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UNIrevista - Vol.

1, n° 2 : (abril 2006) ISSN 1809-4651

Notas a Respeito de epistemologia e


mudança de paradigma na teoria da ação
comunicativa de Jürgen Habermas

Walmir da Silva Pereira


Mestre em Antropologia Social
walmir@uniisnos.br
Centro de Ciências Humanas UNISINOS, RS

Resumo
Apresentação da perspectiva epistemológica habermasiana, evidenciando - como o fio condutor e
traço unificador problematizado nos dois volumes da Teoria da Ação Comunicativa – uma mudança
de paradigma da tradicional filosofia do sujeito para o paradigma comunicacional, empreitada teórica
que constitui um deslocamento sensível da problemática clássica centrada na esfera produtiva, eixo
assentado nas relações de produção, para a esfera da comunicação, ou seja, da linguagem. Em outras
palavras, evidenciação de que a contribuição contemporânea de Habermas, desenvolvida na Teoria
da Ação Comunicativa, envolve uma mudança de concepção considerável no campo da episteme
moderna a partir de um duplo enfoque. Em termos de uma teoria da ação, a concepção dialógica
desvela a relação intersubjetiva que os sujeitos assumem nos momentos em que procuram se
entender sobre algo dos três mundos (objetivo, social e subjetivo). No que tange à problemática da
razão, existe uma mudança na compreensão e no entendimento da racionalidade humana na medida
exata em que a postulação habermasiana estrutura-se fundamentalmente no primado de uma
descentração/descentramento da razão.

Palavras-chave: ação comunicativa // epistemologia dialógica // Habermas // razão comunicativa

I - Prólogo
Jürgen Habermas é na contemporaneidade o principal herdeiro e representante da segunda
geração da Escola de Frankfurt, formada em torno do Instituto de Pesquisa Social (Institut für
Sozialforschung). Criado em 1923, o instituto reuniu, em diferentes períodos históricos,
pensadores marxistas heterodoxos como Walter Benjamin, Theodoro W. Adorno, Herbert
Marcuse, Erich From e Max Horhkheimer.
Notas a Respeito de epistemologia e mudança de paradigma na teoria da ação comunicativa de Jürgen
Habermas
Walmir da Silva Pereira

Habermas é considerado o continuador-mor da chamada “Teoria Crítica” da sociedade, termo


pelo qual passaram a ser conhecidas a produção e a difusão de conhecimentos gerados no
âmbito da Escola de Frankfurt. Em contraste com o pensamento de Hokheimer e Adorno, por
exemplo, o fio condutor da análise habermasiana, no que diz respeito à herança legada pelo
Iluminismo, é menos pessimista.
A atitude intelectual de Habermas é fundamentalmente uma aposta na razão clássica. Seu
empreendimento teórico pode ser compreendido como sinônimo de reforço e recuperação da
mesma. Realiza um redimensionamento da razão iluminista, com vistas à sua transformação e
continuidade na modernidade tardia. No plano filosófico, o autor postula a idéia de um novo
conceito de Filosofia e de interdisciplinaridade. Já na esfera do campo científico, produz um
alargamento do conceito de razão e ciência propondo a partir de sua teoria da ação
comunicativa, datada de 1981, uma concepção teórica que abarca uma visão hermenêutica de
caráter macroscópica. (Siebeneichler,1988 )
Nesse sentido, é valido argumentar que Habermas empreende uma autêntica desconstrução da
Filosofia a partir de seu próprio interior, intentando sua transformação. Na obra do autor, a
reflexão filosófica e a própria Filosofia estão situadas historicamente; sendo que a Filosofia
passa a ser entendida como canal da racionalidade humana, agora em um contexto interativo
comunicacional.
Em Habermas, temos a interdisciplinaridade engendrada no âmbito de uma teoria crítica da
racionalidade humana. O eixo central de sua visão teórica é situar positivamente a razão
filosófica num contexto no chamado mundo da vida. Por outro lado, a problemática
epistemológica na obra do autor pode ser pensada a partir da seguinte indagação: em que
medida a passagem de uma filosofia da consciência a uma filosofia da linguagem, tentativa
notória expressa pelo pensamento habermasiano, se apresenta, de fato, enquanto um novo
paradigma – crítico e possível de se instituir para o conjunto das ciências humanas?1
Em termos antropológicos a concepção habermasiana consegue especificar o tipo de oposição
existente entre as sociedades simples – tradicionais – e as sociedades complexas modernas. Nas
primeiras, o mito funciona – produz eficácia e significado - como um cimento, espécie de
estrutura de coesão, onde a alteridade não encontra espaço para seu desenvolvimento. Dito de
outra forma, não existem alternativas de contestação da cosmologia assentada na tradição. Em
contrapartida, nas sociedades complexas da época moderna – na modernidade - a razão é
entendida como fio condutor capaz de permitir o questionamento de seu próprio paradigma.

