I, Lisboa,
1915, p.XIII.
54. "Diálogos do sítio de Lisboa", in Antologia dos Descobrimentos Portugueses(século XVII), Lisboa, 1974.
55. Veja-se o que aduz, ainda que para uma situação distinta, Manuel HERNANDEZ GONZALEZ, "La emigración a America
como valvula de escape de las tensiones sociales en Canarias durante el siglo XVIII. Las actitudes sociales ante la delinduencia",
in Antonio EIRAS ROEL(ed.), La emigración española a ultramara, 1492-1914, Madrid, 1991, pp.311-316.
56 Carta régia de 18 de Maio, ANTT, Chanc. de D. Afonso V, lº.10, fl.44vº, publ. V.M. Godinho, Documentos sobre a expansão,
t. I, pp.215-216.
57 Veja-se Vitor RODRIGUES, "A guiné nas cartas de perdão(1463-1500)", in Congresso Internacional. Bartolomeu Dias e a
sua Época. actas, vol IV, Porto, 1989, pp.397-412.
58 Elaine SANCEAU, "O degredado João Machado", in Casos e Curiosidades, Porto, 1957, pp.181- 191; Maria Augusta Lima
CRUZ, "As andanças de um degredado em terras perdidas -João Machado", in Mare Liberum, nº.5, 39-47.
17
degredo para S. Tomé, mas acabou por acompanhar Vasco da Gama, como língua.
Ficou em Moçambique e lançou-se a uma vida de aventura por Quíloa, Mombaça,
Melinde e Cambaio. Colocou-se ao serviço dos turcos e depois passou para o lado do
portugueses, acabando por falecer em 1517 numa escaramuça contra o inimigo. Este
não é caso único. Outros o sucederam como lançados no sertão, onde se perderam ou
desertaram. O que mais se evidencia neste grupo é a grande capacidade de adaptação
às adversidades da sua aventura, como o exemplifica João Machado.
onde tomou alguns indígenas que conduziu à Madeira. Aliás, nas inúmeras viagens
organizadas por portugueses entre 1424 e 1446, surgem escravos, que depois são
vendidos na Madeira ou em Lagos. A partir de meados do século XV as referências a
escravos canários na ilha da Madeira como pastores e mestres de engenho são
assíduas 66. A sua presença na ilha deveria ser importante nas últimas décadas do
século XV. Os documentos clamando por medidas para acalmar a sua rebeldia são
indício disso. Muitos deles, fiéis à tradição de pastoreio, mantiveram-se fiéis a este
ofício na Madeira.
Estranhamente, nos testamentos do século XV, não encontramos indicação de
qualquer escravo guanche. Para além dos dois escravos que possuía o capitão Simão
Gonçalves da Câmara, sabe-se que João Esmeraldo, na Lombada da Ponta do Sol, era
também detentor de escravos desta origem, sem ser referido o número67. Cadamosto,
na primeira passagem pelo Funchal em 1455, refere ter visto um canário cristão que
se dedicava a fazer apostas sobre o arremesso de pedras68. Será que o Pico Canário
(Santana) e o lugar do Canário(Ponta de Sol) referem-se ao escravo ou ao pássaro tão
comum nestes arquipélagos ?
Nos anos de 1445 e 1446 estão documentadas diversas expedições às Canárias,
que contribuíram para o aumento das presas de escravos do arquipélago na Madeira.
Em 1445 ambos os capitães da ilha - Tristão Vaz e Gonçalves Zarco - enviaram
caravelas de reconhecimento à costa africana, mas o fracasso da viagem levou-os a
garantirem a despesa com uma presa em La Gomera. Álvaro Fernandes fez dois
assaltos em La Gomera e em 1446 foi enviado por João Gonçalves Zarco, referindo
Zurara a intenção de realizar alguma presa. A última expedição, bem como as acima
citadas revelam que os escravos canários adquiriram uma dimensão importante na
sociedade madeirense pela sua intervenção na pastorícia e actividade dos engenhos.
Aqui, a exemplo das Canárias, eles, nomeadamente, os fugitivos foram um quebra-
cabeças para as autoridades. Foi como resultado desta situação insubmissa, de livres e
escravos, que o senhorio da Madeira determinou em 148369 uma devassa, seguida de
uma ordem de expulsão em 149070. De acordo com este último documento todos os
escravos canarios, oriundos de Tenerife, La Palma, Gomera e Gran Canaria,
exceptuando-se os mestres de açúcar as mulheres e as crianças, deveriam ser expulsos
do arquipélago. As reclamações dos funchalenses, sintoma de que se sentiam
prejudicados e de que esta comunidade era importante, levou o infante a considerar
apenas os forros71.
A 4 de Dezembro de 1491 houve reunião extraordinária da câmara para deliberar
sobre o assunto. A ela assistiram o capitão do Funchal, Simão Gonçalves da Câmara,
os oficiais concelhios e homens bons. Ao todo eram vinte e cinco, destes onze
votaram a favor da saída de todos, nove apenas dos forros e quatro à sua continuidade
na ilha. Dos primeiros registe-se a opinião de João de Freitas e Martim Lopes, que
justificam a sua opção, por todos os canarios, livres ou escravos, serem ladrões.
Todavia para Mendo Afonso não é assim que se castigava tais atropelos, pois existia a
forca como solução. Se consideramos, por hipótese, que cada um dos presentes
66
. Lothar SIEMENS y Liliana BARRETO, "Los esclavos aborigenes canarios en la isla de la Madera (1455-1505)", in AEA., nº
20, 1974, 111-143. Aqui utilizamos o termo canário para designar os escravos oriundos do arquipélago das Canárias, não
obstante esse termo querer significar os habitantes de Gran Canária. Mas segundo Gaspar FRUTUOSO (Ob. cit., livro primeiro,
p. 73) "desta (Gran Canaria) tomaram o nome geral de canários os habitadores das outras, ainda que também seus particulares
nomes".
67
. Gaspar FRUTUOSO, Livro primeiro das Saudades da Terra. P. Delgada, 1979, 124.
68
. José Manuel GARCIA, Viagens dos descobrimentos, Lisboa, 1983, p. 86.
69
.A.H.M, vol.XV, pp.122-134.
70
.Ibidem, vol. XVI, pp.240-244
71
.Ibidem, vol.XVI, pp.260-265.
20
pretendia defender os seus interesses, podemos concluir que catorze dos presentes
eram proprietários de escravos canários. Em 150372 o problema ainda persistia,
ordenando o rei que todos eles fossem expulsos num prazo de dez meses. De novo o
rei retrocedeu abrindo uma excepção para aqueles que eram mestres de açúcar e dois
escravos do capitão Bastiam Rodrigues e Catarina-, por nunca terem sido pastores73.
Por tudo isto podemos concluir que as Canárias afirmaram-se no século XV como
o principal fornecedor de escravos, complementando com as presas dos assaltos à
costa marroquina e viagens para sul. Os canários foram na ilha pastores e mestres de
engenho.
72
.Ibidem,vol.XVII, pp.440441.
73
.Ibidem, vol.XVII, pp.450-451
74
. Francisco de Athayde M. de Faria e MAIA, Capitães dps Donatários (1439-1766), Lisboa, 1972, 60.
75
. V. M. GODINHO, ob. cit., IV, 191; Fortunato de Almeida, ob. cit., VOL. XI, 110.
21
76
. A.R.M., C.M.F., tomo I, fls. 223 vo-225, sentença régia isentando os moradores da Madeira do pagamento de dízima nos
escravos que levarem para Lisboa, para seu serviço, publ. in A.H.M., Vol. XVI, 1973, nº 161, pp. 269-271.
77
. A.R.M., C.M.F., t. I, fls. 226.229vo., 7 de Novembro de 1466, "Apontamentos do infante D. Fernando, em resposta de outros",
in A.H.M., XV, 1972, doc. 13, 38.
78
. A.R.M., C.M.F., t. 1,fl.169, in A.H.M., vol. XV, 1973, doc. nº 131, p. 226, em anexo documental nº 23.
79
. Ibidem, tomo velho, fl. 11, em anexo documental nº 18.
80
. A.R.M., Misericórdia do Funchal, nº 710, fls. 308-309, testamento de 3 de Fevereiro de 1557.
81
. A.H.P.L.P., Lorenzo de Palenzuela, nº 844, fl. 109; Manuel LOBO CABRERA, "Los mercadores y la trata de esclavos en
Gran Canaria", in Homenage a Alfonso Trujillo, II, Santa Cruz de Tenerife, 1982, 59 e 71.
82
. A.R.M., Misericórdia no Funchal, 684, fl. 785-90 vo., em anexo documental nº 4.
83
. Os seus bens móveis foram avaliados em 1.231.000rs a que se deverá somar as dívidas no valor de 30.600 rs; desse elevado
pecúlio entregou 74.000 rs para encargos pios e 209.999rs pelos familiares, escravos e testamenteiro.
22
AS ROTA DA DIÁSPORA.
84
. A.R.M., Documentos Avulsos, cx. 2, nº 194, em anexo documental, nº 29.
85
. Idem, C.M.F., t. 3, fl. 137 vo-138, em anexo documental, nº 30.
86
.Confronte-se Maria do Carmo Dias FARINHA, "A Madeira nos arquivos da inquisição", in Actas do I Colóquio
Internacional de História da Madeira, vol.I, Funchal, 1990, pp.689-742. O seu estudo foi feito por Fernanda
OLIVAL,"Inquisição e a Madeira. visita de 1618", in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira, vol. II,
Funchal, 1990, 764-818; "A visita da Inquisição à Madeira em 1591-1592", in Actas. III Colóquio Internacional de História da
Madeira, Funchal, 1993, 493-520.
23
judaica, o que poderá resultar das facilidades iniciais à sua fixarão. Deste modo o
tribunal interveio apenas nas primeiras ilhas levando a tribunal alguns judeus, mas
poucos, a avaliar pela comunidade aí existentes e insistente permanência. Em finais
do século dezasseis foram arrolados 94 cristãos novos, mas em 1618 o seu número
não passou de 5, quando sabemos que em 1620 eram 58 os judeus que pagava a taxa.
Entretanto no intervalo de tempo entre as visitas o tribunal fazia-se representar pelo
bispo, clero, reitores do colégio dos jesuítas, "familiares" e comissários do Santo
oficio.
A presença da comunidade judaica era evidente. Os judeus, maioritariamente
comerciantes, estavam ligados, desde o início, ao sistema de trocas nas ilhas, sendo os
principais animadores do relacionamento e comércio a longa distância. A criação do
tribunal do Santo ofício em Lisboa conduziu a que avançassem no Atlântico: primeiro
nas ilhas e depois no Brasil. Tal diáspora fez-se de acordo com os vectores da
economia atlântica pelo que deixavam atrás um rasto evidente na sua rede de
negócios. O açúcar foi sem dúvida um dos principais móbeis da sua actividade, quer
nas ilhas, quer no Brasil. A par disso, o relacionamento destes espaços com os portos
nórdicos conduziu a uma maior permeabilidade às ideias protestantes, o que gerou
inúmeras cuidados por parte do clero e do Santo ofício. A incidência do comércio da
Madeira no açúcar, pastel e vinho conduziu ao estabelecimento de contactos assíduos
com os portos da Flandres e Inglaterra, que não era bem visto pelo tribunal. Isto
deverá ter favorecido a presença de uma importante comunidade, o que veio a
avolumar as preocupações dos inquisidores.
Na Madeira, a presença da comunidade britânica era evidente mas manteve-se
ilesa. O bispo funchalense, D. Frei Lourenço de Távora, no sínodo realizado em 15 de
Junho de 1615 chamou a atenção para a presença de estrangeiros "de partes
infeccionadas na fé", apelando para a necessidade de se cumprir o estabelecido em
1608 pelo prelado anterior que determinara "que os tais estrangeiros cismáticos e
hereges não podem tratar nem disputar com a gente da terra sobre a fé, nem fazer
cousa, que dece escandalo". Isto derivava certamente da assídua frequência de
mercadores ingleses à cidade do Funchal, que assumiam uma posição dominante nas
trocas externas. Todavia, é reduzido o número de anglicanos denunciados, sendo
apenas quatro em 1618. Analisadas as denúncias e confissões de madeirenses e
açorianos perante os inquisidores conclui-se por uma incapaz intervenção do clero no
ensino da doutrina aos leigos. A maioria dos réus é resultado da ignorância dos
cânones católicos. A mesma ideia é-nos transmitida através das visitas paroquiais,
disponíveis e já divulgadas. Deste modo poder-se-á afirmar que as orientações
tridentinas tardaram em chegar às ilhas e que a inércia e o fraco nível cultural do clero
terão sido os principais responsáveis disso.
