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INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS RELIGIOSAS DE AVEIRO

Instituto Superior de Ciências Religiosas à Distância “San Agustín”


Cristologia
Licenciatura em Ciências Religiosas à Distância

Prof. Alexandre Cruz

NOTA INTRODUTÓRIA

Importa, em nota introdutória destas páginas de Cristologia


referir sublinhadamente que:
O LIVRO DA DISCIPLINA “CRISTOLOGIA”
(original espanhol) É, VERDADEIRAMENTE, O PROFESSOR.
Pelo que estes escritos apresentam-se ora como
resumo/síntese, ora algumas partes como tradução,
e outras em forma de esquema de estudo.
REMETEMOS, SEMPRE, PARA O NOSSO ORIGINAL DE ESTUDO.

Prof. Alexandre Cruz

CONTEÚDO

UD 1. Cristologia Bíblica

Tema 1: A espera do Salvador (A.T.)


Tema 2: A Cristologia no N.T.

UD 2. Cristologia Histórico-Dogmática

Tema 1: A formulação do Dogma Cristológico


Tema 2: A Teologia Cristológica

UD 3. Cristologia Sistemática

Tema 1: A Cristologia fundamental


Tema 2: Jesus, verdadeiro Homem e verdadeiro Deus
Tema 3: A Salvação, obra de Cristo

UD 4. Diversas Questões Cristológicas

Tema 1: A encarnação do Filho de Deus


Tema 2: Conhecimento humano de Cristo
Tema 3. A vontade humana e o sofrimento de Cristo
Tema 4: A Santidade de Jesus
Tema 5: A união hipostática
Tema 6: Aprofundamento no conhecimento de Jesus

UD 1. Cristologia Bíblica

Tema 1: A espera do Salvador (A.T.)

1. O Rei Messias
2. O Messias, profeta, servo paciente
3. O Messias Sacerdote
4. O Messianismo Apocalíptico
5. Observações finais

Tema 2: A Cristologia no N.T.

1. A Cristologia mais antiga


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2. Estádio palestino e helenístico
3. O Cristo dos Sinópticos
4. A Cristologia de Paulo
5. Jesus Cristo e os Escritos de João
6. Observações finais

UD 2. Cristologia Histórico-Dogmática

Tema 1: A formulação do Dogma Cristológico

1. Evolução doutrinal do séc. II ao IV


2. O dogma cristológico: Éfeso e Calcedónia
3. Reacções: Constantinopla II e III

Tema 2: A Teologia Cristológica


1. A Cristologia na Escolástica
2. A Cristologia na época moderna
3. A Cristologia contemporânea

UD 3. Cristologia Sistemática

Tema 1: A Cristologia fundamental


1. Como projectar uma Cristologia hoje?
2. Elementos de uma Cristologia fundamental

Tema 2: Jesus, verdadeiro Homem e verdadeiro Deus


1. Jesus, um de nós
2. Jesus, o Salvador
3. Os mistérios da vida de Jesus
4. O mistério pascal
5. Os nomes / títulos de Jesus

Tema 3: A Salvação, obra de Cristo

1. A salvação no N.T. e na vida da Igreja


2. Visão sistemática da salvação

UD 4. Diversas Questões Cristológicas

Tema 1: A encarnação do Filho de Deus


1. O mistério de Deus que se faz homem
2. Porquê um Deus-Homem?
3. Como expressar o mistério de Jesus?

Tema 2: O conhecimento humano de Cristo


1. Os testemunhos do Novo Testamento
2. Evolução doutrinal posterior
3. Pontualizações teológicas

Tema 3: A vontade humana e o sofrimento de Cristo


1. Jesus, homem livre
2. Impecabilidade e tentações
3. O amor humano de Cristo
4. O sofrimento de Jesus

Tema 4: A Santidade de Jesus


1. O santificado pelo Espírito
2. A graça, o mérito e as virtudes
3. Os ministérios de Jesus
3
Tema 5: A união hipostática
1. Explicações escolásticas
2. A pessoa de Cristo como ser relacional
3. A formulação rahneriana

Tema 6: Aprofundamento no conhecimento de Jesus


1. Um problema sempre actual
2. Indicações do Novo Testamento
3. Características do conhecimento teológico

UD 1. Cristologia Bíblica

Tema 1: A espera do Salvador (A.T.)