1
Ao longo do texto, pretende-se tecer comentários introdutórios que apresentam alguns pontos que julgo
significativos e elucidativos no que concerne à contribuição habermasiana no plano epistemológico e no que
tange a perspectiva de construção/materialização de uma teoria da ação comunicativa. Visando cumprir tal
intento, foram realizadas as seguintes leituras das obras do autor: Para a Reconstrução do Materialismo
Histórico (1983); Teoria de la Acción Comunicativa Volumes I e II (1987); e Consciência Moral e Agir
Comunicativo (1989). Foram consultados também, além dessas obras, os textos em forma de apresentação
e introdução crítica de Bárbara Freitag, & Sérgio Paulo Rouanet (1993) e dois artigos de Habermas:
“Modernidade versus pós-modernidade” (1987) e “Ciência e técnica como ideologia” e a entrevista do autor
concedida a Perry Anderson e Peter Dews, publicada no Brasil pela Revista Novos Estudos CEBRAP (1987).

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Habermas
Walmir da Silva Pereira

Para o autor, “a liberação de um potencial racional contido na ação comunicativa é um processo


histórico mundial, iniciado com a ‘verbalização do sagrado’, na modernidade, ele conduz a uma
racionalização dos mundos da vida, à diferenciação de suas estruturas simbólicas, expressa
principalmente na crescente reflexividade das tradições culturais, em processos de individuação,
na generalização de valores, na imposição de normas mais abstratas e mais gerais, etc”.
(Habermas, 1987b, 99)
Nesse sentido, como se pode deduzir a partir da assertiva acima, parece evidente que a
antropologia social é uma das ciências importantes que conferem sustentação às idéias contidas
na Teoria da Ação Comunicativa em seu intento de caracterização do processo de modernização
das sociedades capitalistas mundiais não somente como o desenvolvimento da irracionalidade e
perda irrecuperável da razão e racionalidade humana, mas também como um processo que além
das patologias permitiu a permanência, mesmo que de forma não hegemônica, e o avanço da
razão comunicativa.

II – Aspectos da problemática epistemológica


A perspectiva epistemológica empreendida por Jürgen Habermas possui, na crítica ao
positivismo científico, um traço comum e unificador. Em termos objetivos, sua abordagem acaba
resultando em um deslocamento da problemática clássica centrada na esfera produtiva – eixo
baseado nas relações de produção – para a esfera da comunicação, ou seja, da linguagem.
Conforme descrito por Rouanet (1987), em As razões do Iluminismo, para Habermas “chegou o
momento de abandonar o paradigma sujeito-objeto, que tem dominado grande parte do
pensamento ocidental, substituindo-o por outro paradigma, o da relação comunicativa, que parte
das interações entre sujeitos, lingüisticamente mediatizadas, que se dão na comunicação
cotidiana. Dentro desse paradigma, a racionalidade adere aos procedimentos pelos quais os
protagonistas de um processo comunicativo conduzem sua argumentação, com vistas ao
entendimento último.“2
A crítica ao positivismo como bem acentuam Bárbara Freitag e Sérgio Paulo Rouanet acabou
assumindo sua forma mais metódica em A Lógica das Ciências Sociais (Zur Logik der
Sozialwissenschaften) “obra na qual ele reconstitui a história da reflexão, metodológica sobre as
ciências humanas, mostrando como as insuficiências do empirismo puro (Nagel e Carnap) vão
dando lugar a tipos de reflexão, como a hermenêutica de Gadamer, que tentam substituir o
enfoque objetivamente, pelo qual o cientista social se situa como um observador neutro diante
do seu objeto, pelo Verstehen, a compreensão, que supõe a imersão do intérprete em seu
objeto – a cultura – que ele consegue captar, na medida em que dela participa”.(Freitag &
Rouanet, 1993,14).