Em 1689 é a vez de um protestante britânico, John Ovington, de visita à Madeira
apontar o estado de formação e comportamento social do clero e leigos. Acerca do
primeiro refere que os jesuítas "apenas um em três com quem conversei compreendia
o latim", enquanto os cónegos da Sé "são habeis na sua capacidade de inventar razões
para defenderem a sua indolência" e "todos fingem um grande ardor na sua fé". Dos
leigos católicos refere a sua propensão para o crime de homicídio tendo como
resguardo o recurso à comunidade eclesiástica, concluindo da seguinte forma: "Estes
cristãos são tão desregrados na prática deste crime como indulgentes nos castigos
merecidos por tais acções". Eis um breve e incisivo retrato do catolicismo madeirense
que, não obstante ser traçado por um protestante, molestado com o tratamento feito
para com os seus compatrícios, não estava longe de espelhar a pratica e quotidiano
religioso da Madeira e demais ilhas.
24
De entre as culturas que a Europa deu ao mundo atlântico aquelas que assumiram
maior valor económico e condicionaram a História dos espaços onde foram lançadas
merecem destaque a vinha, a cana sacarina e o pastel.
ROTA DO VINHO. O ritual cristão fez valorizar o pão e o vinho que, por isso
mesmo, acompanharam o avanço da Cristandade. Em ambos os casos foi fácil a
adaptação às ilhas aquém do Bojador o mesmo não sucedendo com as da Guiné.
Deste modo a viticultura ficou reservada às do Mediterrâneo Atlântico, onde o vinho
adquiriu um lugar importante nas exportações. A evolução da safra vitivinícola
madeirense dos séculos quinze e dezasseis só pode ser conhecida através do
testemunho de visitantes estrangeiros, uma vez que é escassa a informação nas fontes
diplomáticas. A documentação e os visitantes, entre os sécs. XVIII/XIX, foram
unânimes em considerar o vinho como a principal e total riqueza da ilha, a única
moeda de troca. A Madeira não tinha com que acenar aos navios que por aí passavam,
ou a demandavam, senão o copo de vinho. Tudo isto fez aumentar a dependência da
economia madeirense.
Desde o século XVII o ilhéu traçou a rota no mercado internacional,
acompanhando o colonialista nas expedições e fixação na Ásia e América. O
comerciante inglês, aqui implantado desde o séc. XVII, soube tirar partido do produto
fazendo-o chegar em quantidades volumosas às mãos dos seus compatriotas que se
haviam espalhado pelos quatro cantos do mundo colonial europeu. O movimento do
comércio do vinho da Madeira ao longo dos sécs. XVIII e XIX imbrica-se de modo
directo no traçado das rotas marítimas coloniais que tinham passagem obrigatória na
ilha. A estas fundamentais juntavam-se outras subsidiárias, quase todas sob controlo
inglês: são as rotas da Inglaterra colonial que fazem do Funchal porto de refresco e
carga de vinho no seu rumo aos mercados das Índias Ocidentais e Orientais, donde
regressavam, via Açores, com o recheio colonial; são os navios portugueses da rota
das Índias, ou do Brasil que escalam a ilha onde recebem o vinho que conduzem às
praças lusas; são, ainda, os navios ingleses que se dirigem à Madeira com
manufacturas e fazem o retorno tocando Gibraltar, Lisboa, Porto; e, finalmente, os
norte-americanos que trazem as farinhas para madeirense e regressam carregados de
vinho. Por isto o vinho ilhéu conquistou, desde o séc. XVI, o mercado colonial em
África, Ásia e América afirmando-se até meados do séc. XIX como a bebida por
excelência do colonialista e das tropas coloniais em acção. Regressado o colonialista à
terra de origem, depois do surto do movimento independentista, trouxe na bagagem o
vinho da ilha e fê-lo apreciar pelos patrícios.
Neste contexto releva-se a posição do mercado americano, dominado pelas
colónias das Índias Ocidentais e portos norte-americanos. O último destino
sedimentou-se, a partir da segunda metade do século XVII, mercê de um activo
relacionamento. Desde então o vinho da Madeira foi uma presença assídua nos portos
atlânticos - Boston, Charleston, N. York e Filadélfia, Baltimore, Virginia - onde era
trocado por farinhas88. Esta contrapartida reforçou o relacionamento comercial e
actuou como circunstancia favorecedora do progresso da economia vitivinícola.
Assim, se nos séculos XV e XVI a afirmação da cultura dos canaviais foi conseguida
88 Cf. Jorge Martins RIBEIRO, "Alguns aspectos do comércio da Madeira com a América na segunda metade XVIII", in Actas
III Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1993, pp.389-401.
27
com o suprimento de cereais dos Açores e Canárias, a partir de finais do século XVII
é na América do Norte que se situa o celeiro madeirense. Cedo a Madeira entrou na
esfera dos interesses norte-americanos, sendo o vinho o cartão de visita.
Nos demais arquipélagos foi apenas nas Canárias e Açores que a cultura da
vinha e o comércio do vinho atingiram posição similar à Madeira89. Os mercados
foram os mesmos sendo disputados com extrema concorrência. Note-se que estas,
entenda-se os arquipélagos dos Açores, Canárias e Madeira, ficaram conhecidas na
documentação oficial norte-americana como as ilhas do vinho90. Neste caso a
Madeira e os Açores, face aos privilégios concedidos pela coroa britânica no período
após a Restauração-- as actas de navegação de 1660 e 1665 e o tratado de Methuen
em 1703-- conseguiram firmar uma posição de destaque neste mercado. Mas nos
séculos seguintes apagaram-se estas diferenças e o vinho das ilhas entrava em pé de
igualdade nos portos e mesa dos norte-americanos.
89
. António Béthencourt Massieu, Canarias e Inglaterra el Comercio de Vinos(1650-1800), Las Palmas, 1991;Manuel Lobo
Cabrera, El Comercio del Vino entre Gran Cnaria y las Indias en el Siglo XVI, Las Palmas,,1993; Agustín Guimerá Ravina,
Burguesia Extranjera y Comercio Atlantico, La Empresa Comercial Irlandesa en Canarias(1703-1771), Madrid, 1985.
90 Veja-se A. GUIMERA RAVINA, "Las islas del vino (Madeira, Açores e Canarias) y la América inglesa durante el siglo
XVIII. Una aproximación a su estudio", in II C.I.H.M. Actas, Funchal, 1990, pp. 900-934, confronte-se Albert SILBERT, art.
cit., pp. 420-428.
91
. Alberto Vieira, A Rota do Açúcar na Madeira, Funchal, 1986
28
92
. António Carreira, Estudos de Economia Caboverdiana, Lisboa, 1982.
93 . Isabel Castro HENRIQUES, "O Ciclo do Açúcar em S. Tomé nos Séculos XV e XVI", in Portugal no Mundo, I, Lisboa,
1989, 271.
94.Monumenta Missionária Africana, IV, 1954, nº 6, 16-20.
95 . Ob. cit., 152-154.
96. Arquivo dos Açores, II, 130.
29
ROTA DA TECNOLOGIA
“...com sua pouca ciência e menos experiência, saiu aquele assuqre assim tão bom e
tão fino.”[ Gaspar Frutuoso, Livro Quarto das Saudades da Terra, vol.II, Ponta Delgada, 1981, p.211.]
97
. António Carreira, Panaria Cabo-Verdeano-Guineense, Cabo Verde, 1983.
98
. António Carreira, Estudos de Economia Caboverdiana, Lisboa, 1982.
30
99.Sobre a história dp engenho e a discussão das inovações tecnológicas o estudo mais importante foi publicado por John e
Cristian DANIELS, The origin of rhe sugar cane roller mill , Technology and Culture, vol. 29, nº. 3, 1988, pp.493_535.
100 . António ARAGÃO, A Madeira vista por estrangeiros, Funchal, 1981, p.87.
101
Gaspar Frutuoso, Livro Quarto das Saudades da Terra, vol.II, Ponta Delgada, 1981, p.209-212
102
. Gaspar Frutuoso, Livro Quarto das Saudades da Terra, vol.II, Ponta Delgada, 1981, p.211.
103 São vários os estudos sobre o tema. Veja_se:Frederick C. GJESSING, The tower windmill for guindering sugar cane, Virgin
Islands, 1977; MORENO FRAGINALS, El ingenio, La Habana, 1978; Marie Clarie AMOURE, Jean Vienne BEREN(eds), La
Production du vin et de l huile en Mediterranée, Paris, 1993, pp.477/481 e 540 e segs.
104 . História do Açúcar, 2 vols., Rio de Janeiro, 1952.
105 . The History of Sugar, 2 vols. Londres, 1940_50.
106. Cf. Carmelo Trasselli, Storia dello zuchero siciliano, Caltamissetta-roma, 1982. A tese foi defendida com base nos textos
Pietro Panzano(opusculum de autore, primordiis et progressu felicis urbis Panonri , 1471) e Gaspar Vaccaro Panebianco(Sul
richiamo della canna zucherina in sicilia e sulle ragioni che lo exigono, Lipomi, 1826), que conforme a publicação por Moacyr
Soares Pereira(1955) dos textos é evidente a falta de fundamento.
31
107 . RIO MORENO, Justo L. del, Los inicios de la agricultura europea en el Nuevo Mundo, (1492-1542), Sevilla, 1991, p.306
108 Fernando ORTIZ, Los Primitivos Técnicos Azucareros de America, La Habana, 1955, pp. 13_18. Confronte-se Moacir
Soares PEREIRA, A origem dos cilindros na moagem da cana (investigação em Palermo), Rio de Janeiro, 1955.
109 Cf. Estudos de J. Daniels e S. Mazumbar que seguem Moacyr Soares Pereira e Gil Methodio de Maranhão.
110. Cf. DANIELS, John e Christian Daniels, the origin of the sugar cane Roller mill, Tecnology and Culture; 1988, 29.3, pp.
493-535, SABBAN, François, l’industrie sucrière, le moulin a sucre et les relations Sino-Portugaises aux XVIe-XVIIIe siècles,
Annales, 49.4 (1994), 817-861, Idem, Continuité et rupture Histoire des Techniques sucrières en Chine Ancienne, Actas del
Tercer Seminario Internacional. Producción y Comercio del Azúcar de caña en Época Preindustrial, Granada, 1993, 247-265, J.
H. Galloway, The Technological Revolution in the Sugar Cane Industry During the Seventeenth century, ibidem, pp.211-228.
111. GOUVEIA, David Ferreira, O Açúcar da Madeira. A manufactura açucareira madeirense (1420-1550), in Atlântico, IV,
1985, 260-272
112 ANTT, Convento de Santa Clara, maço 13, nº 1, 4 Julho 1477.
113 AHM, Vol. XV, p. 150, Apontamentos de D. Manuel de 22 de Fevereiro.
114 António BAIÃO, O manuscrito de Valentim Fernandes, Lisboa, 1940, p. 112.
115 A. ARTUR, "Apontamentos históricos de Machico", in DAHM, nº 1, pp. 8_9. A dúvida está na data a atribuir ao inventário,
que está anexo ao seu testamento de 7 de Setembro de 1535, ou de 13 de Setembro de 1495, data do testamento de Isabel de
Vasconcelos sua esposa.
116 . ANTT, convento de Santa Clara, nº.12, 21 de Janeiro de 1546.
117 Eddi Stols, um dos primeiros documentos sobre o engenho Shetz, em São Vicente, Revista de História,1968.
32
118 . ARM., RGCMF, t. I, fl. 372v, publ. in Arquivo Histórico da Madeira, vol. XIX(1990)pp.79-80.
33
arquipélago afirmou-se uma ilha, servida por um bom porto de mar como o principal
eixo de actividade. No mundo insular português, por exemplo, evidenciaram-se, de
forma diversa, as ilhas da Madeira, Santiago e Terceira como os principais eixos.
As rotas portuguesas e castelhanas apresentavam um traçado diferente.
Enquanto as primeiras divergiam de Lisboa, as castelhanas partiam de Sevilha com
destino às Antilhas, tendo como pontos importantes do seu raio de acção os
arquipélagos das Canárias e Açores. Ambos os centros de apoio estavam sob
soberania distinta: o primeiro era castelhano desde o século XV, enquanto o segundo
português, o que não facilitou muito o imprescindível apoio. Mas por um lapso tempo
(1585-1642) o território entrou na esfera de domínio castelhano, sem que isso tivesse
significado maior segurança para as armadas. Apenas neste período se intensificaram
as operações de represália de franceses, ingleses e holandeses. As expedições ——
que teremos oportunidade de referir mais adiante—— organizadas pela coroa
espanhola na década de oitenta com destino à Terceira tinham uma dupla missão:
defender e comboiar as armadas das Índias até porto seguro, em Lisboa ou Sevilha, e
ocupar a ilha para aí instalar uma base de apoio e de defesa das rotas oceânicas. A
escala açoriana justificava-se mais por necessidade de protecção das armadas do que
por necessidade de reabastecimento ou reparo das embarcações. Era à entrada dos
mares açorianos, junto da ilha das Flores, que se reuniam os navios das armadas e se
procedia ao comboiamento até o porto seguro na península, furtando-os à cobiça dos
corsários, que infestavam os mares.
