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que por trás da linguagem exista uma gramática que instila a “ordem do discurso”
(Foucault, 2000), a mente formula conceitos que nunca começam do zero, nem chegam a
algum fim definitivo; esta regressão ao infinito é própria de toda interpretação, pois cada
interpretação já é reinterpretação e que será, por sua vez, interpretada de novo; definir
conceitos com precisão é pretensão acadêmica, ao mesmo tempo, necessária e
impossível, assim como é impraticável forjar uma teoria final, por mais que esta quimera
subsista em ambientes “modernistas” (Gribbin, 1998. Horgan, 1997. Brown, 2004);
b) sendo a mente humana “auto-referente”, não entende a realidade a partir da
realidade, mas a partir da própria mente, em gesto tipicamente reconstrutivo, ou
“autopoiético”, como diz Maturana (2001); trabalhamos, pois, com uma realidade
“construída”, não “dada” ou “evidente”, o que também nos coloca riscos, como é de
inventar/inverter realidades; toda teoria, porém, assim procede: reconstrói os traços
considerados centrais da realidade a partir de seu ponto de vista, deixando, obviamente,
fora outros que outros pontos de vista poderiam ressaltar; por isso mesmo, todas as
teorias podem ser importantes, mas serão incompletas, pois a mente, em sua auto-
referência, produz ordenamentos do ponto de vista do observador envolvido; nesta rota,
Santos (2004) construiu a percepção de que toda cultura, para conviver com outras
culturas, precisa admitir-se incompleta: só seres incompletos conseguem aprender de
outros seres; “culture is remix” (Latterell, 2006); “everything is miscellaneous”
(Weinberger, 2007);
c) a ambigüidade da argumentação resulta também da condição natural de analista:
sendo parte da realidade natural, o analista não consegue postar-se acima ou fora da
realidade, orientando-se naturalmente por um olhar da parte, parcial; todas as teorias são
inevitavelmente parciais, pois são datadas e localizadas, uma marca que cabe a seres
naturais; torna-se pretensão fora de lugar pleitear neutralidade ou objetividade da
argumentação, por mais que seja o caso esperar do analista que busque a realidade, não
sua deturpação (critério da “objetivação”, em metodologia científica) (Demo, 2000); trata-
se de “boa intenção”, imprescindível para conservar a argumentação um jogo aberto e
honesto (Haack, 2003), como se alega na discussão feminista da “standpoint
epistemology” (Harding, 1998; 2004): o homem deveria procurar entender a mulher a partir
da mulher, por mais que a auto-referência o impeça ou o atrapalhe;
d) há sempre uma dissonância entre teoria e realidade: enquanto a teoria busca ser
precisa (um discurso ordenado formalmente), a realidade é, em parte linear, em parte não
linear, com predominância - assim parece - desta; a explicação científica busca alinhar a
não linearidade a arcabouços formais, aparentemente precisos (exatos); não se pode
negar o êxito deste intento, expresso em grande estilo no positivismo e visível nas
tecnologias, inclusive da computação (digitalização exata); enquanto o piloto de avião
dirige uma máquina linear (e nisto encontra segurança de vôo), o professor lida com uma
criança não linear, em grande parte imprevisível e desejavelmente criativa; em geral se
reconhece que a linearidade do avião é bastante relativa, não só porque alguns caem
apesar da tecnologia (sem falar nos que caem por falha humana), mas igualmente porque,
sendo os componentes da realidade inúmeros, não é viável dar conta de todos; a teoria
idealiza a realidade, reduzindo-a a traços centrais, o que facilita o método de captação,
mas pode obscurecer a trama real;
e) tomando em conta a teoria “triúna” da evolução cerebral (Lewis et alii, 2000.
Edelman/Tononi, 2000), somos naturalmente um “poço de contradições”, à revelia da
lógica; segundo esta visão, o cérebro humano é resultado longuíssimo e não linear do
processo evolucionário em três lances mais característicos: o reptiliano (próprio dos
répteis e mais sensível às condições imediatas de sobrevivência, como reações rápidas a
situações de risco), o límbico (próprio dos mamíferos e mais devotado ao cuidado da prole
e a reações emocionais), e o neocortical (mais recente e racional/lógico); a noção tão
comum do cérebro como máquina maravilhosa - se olharmos pela lente do saber pensar -
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comum do cérebro como máquina maravilhosa - se olharmos pela lente do saber pensar -
muda drasticamente, porque é também uma geringonça feita de partes desconexas e
contraditórias: por exemplo, a parte neocortical não se entende bem com a parte límbica
(paixão e razão dificilmente combinam); a mente pode usar racionalizações para iludir-se,
ou as emoções para destruir ou destruir-se; por mais que a mente possa esforçar-se para
ser ordenada, sistemática, cuidadosa, não foge de ser, sempre, também uma colcha de
retalhos.
A ambigüidade, por isso mesmo, penetra igualmente recônditos sagrados, como é o
da verdade. Logo se contestam os “universais”, pleiteando que ciência também seria
“multicultural” (Harding, 1998. Lyotard, 1989). Não se contestam as propriedades da
“forma”, em si independentes do espaço e do tempo, como seriam formas matemáticas.
Mas, não por acaso, em matemática também surgiu, na primeira metade do século
passado, o “teorema da incompletude”, de Gödel (Hofstadter, 2001): ao elevar-se a níveis
mais sofisticados de elaboração, a matemática coloca dimensões não decidíveis
formalmente, porque já crescentemente contextuadas hermeneuticamente. Surge, então, a
“lógica difusa” (Kosko, 1999), para a qual “cinza é a cor da verdade”, uma visão hoje
amplamente utilizada na “inteligência computacional” (Konar, 2005) e na “web semântica”
(Mika, 2007. Bruijn et alii, 2008), em geral sob o desafio de “imitar” a inteligência humana
capaz de lidar com ambigüidades. Que a verdade seja naturalmente ambígua, é algo que
choca a muitos, em especial quando se toma ciência como substituto da religião (Demo,
2000a). Kosko propõe que linha reta não existe na natureza, apenas em matemática, e
que, no fundo, alinhamento reto é coisa de ditador: este, sim, estigmatiza os outros ou
como vassalos, ou como traidores, usando o dualismo binário típico de verdades
absolutas.