2
Nesta seção elegem-se como referências básicas, e norteadoras do texto, os trabalhos de Freitag &
Rouanet (1993), além de Siebeneichler (1988) para apresentar alguns aspectos considerados relevantes da
contribuição habermasiana referente à problemática epistemológica.

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Com sua teoria consensual da verdade, Habermas se distancia mais ainda da epistemologia
positivista, que postula uma relação não problemática com o real. Verdadeira não é uma
afirmação que corresponde a um objeto ou a uma relação real, mas uma afirmação considerada
válida num processo de argumentação discursiva. A verdade não tem a ver com conteúdos, e
sim com procedimentos: aqueles que permitem estabelecer um consenso fundado. A verdade,
num certo sentido, confunde-se com as condições formais para alcançá-la “. (Freitag&Rouanet;
1993,21)
Nesse sentido, Habermas desenvolve um projeto filosófico que pode ser classificado como uma
crítica do positivismo e, por conseguinte, da ideologia tecnicista daí resultante. De acordo com o
autor, o tecnicismo é a ideologia que consiste em impulsionar na prática o saber científico,
racionalismo cartesiano moderno, e a atividade técnica dele resultante. Assim pode-se falar de
uma junção e imbricamento entre ciência e técnica, na medida exata em que a segunda, apesar
de uma dependência em relação à primeira, retroage sobre a ciência acabando por determinar
seus rumos e caminhos.
Daí que, no capitalismo tardio, ciência e técnica tornam-se as principais forças produtivas,
subordinando todas as demais conhecidas. Claramente na contribuição do autor postula-se a
identificação de ciência e técnica enquanto ideologias da (na) modernidade. Um outro ponto que
merece destaque especial é o ataque à ilusão objetivista da ciência. Em oposição à teoria pura –
preconizada pela ciência tradicional – busca-se trazer a tona às raízes antropológicas da práxis
teórico-científica, evidenciando-se os interesses que se encontram no princípio do conhecimento
humano.3
Já em conhecimento e interesse, trata-se de realizar o aprofundamento de sua reflexão
epistemológica anterior.

Ӄ neste livro que ele desenvolve os fundamentos de sua teoria dos


interesses cognitivos.Ele postula a unidade indissociável de conhecimento e
interesse, tanto para as ciências naturais quanto para as ciências históricas-
hermenêuticas. (...) Habermas desmascara assim a aparente ‘neutralidade’ das
ciências naturais revelando o ‘interesse’ que orienta o processo de conhecimento
das ciências naturais, qual seja o interesse técnico da dominação da natureza.
Em contrapartida, o interesse que orienta o processo de conhecimento das
ciências históricas-hermenêuticas é o da comunicação. O interesse técnico se
enraíza nas estruturas da ação instrumental, baseada em regras técnicas, pelos
quais o homem se relaciona com a natureza, submentendo-a ao seu controle. O

3
Conforme Freitag & Rouanet, “É na intenção de desvendar e recuperar estes pressupostos do conhecimento
que Habermas procura, em Conhecimento e Interesse, fazer uma pré-história do positivismo (da mesma
forma que fizera sua história na Lógica das Ciências Sociais). Pois somente através da crítica, compreendida
como auto reflexão e auto-questionamento é que os momentos reprimidos, ocultos, distorcidos pelo
processo histórico do conhecimento, podem ser recuperados, reelaborados e conscientizados, permitindo
redescobrir o interesse fundamental, o da emancipação”. ( 1993, 13)