Desde o início que a segurança das frotas foi uma das mais evidentes
preocupações para a navegação atlântica pelo que ambas as coroas peninsulares
delinearam, em separado, um plano de defesa e apoio. Em Portugal tivemos, primeiro,
o regimento para as naus da Índia nos Açores, promulgado em 1520, em que foram
estabelecidas normas para impedir que as mercadorias caíssem nas mãos da cobiça do
contrabando e corso. A necessidade de garantir com eficácia tal apoio e defesa das
armadas levou a coroa portuguesa a criar, em data anterior a 1527, a Provedoria das
Armadas, com sede na cidade de Angra119. A nomeação em 1527 de Pero Anes do
Canto para provedor das armadas da Índia, Brasil e Guiné, marca o início da viragem.
Ao provedor competia a superintendência de toda a defesa, abastecimento e apoio às
embarcações em escala ou de passagem pelos mares açorianos. Além disso estava sob
as suas ordens a armada das ilhas, criada expressamente para comboiar, desde as
Flores até Lisboa, todas aquelas provenientes do Brasil, Índia e Mina. No período de
1536 a 1556 há notícia do envio de pelo menos doze armadas com esta missão.
Depois, procurou-se garantir nos portos costeiros do arquipélago um ancoradouro
seguro construindo-se as fortificações necessárias. Esta estrutura de apoio fazia falta
aos castelhanos nesta área considerada crucial para a navegação atlântica, e por isso
por diversas vezes solicitaram o apoio das autoridades açorianas. Mas a ineficácia ou
a necessidade de uma guarda e defesa mais actuante obrigou-os a reorganizar a
carreira, criando o sistema de frotas. Desde 1521 as frotas passaram a usufruir de uma
nova estrutura organizativa e defensiva. No começo foi o sistema de frotas anuais
artilhadas ou escoltadas por uma armada. Depois a partir de 1555 o estabelecimento
de duas frotas para o tráfico americano: Nueva Espana e Tierra Firme.
O activo protagonismo do arquipélago açoriano e, em especial, da ilha
Terceira é referenciado com certa frequência por roteiristas e marinheiros que nos
deram conta das viagens ou os literatos açorianos que presenciaram a realidade.
Todos falam da importância do porto de Angra que, no dizer de Gaspar Frutuoso, era
119. Confronte-se o nosso estudo sobre O Comércio inter-insular nos séculos XV e XVI, Funchal, 1987, 17-24.
34
120
Livro sexto das Saudades da Terra, Cap.II.
35
idêntica à dos Açores no final da travessia oceânica. Esta função da ilha de Santiago
com escala do mar oceano foi efémera. A partir da década de trinta do século XVI as
escalas são menos assíduas. O mar era já conhecido e as embarcações de maior calado
permitiam viagens mais prolongadas. Apenas os náufragos dos temporais aí aparecem
à procura de refugio.
O posicionamento das ilhas no traçado das rotas de comércio e navegação
atlântica fez com que as coroas peninsulares dirigissem para aí todo o empenho nas
iniciativas de apoio, defesa e controlo do trato comercial. As ilhas foram assim os
bastiões avançados, suportes e símbolos da hegemonia peninsular no Atlântico. A
disputa pelas riquezas em circulação tinha lugar em terra ou no mar circum-vizinho,
pois para aí incidiam os piratas e corsários, ávidos de conseguir ainda que uma magra
fatia do tesouro. Deste modo uma das maiores preocupações das autoridades terá sido
a defesa dos navios. Mas no caso das ilhas da Guiné isso nunca foi conseguido,
tardando, ao contrário do que sucedeu na Madeira, Açores e Canárias, o delineamento
de um sistema defensivo em terra e no mar. Isto explica a extrema vulnerabilidade
destes portos, evidente nas inúmeras investidas inglesas e holandesas na primeira
metade do século XVII.
O século é marcado por uma mudança total no sistema de rotas do Atlântico. Os
progressos no desenvolvimento da máquina a vapor fizeram com que se elaborasse
um novo plano de portos de escala, capazes de servirem de apoio à navegação como
fornecedores dos produtos em troca e do carvão para a laboração das máquinas. Nos
Açores o porto de Angra cedeu o lugar aos da Horta e Ponta Delgada, enquanto em
Cabo Verde a ilha de Santiago foi substituída pela de S. Vicente, lugar que disputava
com as Canárias. Entretanto o Funchal viu reforçada pela dupla oferta como porto
carvoeiro e do vinho da ilha, o que fez atrair inúmeras embarcações inglesas e
americanas. A par disso a posição privilegiada que os ingleses gozavam na ilha levou
a que eles se servissem do porto do Funchal como base para as actividades de corso
contra os franceses e castelhanos. Esta nova aposta no sector de serviços de apoio à
navegação comercial e de passageiros vai depender de uma outra política, a dos portos
francos.
O Funchal foi no século XVIII um centro chave das transformações sócio-
políticas então operadas, de ambos os lados do oceano, fruto da forte presença da
comunidade inglesa e o facto desta a ter transformado num importante centro para a
sua afirmação colonial e marítima, a partir do século XVII. Esta vinculação da ilha ao
império britânico é bastante evidente no quotidiano e devir histórico madeirenses dos
séculos XVIII e XIX121. A Madeira, no decurso do século XVIII, firmou a vocação
atlântica, contribuindo para isso o facto de os ingleses não dispensarem o porto do
Funchal e o vinho madeirense na sua estratégia colonial. As diversas actas de
navegação (1660, 1665), corroboradas pelos tratados de amizade, de que merece
relevo especial o de Methuen (1703)122, foram os meios que abriram o caminho para
que a Madeira entrasse na área de influência do mundo inglês123. Aos poucos, esta
comunidade ganhou uma posição de respeito na sociedade madeirense que, por vezes,
se tornava incomodativa124. A presença e importância da feitoria inglesa, no decurso
do século XVIII, é uma realidade insofismável. A comunidade inglesa passou a
121 Desmond GREGORY, The Beneficent Usurpers. A History of the British in Madeira, London, 1988.
122 Public Record Office, FO 811/1, cartas dos privilégios da nação britânica com Portugal desde 1401 a 1805.
123 J. H. FISHER, The Methuen a Pombal. O Comércio anglo-português de 1700 a 1770, Lisboa, 1984, p. 29.
124 Em 1754 o Governador Manuel Saldanha Albuquerque lamenta o exclusivo do comércio inglês na ilha (AHU, Madeira e
Porto Santo, nº.48-49).
36
pela questão dos sanatórios na Madeira, que teve como instigador a Inglaterra130.
Aqui, mais uma vez a Inglaterra usufruiu de uma posição favorável ao reivindicar a
tradição histórica da aliança131. A percepção desta importância das ilhas na afirmação
da hegemonia marítima britânica levou Thomas Ashe(1813)132 a reivindicar para os
Açores a transformação num protectorado britânico. Nos anos vinte os vapores
começaram a ceder lugar às "máquinas voadoras" e paulatinamente a aviação civil foi
conquistando o mercado de transporte de passageiros. Mesmo assim as ilhas
continuaram por muito tempo a manter o seu papel de apoio às rotas transatlânticas.
Nos Açores tivemos a ilha de Santa Maria, enquanto em Cabo Verde idêntico papel
foi atribuído à ilha do Sal desde 1939133.
Até ao aparecimento e vulgarização da telegrafia sem fios a estratégia de
circulação da informação assentava nas ilhas. A Madeira, a Horta e São Vicente
foram de novo motivo de disputa e interesses por ingleses e alemães134. A Horta
rapidamente se transformou num nó de amarração de cabos submarinos que ligavam a
Europa, América, África do Sul e Brasil, assinalando-se em 1926 a existência de
quinze cabos135. O mesmo acontecia na ilha de S. Vicente onde amarrou o primeiro
cabo inglês em 1874.
130 .Gisela Medina Guevara: As Relações Luso-Alemãs antes da Primeira Guerra Mundial. A Questão da Concessão dos
Sanatórios da Ilha da Madeira, Lisboa, 1997
131 .Cf. António José Telo, Os Açores e o Controlo do Atlântico, Lisboa, 1993.
132
. ASHE, T(homas), History of the Azores on Western Islands; Containing an Account of the Government, Laws and Religion,
the Martners, Ceremonies and Character of the Inhabitants and demonstrating the Importance of these Valuable Islands to the
British Empire, Ed. Sherwood, Neely, and Jones, Londres 1813. Confronte J. Reis Leite, " ,
133
. Francis M. Rogers, Atlantic Islanders of the Azores and Madeiras, Massachusetts, 1979, pp.191-208; R. E. G. Davies, A
History of the World´s Airlines, London, 1964.
134 . Paul Kennedy, "Imperial Cable Comunications and Strategy, 1870-1914", in The English Historical Review, vol. LXXXVI,
1971; Francis M Rogers, ob.cit., pp.175-190, 209-230; Charles Bright, Submarine Telegraphs: Their History, Construction and
Working, London, 1898; K. C. Baghahole, A Century of Service. A Brief History of Cable and Wireless Ltd 1868-1968, London,
1970; K. R. Haigh, Cableships and Submarine Cables, London, 1968; H. H. Schenck(org.), The World's Submarine Telephone
Cable Systems, Washington DC, 1975.
135 . F.S. Weston, "Os Cabos Submarinos nos Açores", in Boletim do Núcleo Cultural da Horta, vol. III, nº.2, 1963.
136 . Victor Morales Lezcano, Los Ingleses en Canarias. Libro de Viajes e Historias de Vida, Las Palmas de Gran Canaria, 1986,
p.124
38
mundo através de um estudo sistemático da fauna e flora137. Daqui resultou dois tipos
de literatura com públicos e incidências temáticas distintas. Os textos turísticos, guias
e memórias de viagem, que apelavam o leitor para a viagem de sonho à redescoberta
deste recanto do paraíso que se demarca dos demais pela beleza incomparável da
paisagem, variedade de flores e plantas. Já os tratados científicos apostam na
divulgação através daquilo que o identifica. As técnicas de classificação das espécies
da fauna e flora têm aqui um espaço ideal de trabalho. Algumas colecções foram
feitas para deleite dos apreciadores, que figuram em lista que antecede a
publicação.138.
O século XX anuncia-se como o momento ecológico. As preocupações com a
preservação do pouco manto florestal existente e da recuperação dos espaços ermos
eram acompanhadas da crítica impiedosa aos responsáveis. Não será inoportuno
recordar que as preocupações ambientalistas que vão no sentido de estabelecer um
equilíbrio do quadro natural e travar o impulso devastador do homem não são apenas
apanágio do homem do século XX. Na Madeira como nas demais ilhas sucedem-se
regimentos e posturas que regulamentam esta relação. Nas Canárias e nos Açores a
situação das diversas ilhas não foi uniforme. Os problemas de desflorestação fizeram-
se sentir com maior acuidade nas do primeiro arquipélago, Assim em Gran Canaria já
em princípios do século XVI a falta de madeiras e lenhas era evidente, assim o
testemunham as posturas e intervenção permanente das autoridades locais e a
coroa139. A solução estava no recurso às demais ilhas, nomeadamente Tenerife e La
Palma. Mas mesmo nestas começaram a fazer-se a sentir as mesmas dificuldades. Nos
Açores o facto de a cultura da cana não alcançar o mesmo sucesso da Madeira e
Canárias salvou o espaço florestal deste efeito predador.
O homem do século XVIII perdeu o medo ao meio circundante e passou a
olhá-lo com maior curiosidade e, como dono da criação, estava-lhe atribuída a missão
de perscrutar os segredos ocultos. É este impulso que justifica todo o afã científico
que explode nesta centúria. A ciência é então baseada na observação directa e
experimentação. A insaciável procura e descoberta da natureza circundante cativou
toda a Europa, mas foram os ingleses quem entre nós marcaram presença, sendo
menor a de franceses e alemães140. Aqui são protagonistas as Canárias e a Madeira.
Tudo isto é resultado da função de escala à navegação e comércio no Atlântico. Foi
também na Madeira que os ingleses estabeleceram a base para a guerra de corso no
Atlântico. Se as embarcações de comércio, as expedições militares tinham cá escala
obrigatória, mais razões assistiam às científicas para a paragem obrigatória. As ilhas,
pelo endemismo que as caracteriza, história geo-botânica, permitiram o primeiro
ensaio das técnicas de pesquisa a seguir noutras longínquas paragens. Também elas
foram um meio revelador da incessante busca do conhecimento da geologia e
botânica.