Leve-se em conta, porém, que não se trata de aviltar a formalização, essencial para o
método científico (também na pesquisa dita qualitativa) (Demo, 2001). Trata-se apenas de
reconhecer que a existência natural não pode reduzir-se a formalizações, porque é
propriamente datada e localizada, nunca universal. Pretensões existenciais universais são
sempre ditatoriais, como é o caso clássico de culturas ou raças pretensamente superiores
e universais. Na definição de Habermas (1989), verdade é pretensão de validade: no lado
formal, para um discurso merecer acato, precisa estar formalmente bem feito; no entanto,
isto não basta para ser validado - para “valer” implica ingredientes também políticos. O
teorema de Pitágoras será o mesmo em qualquer espaço e tempo, mas não Pitágoras. A
formalização metodológica empurra sempre para a linearização da realidade, tanto porque
entendemos melhor o que se deixa ordenar, quanto porque cabe no método - daí Morin
retira sua crítica da “ditadura do método” (1996; 2002). Não se trata de rejeitar a
formalização, mas de perceber suas virtudes e limites, uma preocupação hoje comum em
matemáticos mais contemporâneos (Lesh et alii, 2007).
A “relativização” das teorias é ainda um processo doído na academia, acostumada
que estava à estabilidade dos discursos formalizados. Mais ainda assusta a relativização
da ética (Demo, 2005), confundindo-se relativização com relativismo: este instaura o vale-
tudo irresponsável, enquanto aquela, deixando de universalizar expressões datadas e
localizadas, busca circunstanciar no espaço e no tempo. Na natureza e na sociedade, a
validade que cabe é a relativa, nunca absoluta, não só porque não podemos reduzi-la a
formas universais, como também porque validades absolutas são golpe prepotente. As
coisas valem, sim, mas valem relativamente, como nós mesmos “valemos”, com prazo de
validade. Nem a natureza, nem o ser humano são fenômenos universais, mas
contingentes, cujos comportamentos e produtos são, naturalmente, contingentes. Esta
percepção tem mudado o modo de argumentar sensivelmente. Habermas (1989) fala da
força sem força do melhor argumento, ou da habilidade de convencer sem vencer.
Enquanto o argumento de autoridade é marcado pela imposição externa (Demo, 2005a), a
autoridade do argumento aponta para um estilo negociado e aberto de comunicação.
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Para todo educador atento, as novas tecnologias trazem chances e riscos. Enquanto
as chances são badaladas, os riscos facilmente são encobertos. Com respeito a crianças,
a internet oferece ambientes tanto atraentes, quanto dúbios, que fazem pais e professores
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a internet oferece ambientes tanto atraentes, quanto dúbios, que fazem pais e professores
se alarmarem. Encontram-se na internet riscos como bullying, pedofilia, pornografia,
aliciamento, consumismo, dependência, e assim por diante, em parte expressando
igualmente sua tendência mercantilista: constrói-se e organiza-se na internet o que vende
bem, não o que poderia ser bom para as crianças. Acresce a isso a rápida simbiose entre
criança e computador, em geral entendida como componente do “empoderamento”, que,
segundo Bill Gates, seria o mais efetivo jamais inventado (Hassan, 2008:XI). Ao lado
desta simbiose que chama muito a atenção, há outra não menos marcante: a simbiose
com o mercado neoliberal (Benkler, 2006). A internet como espaço de liberdade parece
murchar a olhos vistos, tendo em vista que sua promoção e manutenção dependem,
crescentemente, de relações de mercado (Galloway, 2004. Fabos, 2008).
A criança pode estar sendo exposta prematuramente ao computador, ainda que seja
difícil indigitar com alguma segurança qual seria a idade adequada para esta exposição. O
fato, porém, de já existir canal de TV para criança bem pequena (em torno de um ano de
idade), indica, certamente, que o apelo maior é consumista, não pedagógico, ou mesmo
entretenimento. Ciência e tecnologia aí unem-se ao intento neoliberal e produzem
artefatos que atraem as crianças, servindo, em parte pelo menos, como baby sitter. Torna-
se indisfarçável a pretensão mercantilista de influenciar mentes infantis para impor
paradigmas consumistas predatórios, aproveitando-se, ademais, da facilidade com que
crianças apreciam computador e internet. Surge ainda o risco de dependência, retirando a
criança do convívio físico com a família e colegas, à medida que o mundo virtual se torna
mais relevante que o mundo real. Como se sabe, as crianças distinguem cada vez menos
entre real e virtual, em parte com alguma razão (o mundo virtual pode ser extremamente
instigante, como nos bons jogos eletrônicos) (Wark, 2007. Bogost, 2007. Massumi, 2002),
em parte sob risco de solipsismo e deficiência física (obesidade, por exemplo). Quando se
trata de estudar, as crianças podem retirar do computador cruciais apoios, bem como
plágios crus, sem falar na tendência própria do texto feito na tela de ser menor, mais raso
e fugaz. Cria-se a expectativa de que tudo se resolve na internet, em geral copiando. A
leitura mais densa, pausada, reconstrutiva vai ficando para trás como signo de uma
geração passada (Demo, 2005b). Para pesquisar, não vamos mais para a biblioteca;
vamos para a internet. Certamente, há na internet espaços apreciáveis, a começar pela
wikipedia, mas seria trocar um erro pelo oposto, se o estudante se bastar apenas com
textos digitais. Embora sob o refrão da criatividade das novas tecnologias, deflagra-se a
expectativa medíocre de reduzir tudo a rotinas digitais: em vez da chance de
manter/melhorar o controle, seríamos ainda mais controlados sob o efeito anestesiante do
“ubiquitous computing” (Hassan, 2008:3).