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interesse comunicativo se enraíza nas estruturas da ação comunicativa, pela


qual os homens se relacionam entre si, por meio de normas lingüisticamente
articuladas, e cujo objetivo é o entendimento mútuo. Ambas as formas de
conhecimento, geradas pelos respectivos interesses, servem a um interesse mais
fundamental: o da emancipação da espécie. O conhecimento instrumental
permite ao homem satisfazer as suas necessidades ajudando-o a libertar-se da
natureza exterior (por meio da produção); o conhecimento comunicativo o
impele a emancipar-se de todas as formas de repressão social (ou de seus
representantes intrapsíquicos). Ambos estão, portanto a serviço da
emancipação. Esta é ao mesmo tempo um fim em si e um marco dentro do qual
a teoria crítica consegue perceber as demais ciências, e a si própria, como sendo
interessadas” (Freitag & Rouanet, 1993).

A partir da publicação de sua Teoria da Ação Comunicativa, historicamente datada de 1981,


Habermas passa a conferir ao conceito de agir comunicativo uma significativa importância em
seus trabalhos voltados à problemática epistemológica. O mesmo passa a ser focalizado através
de uma teoria da racionalidade comunicativa que abre acesso a três grandes complexos de
temas, os quais se entrecruzam:
- Conceito amplo de racionalidade comunicativa.
- Conceito de sociedade complexa que une entre si “mundo da vida” (Lebenswelt) e sistema.
- Uma teoria da modernização capitalista, que parte do pressuposto de que as patologias sociais
atuais são devidas ao fato de os domínios culturais do Lebenswelt, estruturados
comunicativamente, estarem submetidos cada vez mais aos imperativos de sistemas de ações
formais independentes. (Siebeneichler 1988,24)
A teoria da ação comunicativa desenvolvida por Habermas defende enfaticamente a constituição
de uma razão comunicativa, entendida enquanto diálogo emancipatório, um discurso teórico-
prático questionador do status quo. A mesma possui um sentido descritivo, identificando na
própria prática cotidiana a voz persistente da razão comunicativa, inclusive em situações em que
essa se encontra subjugada e desfigurada pela razão cartesiana. Criticamente, pode-se
argumentar que a perspectiva teórica presente na teoria da ação comunicativa parte da idéia de
que, na modernidade, temos um colapso do paradigma do sujeito ou do paradigma da
consciência, falando em termos filosóficos.
No propalado paradigma tradicional o sujeito cognoscente, que é sempre um sujeito monológico,
no processo de conhecimento, se refere de dupla maneira em relação aos objetos cognoscíveis.
Primeiramente, apreende-os objetivamente através de uma espécie de “adequação de verdade”
entre dado e significado, entre metafísica e empiria. A posteriori, representa-os,
conceitualmente, através do intelecto moldando os objetos (“como deveriam ser” – de que

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forma e com que conteúdos deveriam se apresentar) no intuito de serem conhecidos e


apreendidos.
Na realidade, no paradigma do sujeito quem conhece é um sujeito individual. Sujeito, mister
referir, que tem uma atitude e enfoque objetivador em relação ao mundo dos objetos. De acordo
com a visão habermasiana, a razão instrumental – à qual pertence o paradigma do sujeito –
descreve a realidade e seu processo de transformação através da máxima baconiana “ciência
(saber) é poder”. Contudo, de modo nenhum essa razão instrumental consegue explicar o que
acontece com a natureza que foi objetivada (Siebeneichler, 1988).4