Instituições seculares, como o British Museum, Linean Society, e Kew
Gardens, enviaram especialistas para proceder à recolha das espécies. Os estudos no
domínio da Geologia, botânica e flora são resultado da presença fortuita ou
137. Mary L. Pratt, Imperial Eye.Travel Writing and Transculturation, N.Y., 1993; STAFFORD, B. M., Voyage into Substance -
Science, Nature and the Illustrated Travel Account 1770-1840, Cambridge, Mass., 1984, pp. 565-634
138. Estampas, Aguarelas e desenhos da Madeira Romântica, Funchal, 1988.
139 . Francisco Morales Padron, Ordenanzas del Concejo de Gran Canaria(1531), Las Palmas, 1974; José Peraza de Ayala, Las
Ordenanzas de Tenerife, Madrid, 1976; Pedro Cullen del Castilho, Libro Rojo de Gran Canaria o Gran Libro de Provisiones y
Reales Cédulas, Las Palmas, 1974. Alfredo Herrera Piqué, La Destrucción de los Bosques de Gran Canaria a comienzos del siglo
XVI, in Aguayro, nº.92, 1977, pp.7-10; James J. Pearsons, Human Influences on the Pine and Laurel Forests of the Canary
Islands, in Geographical Review, LXXI, nº3, 1981, pp.253-271.
140 Cf. "Algumas das Figuras Ilustres Estrangeiras que Visitaram a Madeira", in Revista Portuguesa, 72, 1953; A. Lopes de
Oliveira, Arquipélago da Madeira. Epopeia Humana, Braga, 1969, pp. 132-134.
39
intencional dos cientistas europeus. Esta moda do século XVIII levou a que as
instituições científicas europeias ficassem depositárias de algumas das colecções mais
importantes de fauna e flora das ilhas: o Museu Britânico, Linnean Society, Kew
Gardens, a Universidade de Kiel, Universidade de Cambridge, Museu de História
Natural de Paris. E por cá passaram destacados especialistas da época, sendo de
realçar John Byron, James Cook, Humbolt, John Forster. Darwin esteve nas Canárias
e Açores (1836) e mandou um discípulo à Madeira. Mas no arquipélago açoriano o
cientista mais ilustre terá sido o Príncipe Alberto I do Mónaco que aí aportou em
1885. James Cook escalou a Madeira por duas vezes em1768 e 1772, numa réplica da
viagem de circum-navegação apenas com interesse científico. Os cientistas que o
acompanharam intrometeram-se no interior da ilha à busca das raridades botânicas
para a classificação e depois revelação à comunidade científica. Em 1775 o navegador
estava no Faial e no ano imediato em Tenerife.
Os Arquipélagos da Madeira e Canárias, devido à posição estratégica na rota
que ligava a Europa ao mundo colonial, foram activos protagonistas nos rumos da
Ciência dos séculos XVIII e XIX. Já aos Açores estava, ao contrário, reservado o
papel de ancoradouro seguro antes de se avistar a Europa. Foi este papel
desempenhado pelo arquipélago desde o século XVI que o catapultou para uma
posição privilegiada na história de navegação e comércio do Atlântico. Nas Canárias a
primeira e mais antiga referência sobre a presença de naturalistas ingleses é de 1697,
ano em que James Cuningham esteve em La Palma. Os Séculos XVIII anunciam-se
como de forte presença, nomeadamente dos franceses. O contacto do cientista com o
arquipélago açoriano fazia-se quase sempre na rota de regresso de Africa ou América.
Para os americanos as ilhas eram a primeira escala de descoberta do velho mundo.
Por outro lado os Açores despertaram a curiosidade das instituições e cientistas
europeus. Os aspectos geológicos, nomeadamente os fenómenos vulcânicos foram o
principal alvo de atenção. Mesmo assim o volume de estudos não atingiu a dimensão
dos referentes à Madeira e Canárias pelo que Maurício Senbert em 1838 foi levado a
afirmar que a "flora destas ilhas [fora]por tanto tempo despresada", o que o levou a
dedicar-se ao seu estudo141.
As ilhas recriavam os mitos antigos e reservavam ao visitante um ambiente
paradisíaco e calmo para o descanso, ou, como sucedeu no século dezoito, o
laboratório ideal para os estudos científicos. O endemismo insular propiciava a última
situação. As ilhas forram o principal alvo de atenção de botânicos, ictiólogos,
geólogos. A situação é descrita por Alfredo Herrera Piqué a considera-las "a escala
científica do Atlântico"142. Os ingleses foram os primeiros a descobrir as qualidades
de clima e paisagem e a divulga-las junto dos compatriotas. É esta quase esquecida
dimensão como motivo despertador da ciência e cultura europeia desde o século
XVIII que importa realçar
Na Madeira aquilo que mais os emocionou os navegadores do século XV foi o
arvoredo, já para os cientistas, escritores e demais visitantes a partir do século XVIII o
que mais chama à atenção é, sem duvida, o aspecto exótico dos jardins e quintas que
povoam a cidade. Nas Canárias a atenção está virada para os milenares dragoeiros de
Tenerife. O Funchal transformou-se num verdadeiro jardim botânico e segue uma
tradição secular europeia. Eles começaram a surgir na Europa desde o século XVI: em
1545 temos o de Pádua, seguindo-se o de Oxford em 1621. Em 1635 o de Paris
preludia a arte de Versailles em 1662. Em todos é patente a intenção de fazer recuar o
paraíso143. As ilhas não tinham necessidade disso pois já o eram. Diferente é a atitude
do homem do século XVIII. Aliás, desde a segunda metade do século XVII que o seu
relacionamento com as plantas mudou. Em 1669 Robert Morison publica Praeludia
Botanica, considerada como o principio do sistema de classificação das plantas, que
tem em Carl Von Linné (Linnaeus) (1707-1778) o principal protagonista. A partir
daqui a visão do mundo das plantas nunca foi a mesma. Contemporâneo dele é o
Comte de Buffon que publicou entre 1749 e 1804 a "Histoire Naturelle, Générale et
Particuliére" em 44 volumes. Perante isto os jardins botânicos do século XVIII
deixaram de ser uma recriação do paraíso e passaram a espaços de investigação
botânica. O Kew Gardens em 1759 é a verdadeira expressão disso. Note-se que Hans
Sloane (1660-1753), presidente do Royal College of Physicians, da Royal Society of
London e fundador do British Museum, esteve na Madeira no decurso das expedições
que o levaram às Antilhas inglesas144.
A aclimatação das plantas com valor económico, medicinal ou ornamental
adquiriu cada vez mais importância. Aliás, foi fundamentalmente o interesse
medicinal que provocou desde o século XVII o desusado empenho pelo seu estudo145.
Assim em 1757 o inglês Ricardo Carlos Smith fundou no Funchal um dos jardins
onde reuniu várias espécies com valor comercial. Já em 1797 Domingos Vandelli
(1735-1816) e João Francisco de Oliveira no estudo sobre a flora apresentou no ano
imediato um projecto para um viveiro de plantas. O viveiro foi criado no Monte e
manteve-se até 1828. O naturalista francês, Jean Joseph d'Orquigny, que em 1789 se
fixou no Funchal foi o mentor da criação da Sociedade Patriótica, Económica, de
Comércio, Agricultura Ciências e Artes. Também na ilha de Tenerife, em Puerto de
La Cruz, Alonso de Nava y Grimón criou em 1791 um jardim de Aclimatação de
Plantas.
Na Madeira tivemos a proposta de Frederico Welwistsch146 para a criação de
um jardim de aclimatação no Funchal e em Luanda147. A ilha cumpriria o papel de
ligação das colónias aos jardins de Lisboa, Coimbra e Porto. Este botânico alemão
que fez alguns estudos em Portugal, passou em 1853 pelo Funchal com destino a
Angola. Já a presença de outro alemão, o Padre Ernesto João Schmitz, como professor
do seminário diocesano, levou à criação em 1882 um Museu de História Natural, que
hoje se encontra integrado no actual Jardim botânico. Só passado um século a
temática voltou a merecer a atenção dos especialistas. E várias vozes se ergueram em
favor da criação de um jardim botânico. Em 1936 refere-se uma tentativa frustrada de
criação de um Jardim Zoológico e de Aclimatação nas Quintas Bianchi, Pavão e
Vigia, que contava com o apoio do Zoo de Hamburgo148. A criação do Jardim
Botânico por deliberação da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal a 30 de
Abril de 1960 foi o corolário da defesa secular das condições da ilha para a criação e a
demonstração da importância científica revelada por destacados investigadores
botânicos que procederam a estudos149.
Nos Açores foi evidente a aposta nos jardins de aclimatação. Um dos
principais empreendedores foi José do Canto que desde meados do século XIX criou
diversos viveiros de plantas de diversas espécies que adquiriu em todo o mundo. Na
143. Richard Grove, Ecology, climate and Empire. Studies in colonial enviromental. History 1400-1940, Cambridge, 1997, p. 46;
J. Prest, The Garden of Eden: The Botanic Garden and the Re-creation of Paradise, New Haven, 1981.
144 Raymond R. Stearns, Science in the British Colonies of America, Urban, 1970
145 K. Thomas, Man and the Natural World. Changing attitudes in England. 1500-1800, Oxford, 1983, p. 27, 65-67.
146 . Cf. Ebarhard Axel Wilhelm, "Visitantes de língua Alemã na Madeira(1815-1915)", in Islenha, 6, 1990, pp.48-67.
147 . "um Jardim de Aclimatação na ilha da Madeira", in Das Artes e da História da Madeira, nº. 2, 1950, pp.15-16
148 César A. Pestana, A Madeira Cultura e Paisagem, Funchal, 1985, p.65
149 Cf Boletim da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, Abril de 1960; Rui Vieira, "Sobre o 'Jardim Botânico' da
Madeira ", in Atlântico, 2, 1985, pp.101-109.
41
150 . Fernando Aires de Medeiros Sousa, José do Canto. Subsídios para a História micaelense (1820-1898), Ponta Delgada,
1982, pp.78-113
151 . A Ilha de S. Miguel e o Jardim Botânico de Coimbra, in O Instituto, 1867, pp.3-61.
152 . Jose de Viera y Clavijo, Extracto de las Actas de la Real Sociedad Económica de amigos del Pais de las Palmas(1777-
1780), Las Palmas de Gran Canaria, 1981.
153. A Ilha da Madeira, Coimbra, 1927, p.173, 178
154 . Peter J. Bowler, Fontana History of environmental Sciences. N. Y., 1993.,p.111.
155 . Cf. K. Thomas, ibidem, pp.207-209, 210-260
42
156
. James Clark, The Sanative Influence of Climate, Londres, 1840; W. Huggard, A Handbook of Climatic Treatment, Londres,
1906; Nicolás González Lemus, Las Islas de la Ilusión. Británicos en Tenerife 1850-1900, Las Palmas, 1995; Zerolo, Tomás,
Climatoterapia de la Tuberculosis Pulmonar en la Península Española, Islas Baleares Y Canarias, Santa Cruz de Tenerife,
1889. O debate sobre o tema provocou a publicação de inúmeros estudos a favor e contra. Cf. Bibliografia textos de S. Benjamin
(1870), John Driver (1850), W. Gourlay (1811), M. Grabham (1870), R. White (1825).
157
. M. J. Báguerra Cervellera, La Tuberculosis y su História, Barcelona, 1992.
158
.António Ribeiro Marques da Silva. Apontamentos sobre o Quotidiano Madeirense (1750-1900), Lisboa, 1994, N. González
Lemus, Viajeros Victorianos en Canarias, Las Palmas, 1998.
159
Journal of a visit to Madeira and Portugal (1853-1954), Funchal, 1970. Todavia, a primeira viajante na ilha foi Maria Riddel
que em 1788 visitou a ilha durante 11 dias: A Voyage to The Madeira..., Edinburgh, 1792.
160
.Teneriffe and its six Satellites(1887)
161
. Na Madeira as autorizações de residência estão registadas para os anos de 1869 a 1879 e 1922 a 1937.
162
. A Guide to Madeira Containing a Short Account of Funchal, Londres, 1801.
163
. Madeira its Climate and Scenery containing Medical and General Information for Invalids and Visitors; a tour of the Island,
Londres, 1825.
164
. A Sketch of Madeira Containing Information for the Traveller or Invalid Visitor, Londres, 1851.
165
Madeira its Climate and Scenery. A Handbook for Invalids and other Visitors, Edinburg, 2ªed., 1857, 3ªed., 1860.
166
.Madeira its Scenery and How to See it with Letters of a Year's Residence and Lists of the Trees, Flowers, Ferns, and
Seaweeds, Londres, 1ªed., 1882, 2ª ed., 1889.
167
. The Invalid's Guide To Madeira With a Description of Tenerife..., Londres, 1840.
168
. Madeira and the Canary Islands.