O salvador tem um nome: Messias.
É consagrado por Deus para realizar o Seu plano salvador.
As suas características serão reveladas progressivamente ao Povo eleito através das vicissitudes
históricas e das intervenções proféticas, mediante um processo que irá perfilando um messias que
é Rei, Profeta, Sacerdote, Servo paciente, e que apresentará rasgos cada vez mais transcendentes.

O messianismo é, pois, uma dimensão constitutiva de Jesus.

No discurso salvífico há uma continuidade, que abarca o Antigo e o Novo Testamento.


As profecias abarcam um período amplíssimo, que vão desde a monarquia davídica aos tempos de
Jesus, e oferece numerosos anúncios relativos ao futuro Salvador e à futura salvação. É possível
traçar o quadro global das representações messiânicas destacando os filões centrais e mostrando
suas conexões recíprocas. Assim mostraremos, abordando os principais testemunhos respeitantes
ao messianismo real, profético, sacerdotal e apocalíptico.

1. O Rei Messias

EVOLUÇÃO DO CONCEITO

Só a partir do séc. X, com a monarquia davídica, o fenómeno profético adquire contornos


suficientemente precisos. O messias, trazendo a justiça, paz, e salvação a Israel, é apresentado
como um Rei extraordinário, descendente da estripe de David. A princípio esperado como um
verdadeiro e autêntico soberano, como rei perfeito, mais tarde, pelo deteriorar da figura real, será
um rei escatológico, que no final dos tempos instaurará o reino de Deus. Messias (evolução do
conceito) – a princípio referido a Rei. Depois o Rei é simplesmente a figura do futuro messias.
Assim se purifia o ideal messiânico, no sentido da espera de um messias transcendente.
...Messianismo – vão-se usando meios cada vez mais idóneos para representar uma
realidade futura e misteriosa.
Assim pois, inicialmente a promessa de um messias enviado por Deus para salvar o Seu
povo se expressa em categorias reais.
O primeiro anúncio neste sentido é do profeta Natan (2 Sam 7, 11-16):
“Tua casa e teu Reino serão firmes para sempre diante de Mim e teu reino permanecerá
estável para sempre.”
Aqui, Deus promete a David um reino duradouro, à frente do qual está um descendente
seu. O Rei – com o Rito da unção real adquire garantia de aliança, a dinastia davídica recebeu um
destino e missão messiânicos.

SALMOS
O eco da espera do messias escuta-se claramente também em alguns salmos reais (ex:
Salmo 88, 20-38 – uma releitura da profecia de Natan – “Não lhe tirarei a minha graça, não
desistirei da minha promessa... Durará para sempre sua descendência.” v.v. 31-38)
...abertura a um futuro ilimitado, para a Dinastia davídica, na base da unção de David.
Também Salmo 2, 7s – “Tu és o meu filho muito amado, hoje eu Te gerei”.
Como testemunho do messianismo real podemos recordar o Salmo 110,1-3 – “Oráculo de
Javé ao meu Senhor: Senta-te à minha direita até que faça de teus inimigos escabelo de teus pés”.
Até aqui faz-se referência a uma missão especial confiada ao rei messias, mas sem definir os
seus contornos; nos textos recordados só se fala da instauração de um reino que durará para
sempre; e noutras partes se diz que será um reino de justiça e de paz (Sal 71).