Assim como é próprio da ideologia neoliberal não se considerar ideológica, mas
“evidente” parte da ordem natural das coisas, também é próprio da sociedade da
informação ver-se como expressão imune e universal, em parte por conta de sua
linguagem extremamente formalizada digital. Ignora-se, porém, que o computador nasceu
no contexto militar e industrial, e que continua servindo preponderantemente à economia
neoliberal: a pretensão prepotente universalista do mercado liberal funde-se com a mesma
pretensão prepotente universalista da sociedade da informação, não havendo outro modo
de conceber e viver a vida em sociedade. O “efeito rede”, já salientado com vigor por
Castells (1997), reforça a expectativa de abarcar o universo, impondo a tudo e a todos a
mesma ordem, vendida como inquestionável. Desenha-se a possibilidade de controle
sobre o trabalho não físico (Gorz, 2005. Rifkin, 2000), à medida que a digitalização
algorítmica prende idéias a códigos precisos. Mesmo que o processamento digital não seja
capaz de interpretação autopoiética (pelo menos por enquanto), isto não impede o fluxo
hermenêutico nos leitores e usuários, no que aparece outra simbiose notável: entre sintaxe
e semântica (Hayles, 1999; 2005). A mente humana maneja, como resultante natural do
processo evolucionário, tanto habilidades lineares (padronização de procedimentos,
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Clinton (liderada, neste caso, por seu então vice-presidente, Al Gore). Hassan cita a
badalação da net por Dyson: “A net oferece-nos uma chance de tomar conta de nossas
próprias vidas e de redefinir nosso papel como cidadãos de comunidades locais e da
sociedade global. Nos dá também a responsabilidade de governarmos a nós mesmos, de
pensar por nós mesmos, de educar nossos filhos para fazerem negócio honestamente e
de trabalhar com cidadãos colegas para conceber regras com as quais queremos viver”
(2008:83). Esquece-se, nesta citação, a ambigüidade das novas tecnologias, apostando
todas as fichas em promessas de “democracia e libertação profundas” (Id.:112). Esquece-
se, sobretudo, a obsessão neoliberal de fazer de tudo, inclusive do mundo das idéias e da
criatividade, do corpo e da intimidade, mercadoria, intento que vem enormemente
facilitado pela digitalização da comunicação, à medida que, codificada algoritmicamente,
ganha formato de coisa manipulável com precisão matemática.
Questionam-se com veemência os jogos eletrônicos, tendo em vista que sua lógica
mais nítida é “business” (Hassan, 2008:143). Por certo, do ponto de vista do mercado, se
esta razão não constasse, não haveria razão nenhuma! Vale sempre lembrar que a
atratividade dos videogames e mesmo suas qualidades de aprendizagem tão decantadas
por autores renomados como Prensky (2001a; 2006) e Gee (2003; 2007), não podem
encobrir as estratégias espertas e manhosas do mercado. Em especial, a liberdade de
construir um avatar com criatividade intensa, mudar regras de jogo, retocar ambientes
virtuais, discutir online livremente, é, como diz Galloway (2004), liberdade sob medida.
Entretanto, este questionamento tão necessário não poderia servir de anteparo para uma
condenação generalizada, seja porque os videogames vieram para ficar e muitos jovens
adoram, seja porque em meio a tamanhas banalidades pode sempre haver ambientes
formidáveis de aprendizagem orientados por pesquisa e elaboração individual e coletiva.
Pode-se dizer algo similar da internet: não deixa de ser um “lixão”, mas pode também ser
um repositório de oportunidades ímpares.
Hassan chega a reconhecer a “ambivalência inerente” das novas tecnologias
(2008:157), mas aproveita esta visão para marcar preferentemente o lado negativo. O lado
positivo é quase peregrino, como a valorização eventual que faz da web 2.0 e de um de
seus produtos mais notáveis, a wikipedia. Minimiza, por isso, as tentativas de grupos e
programas voltados para produção livre e solidária, como do software livre. “A linha básica
é que para todas as boas intenções por trás do software livre, nenhuma é atualmente
orientada para pensar sobre como poderíamos usar computadores diferentemente - para
mudar seu modo inerentemente instrumental, e para fazê-los mais capazes de resposta às
necessidades sociais, ao invés de apenas econômicas” (Id.:155). Não é difícil constatar
que movimentos como o do software livre parecem uma luta de Davi contra Golias, mas,
mesmo assim, não cabe desqualificar como mera “boa intenção”, se não houvesse outras
razões, pelo menos em nome do cultivo de outras utopias. Não pode ser utopia a proposta
de resistência já perdida, alimentada por modelos obsoletos de sociedade embalada por
estabilidades e valores tradicionais que, de modo não muito diferente, também são
produto de tramas pouco louváveis de poder e exploração. Reaparece a pretensão
indevida de saber dizer qual seria a sociedade boa para todos, deixando-se de perceber
que não cabe responder ao colonialismo neoliberal com outro pretensamente mais ético. A
noção do “indivíduo saudável e construção de uma sociedade estável e funcionando
adequadamente” (Hassan, 2008:180) cheira a saudosismo modernista atemorizado face
às novidades tecnológicas. Também não pode ser utopia a sofreguidão com que se
prometem inovações cândidas, que encobrem pesadelos de toda ordem, como a noção de
que “se pode fazer dinheiro sem praticar o mal” (Id.:190). De repente, pode-se, sim, até
mesmo no capitalismo, mas é promessa arriscadíssima. Hassan cita, então, o recuo do
Google na China, provocado pela pressão do governo de filtrar o fluxo de informação, por
razões de segurança do regime. Alegou-se que seria preferível ter alguma informação a
não ter nenhuma, revelando que os padrões éticos são mais que “relativos”.
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não ter nenhuma, revelando que os padrões éticos são mais que “relativos”.