169
. Madeira Its Climate and Scenery. A Handbook for Invalid and Other Visitors, Edimburgo, 1851.
43
visitors", enquanto em 1887 Harold Lee170 dirige-se aos "tourists" e em 1914 temos o
primeiro guia turístico de C. A. Power171. Este deverá marcar nas ilhas o fim do
chamado turismo terapeutico e o início do actual. A estes dois grupos junta-se um
terceiro que também merece atenção destes guias, isto é, o naturalista ou cientista172.
A Madeira firmou-se a partir da segunda metade do século dezoito como
estância para o turismo terapêutico, mercê das suas qualidades profiláticas do clima
na cura da tuberculose, o que cativou a atenção de novos forasteiros173. Aliás, a ilha
foi considerada por alguns como a primeira e principal estância de cura e
convalescença da Europa174. Note-se que no período de 1834 a 1852 a média anual de
Invalid's oscilava entre os 300 e 400, maioritariamente ingleses. Em 1859 construiu-
se o primeiro sanatório. O último investimento neste campo foi dos alemães que em
1903 através do princípe Frederik Charles de Hohenlohe Oehringen constituiu a
Companhia dos Sanatórios da Madeira. Da sua polémica iniciativa resultou apenas o
imóvel do actual Hospital dos Marmeleiros175.
Não temos dados seguros quanto ao desenvolvimento da hotelaria nas ilhas,
pois os dados disponíveis são avulsos176. Os Hotéis são referenciados em meados do
século XIX mas desde os inícios do século XV que estas cidades portuárias de activo
movimento de forasteiro deveriam possuir estalagens. A documentação oficial faz eco
desta realidade como se poderá provar pelas posturas e actas da vereação dos
municípios servidos de portos. No caso da Madeira assinala-se em 1850 a existência
de dois hotéis (the London Hotel e Yate's Hotel Family) a que se juntaram outros dez
em 1889177. Em princípios do século XX a capacidade hoteleira havia aumentado,
sendo doze os hotéis em funcionamento que poderiam hospedar cerca de oitocentos
visitantes178. A preocupação destes visitantes em conhecer o interior da ilha,
nomeadamente a encosta norte levou ao lançamento de uma rede de estalagens que
tem a sua expressão visível em S. Vicente, Rabaçal, Boaventura, Seixal, Santana e
Santa Cruz179. Tenha-se ainda em conta um conjunto de melhoramentos que tiveram
lugar no Funchal para usufruto dos forasteiros. Assim, desde 1848 com José Silvestre
Ribeiro temos o delinear de um moderno sistema viário, a que se juntaram novos
meios de locomoção: em 1891 o Comboio do Monte, em 1896 o Carro Americano e
finalmente o automóvel em 1904.
As Canárias, nomeadamente Tenerife e Furteventura, juntaram-se à Madeira
no turismo terapeutico desde meados do século XIX180. Note-se que em 1865 Nicolás
Benitez de Lugo construiu em La Orotava (Tenerife) "un estabelecimiento para
170
. Madeira and the Canary islands. A Handbook for Tourists, Liverpool, 1887.
171
. Tourist´s Guide to the Island of Madeira, Londres, 1914.
172
. C. A. Gordon, The Island of Madeira for the Invalid and Naturalis- "the Flower of the Ocean. The Island of Madeira: A
Resort for the Invalid; a Field for the Naturalist, Londres, 1896.
173
. As mais antigas referências a esta situação surgem em 1751 em texto de Thomas Heberden em Philosophal Transactions,
sendo corroborado pelo Dr. Fothergill em On Consuption Medical Observation (1775). Veja-se ainda J. Adams, Guide to
Madeira with an Account of the Climate, Londres, 1801; W. Gourlay, Observations on the Natural History, Climate and Desease
of Madeira During of Period os Sixteen Years, Londres, 1811.
174
. Hugo C. de Lacerda Castelo Branco, Le Climat de Madère. Ébauche d'une étude Comparative:Le Meilleur Climat du
Monde: Station Fixe et la Plus Belle d'Hiver, Funchal, 1936.
175
. Nelson Veríssimo, A questão dos Sanatórios da Madeira, in Islenha, 6, 1990, 124-144; Desmond Gregory, The Beneficient
Usurpers: A History of the British in Madeira, Londres, 1988, pp.112-124; F. A. Silva, Sanatórios da Madeira, in Elucidário
Madeirense, 1ª ed. 1921-22.
176
. Apenas a partir de 1891 temos o Registo de Licenças de Botequins, tabernas, Hoteis, Estalagens, Clubes e Lotaria(1891-
1901). Cf. Fátima Freitas Gomes, Hotéis e Hospedarias (1891-1901), in Atlântico, nº.19, 1989, 170-177.
177
. Isto de acordo com as informações de J. Driver (Guide to Visitors, Londres, 1850) e C. A. Mourão Pita (Madère, Station
Mèdicale Fixe, Paris, 1889).
178
. Marquês de Jácome Correia, A Ilha da Madeira, Coimbra, 1927, p.232
179
. Para S. Vicente veja-se nossos estudos sobre "Retratos de Viajantes e Escritores", Boletim Municipal. São Vicente, nº.3,
1995,pp.3-7; "O Norte na História da Madeira", in Boletim Municipal. São Vicente, nº.8, 1996,pp.7-15
180
. W. Cooper, The Invalid's Guide to Madeira with a Description of Tenerife, Londres, 1840; M Douglas, Grand Canary as a
heatlth Resort for Consummptives and Others, London, 1887; John Whiteford, The Canary Islands as a Winter Resort, Londres,
1890; George Victor Pérez, Orotava as a Health Resort, Londres, 1893.
44
extranjeros enfermos". Deverá ter sido nesta época que a ilha de Tenerife se estreou
como health resort, passando a fazer concorrencia com a Madeira, tendo a seu favor
melhores condições climáticas181. O Vale de La Orotava, através do seu porto (hoje
Puerto de La Cruz), afirma-se como a principal estância do arquipélago. Isto provocou
o desenvolvimento da industria hoteleira, que depois alastrou também à cidade de
Santa Cruz de Tenerife182.Vários factores permitiram esta rápida ascensão das ilhas de
Tenerife e Gran Canária na segunda metade do século XIX que assumiram
rapidamente a dianteira face à Madeira. A afirmação de Santa Cruz de Tenerife como
porto abastecedor de carvão aos barcos a vapor, a declaração dos portos francos em
1852 fizera atrair para aqui todas as linhas francesas e inglesas de navegação e
comércio no Atlântico. Esta aposta no turismo e serviços portuários permitiu uma
saída para a crise económica do arquipélago e uma posição privilegiada face à
concorrência da Madeira ou dos Açores183.
Nos Açores o turismo teve um aparecimento mais recente. Não obstante Bullar
(1841) referir a presença de doentes americanos na Horta foi reduzido o seu
movimento no arquipélago. Todavia, isto conduziu ao aparecimento do primeiro hotel
conhecido no Faial, em 1842. Em 1860 chegou o primeiro grupo de visitantes norte-
americanos, mas só a partir de 1894 ficaram conhecidos como tourists184.
A partir de finais do século XIX o turismo, tal como hoje o entendemos, dava
os primeiros passos. E foi como corolário disso que se estabeleceram as primeiras
infra-estruturas hoteleiras e que o turismo passou a ser uma actividade organizada e
com uma função relevante na economia. E mais uma vez o inglês é o protagonista
principal. Este momento de afluência de estrangeiros coincide ainda com a época de
euforia da Ciência nas Academias e Universidades europeias. Desde finais do século
XVII as expedições científicas tornaram-se comuns e a Madeira (Funchal) ou
Tenerife (Santa Cruz de Tenerife e Puerto de La Cruz) foram portos de escala, para
ingleses, franceses e alemãs.
A definição dos espaços económicos não resultou apenas dos interesses políticos e
económicos derivados da conjuntura expansionista europeia mas também das
181
. Note-se que em 1861 Richard F. Burton (Viajes a las Islas Canarias I. 1861, Puerto de La Cruz, 1999, p.26) que na sua
viagem todos os tuberculosos ficaram na Madeira.
182
.A. Hernández Gutiérrez, De la Quinta Roja al Hotel Taoro, Puerto de La Cruz, 1983; IDEM, Cuando los Hoteles eran
Palacios, Islas Canarias, 1990; A.Guimera Ravina, EL Hotel Marquesa, Puerto de la Cruz, 1988; IDEM, El Hotel Taoro, 1890-
1990.Cien Años de Turismo en Tenerife, Santa Cruz de Tenerife, 1991.
183
. Madeirenses e açorianos cedo se aperceberam desta realidade culpando as autoridades de Lisboa. Vide: João Augusto
d'Ornellas, A Madeira e as Canárias, Funchal, 1884; João Sauvaire de Vasconcelos, Representação da Câmmara Municipal da
Cidade do Funchal ao Governo de S. M. sobre Diversas Medidas Tendentes a Conservar e Arruinar a Navegação de passagem
neste Porto dos Paquetes Transatlânticos, Funchal, 1884; Visconde Valle Paraizo, Propostas Apresentadas pela Commissão
Nomeada em Assembleia da Associação Commercial do Funchal de 14 de Novembro de 1894 para Estudar as Causas do Desvio
da Navegação do Nosso Porto e do Afastamento de Forasteiros, Funchal, 1895; Maria Isabel João, Os Açores no século XIX,
Economia, Sociedade e Movimento Autonomista, Lisboa, 1991.
184
. Ricardo Manuel Madruga da Costa, Açores, Western Islands. Um Contributo para o Estudo do Turismo nos Açores, Horta,
1989.
45
condições internas, oferecidas pelo meio. Elas tornam-se por demais evidentes quando
estamos perante um conjunto de ilhas dispersas no oceano. São ilhas com a mesma
origem geológica, sem quaisquer vestígios de ocupação humana, mas com diferenças
marcantes ao nível climático. Os Açores apresentavam-se como uma zona temperada,
a Madeira como uma réplica mediterrânica, enquanto nos dois arquipélagos
meridionais eram manifestas as influências da posição geográfica, que estabelecia um
clima tropical seco ou equatorial. Daqui resultou a diversidade de formas de
valorização económica e social. As condições morfológicas estabelecem as
especificidades de cada ilha e tornam possível a delimitação do espaço e a sua forma
de aproveitamento económico. Aqui o recorte e relevo costeiro foram importantes. A
possibilidade de acesso ao exterior através de bons ancoradouros era um factor
importante. É a partir daqui que se torna compreensível a situação da Madeira
definida pela excessiva importância da vertente sul em detrimento da norte.
De acordo com as condições geo-climáticas é possível definir a mancha de
ocupação humana e agrícola das ilhas. Isto conduziu a uma variedade de funções
económicas, por vezes complementares. Deste modo nos arquipélagos constituídos
por maior número de ilhas a articulação dos vectores da subsistência com os da
economia de mercado foi mais harmoniosa e não causou grandes dificuldades. Os
Açores apresentam-se como a expressão mais perfeita da realidade, enquanto a
Madeira é o reverso da medalha. O processo de povoamento das ilhas definiu-lhes
uma vocação de áreas económicas sucedâneas do mercado e espaço mediterrânicos.
Assim o que sucedeu nos séculos XV e XVI foi a lenta afirmação do novo espaço,
tendo como ponto de referência as ilhas.
A mudança de centros de influência foi responsável porque os arquipélagos
atlânticos assumissem uma função importante. A tudo isso poderá juntar-se a
constante presença de gentes ribeirinhas do Mediterrâneo, interessadas em estabelecer
os produtos e o necessário suporte financeiro. A constante premência do Mediterrâneo
nos primórdios da expansão atlântica poderá ser responsabilizada pela dominante
mercantil das novas experiências de arroteamento aqui lançadas. Certamente que os
povos peninsulares e mediterrânicos, ao comprometerem-se com o processo atlântico,
não puseram de parte a tradição agrícola e os incentivos comerciais dos mercados de
origem. Por isso na bagagem dos primeiros cabouqueiros insulares foram
imprescindíveis as cepas, as socas de cana, alguns grãos do precioso cereal, de
mistura com artefactos e ferramentas. A afirmação das áreas atlânticas resultou deste
transplante material e humana de que os peninsulares foram os principais obreiros.
Este processo foi a primeira experiência de ajustamento das arroteias às directrizes da
nova economia de mercado. A sociedade e economia insulares surgem na confluência
dos vectores externos com as condições internas dos multifacetado mundo insular. A
sua concretização não foi simultânea nem obedeceu aos mesmos princípios
organizativos pelo facto de a mesma resultar da partilha pelas coroas peninsulares e
senhorios ilhéus. Por outro lado a economia insular é resultado da presença de vários
factores que intervêm directamente na produção e comércio.