ISAÍAS (ProtoIsaías Is 1-39. DeuteroIsaías Is 40-55. TritoIsaías Is 55-66)


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O conteúdo desta missão e a figura do rei messias destacar-se-ão com maior claridade
começando pelas profecias de Isaías.
Momento histório: é o da polítia imperialista dos assírios e a presença no trono de judá de
reis nitidamente inferiores às expectativas.
Esta conjuntura levanta sublinhadamente a concepção messiânica: o messias rei é visto como um
personagem transcendente, prometido para o futuro.
O primeiro indício desta nova orientação – profecia do Emanuel (Is 7, 14s)
Promessa: O Senhor dará um sinal... a virgem dará à luz um filho, Emanuel
...este texto foi relido no desterro, vendo-se nele a promessa do Rei ideal, sem poder,
portador de paz.
O texto em causa permenece aberto a interpretações messiânicas sucessivas...
A missão deste misterioso personagem a descreverá Isaías...será “conselheiro admirável,
Deus poderoso... príncipe da paz... não terá fim” (Is 9, 5ss). “Um ramo sairá do tronco de Jessé...
sobre Ele pousará o espírito desabedoria e inteligência...julgará com justia...” (Is 11, 1-9)
(possivelmente) Estes textos referem-se não ao nascimento mas à coroação de um rei –
Josias – atribuindo-lhe dons extraordinários nunca verificados. É apresentado como um rei ideal
que, guiado por Deus, trará uma justiça nova que é dom divino.
Mas tais textos foram logo objecto de retoques... que orientam para uma releitura
messiânica de conjunto... A partir deste momento se pode falar propriamente de Is 7, 11 como do
“Livro do Emanuel”.

JEREMIAS
Tema messiânico – função pouco importante.
Mas Jer 21,11-23,8 – discurso de consolação dirigido aos exilados de Babilónia, em que se
promete uma salvação, que em perspectiva profética, funde o horizonte escatológico e o de uma
restauração política. “Dia virão... em que suscitarei a David um retorno justo...”
A atenção dirige-se aqui a um rei messiânico ideal, que aparecerá nos últimos tempos e
será portador de paz e bem-estar.

EZEQUIEL
Também de carácter escatológico... Messias, o Pastor ideal - “Lhes suscitarei um pastor que
as apascentará. David meu servo... será príncipe no meio delas” (Ez 34, 23ss). Texto decisivo: o
profeta fala de Rei ideal futuro, mas é “representante“ de Deus, que é na realidade o
verdadeiro soberano.
Deus, por meio do messias, levantará um reino de paz.

Zacarias
O messianismo real alcança seu vértice no final do período pós-exílico. Esta é a nova
promessa de Deus ao Seu Povo: “Regosija-te, filha de Sião... porque vem a ti teu rei. Ele é justo e
vitorioso... anunciará a paz às gentes, seu domínio será de mar a mar.” (Zac 9, 9 ss). Neste texto
verificado com Zorobabel (515), posterior ao final da dinastia davídica... a espera aparece agora
totalmente centrada num messias rei escatológico. Trata-se de uma das mais puras profecias
messiânicas, não só porque falta toda a referência política, mas porque o anúncio salvífico é
universalista, e porque nela se decobrem acentos que anticipam os cantos do Servo de Yahweh. O
messias é agora para todos os povos o rei da paz. Estes últimos oráculos apontam para um
messianismo sem messias, por assim dizer, em que o verdadeiro salvador, o instaurador do
reino, será Deus mesmo. Com o desencanto da monarquia, regressados do desterro de Babilónia,
comaça-se a pensar uma teocracia directa que havia de realizar-se nos últimos tempos... Esta nova
situação desembocará num messianismo muito mais importante: o messianismo profético.

2. O Messias, profeta, servo paciente

Profeta é o que fala em nome de Deus. Por todas as perspectivas e categorias a figura do profeta
(quando a do rei está desgastada e inexpressiva) é usada por Deus para indicar o futuro
messias. Esta nova abertura messiânica se faz presente no Deuteroisaías (Is 40-55), sobretudo nos
quatro cantos do Servo de Yahweh (se bem que já tenha havido alusões em Jeremias e Ezequiel, os
quais durante o desterro se solidarizaram com os israelitas). A figura do messias que destaca os
cantos de Isaías é a do Profeta que aceita sofrer e morrer pelo seu Povo. É a imagem mais
pura e clara de todo o Antigo Testamento.