Citando Sunstein (2006) e sua crítica a produções virtuais feitas em grupo, inclusive
em blogs, Hassan ressalta apenas tendências comuns de as discussões se tornarem
repetitivas, centradas em certas lideranças que restauram o argumento de autoridade,
bem como de usar apenas a informação que interessa ou de mais fácil acesso (The Daily
Me) (Hassan, 2008:211). Facilmente formam-se guetos políticos, tornando quimérica,
para Hassan, a pretensão de o blog poder ser referência fundamental da democracia
deliberativa. Se é tolo declamar que os “blogueiros são os novos arautos da expressão
livre” (Id.:209), não é menos fátuo ignorar que é possível, dependendo de condições
favoráveis e viáveis, arrumar um ambiente relativamente marcado pela autoridade do
argumento. Assim, quando a argumentação perde o senso pela própria ambigüidade,
vacila entre posições pouco compatíveis: de um lado, Hassan afirma algo que todos
aceitariam: não se pode alimentar fé não reflexiva em torno das tecnologias; de outro,
concedendo que não se podem oferecer respostas definitivas, não caberia anatematizar as
tecnologias. A citação que Hassan faz de Judt (da New York Review of Books) parece
sintomática: “Medo está re-emergindo como um ingrediente ativo da vida política nas
democracias ocidentais. Medo do terrorismo, naturalmente; mas também, e talvez mais
insidiosamente, medo da velocidade incontrolável da mudança, medo da perda de
emprego, medo de perder o chão para outro numa distribuição crescentemente desigual
de recursos, medo de perder o controle das circunstâncias e rotinas de vida de cada qual.
E, talvez acima de tudo, medo de que precisamente nós não podemos mais dar forma a
nossas vidas, mas de que aqueles investidos de autoridade perderam o controle também
para forças que estão além do alcance” (Hassan, 2008:217).
Esta citação representa, numa tentativa analítica mais aberta, um tipo inócuo de
resistência marcado pelo temor de perder o controle sobre a mudança. Primeiro, encobre
que mudanças profundas não são controláveis - mudança sob controle não muda;
segundo, coloca todos esses medos na conta das novas tecnologias, o que é certamente
apressado, insinuando que haveria algo de intrinsecamente mau nelas; terceiro, caindo na
armadilha do medo, apela para as autoridades, dando de graça a autonomia; quarto,
curva-se ao determinismo tecnológico, fazendo das novas tecnologias, à revelia, outro
fetichismo; quinto, sugere, nas entrelinhas, que as democracias ocidentais seriam
parâmetro democrático, do que resultaria que terroristas são sempre os outros.
Necessariamente, as novas tecnologias não são “o” problema, o que desvela, ao fundo,
moralismos ideológicos no mínimo apressados. Elas tanto podem sustentar os medos,
quanto combatê-los, ainda que, no contexto capitalista, o que mais se espera é que
garantam o formato liberal das democracias...
Medo é sempre tema central de processos profundos de mudança (Evans, 2001.
[1]
Owens, 2004), bem como seu correlato da busca de controle da mudança . Na
sociedade, mudança costuma ter “dono”: o mercado neoliberal, para Hassan. Assim,
enquanto Friedman (2005), estudando um dos efeitos mais notáveis das novas tecnologias
- “o mundo é plano” - acaba defendendo a política antiterror de Bush e dividindo o mundo
entre o lado bom e o lado mau, Chomsky (2003) interpreta de maneira muito diversa: entre
os dois lados haveria mais similitudes que diferenças, pelo menos do ponto de vista do
etnocentrismo e do fundamentalismo. A visão de Chomsky, sendo também naturalmente
ambígua, parece-me mais perspicaz, porque procura privilegiar o intento analítico sobre o
de defesa. De novo, as tecnologias comparecem ambiguamente, para fomentar e
combater o terrorismo...
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O que não falta é entusiasmo em torno das novas tecnologias, a começar pela assim
dita “geração digital” (Tapscott, 1998; 2009), sem falar que vieram para ficar. Embora
possam ser problema, são sobretudo fato consumado. Disto não segue que o jeito é
engolir, mas certamente que é mais prudente saber conviver com elas, de preferência na
condição de sujeito, não de objeto. Seria canhestro ver nelas apenas patologias (tese
comum entre os donos da sanidade pública); seria não menos canhestro ignorar que há
fartas patologias (tese comum entre os basbaques). Dentro da literatura abundantíssima,
destaco aqui a obra recente de Tapscott (2009), uma retomada de outra anterior (de
1998), sobre a geração digital, com base em pesquisa específica com pretensões de rigor
acadêmico suficiente. Tapscott não é um acadêmico típico, também porque isto não lhe
interessa mais: aprendeu com a nova geração que a academia precisa mudar, no mínimo
precisa tomar a sério as novas tecnologias e conviver com procedimentos mais soltos de
pesquisa. Não cabe mais fixar-se no texto impresso tradicional, nem em ritos formalistas
que acabam trazendo de volta o argumento de autoridade, muito menos na aula
instrucionista, detestada pela maioria dos estudantes. Já se vê por aí que sua
argumentação é vibrantemente ambígua, predominando freqüentemente o entusiasmo
sobre o compromisso analítico. Mesmo assim, talvez seja uma das obras que fazem a
aposta mais frontal na geração digital, sem perder de vista a pesquisa.