Ao nível do sector produtivo deverá ter-se em conta a importância assumida,
por um lado, pelas condições geofísicas e, por outro, pela política distributiva das
culturas. É da conjugação de ambas que se estabelece a necessária hierarquia. Os
solos mais ricos eram reservados para a cultura de maior rentabilidade económica (o
trigo, a cana de açúcar, o pastel), enquanto os medianos ficavam para os produtos
hortícolas e frutícolas, ficando os mais pobres como pasto e área de apoio aos dois
primeiros. A Madeira, que se encontrava a pouco mais de meio século de existência
como sociedade insular, estava em condições de oferecer os contingentes de colonos
46
A CONTEXTUALIDADE ATLÂNTICA.
“A ilha da Madeira... que Deus pôs no mar ocidental para escala, refúgio,
colheita e remédio dos navegantes, que de Portugal e de outros regnos vão, e de
outros portos e navegações vêm para diversas partes, além dos que para ela
somente navegam, levando-lhe mercadorias estrangeiras e muito dinheiro para
se aproveitar do retorno que dela levam para suas terras...”.(Gaspar Frutuoso,
Livro segundo das Saudades da Terra, P.Delgada, 1979, pp.99-100)
185
. Sevilla y América. Siglos XVI y XVII, 43-48.
48
186
. "O comércio de cereais dos Açores para a Madeira no século XVII", in Os Açores e o Atlântico(séculos XIV-XVII), A.
Heroismo, 1984; "O comércio de cereais das Canárias para a Madeira nos séculos XVI e XVII", in VI Colóquio de História
Canario Americana, Las Palmas, 1984; "Madeira e Lanzarote. comércio de escravos e cereais no século XVII", in IV Jornadas
de História de Lanzarote e Fuerteventura, Arrecife de Lanzarote, 1989.
187
.O comércio inter-insular(Madeira, Açores e Canárias) nos séculos XV e XVI, Funchal, 1987.
188
.A.A.SARMENTO, A Madeira e as praças de África. dum caderno de apontamentos, Funchal, 1932: Robert RICARD, "Les
places luso-marocaines et les Iles portugaises de l'Atlantique", in Anais da Academia Portuguesa de História, II série, vol.II,
1949; António Dias FARINHA, "A Madeira e o Norte de África nos séculos XV e XVI", in Actas do I Colóquio Internacional
de História da Madeira.1986, vol.I, Funchal, 1989, pp.360-375.
49
acção devastadora no equilíbrio latente na economia das ilhas. Diferente foi o que
sucedeu aos colonos portugueses quando chegaram a Santiago e S. Tomé. Deste modo
houve necessidade de estruturar de forma diversa o povoamento das ilhas e as culturas
a implantar. O recurso aos africanos, como escravos ou não, foi a solução mais
acertada para transpor o primeiro obstáculo. Eles tinham uma alimentação diferente
dos europeus, baseada no milho zaburro, no arroz e inhame, culturas que aí, nas ilhas
ou vizinha costa africana, medravam com facilidade. Perante isto os poucos europeus
que aí se fixaram estiveram sempre dependentes do trigo, biscoito ou farinha,
enviados das ilhas ou do reino, ou tiveram que se adaptar à dieta africana. Junto ao
cereal plantou-se também os bacelos donde se extraía o saboroso vinho de consumo
corrente ou usado nos actos litúrgicos.
Esta extrema dependência dos espaços continentais, com especial destaque
para o europeu, não foi apenas apanágio dos primórdios da ocupação das ilhas. A
situação persistiu por mais de quatro séculos. Deste modo continuam na periferia da
economia europeia e do seu mercado colonial actuando de acordo com os ditames que
regem a política colonial. As culturas dominantes quase sempre em sistema de
monocultura obedecem a estes requisitos. Sucedeu assim com os panos e a cana
sacarina em Cabo Verde, com o cacau em S. Tomé e Príncipe, com a laranja nos
Açores e o vinho na Madeira.
A segunda metade do século XIX pode ser considerada como uma das fases
mais conturbadas da economia insular. É evidente aqui a capacidade manifestada pela
ilha de S. Miguel no reajustamento da sua economia. Assim a crise da laranja é
prontamente suplantada com uma variedade de culturas(batata doce, chá tabaco, e
ananás) e industrias(tabaco, álcool). Note-se que este momento é de aceso debate.
Este reajustamento do processo de exploração agrícola é parceiro de uma discussão
política sobre a forma de acabar com os entraves ao desenvolvimento económico.
Estas orientações vão desde a discussão do sistema tradicional de propriedade ao novo
regime de portos francos.
189. Manuel Lobo Cabrera," Relaciones entre Gran Canaria Africa y América a través de la trata de negros", in II Colóquio de
Historia Canario Americana, Las Palmas, 1977, 77-91; idem, La esclavitud en las Canarias orientales en el siglo XVI. negros,
moros y moriscos, Las Palmas, 1979, 104-110; Elisa TORRES SANTANA, "El comércio de Gran Canaria con Cabo Verde a
principios del siglo XVII", in II Coloquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1990, 761-778.
54
190 . E. VILA VILAR, Hispano-America y el Comercio de Esclavos. Los Asientos Portugueses, Sevilha, 1977; T. B. DUNCAN,
Ob.cit., 198/238.
191
Elisa Silva ANDRADE, As Ilhas de Cabo Verde da «Descoberta» à Independência Naciona(1460-1975), Lisboa, Paris, 1996:
Armando de CASTRO, O Sistema Colonial Português em África(meados do século XX), Lisboa, 1980.
56
192.As bulas de Eugénio IV (1445), Nicolau V (1450 e 1452) preludiaram o que veio a ser definido pela célebre bula "Romanus
Pontifex" de 8 de Janeiro de 1454 e "inter coetera" de 13 de Março de 1456. Nela se legitimava a posse exclusiva aos
portugueses dos mares além do Bojador pelo que a sua ultrapassagem para nacionais e estrangeiros só seria possível com a
anuência do infante D.Henrique.
193. Frei Serafim de Freitas, Do Justo Império Asiático dos Portugueses, vol. I, Lisboa, 1960.
57
194. Vitorino Magalhães Godinho, "As incidências da pirataria e da concorrência na economia marítima portuguesa no século
XVI", in Ensaios II, Lisboa, 1978, pp. 186-200.
58
de represália e cartas de corso. Mas a sua existência não teve reflexos evidentes na
acção dos corsários. Note-se que é precisamente em 1566 que temos notícia do mais
importante assalto francês a um espaço português. Em Outubro de 1566 Bertrand de
Montluc ao comando de uma armada composta de três embarcações perpetrava um
dos mais terríveis assaltos à vila Baleira e à cidade do Funchal. Acontecimento
parecido só o dos argelinos em 1616 no Porto Santo e Santa Maria, ou dos holandeses
em S. Tomé.
A incessante investida de corsários no mar e em terra firme criou a
necessidade de definir uma estratégia de defesa adequada. No mar optou-se por
artilhar as embarcações comerciais e pela criação de uma armada de defesa das naus
em trânsito. Esta ficou conhecida como a armada das ilhas, fixa nos Açores e que daí
procedia ao comboiamento das naus até porto seguro. Em terra foi o delinear de um
incipiente linha de defesa dos principais portos, ancoradouros e baías, capaz de travar
o possível desembarque destes intrusos.
O espaço insular não poderá considerar-se uma fortaleza inexpugnável, pois a
disseminação por ilhas, servidas de uma extensa orla costeira impossibilitou uma
iniciativa concertada de defesa. Qualquer das soluções que fosse encarada, para além
de ser muito onerosa, não satisfazia uma necessária política de defesa. Perante isto ela
era sempre protelada até que surgissem ameaças capazes de impelir à sua
concretização. O sistema de defesa costeiro surge neste contexto com a dupla
finalidade: desmobilizar ou barrar o caminho ao invasor e de refúgio para populações
e haveres. Por isso a norma foi a construção de fortalezas após uma ameaça e nunca
de uma acção preventiva, pelo que após qualquer assalto de grandes proporções
sucedia, quase sempre, uma campanha para fortificar os portos e localidades e
organizar as milícias e ordenanças.
A instabilidade provocada pela permanente ameaça dos corsários, a partir do
último quartel do século XV, condicionou o delineamento de um plano de defesa do
arquipélago, assente numa linha de fortificação costeira e de um serviço de vigias e
ordenanças. Até ao assalto de 1566 pouca ou nenhuma atenção foi dada a esta questão
ficando a ilha a as suas gentes entregues à sua sorte. Em termos de defesa este assalto
teve o mérito de empenhar a coroa e os locais na definição de um adequado plano de
defesa. O assalto francês de 1566 veio a confirmar a ineficácia das fortificações
existentes e a reivindicar uma maior atenção por parte das autoridades. Assim
realmente aconteceu, pois pelo regimento de 1572195 foi estabelecido um plano de
defesa a ser executado por Mateus Fernandes, fortificador e mestre de obras. Daqui
resultou o reforço do recinto abaluartado da fortaleza velha, a construção de outra
junto ao pelourinho, um lanço de muralha entre as duas196 e o Castelo de S. Filipe do
Pico (1582-1637).
O plano de defesa das ilhas açorianas começou a ser esboçado em meados do
século dezasseis por Bartolomeu Ferraz, como forma de resposta ao recrudescimento
do corso, mas só teve plena concretização no último quartel da centúria. Bartolomeu
Ferraz apresentou à coroa o seu rastreio: as ilhas de S. Miguel, Terceira, S. Jorge,
Faial e Pico estavam expostas a qualquer eventualidade de corsários ou hereges; os
portos e vilas clamavam por mais adequadas condições de segurança. Segundo ele os
açorianos precisavam de estar preparados para isso, pois "ome percebido meo
combatido". Daí terá resultado a reorganização do sistema de defesa levado a cabo
por D. João III e D. Sebastião. Foram eles que reformularam o sistema de vigilância e
defesa através de novos regimentos. A construção do castelo de S. Brás em Ponta
Barba197 define o século XVIII por três realidades: guerra, diplomacia e comércio.
Entre elas existe uma perfeita sintonia. A tudo isto junta-se a permanente preocupação
com a organização militar e a defesa da costa, porque o perigo espreita no mar a
qualquer momento.
É de acordo com esta ambiência que deverá considerar-se a presença dos
corsários que poderá ser assinalada em dois momentos. Primeiro o período que
decorre entre 1744 a 1736 que é marcado pelo afrontamento de Inglaterra com a
França e Espanha. Depois tivemos a época das grandes transformações do século,
com a proclamação da independência das colónias inglesas da América do Norte (e a
consequente guerra de independência até 1783), a Revolução Francesa (1779) e as
convulsões que lhe seguiram até 1815. Neste último intervalo de tempo sucederam-se
novas alterações no continente americano com a luta pela independência das colónias
de Espanha, que veio a gerar um novo interlocutor para a guerra de corso. Entre 1763
a 1831 as ilhas da Madeira e Açores foram confrontadas com as ameaças e
intervenção do corso europeu (franceses, ingleses e espanhóis) e americano,
salientando-se nos últimos a represália dos insurgentes argentinos. Ambos os
arquipélagos evidenciaram-se como a encruzilhada de intercepção do fogo resultante
da guerra de represália americana e europeia. O corso europeu incidia
preferencialmente sobre as embarcações espanholas e francesas e motivava uma
resposta violenta das partes molestadas, como sucederá com a investida francesa
contra os ingleses em 1793, 1797, 1814. Mas os últimos foram de todos aqueles que
actuaram com maior segurança, pois haviam montado um plano de domínio do
Atlântico, servindo-se do Funchal como principal porto de apoio para as suas
incursões.
O mar açoriano era o alvo preferencial dos corsários americanos pelo que a
maioria dos seus assaltos têm aí lugar. As principais vítimas do corso americano
foram os portugueses e espanhóis. A presença dos corsários americanos surge como
consequência da Guerra da Independência dos Estados Unidos da América do Norte
(1770-1790) a que se aliaram, a partir de 1816, os insurgentes das colónias
castelhanas. Enquanto na Madeira a actividade do insurgente é mais evidente na
década de oitenta do século XVIII, nos Açores demarca-se no período de 1814 a
1816, ficando célebre a batalha naval da Horta em 1814. Em Cabo Verde passava-se
algo diferente, sendo a presença corsária derivada da represália francesa, de que são
notórias as duas invasões da cidade da Praia (1712 e 1781) e uma de Santo Antão
(1712) e Brava (1798).
A permanente ameaça de corsários redobrou o empenho nas obras de defesa,
que resultaram várias campanhas, entre finais do século dezoito e princípios do
seguinte. As incidências foram maior ilhas da Madeira, S. Miguel e Terceira, as mais
fustigadas pela presença e acção dos corsários. Concluídas as obras de restauro das
fortificações, apaziguado o ímpeto dos corsários, viveu-se, a partir da década de trinta,
um período de relativa acalmia, seguido nas décadas de cinquenta e sessenta com
novas campanhas de rectificação dos recintos fortificados, conforme os princípios
orientadores da Engenharia Militar. Isto não tem paralelo nas ilhas de Cabo Verde,
onde as dificuldades económicas com que as populações se deparavam inviabilizaram
tais medidas, não obstante o interesse demonstrado por alguns governadores.