1º CANTO

Descreve a investidura do Servo de Yahweh


“Ele levará o direito às nações. ...Não desistirá nem se abaterá.” (Is 42, 1-4)
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“Direito”: refere-se ao direito à vida, à liberdade, justiça, à salvação escatológica.
Segundo a interpretação tradicional: este canto (e os outros) faz referência directa a um
personagem da época. Recentemente, vê-se mais a referência a uma comunidade (Israel no
desterro= uma pessoa...”personalidade corporativa”).
De qualquer modo, estamos diante da figura do messias escatológico.

2º CANTO

Tema: a história da vocação do servo paciente.


“O Senhor me chamou do seio materno... Farei de ti a luz das nações para que a minha salvação
chegue até aos confins da terra.” (Is 49, 1-6). Apesar de dupla interpretação do sujeito da missão,
se remete ultimamente a um messias escatológico que realizará o conteúdo. A interpretação
cristã deste texto evoca, por um lado, o alcance salvífico universal deste messianismo, e , por
outro, o aparente fracasso do servo que coloca toda a sua confiança em Deus.

3º CANTO

Esta imensa confiança em Deus é o tema deste terceiro canto, que descreve os maus tratos a que
se vê submetido o servo paciente. “Ele ofereceu a minha espada aos que me flagelavam...” (Is 50,
4-9). Provavelmente há que referir o texto ao profeta mesmo... Mas a interpretação cristã, já no
Novo Testamento, viu no servo paciente a figura de Jesus. Aqui acontece o confiado abandono
nas mãos de Deus, um dos elementos mais eloquentes da religiosidade israelita. Esta ideia se
convertaerá em eixo sustentador da religiosidade dos “pobres” de Israel, que esperavam a
salvação de um messias pobre e paciente (Sal 21).

4º CANTO

...continua na mesma linha e apresenta de modo mais completo a imagem de messias paciente.
“Meu servo prosperará... Não tem aparência nem beleza. Desapreciado e recusado pelos homens,
homem de dores, que conhece bem o sofrimento. Por iniquidade do meu povo foi golpeado até à
morte... Foi contado entre os ímpios, contudo levava o pecado de muitos e intercedia pelos
pecadores”. (Is 52, 13-53,12). Aqui destaca-se muito mais o sofrimento. Junta-se logo a morte,
assumindo o sofrimento e a morte valor expiatório. Note-se que a solidariedade do servo se
sublinha intencionalmente muitas vezes – o servo expia os pecados do povo e por isso será
glorificado. Este conteúdo teológico rico explica bem o recurso da Igreja primitiva em entender
plenamete a morte de Cristo e Sua ressurreição nesta perspectiva. O Canto tem um significado
colectivo (Israel no Êxodo e Babilónia) e também significado individual. Esta referência ao
messias paciente parece indiscutível... e a Igreja vê nela reconhecido o servo paciente e a
prefiguração de Jesus.

3. O Messias Sacerdote

Pouco sublinhado no A.T.. Esta situação é reflexo de situação criada depois do desterro. Depois de
período em que Israel teve dois chefes (um rei, outro sacerdote, dois messias...) a autoridade ficou
confiada ao sacerdócio. Neste contexto o messias escatológico esperado é da descendência de
Aarão. Mas trata-se de forma de messianismo sem êxito. Na realidade, o messias sacerdote
(recordado com insistência no A.T.), rompe os esquemas tradicionais: não descende de Aarão, mas
é “segundo a ordem de Melquisedec” (Sal 110,4), é rei sacerdote mencionado pelos Génesis
antes que o mesmo Aarão. Novidade: trata-se do culto não estético-farisaico, mas da pureza
interior, com carácter universalista e cósmico, com oferenda de novo sacrifício.