Trata-a como “geração única” (2009:1), “cercada da mídia digital”, “tão banhada em
bits que pensa que tudo é parte natural do cenário” (Id:2). Pela primeira vez na história,
esta geração se sente mais confortável, mais altamente educada e alfabetizada que os
pais. Através da mídia digital está desenvolvendo e sobrepondo sua cultura à sociedade,
deixando para trás outras gerações anteriores (os “boomers”, por exemplo). “Essas
crianças estão já aprendendo, jogando, comunicando-se, trabalhando e criando
comunidades de modo muito diverso daquele de seus pais. São uma força para a
transformação social” (Ib). Todavia, ao lado de reconhecer que existe “the dark side” (lado
sombrio), em especial no que concerne à exposição descuidada da privacidade, Tapscott
leva em conta os inúmeros críticos, inclusive os que dizem cobras e lagartos sobre a nova
geração: i) esta geração seria a mais tola de todas (tese excitada de Bauerlein) (2008),
porque se perde freneticamente no mar de informações desconexas, não fixa a atenção
em nada, faz tudo ao mesmo tempo e de modo banal, não gosta de estudar a fundo, vive
de amadorismo (tese não menos excitada de Keen sobre o “culto do amador”) (2007); ii)
seriam figuras caudatárias da tela (screenagers), dependentes deste tipo de droga (em
especial de videogames), malbaratando habilidades sociais e físicas em troca da
obesidade física e virtual; iii) não se acanha, expondo sua privacidade não só de modo
provocativo e infantil, mas arriscado, abrindo espaço para predadores de toda ordem; iv)
porque são mimados, encontram-se à deriva no mundo; por isso muitos voltam para a
casa dos pais depois de graduados (algo impensável em gerações anteriores) e não se
fixam no emprego; v) roubam na internet, desrespeitando regras mínimas de copyright; vi)
colegas ameaçam colegas online (bullying) - “os teens estão vivendo numa realidade
virtual e numa cultura voyeurismo da violência e humilhação, e tudo por fama e fortuna”
(Tapscott, 2009:4); vii) esta geração é violenta, bastando observar os casos freqüentes de
crimes em escolas e os incentivos embutidos em videogames; viii) não parece deter ética
do trabalho, tornando-se funcionários não confiáveis: não segue horário, prefere ficar em
casa, permanece no mesmo emprego por volta de dois anos, estão sempre a caminho,
criticam tudo, não aceitam hierarquia; ix) como geração doentiamente narcisista, gira em
torno do próprio umbigo, descartando as gerações mais velhas e os outros de modo geral;
x) não se importa com nada (they don’t give a damn) (Id.:5) - não votam, não se envolvem
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x) não se importa com nada (they don’t give a damn) (Id.:5) - não votam, não se envolvem
com a sociedade civil, não são solidários. Assim resume Bauerlein ferinamente
(2008:201): “O adolescente (teen) do século XXI, conectado e fazendo várias tarefas ao
mesmo tempo, autônomo e preso ao grupo (peer-mindful), não dá salto para frente na
inteligência humana, pensamento global ou na cidadania da net (netizen-ship). Usuários
jovens aprenderam milhares de coisas novas, sem dúvida. Carregam e baixam (upload,
donwload), surfam e conversam, postam e praticam design, mas não aprenderam a
analisar um texto complexo, armazenar fatos em suas cabeças, compreender uma
decisão da política estrangeira, tomar lições da história ou pronunciar corretamente. Não
tendo nunca reconhecido sua responsabilidade para com o passado, abriram uma fissura
em nossos fundamentos cívicos, e isto se mostra em sua passagem arrastada para a
idade adulta e cidadania” (Tapscott, 2009:5).
Tapscott põe-se, então, a desfazer tais críticas, apostando todas as fichas na
geração digital. Fala em buscar a “verdade” (Ib.), trazendo à baila dados e experiências
contrários, em parte caindo aí na mesma armadilha do “sage-on-the-stage” (metáfora do
professor que sabe a verdade) (Id.:9), perdendo de vista a ambigüidade de toda
argumentação, por mais que se presuma fundada em dados e fatos. Pretende mostrar que
esta geração está avançando muito em termos de mudança na sociedade e na economia,
sugerindo aprender dela, em vez de apenas denegrir. Temos de superar o medo através
do conhecimento, até porque é mais que natural temermos o que não entendemos. O que
pode ser maluquice para os adultos, pode ser virtude para tais adolescentes, como é fazer
muitas coisas ao mesmo tempo (multitasking). O preço natural pode ser a superficialidade
do que se faz e isto ocorre sempre. Mas, eles sabem também distinguir os momentos: o
momento de fixar a atenção em algo para aprofundar o conhecimento e a pesquisa, e o
momento de surfar à-toa. Entram animada e, muitas vezes, despreocupadamente no ritmo
de mudança: enquanto ainda valorizamos o email, para eles “email is old-school” (Ib.).
Não suportam ficar escutando um professor falar como dono da verdade, impedindo a
interatividade. Freqüentemente se questiona a leitura na tela, como regra mais curta, rasa,
fugaz, em nome da leitura pausada e meditada do livro. Esta não está, de modo algum
descartada, mas é claro que os jovens preferem a tela, também por comodidade e
atratividade. Cabe lembrar que, quando a humanidade passou da oralidade para a escrita,
houve reações fortes contrárias, inclusive - quem diria! - de Sócrates, alegando o
[2]
desprestígio da memória e a conseqüente popularização do conhecimento . A leitura na
tela quebra paradigmas anteriores, de modo ambíguo (Kress/Leeuwen, 2001; 2005):
enquanto aparece mais banal, também é mais acessível e atraente; no momento talvez
predominem queixas por parte dos leitores tradicionais, mas, com o tempo, aprimorando-
se as tecnologias e ocorrendo adaptações criativas de ambos os lados, é bem possível
que se torne “normal”, como a leitura tradicional impressa, contestada quando surgiu, se
tornou normal.