III – A Teoria da Ação Comunicativa


Nos dois volumes publicados de sua Teoria da Ação Comunicativa – Teorie des Kommunikativen
Handels -, Habermas focaliza três campos temáticos, os quais encontram-se interligados entre
si e que compõem os elementos centrais da sua teoria do agir comunicativo, a saber: I) produzir
um conceito de racionalidade comunicativa; II) confluir em um novo conceito de sociedade dois
paradigmas do debate sociológico contemporâneo; o do mundo da vida, mundo vivido, e o
sistêmico, do sistema; III) desenvolver uma teoria da evolução – evolucionista – da
modernidade que possibilite uma análise diacrônica da sociedade capitalista contemporânea.
Em realidade, a Teoria da Ação Comunicativa pode ser entendida como um corolário da
totalidade de trabalhos realizados anteriormente por Habermas. Na obra citada, ele apresenta de
forma sistemática e sintética os pontos básicos de sua empreitada teórica.5 Confessadamente,
busca satisfazer três pretensões fundamentais; construir e desenvolver um conceito de
racionalidade capaz de emancipar-se dos “supostos” subjetivistas e individualistas que têm
proliferado nos discursos filosóficos e nas teorias sociais modernas; criar um conceito de
sociedade em dois níveis, capaz de integrar os paradigmas do mundo da vida e de sistema;
elaborar uma teoria crítica da modernidade que ilumine as deficiências e as patologias da era
moderna. Teoria crítica essa, que seja suficientemente consistente a ponto de propor um
caminho – novas vias – à reconstrução do projeto ilustrado (Habermas, 1987a).
Em uma análise crítica do projeto habermasiano pode-se argumentar que na visão do autor
ocorre um processo de descentração/descentramento da razão. Diante de tal perspectiva a

4
Nesses temos, é plausível a afirmação de que a razão comunicativa - dialógica – é concebida por
Habermas como uma exigência teórica que afirma o postulado de um primado da razão mais do que
propriamente como uma visão humanista.
5
De acordo com Siebeneichler, uma hipótese plausível é distinguir duas grandes etapas no desenvolvimento
da teoria crítica de Habermas vista como teoria do agir comunicativo. A segunda etapa, corresponderia ao
trabalho que se estruturou a partir de 1981 – Theorie des Kommunikativen Handels - , “quando tenta um
novo começo onde procura superar as dificuldades encontradas nos 14 anos anteriores, assim
caracterizados:

“Quanto mais eu me aprofundava nos domínios da teoria da ação, da teoria da significação,


da teoria dos atos de fala e de domínios semelhantes da filosofia analítica, tanto mais eu
perdia de vista o objetivo do empreendimento teórico como um todo, obscurecido pelos
detalhes. Ficava difícil para mim encontrar o nível adequado para dizer o que eu tinha a
dizer. .” (Habermas, 1981, Vol 1, p. 7; in Siebeneichler, 1988)

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filosofia é transformada, assim, em crítica e teoria da razão, portanto, se constituindo em


racionalidade crítica e racionalidade comunicativa.
A partir de tal entendimento visualiza-se que a linguagem assume na ação comunicativa papel
central enquanto meio regulador do comportamento e do entendimento mútuo. Nesse sentido,
pode-se argumentar que a teoria da ação comunicativa tem função heurística análoga ao “tipo
ideal” preconizado por Max Weber (Siebeneichler, 1988).
Por outro lado, na concepção habermasiana, a mudança de paradigma busca assinalar a
passagem da razão instrumental à razão comunicativa. De acordo com a mesma, um conceito
científico com validade interpretativa – que possibilite dar conta da complexidade da sociedade
moderna – precisa integrar dois pólos de observação, o do mundo vivido, mundo da vida, e o do
sistema. A perspectiva sistêmica transmite a visão da sociedade como um todo, com sua
estrutura própria, com seus mecanismos visando a preservação dos limites e do equilíbrio
interno, transcendendo os interesses e as motivações de atores individuais, envolvidos em
situações concretas incapazes de verem nos imperativos sistêmicos ou funcionais (reprodução
da vida material, poder) mais do que coerções e exigências anônimas, muitas vezes
insuportáveis. A perspectiva do mundo vivido traduz a vivência da sociedade a partir de atores
sociais reais, envolvidos em situações específicas, na sua práxis cotidiana.6
Como se observa acima, a noção de ação comunicativa desponta na visão habermasiana como
um conceito-chave complementar ao de mundo da vida. A situação interativa é o ponto de
confluência entre mundo da vida e ação comunicativa, constituindo o lugar em que a tensão
entre ambos adquire materialidade em uma determinada formação histórico-social. Nesse
sentido, existe a necessidade de incluir na reflexão teórica o “horizonte formador do mundo
vivido”. O mundo vivido é o pano de fundo comum a todos os atores envolvidos em uma mesma
situação. O mundo vivido apresenta dois lados. O da continuidade (é onde ocorre a reprodução
cultural, integração social e socialização) e o da mudança (lugar onde se questionam e
reformulam a aspirações de validade dos atores em relação aos três mundos formais. Lugar, por
excelência em que podem ser contestadas as afirmações sobre a veracidade dos fatos, a plena
validade das normas e a pertinência das manifestações subjetivas. (Habermas, 1987a)).
Nas palavras de Siebeneichler, em sua teoria da ação comunicativa “Habermas realiza um
esforço de pensar, em uma nova totalidade, os três mundos (dos objetos, das normas e das
vivências subjetivas), desmembrados pelas críticas da razão pura de Kant. Se aos três mundos
correspondiam formas diferentes de ação (instrumental, normativa e reflexiva), uma nova visão