4. O messianismo apocalíptico

Iniciado em inícios do séc. II aC, quando a fé judia se vê ameaçada, como ocorreu com a
perseguição de Antíoco IV Epifanes. Nesta época desenvolve-se a literatura apocalíptica... Este
anúncio intentava infundir a esperança na victória definitiva do Senhor. No Livro de Daniel
faz-se menção ao messias apocalíptico: “...E eis que aqui aparece sobre as nuvens do céu alguém
semelhante a um Filho do Homem. ... Todos os povos, nações e línguas o servirão; seu poder é um
poder eterno, que não passa nunca, e Seu reino jamais será destruído”. (Dan 7, 9-14). A
interpretação vê aqui as quatro bestas, símbolo dos impérios humanos destinados à ruina. Quanto
ao misterioso personagem pertencente à espécie humana, mas com autoridade para erigir um
novo reino, vê nele a figura do messias esperado, que, enquanto elevado agora ao céu, se instala
como senhor do mundo. Assim como os quatro impérios, em virtude de uma “personalidade
corporativa”, são recapitulados em quatro reis, do mesmo modo no messias se recapitula “o reino
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dos santos do altíssimo” (Dan 7, 18.22.25.27). Portanto o Filho do Homem é apresentado em
definitivo como um ser transcendente de origem celeste. Assim o interpretou a tradição
apocalíptica e o próprio Jesus, que se identificou com ele na presença de Caifás e no Sinédrio. No
referente à esperança dos contemporâneos de Jesus, reveste uma cor decididamente política,
orientando-se logo para um messias cósmico.

5. Observações finais

A investigação destes textos está em aberto. Cabe-nos suprir as lacunas históricas considerando as
promessas messiânicas à luz de seu cumprimento em Jesus Cristo – Jesus é o cumprimento da
esperança de Israel. A Sua missão corresponde globalmente às promessas das Escrituras. Do
quadro traçado se depreende um anúncio progressivo da figura e função do messias.
Progressivamente, durante séculos de espera, se passa da concepção entusiasta do messianismo
real, à mais pura do messias paciente e, finalmente, à do filho do homem. Uma visão de conjunto
leva a dizer com clareza que a importância da pessoa do messias tende gradualmente a diminuir,
no sentido de que a espera de Israel se polariza cada vez mais numa intervenção salvífica directa
de Deus. Passa-se da imagem do messias rei à do messias como servo paciente e à do
messias filho do homem, respeitando uma continuidade fundamental. O messianismo de
Jesus é original, mas que reveste os rasgos mais puros da tradição veterotestamentária. Contudo,
na compreensão deste complexo fenómeno, observamos também uma certa involução que
explica, ao menos em certa medida, a recusa de Jesus como messias por parte da grande maioria
do Povo judeu. Do messianismo real os seus contemporâneos agarraram-se exclusivamente ao
aspecto temporal e político. Em contrapartida, a figura do messias paciente será esquecida por
completo. Assim, Jesus defraudou as espectativas dos seus contemporâneos ao orefecer uma
imagem de messias purificada das realidades políticas que a haviam revestido. Ele foi descendente
de David e admitiu a aclamação “Filho de David” mas recusou a concepção corrente de messias.
Transladou a concepção do reino a um plano espiritual, renunciando a uma realização do mesmo
inspirada no poder, prestígio e êxito humano. Nem sequer se lhe atribuiu o papel glorioso do filho
do homem de Daniel, excepto a Sua vinda definitiva. Em resumo, Jesus deu a preferência à
figura messiânica do “Servo” descrito por Isaías, à qual permaneceu fiel durante toda a Sua
existência, até à cruz, porque viu na humilhação e no sofrimento o único caminho eficaz para dar
a salvação aos homens. O messianismo conduz, pois, a Jesus Cristo, mas não por caminhos
humanamente previsíveis. Tanto mais que só fala de modo convincente o que vê os
acontecimentos com os olhos da fé. (“crede ut intelligas”, crer para compreender).

Tema 2: A Cristologia no N.T.

...Há muita complexidade nesta abordagem.


Hoje, procedimento muito mais articulado: examina-se o ensinamento cristológico dos diversos
escritos neo-testamentários seguindo a sua génese, desde as fórmulas kerigmáticas e, quando é
viável, recorrendo-se à cristologia do Jesus histórico. Centramos aqui a atenção no
ensinamento oral e escrito da Igreja apostólica, ou seja na Cristologia vista a nível
tradicional e redaccional. Fica de fora a questão da continuidade entre a fé cristológica da
comunidade primitiva e as convicções, atitudes e ensinamentos explícitos de Jesus de Nazaré.
Partimos do pressuposto, já solidamente demonstrado, de que a Igreja é testemunha fiel dos
ensinamentos de Seu Senhor. Neste percurso, seguiremos, primeiramente os testemunhos
cristológicos presentes na pregação da Igreja primitiva, começando pelos mais antigos, para
passar depois aos sinópticos, a Paulo e João.