Segundo Tapscott, os jovens estão refazendo todas as instituições: i) empregados e
empregadores tendem a cultivar práticas mais coletivas e a abater hierarquias rígidas; ii)
como consumidores, pretendem ser “prossumidores” (prosumers), no sentido de co-
inventar produtos, customizá-los, participar do aprimoramento de sua qualidade, interagir,
não apenas consumir; iii) na educação estão desconstruindo a sala de aula centrada na
autoridade do professor; iv) na família já são vistos como expertos na internet, mudando a
relação entre pais e filhos; v) como cidadãos esta geração quer participar do governo
(exemplo da eleição de Obama em 2008), em especial controlar democraticamente; vi) na
sociedade, “empoderada” pela internet e plataformas do tipo web 2.0, começam a interferir
nos destinos globais e ambientais, mostrando forte ativismo. Afirma, então, espelhando-se
em sociedades como a norte-americana e mais avançadas: “Creio que é o direito de toda
pessoa jovem crescer de maneira digital, seguindo disso que a campanha Um Laptop por
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pessoa jovem crescer de maneira digital, seguindo disso que a campanha Um Laptop por
Pessoa, lançada pelo professor de tecnologia de mídia, N. Negroponte, é tão maravilhosa
e importante” (Tapscott, 2009:17). Ao contrário da crítica de Bauerlein, os dados
disponíveis indicam que os jovens estão melhorando seu desempenho visivelmente: não é
a geração mais boba, é a mais preparada (Id.:30). Como precisam virar-se em meio à
confusão geral da informação disponível, desenvolvem habilidades de pensamento e
pesquisa. Alega que, nos Estados Unidos, 9 em 10 da geração net descrevem-se como
felizes, confiantes e positivos. E, “para variar”, Tapscott elabora oito normas desta
geração: i) querem liberdade em tudo que fazem, desde liberdade de escolha até de
expressão; ii) gostam de customizar, personalizar tudo que faz parte de suas vidas, não só
as novas tecnologias; iii) são os novos “controladores” (scrutinizers), exigindo
transparência em tudo (comércio, governo, empresas...); iv) requerem integridade
empresarial e abertura ao decidir o que comprar e onde trabalhar; v) esperam
entretenimento e jogo no trabalho, educação e vida social; vi) são colaborativos e
apreciam relacionamentos; vii) gostam e precisam de velocidade; viii) são os inovadores
(Tapscott, 2009:34-36).
Não se pode evitar de dizer que é “rósea” esta descrição - bom demais para ser
verdade. Mas, acrescente-se que Tapscott não perde de todo o senso pela ambigüidade:
“Nunca houve um tempo de maior promessa ou perigo” (2009:37). No contexto da web
2.0, esta geração estaria transformando a internet de um lugar onde se pode achar
informação para um lugar onde se compartilha informação, fazem-se projetos coletivos e
criam-se novos modos de enfrentar e resolver problemas. Os jovens mostram atitude
diferente com a TV: esta torna-se um pano de fundo genérico de assistência seletiva e
intermitente (“muzak” - fundo musical), enquanto fazem outras várias coisas ao mesmo
tempo (multitasking). Preferem mensagem instantânea de texto ao telefone, também ao
email tradicional. Gosta de viver junto, sobretudo online, bem como comentar o que vêem.
Perguntados se preferem viver sem TV ou internet, a internet ganha disparado (Tapscott,
2009:43). Apreciam mais notícia online do que nos jornais, o que muitas vezes causa a
impressão de que não se informam. No entanto, dependendo do ambiente online,
interagem com o noticiário (caso do blog, por exemplo), criando, assim, conteúdo, ao
invés de apenas consumir. Vêem o fone móvel como co-piloto digital, alimentando as
redes sociais (social networks), na “versão da geração net de um centro comunitário
global” (Id.:56). Cultivam ambientes de auto-organização e governo, sem lideranças
autoritárias.
Embora possa parecer ao contrário, esta juventude é mais bem comportada,
segundo dados disponíveis (Tabela 1):
desafios que lhe são impostos. O cérebro adolescente é visto, então, como “a work in
progress” (Tapscott, 2009:100), aprimorando os estilos de inteligência e as habilidades
requeridas para dar conta da pletora de informação, do “multitasking” (considerado
“quintessential characteristic”), da maleabilidade da inovação frenética, da aprendizagem
virtualmente situada, dos videogames, etc. Ao contrário da tese de que as novas
tecnologias tenderiam a anestesiar os cérebros jovens, à medida que os envolve com
futilidades de toda ordem, ocorreria o desenvolvimento de “habilidades de pensamento
crítico, aquelas de que se precisa para navegar no mundo de hoje saturado de informação
e em velocidade crescente” (Id.:111). Segundo Tapscott, ler online não é menos
desafiador; apenas as habilidades são diferentes. Muitos dos problemas continuam, como,
por exemplo, prestar atenção apenas no que se percebe mais. Poder-se-ia falar de nova
forma de inteligência: cognição distribuída (distributed cognition) (Id.:114), marcada pela
dispersão de conteúdos, trabalho colaborativo, cultivo de redes sociais. Focar a atenção
por tempo mais longo é desafio maior para esta geração, acostumada a flashes fugazes
de informação. Todavia, longe de ser “boba” (tese de Bauerlein, 2008), tem-se
desempenhado melhor na escola, apesar de a escola estar muito longe de lhe agradar,
como transparece no célebre vídeo “A Vision of Students Today” (2009), montado por 200
estudantes. Mostra-se a sala de aula instrucionista, o professor autoritário, a aula
unilateral, a transmissão copiada de conteúdos… Sugere-se, então: “Em vez de focar o
professor, o sistema de educação deveria focar o estudante; em vez de dar aula, os
professores deveriam interagir com os estudantes e ajudá-los a descobrir por si próprios;
em vez de transmitir um formulário ‘one-size-fits-all’ (padronizado para todos) da
educação, as escolas deveriam customizar a educação para encaixar-se no modo
individual de aprender de cada criança; em vez de isolar os estudantes, as escolas
deveriam incitá-las a colaborar” (Tapscott, 2009:122). Hoje, quem gosta de aula é
professor. Aluno foge dela, porque a vê como obsoleta, para dizer o mínimo. Não importa
o que se conhece, mas como se aprende. “A habilidade de aprender coisas novas é mais
importante do que nunca num mundo onde se tem de processar nova informação à
velocidade da luz. Os estudantes precisam ser capazes de pensar criativamente,
criticamente e colaborativamente; dominar o ‘básico’ e ser excelentes em leitura,
matemática, ciência e alfabetização em informação, e responder às oportunidades e
desafios com velocidade, agilidade e inovação. Os Estudantes precisam expandir seu
conhecimento para além das portas de sua comunidade local para tornarem-se cidadãos
globais responsáveis e contributivos na economia mundial crescentemente complexa”
(Id.:127). A pedagogia persiste como proposta antiquada, de outros tempos, centrada no
professor e na aula. Tapscott, então, sugere o que significa esta mudança: “Significa
mudar a relação entre professor e aluno no processo de aprendizagem. Para focar o
estudante, os educadores devem abandonar o velho sistema no qual o professor transmite
através de aula, a mesma aula para todos os estudantes. Primeiro, os docentes devem
sair do pedestal e começar a escutar e conversar, ao invés de apenas dar aula. Em outras
palavras, precisam abandonar seu estilo ‘broadcast’ (transmissão aberta) e adotar outro
interativo. Segundo, deveriam incitar os estudantes a descobrirem por si mesmos, e a
aprenderem um processo de descoberta e pensamento crítico, ao invés de apenas
memorizarem a informação do professor. Terceiro, precisam incitar os estudantes a
colaborarem entre si e com outros fora da escola. Finalmente, precisam escoimar o estilo
de educação para os estilos individuais de aprender de seus estudantes” (Id.:130).