Para atendermos a esta dimensão assumida pelo corso no século XVIII torna-se
necessário ter em conta alguma informação fundamental sobre ele. Estamos perante
"...afim de que lhe não embarasem de forma alguma a viagem, antes para ella lhe dem
todo o favor, ajuda e beneficio que pede a aliança, amizade e boa correspondência que
ha entre as mesmas coroas"207.
Atrás ficou estabelecido o pressuposto jurídico que legitimava o corso, resta-nos
agora rastrear as motivações que enformam as suas acções. Se nos séculos XV a XVII
o corso estava orientado para o combate ao domínio exclusivo do Atlântico por
portugueses e castelhanos, para os séculos XVIII e XIX os objectivos serão outros. O
empenho económico, a luta pela afirmação imperial esta sempre latente entre os
tradicionais beligerantes europeus, que tiveram, que contar com mais um rival, os
povos das colónias. A isto deve juntar-se, ainda, os conflitos políticos e a declaração
de guerra.
O corso é aqui entendido pelos novos corsários americanos como uma forma de
combate contra as ancestrais ligações, controlo por parte da metrópole e de
propaganda do ideário de independência que despontou em 1776 nas colónias inglesas
da América do Norte. No primeiro momento a luta travou-se em duas frentes: o
Atlântico oriental, dominando pelos mares circun-vizinhos das ilhas, e o Caribe. No
último dominaram, até fins do século XVII, os célebres piratas Filibusteros e
bucaneros208. Estes actuaram a mando de franceses e ingleses, tendo como objectivo
o colapso do comércio regular entre as colónias espanholas e a metrópole, no caso
Sevilha. Note-se que foi a partir daqui que ingleses e franceses conseguiram penetrar
no Novo Mundo e estabelecer colónias nas ilhas do Caribe.
À parte isto é de relevar a acção dos corsários huguenotes, em que militava nas
suas acções o fervor anti-religioso. Aliás o Funchal foi palco de um assalto, em 1566,
destes, resta saber se a razão fundamental que o justifica foi a luta religiosa. Gaspar
Frutuoso209 refere o acto de forma reprobatória apontando o anti-catolicismo dos
huguenotes, manifesto na profanação dos templos, como sucedeu com a Sé.
O Padre Eduardo Pereira fez disto uma leitura inflamada, considerando-os como
"sectários, inimigos da nossa crença e política religiosa" e conclui que "a armada dos
corsários teve função político-religiosa... político por hostilidade ao trono; o religioso
por ódio ao altar"210. Esta foi também uma forma de manifestar a sua oposição a A.
R. Azevedo211 que havia afirmado que o mesmo não se justifica pelo "ódio religioso"
mas sim pela "inveja governamental e o embate de interesses dos estados marítimos
da Europa" pois "as crenças eram estranhas a esta pirataria sem crenças"212. Todavia
a opinião mais unânime na historiografia é de que este foi um acaso, resultante da má
recepção madeirense a um pedido de refresco213. Deste modo a presença do ideário
religioso poderá ser rastreado, não na justificação do facto mas sim na forma de
concretização.
Ao mesmo nível são considerados os assaltos de corsários argelinos às ilhas do
207 A.R.M., Governo Civil, nº 523, 228vº-229, 8 de Julho de 1790, passaporte da galera portuguesa S. Francisco Protector,
mestre Guilherme José Nunes, com destino à Graciosa.
208 Confronte-se Manuel LUCENA SALMORAL, Piratas Filibusteros y Corsarios en América, Madrid, 1992.
209 Saudades da Terra, caps. 44 a 46.
210 Piratas e Corsários nas ilhas adjacentes, Funchal, 1975, pp. 95 e 109.
211 "Nota XXIX. Os Corsários", in Saudades da Terra, Funchal, 1873, pp. 728-736.
212Ibidem, p. 733.
213 Veja-se Ed.FALGAIROLLE, Une expedition française a l'île de Madère en 1566, Paris, 1895; Rebelo da SILVA, História
de Portugal, vols. III e IV, Lisboa, 1971-71, pp.134-137, 589-590.
63
Porto Santo e Santa Maria, de que ficou célebre o de 1617214. A ameaça dos
argelinos terminou em 1774 com a celebração de um pacto de amizade com
Marrocos, após o abandono de Mazagão, a ultima praça a manter a presença
portuguesa. Note-se que nas várias diligências feitas na Mesa da Consciência e ordens
para o resgatar dos cativos insistia-se no facto "de ser muito dela de tenra idade e
donzellas nobres a que convinha acudir com presteza pelo perigo que havia de
poderem deixar a fee, como alguns hiam deixando, ..."215.
Certamente que esta insistente ameaça de corsários argelinos não se justifica
unicamente como represália à presença portuguesa na costa marroquina - onde os
madeirenses tiveram uma activa participação - pois, também, pode ser enquadrada no
secular afrontamento religioso. É de salientar aqui a forma de actuação e o objectivo
dos corsários. A presa preferida consistia em mulheres e crianças, rapina e destruição
dos templos religiosos e os testemunhos ancestrais, isto é os registos documentais da
igreja e município. O relacionamento com os cativos não se resumia apenas em
negociar o resgate mas também à sua conversão, o que veio a suceder, sendo
conhecidos como renegados216.
A partir da década de 70 e até aos princípios do século seguinte os conflitos que
têm como palco o continente europeu e americano alargam-se ao Atlântico. Aliás,
neste momento o oceano é um activo protagonista das disputas entre os três principais
beligerantes: Espanha, França e Inglaterra. Por isso Mario Hernandez Sánchez-
Barba217 define o século XVIII por três realidades: guerra, diplomacia e comércio.
Entre elas existe uma perfeita sintonia. A tudo isto junta-se a permanente preocupação
com a organização militar e a defesa da costa, porque o perigo espreita no mar a
qualquer momento.
É dentro desta ambiência que deverá considerar-se a presença dos corsários. Para
isso poderão assinalar-se dois momentos: o período que decorre entre 1744 a 1736
definido pelo afrontamento de Inglaterra com a França e Espanha; a época das
grandes transformações do século, com a proclamação da independência das colónias
inglesas da América do Norte (e a consequente guerra de independência até 1783), a
Revolução Francesa (1779) e as convulsões que lhe seguiram até 1815. Neste último
intervalo de tempo sucederam-se novas alterações no continente americano com a luta
pela independência das colónias de Espanha, que veio a gerar um novo interlocutor
para a guerra de corso.
A dimensão assumida por esta guerra de represália está bem patente nos números
das presas. No período de 1793 a 1798 os franceses apresaram alguns milhares de
embarcações dos ingleses e aliados: em 1795 só o porto de Brest tinha 700 presas
inglesas e em 1798 contavam-se 3199 navios comerciais apresados218. Perante a
investida francesa não será de estranhar a ocupação inglesa da Madeira, entendida
como forma de preservar os interesses dos súbditos de Sua Majestade, mas também de
estabelecer uma barreira ao avanço francês além oceano.
214 Eduardo PEREIRA, ob. cit.; Jorge Valdemar GUERRA, "O Saque dos argelinos à ilha do Porto Santo em 1617", Islenha, nº
8, 1991, 57-78; Jacinto Monteiro, "Incursões de piratas argelinos em 1616 e 1675 nos mares açorianos", in Ocidente, vol. 61, nº
283, 1961, pp. 197-203.
215 A.N.T.T., Registo da mesa de Consciência e ordens, nº 65, fls. 297, 27 de Junho de 1618, publicado in Arquivo dos Açores,
vol. VII, p. 335.
216. Idêntica é a situação nas ilhas de Lanzarote e Fuerteventura, veja-se Luis Alberto ANAYA HERNÁNDEZ, "Repercusiones
del corso berberisco en Canarias durante el siglo XVII cautivos y renegados canarios", in V Coloquio de História Canario-
americana(1982), t.II, pp.125-177.
217 El mar en la Historia de América, Madrid, 1992, p. 239.
218 Confronte-se A. C. BAPTISTA, O Ressurgimento da Marinha Portuguesa no Último Quartel do Século XVIII, Lisboa, 1957
(tese de licenciatura na Faculdade de Letras).
64
219 Em 1780 o Governador João Gonçalves da Câmara participa a Martinho de Mello e Castro a presença de uma esquadra
inglesa no Funchal, pedindo instruções para manter absoluta neutralidade Ibidem, nº.545, 22 de Janeiro).
220 A.N.T.T.,P.J.R.F.F.,nº972, fls.233-235vº, 24 de Novembro.
221 A.N.T.T., P.J.R.F.F., nº 109, fls. 79, 82, 83vº; A.F., nº 970, fls. 16vº-17.
222 A.N.T.T., P.J.R.F.F., nº 985, fls. 16vº-19.
223 A.H.U., Madeira e Porto Santo, nº 561.
224 Ibidem, nº 1556-60, 1584, 1589, 1594.
225 Ibidem, nº760-761.
226 A.H.U, Madeira e Porto Santo, nº 1019 e 1126; veja-se também A.H.U, Madeira e Porto Santo, nº 1476.
227 A.H.U, Açores, Maço 11.
65
insurgentes228.
Sem dúvida o facto mais importante deste momento é o combate naval que teve
lugar na baía do Faial a 26 e 27 de Setembro de 1814 entre o corsário americano
general Armstrong e uma divisão naval inglesa sob o comando do general Cokrane,
que se dirigia para a América com a finalidade de atacar Louisiana229. O corsário
americano entrara no dia 26 no porto da Horta para fazer aguada, sendo perseguido
pela divisão naval inglesa. Daqui resultou, na voz do governador da Horta, "um
horroroso e sangrento combate a que deu logo o desvario, orgulho e soberba de um
insolente chefe britânico, que não quis respeitar a neutralidade com que Portugal se
acha na actual contenda entre sua Majestade britânica e os Estados Unidos da
América"230. Disto resultou um diferendo diplomático manteve-se até meados da
centúria. Este facto marca o recrudescer das actividades dos corsários americanos que
actuaram também contra os portugueses como represália de colaboracionismo activo a
favor dos ingleses. Este permanente afrontamento entre ambas as partes é definido
pelo governador da seguinte forma: "entre os vassalos destas duas potencias há huum
ciume que os menos prudentes não sabem ocultar..."231
A estes sucederam-se os chamados corsários insurgentes, a mando dos ideais de
independência das colónias de Castela na América do Sul232. A presença portuguesa
nesta querela prende-se com o Brasil e com o conflito gerado sobre a definição das
fronteiras, nomeadamente no Sul233. A sua acção incidiu com maior insistência nos
Açores e Canárias, sendo rara a presença nos mares da Madeira234. Nos Açores os
anos de 1816 e 1817 são os de maior actividade, mantendo-se estes em permanente
actividade e em cruzeiro nas diversas ilhas do arquipélago235. As ilhas de Santa
Maria e Flores eram o centro da sua intervenção. A presença destes corsários é
constante ao longo do ano mas com particular incidência nos meses de Novembro a
Janeiro e Maio a Junho.
Sem dúvida, foi a partir do último quartel do século XVIII, com a declaração da
independência da América do Norte e conjuntura política consequente, que o corso foi
uma arma ao serviço da política. As transformações político-ideológicas porque
passaram os continentes americano e europeu fizeram do Atlântico o espaço
privilegiado de embate, sendo o corso o meio usado. O oceano foi assim a via de
mútua troca de ideias, mas também o palco do seu debate e defesa. E, neste particular,
as ilhas jogaram um papel fundamental. Os três arquipélagos do Mediterrâneo
atlântico (Madeira, Açores e Canárias) foram, mais uma vez, a área charneira para a
expressão disso.
228José Calvet de Magalhães, História das relações diplomáticas entre Portugal e os Estados Unidos de América, Lisboa, 1991,
p.92.
229 Arquivo dos Açores, vol. XII, pp. 58-75; Marcelino Lima, Anais do Município da Horta, Vila Nova de Famalicão, 1943, pp.
665-682; João AFONSO, Açores em Novos Papéis Velhos, Angra, 1980, pp. 235-249; José Calvet MAGALHÃES, ob.cit., pp.74,
145 segs.
2300 A.H.U., Açores, Maço 61; veja-se Archivo dos Açores, XII, pp., 58-59.
231 ARM, Governo civil, nº.518, fls. 89-93vº, 22 de Fevereiro de 1794.
232 François XAVIER-GUERRA, Modernidad e Independencia, Madrid, 1992; Merle E. SIMMONS, La Revolución Norte-
Americana en la Independencia de Hispanoamerica, Madrid, 1992.