1. A Cristologia mais antiga

O anúncio da salvação por Jesus inicia-se em ambiente palestino. Desse testemunho não nos
chegou nada directo, já que todas as fontes neo-testamentárias se elaboraram num ambiente
cultura helenístico. ...mas nestas é possível perceber o eco da pregação mais antiga, recolhido em
algumas formulações de fé que remontam aos começos. Trata-se de “cristalizações” da pregação
primitiva, cujo objecto é primordialmente a morte e ressurreição de Jesus.

KERIGMA
A primeira referência são os discursos nos Actos, que anunciam sobretudo a ressurreição e
glorificação de Jesus de Nazaré. É paradigmático o discurso de Pedro no Pentecostes. Ao Jesus
que foi condenado à morte, Deus o ressuscitou (Act 2, 32.36) e o proclamou Senhor, ou
seja, participante da omnipotência divina, e Messias, consagrado para uma missão
salvífica (Act 2, 33); portanto é Deus e salvador do Homem. Esta formulação de Pedro não
está preocupada em definir a identidade de Jesus, e muito menos a Sua pré-existência. O que se
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sublinha é, em contrapartida, a transformação do homem Jesus, constituído salvador do Homem.
Cristologia e soteriologia formam aqui uma unidade inseparável. O homem Jesus
transforma-se em salvador do Homem. Este texto, sem dúvida, espelha correctamente o
pensamento cristológico da pregação mais primitiva. À pregação mais antiga – ao Kerigma histórico
– pertence igualmente o texto de 1 Cor 15, 1-7. Nele recorda Paulo o que anteriormente já havia
anunciado, e que ele mesmo “recebeu”, a saber, a morte de Jesus “por nossos pecados”, Sua
sepultura e ressurreição, factos acontecidos todos eles “segundo as Escrituras”. Em Paulo a
atenção sobre Jesus está centrada também na actividade salvífica, mas sem perder de vista a
Sua identidade: apresenta-O como o Messias esperado de Israel...

HOMOLOGIAS
Estas fórmulas de exclamação (de repetição do mesmo conteúdo) da proclamação da fé em Jesus
Cristo são dos testemunhos cristológicos mais arcaicos. Ex: Jesus é o Senhor, é o Messias, o
Cristo.

CONFISSÕES DE FÉ
São prelúdios dos símbolos mais amplos dos séculos seguintes.
Em relação às Homologias, são mais articuladas e nascem a maioria das vezes num contexto
litúrgico baptismal.
“Cremos n’Ele que ressuscitou dentre os mortos a Jesus nosso Senhor, o qual foi condenado à
morte por nossos pecados e foi ressuscitado para nossa justificação”. (Rom 4, 22s). Entre estas
confissões de fé revestem suma importância as que intentam expressar a identidade de Cristo,
que é homem e Deus. Trata-se das primeiras esquematizações cristológicas... que desembocam
em Niceia e Calcedónia. Veja-se a este respeito o esquema segundo a carne – segundo o
espírito de Rom 1, 3s e 1 Ped 3, 18 (= “...foi condenado à morte na carne, mas vivificado no
espírito”).

HINOS CRISTOLÓGICOS
Finalmente, também os Hinos Cristológicos fazem parte da Cristologia mais antiga.
Provêm da liturgia da Igreja primitiva. Tentam celebrar o drama divino do redentor, que baixa do
céu para redimir os homens. São especialmente: Fil 2, 6-11; Col 1, 13.20. Seu ensinamento pode
resumir-se: O salvador é um com Deus e igual a Ele; é mediador da criação e da redenção; baixa
do céu para viver entre os homens, despojando-se de Seu poder; morre num acto de
obediência a Deus, sendo ressuscitado; realiza a reconciliação dos homens e do cosmos com o
mesmo Deus; finalmente é exaltado e colocado à direita de Deus. Esta é a cristologia dos
começos. Vejamos agora como se foi aprofundando nos ambientes culturais de então (palestino e
helenístico).