Com picardia, Tapscott assim define a aula: “o processo no qual as anotações do
professor vão para as anotações dos estudantes sem passar pelos cérebros de ambos”
(2009:131). Cita ambientes atualizados de aprendizagem, nos quais “there were no
lectures” (não havia aulas) (Id.:133). É crucial sair da instrução e instituir a pesquisa,
porque as escolas deveriam ser lugares para aprender, não para ensinar, ecoando a obra
de Darling-Hammond/Sykes (1999), sobre “ensinar como a profissão de aprender”.
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privacidade) - ocorre que seu desempenho escolar está se aprimorando, sem falar que
são expertos em casa, podendo ensinar tecnologia aos pais. Em geral, apreciam o contato
como os pais, ao contrário do estereótipo vigente de afastamento, por conta da distância
geracional. Há que se levar em conta ainda que a família serve como anteparo para lidar
com riscos graves da internet (bullying, pornografia, pedofilia, predadores, etc.), ainda que
muitos pais fiquem ausentes. Por volta de 40% dos teens abaixo de 18 anos dizem que
seus pais não sabem o que fazem online. Outro risco crescente é a oferta de “screen for
babies” (programas prematuros para crianças abaixo de um ano de idade), algo
ostensivamente condenado por Tapscott.
Diferentemente da pecha de apatia política, Tapscott imagina que esta geração é
participativa, tomando como exemplo à mão a participação intensa na campanha e eleição
de Obama. Na verdade, têm ojeriza à política tradicional, em especial ao abuso de novas
tecnologias para continuar as mesmas falcatruas políticas. Não é uma “me generation”
(ensimesmada), mas que demonstra cuidado com a sociedade. Não suporta a visão liberal
de que os governos deveriam sair do caminho e deixá-lo aberto para o mercado. No
entanto, o que mais conta nesta retomada democrática é que os jovens percebem que
possuem armas poderosas à disposição, em especial as plataformas online. Tendem a ser
mais democratas, assumem muito mais o voluntariado e exercem iniciativas de
solidariedade. Estão construindo a “democracia 2.0: da transmissão aberta para a
interativa” (Tapscott, 2009:258), promovendo o “marketplace of ideas” (mercado de idéias)
(Id.:259). Embora com linguagem neoliberal, esta visão lembra a “esfera pública” de
Habermas, turbinada online. Usam wikis, blogs, social networks, digital brainstorms..., e
mais uma riqueza de novas abordagens, entre elas: i) painéis online de cidadãos; ii)
votação deliberativa; iii) períodos de questionamento virtual; iv) planejamento de cenários.
Um dos valores mais ressaltados na política é a transparência, favorecida por plataformas
da web 2.0, ao lado da ética ambiental (salvar o planeta).
Concluindo sua análise, Tapscott volta-se, uma vez mais, para os críticos e os tenta
desconstruir, começando pelo reconhecimento explícito do lado sombrio da internet: os
jovens estão expondo arriscadamente sua privacidade, o que pode não só lhes causar
problemas agora, mas principalmente no futuro (por exemplo, quando, ao ser entrevistado
para um emprego, o recrutador aparece com um relatório sobre sua privacidade divulgada
na internet). No todo, porém, retira uma visão amplamente positiva: esta geração é mais
bem preparada, inteligente e criativa. Existe o vício da tela, e que repercute em
comportamentos sedentários perigosos, sem falar no problema de estar sozinho na
multidão. Todavia, a internet é um mundo tipicamente social, ainda que virtual. Pode-se
encontrar um equilíbrio sempre mais desejável do que unilateralidades. Tenta afastar a
acusação de que a mídia seria responsável pela violência nos jovens, em especial por
conta dos videogames. Aqui trava-se uma polêmica complicada e tortuosa, em geral num
contexto de um diálogo de surdos. Certamente, pode-se aludir que violência tem outras
origens mais comprometedoras, como ambientes familiares e sociais decaídos,
marginalizados, contaminados pelo tráfico de drogas, tese defendida por Sternheimer
(2003), por exemplo. Há videogames extremamente violentos e dificilmente se poderiam
descartar como fomentadores da violência, por mais que, na tradição do entretenimento
desde o faroeste, todos se matam, mas ninguém morre! Ou seja, o jogador sabe que é
fantasia. Será? Por outra, sempre se aventa que não há pesquisa conclusiva a respeito,
em cuja sombra medram o advertising irresponsável e expressões provocativas e
macabras da mídia. Ao mesmo tempo, pode-se aproveitar da ambigüidade natural de tais
fenômenos para sugerir, ao final, que tudo pode, dependendo o problema do interessado e
por conta dele. Permanece, porém, um fato clamoroso: a criança corre na internet riscos
graves, fartamente comprovados, cuja gravidade só se torna ainda mais virulenta em
ambiente mercantilista e consumista. Pode-se acenar que as próprias crianças acabam
fazendo seu código de ética, constituindo regras de jogo apropriadas. Este aceno é,
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fazendo seu código de ética, constituindo regras de jogo apropriadas. Este aceno é,
porém, irresponsável, porque não cabe retirar este cuidado dos pais e educadores. Ao
final, parece prevalecer a impressão de que, unindo-se mercado, predadores, gangues,
tráfico de drogas e outras perversidades, a criança está ameaçadoramente exposta na
internet, levando-se ainda em conta sua tendência atual a expor sua privacidade
despreocupadamente.