233 Jaime CORTESÃO, Alexandre de Gusmão e o tratado de Madrid, 9 vols, Rio de Janeiro, 1952-1960; Luis Ferrand de
ALMEIDA, "O Problema de Fronteiras no Sul do Brasil: o caso da colónia de Sacramento", in Portugal no Mundo, vol. VI, pp.
191-201; vejam-se ainda neste volume outros textos assinados por Alfredo Pinheiro MARQUES e Max Justo GUEDES.
234 Manuel PAZ, "Corsários insurgentes en aguas de Canarias (1816-1828)", in VIII C.H.C.A (1988), vol. I, 1991, pp. 679-693;
Fernando CASTELO-BRANCO, "Pirataria nas águas das Canárias-Madeira nos inícios do século XIX", in ibidem, t. II, pp. 83-
95.
235 A.H.U., Açores, Maço 65 e 66, 12 e 13 de Dezembro 1816.
66
236 Confronte-se François-Xavier GUERRA, Modernidad e Independencias, Madrid, 1992; Merle E. SIMMONS, La
Revolucion Norte-Americana en la Independencia de Hispano-America, Madrid, 1992; Eric BEERMAN, España y la
Independencia de Estados Unidos, Madrid, 1992; Carlos MELÉNDEZ, La Independencia de Centro América, Madrid, 1993.
237 Para o período das hostilidades, que decorre de 1822 até à assinatura do tratado de 29 de Agosto de 1823 conhece-se apenas
uma presa nos Açores em 1823(AHU, Açores, maço 83, 23 de Setembro).
238 Manuel PAZ, art. cit., p. 686.
239 A.H.U., Açores, maço 69, 24 e Dezembro 1816, 14 de Fevereiro, 27 Março, 29 de Abril, 27 de Maio, 20 de Junho, e 12 de
Dezembro de 1816.
240 A.H.U., Açores, maço 69.
241 Ibidem.
242 Veja-se José Calvet de MAGALHÃES, ob.cit., p. 17.
243 Confronte-se Pedro Soares MARTÍNEZ, História Diplomática de Portugal, Lisboa, 1986, pp.198, 202(nota 72)
67
as pazes de 1783.
É de salientar que a França, molestada nos seus intentos de ocupação deste
continente, foi a primeira nação a reconhecer o novo país, assinando em 1778 um
tratado de comércio. Esta atitude foi compensada mais tarde com a Revolução
Francesa (1789) surgindo os E.U.A. como o preferencial aliado dos franceses. O novo
estado de coisas não se apresentava favorável à Madeira, sendo natural a apreensão do
governador da ilha em 1793244 quanto a um possível ataque por "uns revoltozos
francezes" a exemplo do que sucedeu em Nápoles. Entretanto João Marsden
Pintard245, cônsul americano no Funchal, não nega o seu apoio à República
Francesa246. Esta propaganda causou apreensão nas autoridades locais. Em 21 de
Setembro refere-se que estes "trabalhão para propagarem entre nós as suas perniciozas
e abomináveis doutrinas com que nos tem procurado fazer huma guerra mais funesta
que a de nos atacarem com as armas na mão"247. A situação estremou-se no ano
imediato levando a aceso conflito entre os navios mercantis norte-americanos e os de
guerra ingleses, pois como se segue "entre os vassallos destas duas potencias ha um
ciume que os menos prudentes não sabem ocultar...". Mais se refere que ele era "tão
inclinado a discordia e tão propenço a fomentar desordens e intrigas"248.
O cônsul americano era considerado o principal agitador e suspeito nas convulsões
que começavam a aparecer, como foi o caso de "dois pasquins" que foram
distribuídos anonimamente: um contra o governador e o outro "dava ideas bem
contrarias ao sistema das monarquias; pois invitava a França, a quem chamava May,
para que viesse libertar os moradores desta ilha"249. Daqui resulta o retrato de João
Marsden Pintard, cônsul americano: "Este homem he dotado de hum espirito
intrigante, libertino e revoltozo adopta, applaude, e celebra com publicidade o actual
sistema da convenção francesa; falla sobre este assumpto com muito desenvoltura; e
neste ponto exemplifica muito mal a estes insulares; entre os quaes pouco, a pouco vai
espalhando, e se poderão talvez introduzir no povo ideas contrarias ao sistema
monarquico". Por isso mesmo faz votos "para que esta ilha seja livre deste insolente
americano, antes que com o seu mao esemplo preverta aquelles vassallos portuguezes
que elle poder seduzir e enganar"250.
A apreensão do governador e capitão general não é despropositada, sendo
resultado do temor que lhe infundia o movimento maçónico, que se afirma neste
momento com alguma pujança na cidade251. Também aqui a vinculação à Inglaterra
favoreceu a penetração dos novos ideários políticos veiculados pela maçonaria. Na
voz do corregedor Manuel Soares Lobão a sua presença no arquipélago prende-se
com a importância assumida pela comunidade inglesa:"A maçonaria n'esta ilha he
antiga por duas razões: 1º porque sendo ela hum amplo estabelecimento da Inglaterra,
onde não parece politicamente crime, o grande numero de inglezes, que de remotos
tempos aqui tem vindo habitar e commerciar, consigo tem trazido o instinto d'esta
associação.2º porque he muito uzado n'esta ilha os paes de familia mandarem seus
filhos a educarem e a viajar a Inglaterra.... He pois a maçonaria da ilha, de sua origem
britannica e esta não parece tão perniciosa."252.
Na verdade, o principal perigo estava entre os franceses que "trabalhão para
propagarem entre nós as suas perniciozas e abomináveis doutrinas com que nos tem
procurado fazer huma guerra mais funesta que a de nos atacarem com as armas na
mão"253. Tudo isto revela-nos que a actividade dos mercadores e cônsules suplantava
muitas vezes o seu âmbito, podendo ser considerados também agentes políticos. Eles
foram a peça chave de toda a agitação política que alastrou às ilhas. O cônsul estava
em primeiro lugar, pois por seu intermédio divulgavam-se as informações e
solucionavam-se os problemas que estes conflitos provocavam254. Além disso ele, a
exemplo do que sucede com o americano, poderá ser um agitador político. Também a
sua função alarga-se à espionagem, fornecendo informações sobre o movimento
comercial de amigos e inimigos. Neste caso temos a actividade do cônsul castelhano
Luís Agustín del Castillo, que teve um papel primordial na defesa das presas
castelhanas no período da guerra de sucessão de Espanha (1704-1713)255. É também,
de acordo com esta estratégia, que deverão considerar-se os informes do cônsul
francês256.
Daqui se conclui que a Madeira, pelo facto de ter sido uma base para o corso no
Atlântico e mesmo no Pacífico257, de avanço em direcção à América, foi também
centro de observação e espionagem por parte de castelhanos258 e franceses259. É
esta actuação concertada que atribuiu aos arquipélagos da Madeira e Açores um papel
fundamental na História do Atlântico no decurso do século XVIII e as transformou
num importante veiculo difusor do ideário político saído das revoluções americana e
francesa.
CONCLUSÃO
252 AHU, Madeira e Porto Santo, nº.7283, 9 de Dezembro de 1823, já referenciado por A.SARMENTO, Ensaios Históricos da
Minha Terra, vol.III, Funchal, 1952, pp121-122.
253 ARM, Governo Civil, nº518, fls.51vº-53vº, 21 de Setembro de 1793.
254 A documentação reunida no Foreign Office, referente à Madeira, testemunha de forma evidente esse protagonismo do
consul.
255 Demetrio RAMOS, "Madeira, como centro del espionaje español sobre las actividades britânicas, en el siglo XVIII", in
Actas do III Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal,1990, pp.191-199.
256 Albert SILBERT, art.cit.
257 Em Outubro de 1740 o corsário George Anson aportou ao Funchal com oito navios, sendo o seu destino o Pacífico. Veja-se
George Anson A voyage round the world in the years MDCCXL, London, 1748( com várias edições sendo a última de 1942).
MODELO DA EXPANSÃO.
A par disso a Madeira surge, nos alvores do século XV, como a primeira experiência
de ocupação em que se ensaiaram produtos, técnicas e estruturas institucionais. Tudo
isto foi, depois, utilizado, em larga escala, noutras ilhas e no litoral africano e
americano. O arquipélago foi, assim, o centro de divergência dos sustentáculos da
nova sociedade e economia do mundo atlântico: primeiro os Açores, depois os demais
arquipélagos e regiões costeiras onde os portugueses aportaram. O sistema
institucional madeirense apresentava uma estrutura peculiar definida pelas capitanias.
Foi a 8 de Maio de 1440 que o Infante D. Henrique lançou a base da nova estrutura ao
conceder a Tristão Vaz a carta de capitão de Machico. A partir daqui ficou definido o
sistema institucional que deu corpo ao governo português no Atlântico insular e
brasileiro. Sem dúvida que o facto mais significativo desta estrutura institucional
deriva de a Madeira ter servido de modelo referencial para o seu delineamento no
espaço atlântico. O monarca insiste, nas cartas de doação de capitanias posteriores, na
fidelidade ao sistema traçado para a Madeira. Assim o comprovam idênticas cartas
concedidas aos novos capitães das ilhas dos Açores e Cabo Verde. O mesmo sucede
com a demais estrutura institucional que chegou também a S. Tomé e Brasil.
Também os castelhanos vieram á ilha receber alguns ensinamentos para a sua
acção institucional no Atlântico, como se depreende do desejo manifestado em 1518
pelas autoridades antilhanas em resolver a difícil situação das ilhas de Curaçau, Aruba
e La Margarita com o recurso ao modelo madeirense de povoamento. Isto prova, mais
uma vez, a presença modelar da ilha no contexto da expansão europeia e demonstra o
interesse que ela assumiu para a Europa.
João de Melo da Câmara, irmão do capitão da ilha de S. Miguel, resumia em
260
1532 de uma forma perspicaz o protagonismo madeirense no espaço atlântico, pois
a sua família era portadora de uma longa e vasta experiência. Isso dava-lhe o alento
necessário e abri-lhe perspectivas para uma sua iniciativa no Brasil. Ele reclamava a
iniciativa do seu ancestral Rui Gonçalves da Câmara que em 1474 comprara a ilha de
S. Miguel, dando início ao seu verdadeiro povoamento. A mesma percepção surge em
Gilberto Freire que em 1952 não hesita em afirmar o seguinte:” A irmã mais velha do
Brasil é o que foi verdadeiramente a Madeira. E irmã que se estremou em termos de
mãe para com a terra bárbara que as artes dos seus homens,... concorreram para
transformar rápida e solidamente em nova Lusitânia”261.
Outra componente importante de afirmação da ilha como modelo de referência
tem a ver com a organização da sociedade no espaço atlântico e da importância aí
260
História da Colonização Portuguesa do Brasil, vol. III, p.90; cf Vera Jane GILBERT, "Os primeiros engenhos de açúcar"in
Sacharum, nº.3, São Paulo, 1978, pp. 5-12.
261 Aventura e Rotina, 2ªed., pp 440-446, 448-449.
70
assumida pelo escravo. Mais uma vez a Madeira é o ponto de partida para esta
transformação social. De acordo com S. Greenfield262 ela serviu de trampolim entre o
“Mediterranean Sugar Production” e a “Plantation Slavery” americana. O autor não
faz mais do que retomar os argumentos aduzidos por Charles Verlinden263 desde a
década de sessenta. Note-se que esta argumentação mereceu alguns reparos na sua
formulação, mercê de novos estudos264. Na verdade tudo o concretizado em termos do
mundo atlântico português teve por matriz o sucedido na Madeira. A Madeira foi ao
nível social, político e económico, o ponto de partida para o “mundo que o português
criou...” nos trópicos. Neste contexto é sumamente importante o conhecimento do
sucedido na Madeira quando pretendemos estudar e compreender as outras situações.
262
"Madeira and the beginings of New World sugar cane cultivation and plantation slavery: a study in constitution building", in
Vera RUBIN e Artur TUNDEN(eds.), Comparative perspectives on slavery in New World Plantation Societies, N. York, 1977.
263
"Précédents et paralèlles europeéns de l'esclavage colonial", in Instituto, vol.113, Coimbra, 1949; "Les origines coloniales de
la civilization atlantique. antécédents et types de structure", in Journal of World History, 1953, pp. 378-398; Précédents
médiévaux de la colonie emn Amérique, México, 1954; Les origines de la civilization atlantique, Nêuchatel, 1966.
264
Confronte-se Alfonso FRANCO SILVA, "La eclavitud en Andalucia...", in Studia, nº.47, Lisboa, 1989, pp.165-166; Alberto
VIEIRA, Os escravos no arquipélago da Madeira. séculos XV a XVII, Funchal, 1991.
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