6
Habermas trabalha num registro de caráter marcadamente sociológico; por outro lado, é nítida a presença
de pressupostos, fundamentos, antropológicos em sua visão macroscópica. Pretende, por exemplo, a
vinculação entre uma teoria da identidade e problemática da racionalidade comunicativa, investigando as
condições de possibilidades das sociedades complexas virem a formar uma identidade racional de si
mesmas. Ver a respeito, Para a Reconstrução do Materialismo Histórico, em especial Introdução e Cap. II,
pp. 49-103.

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teórica que integrasse os três mundos numa totalidade pressuporia uma forma de ação que não
apresentasse as limitações de nenhuma das outras três”. (1988, 35-36).
Para pensar essa nova totalidade, Habermas propõe uma mudança de paradigma: da filosofia da
consciência para a teoria da interação, de uma razão reflexiva para uma razão comunicativa. A
razão comunicativa proposta por Habermas é dialógica, substituindo o conceito monológico da
razão pura de Kant. Ela não mais se assenta no sujeito epistêmico, mas pressupõe o grupo
numa situação dialógica ideal. A verdade produzida nesse contexto é processual e depende dos
integrantes do grupo. Nesta nova concepção da razão comunicativa, a linguagem torna-se
”.
elemento constitutivo “. (Idem op.cit.págs.35; grifos meus)
A noção categorial de ação comunicativa em Habermas se refere à interação de pelo menos dois
sujeitos capazes de linguagem e ação que, seja com meios verbais ou extra-verbais, entabulam
uma relação interpessoal. Os atores buscam entender-se sobre uma situação de ação para
poderem assim coordenar de comum acordo seus planos de ação e com eles suas próprias
ações. O conceito decisivo, o de interpretação, refere-se primordialmente ao espaço para
negociação de definições suscetíveis de consenso.

“O mundo vivido (é) constitutivo para o entendimento como tal, enquanto os


conceitos formais de mundo oferecem um sistema de referências para aquilo
sobre o que o entendimento é possível: locutores e ouvintes entram em
entendimento a partir de seu mundo vivido comum sobre algo no mundo
objetivo, social ou subjetivo”. (Habermas:1987a; vol.II)

O mundo da vida é, por assim dizer, o locus transcendental em que falantes e ouvintes se
encontram; lugar em podem criticar e exibir os fundamentos de suas pretensões de validade,
resolver dissentimentos e chegar a construção de um acordo tácito e socialmente válido, isto é,
de um consenso argumentativo.
Fundamentalmente a aposta que Habermas faz é na validade da argumentação, na possibilidade
de instauração de uma discursividade compartilhada, o que significa dizer, na fixação de éticas
geradas no campo do debate. Nesses termos, para ele o mundo da vida não aceita – ou não
pode aceitar - passivamente imperativos morais de ordem particular, mas ao contrário, postula
sempre normas universalizáveis sob pena de que todas sejam corroídas pelas contradições
internas.