Dito isto, porém, cabe apontar para contradições flagrantes de muitas críticas:
“Supõe-se que os filhos dos boomers são superprogramados, superestressados e
empreendedores exacerbados - mas no mesmo fôlego são descritos como lerdos e
vagabundos. Afinal, qual é? Têm a desordem do déficit de atenção e não podem focá-la;
mas, ao mesmo tempo, sentam por horas frente a uma tela, seus olhos focados como um
laser num jogo ou atividades da rede social. Não se preocupam com nada, mas, ao
mesmo tempo, querem mudar tudo - desde como sua empresa é gerida até quem é o
presidente do país. São obsessivos controladores egoístas e maníacos, mas, ao mesmo
tempo, dependem dos pais como escravos. Estão perdidos e confusos, mas sua auto-
estima e confiança alcançaram níveis patológicos de narcisismo. Por favor, dêem-nos um
tempo! Claramente algo mais do que verdadeira pesquisa e pensamento racional está
metido aí” (Tapscott, 2009:306). Estaria se formando uma “NGenophobia” (fobia à geração
net) (Ib.), em parte por educadores. Dá, então, como exemplo a educação: “Temos visto
como o atual modelo da Revolução Industrial - onde se espera das crianças que fiquem
sentadas quietas e escutem o professor - não é apropriado para pequenos que cresceram
digitalmente e acostumaram-se a interagir com as pessoas, não apenas escutando. O
velho modelo educacional poderia ter sido adequado para a Era Industrial, mas não faz
sentido para a nova economia digital, ou para a nova geração de aprendizes. Os
pequenos têm razão. Deveríamos mudar o sistema educacional para fazê-lo relevante
para eles. Os professores deveriam parar de dar aula. Deveriam, ao invés, ser mentores
para pessoas jovens que estão usando esta ferramenta maravilhosa para explorar o
mundo. Educação deveria ser customizada para cada estudante individual. E deixemo-lo
colaborar. Assim é como será o mundo” (Id.:308).
Não deixo de reconhecer o quanto é interessante esta obra de Tapscott. Mas é
exageradamente positiva, quase um advertising em formato de livro ou na posição de
advogado. É importante que a velha geração aposte na nova, também porque esta nova
nos ultrapassa na expertise tecnológica de longe. Embora se apresentem inúmeros dados,
a pesquisa parece ser mais simpatizante do que metodológica. De todos os modos, é
meritório este esforço de pretensão científica (também para poder rebater outros dados
que se querem científicos), tendo ainda o charme de não curvar-se a firulas acadêmicas:
trata-se de conhecimento construído em ambientes transparentes, comunicável, ao
alcance de todos, cuja qualidade é menos metodológica, do que persuasiva (Bogost,
2008). Admira a atitude prestativa do autor, revelando que não teme mudanças. Antes,
buscando aprender da nova geração, aceita o desafio da inovação de peito aberto. Mesmo
assim, fazendo-se advogado da causa, Tapscott se torna vulnerável ao responder com
excesso de boa vontade ao excesso de má vontade de muitos críticos.
Para a nova geração é natural que “tudo que é sólido se desmancha no ar” (Berman,
1986) nesta modernidade líquida e ambivalente (Bauman, 2001; 2006). Como na internet
não há dono, em termos de comunicação (não de apropriação dos programas), também
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criança pode não usar em casa, mas dificilmente deixará de acessar fora dela, à revelia
dos pais e com tanto maior picardia. Terceiro, porque a internet pode representar
oportunidade fundamental na vida da criança, desde que inserida em ambiente educativo
adequado. Assim, a tarefa de pais cuidadosos não é impedir o acesso, mas montar um
ambiente educativo que configure o acesso de maneira a estimular aprendizagens efetivas.
No entanto, se há donos da verdade entre os críticos, os há também entre os
basbaques. Assumindo no fundo o determinismo tecnológico, saúdam todas as mudanças
por atacado, deixando de levar em conta a história, a cultura, as identidades, as
expectativas. Não percebem que mudança tem dono, em especial o mercado, que trata de
fazer dos usuários consumidores assíduos e não reflexivos. Cabe, então, o olhar do
educador: cauteloso, crítico, sempre confiante. Não faltam pesadelos nas novas
tecnologias, com não faltam sonhos.
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[1]
Veja obra de Souza (2004), ex-ministro da educação do governo FHC, sobre “revolução
gerenciada”, na qual busca mostrar que planejou e implantou, tintim por tintim, uma “revolução”, na
condição de gerente. Trata-se de típica concepção leviana de mudança sob controle. Por isso mesmo,
em oito anos de gestão, a qualidade da educação só fez piorar, conforme os dados do Saeb (Demo,
2004). No outro lado, aparece a concepção de “mudar o mundo sem tomar o poder” (Holloway, 2003),
para insinuar a repulsa aos donos da mudança.
[2]
Veja texto em Sutter (2002:73) do Fedro de Platão, no qual Tot, deus inventor, é questionado
por Amon, deus supremo: “Tua invenção produzirá o esquecimento nas mentes dos que a
aprenderem a usar, pois deixarão de praticar suas memórias. A confiança deles na escrita, produzida
por caracteres externos a eles, desencorajará o uso de suas próprias memórias internas. Tu
inventaste uma receita não para a memória, mas para a recordação; e estás oferecendo a teus
discípulos uma sabedoria aparente, não a verdadeira sabedoria, pois irão ler muitas coisas sem o
auxílio de um mestre e, por isso, parecerão saber muitas coisas, quando na verdade são na maioria
das vezes ignorantes, uma vez que não são sábios, mas apenas parecem ser sábios”. Veja também
Chaves (1999:200), que aponta ainda para o mesmo susto com a invenção da imprensa: por exemplo,
a Igreja reclamava de que a imprensa estaria colocando a bíblia na boca do povo, desprestigiando a
interpretação oficial.
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