IV – Considerações finais
No plano epistemológico, é mister reconhecer que a verdade continua a ter primazia na filosofia
habermasiana. Entretanto, o princípio de ordem norteador das práticas vividas é sempre o
melhor argumento, e nunca a verdade como categoria revelada por qualquer saber especializado
– entendido enquanto ciência particular – alçado ao patamar de autoridade decisória.

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Uma consideração producente, que merece ser feita a respeito de tal concepção de verdade na
obra do autor, diz respeito ao seguinte tipo de questionamento: em nível da realidade concreta,
será que a perspectiva habermasiana não se consubstancia numa utopia racional – espécie de
utopismo – e de que este consenso imaginado por Habermas para se atingir a verdade,
necessariamente, não acabará por resultar em uma comunidade ideal de linguagem, o que
poderia ser homólogo de, equivaler a, eliminação dos conflitos do mundo da vida?
A resposta para tal questionamento vem do próprio Jürgen Habermas, em entrevista concedida
no final da década de oitenta a Perry Anderson e Peter Dews, publicada no Brasil pela Revista
Novos estudos CEBRAP, momento em que afirmou categoricamente:

“Nada me deixa mais nervoso do que a imputação de que a teoria da ação


comunicativa, porque ela focaliza a faticidade social de exigências de validade
reconhecida, propõe ou ao menos sugere uma sociedade utópica racionalista.
(...) Eu não considero como ideal a sociedade totalmente transparente –
neste contexto gostaria de acrescentar; ou mesmo uma sociedade
homogeneizada e unificada – nem quero sugerir qualquer outro ideal – (...).
Como já disse, a situação ideal de linguagem é uma descrição das
condições sob as quais exigências de verdade e certeza podem ser
resolvidas discursivamente”. (Habermas, In Anderson & Dews, 1987, 92;
grifos meus)

Finalmente, é importante reiterar que uma das principais contribuições da concepção teórica do
autor vista em sua totalidade, quando comparada com as formas canônicas do marxismo
ocidental, é uma permanente tentativa de realizar a transição da esfera da “produção” à esfera
da “comunicação”, tanto enquanto foco analítico quanto como fonte de valores. (Habermas,
1987b). Daí que, a força do paradigma comunicativo não recai na categoria de representação e
no conhecimento objetivo, mas sim num entendimento não coagido, isto é, na possibilidade de
compreensão.
Objetivamente, a concepção habermasiana envolve uma mudança da episteme moderna a partir
de um duplo enfoque. Em termos de teoria da ação, a perspectiva dialógica desvela a relação
intersubjetiva que os sujeitos, capazes de discursividade e ação social, assumem nos momentos
em que procuram se entender sobre algo referente aos três mundos (objetivo, social e
subjetivo).
No que tange à problemática da razão, existe uma mudança sensível na compreensão e no
entendimento da racionalidade humana, na medida exata em que a postulação habermasiana
estrutura-se fundamentalmente no primado de uma descentração da razão.

Referências

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Notas a Respeito de epistemologia e mudança de paradigma na teoria da ação comunicativa de Jürgen
Habermas
Walmir da Silva Pereira

ANDERSON, P. e DEWS, P. 1987. Um Perfil Filosófico-Político” Novos Estudos CEBRAP, São


Paulo, 18:77-102.
FREITAG, B. e ROUANET, S. P. (orgs.), 1993. Habermas, Coleção Grandes Cientistas Sociais.
São Paulo, Ática.
HABERMAS, J. 1983. Para a Reconstrução do Materialismo histórico. São Paulo, Brasiliense
HABERMAS, J. 1987. Teoria de la acción comunicativa. 2 vols. Madrid: Taurus,
HABERMAS, J. 1989. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.
HABERMAS, J.1983. “Modernidade versus Pós-modernidade” In: Arte e Revista, CEAC, São
Paulo, 7: 86 – 94.
ROUANET, S. P. 1987. As Razões do Iluminismo. São Paulo, Companhia das Letras.
SIEBENEICHLER, F. B. 1988. Teoria Hermenêutica Macroscópica de Jürgen Habermas In: Revista
Filosófica Brasileira. Rio de Janeiro, UFRJ, 24–48.

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