2. Estádio palestino e helenístico

Desde o início a Igreja professa na pregaçãop e no culto a presença do salvador que é o messias,
Sua morte e Sua ressurreição “pelos pecados dos homens”, assim como a Sua unidade com Deus.
Aprofundar a compreensão deste núcleo revelado a fim de expressá-lo melhor e fazê-lo mais
acessível foi a tarefa a que se entregou a Igreja do século I, valendo-se das categorias
contemporâneas que lhes pareciam mais idóneas.

1. Âmbito pelestino

São três os principais títulos que a comunidade atribuiu a Jesus para designar a Sua dignidade
messiânica e divina:
- SENHOR (=Maran) – este título encontra-se no original arameu, e também no NT, num contexto
manifestamente litúrgico. Terá sido o termo geralmente usado para designar Jesus, atribuindo-lhe a
mesma dignidade de Yahweh. Assim pois, Maran indica aqui uma dupla função do Ressuscitado: a
exercida no presente em favor da Igreja e no final a de juiz de todos os homens.
- FILHO DO HOMEM – Refere-se ao que deve vir, para o juizo final. Nos sinópticos aparece
frequentemente na boca de Jesus. Tem uma dupla aplicação: às vezes refere-se à actividade
escatológica de Jesus (de acordo com o uso judeu do termo Dn 7), de que o juizo final de Mt 25,
31-46 é bem reflexo; outras vezes Filho do Homem remete à actividade terrena de Jesus, sendo
aqui o título afastado do uso judeu (ex: o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça, tem o
poder de perdoar os pecados, ...)
Em definitivo, o recurso ao duplo significado deste título, ao seu aspecto celeste e terrestre, é um
modo de expressar no ambiente palestino o mistério de Cristo, que é Deus e homem. Espelha a
união dos dois ministérios.
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A relação entre o homem futuro e o homem encarnado é aqui a mais estreita possível.

- MESSIAS (=Cristo) – no âmbito palestino significava “ungido” (christós). Designação política.


Jesus sempre recusou este título. A Igreja das origens dpoptou-o porque depois da páscoa ele havia
perdido para os crentes o valor político. O título foi então cristianizado, convertendo-se em
equivalente de “Filho do Homem”, com o duplo alcance, terrestre e escatológico.

TODOS ESTES TÍTULOS CRISTOLÓGICOS DA COMUNIDADE PALESTINENSE têm carácter funcional,


não ontológico. Intentam dizer quem é Jesus, mas mediante a apresentação de Sua missão terrena
e escatológica. Cristologia (chamada) “de dois centros” (= terrena e gloriosa).
Raramente se nota tendência para explicar a natureza de divina de Cristo.

2. Âmbito helenístico

Quanto a esta Cristologia, sublinha-se nela o esforço por traduzir a cristologia, nascida no âmbito
palestino, em categorias acessíveis à mentalidade grega. Sem dúvida, os títulos vistos (Senhor,
Filho do Homem, Messias...) tinham diverso valor para um judeu ou para um pagão. No mundo
helenístico as categorias bíblicas eram desconhecidas. Sua atenção era dirigida à dimensão
ontológica da salvação que à funcional. Sem dúvida, toda a gnose grega não ofereceu os
conteúdos à fé cristológica, como estimavam a “História das Religiões” e Bultmann com sua escola.
A Igreja primitiva obteve conteúdos do ensinamento de Deus, aprofundado por meio de uma
releitura à luz do Antigo Testamento, releitura estimulada por este confronto cultural. LOGOS - Os
textos em que se inspirou foram sobretudo os sapienciais, nos quais se fala de uma
personificação da sabedoria de Deus e que ofereciam os instrumentos aptos para
apresentar Jesus como a sabedoria, o Logos do Pai feito pessoa. Assim, a passagem do
Kerigma do âmbito judeu para o pagão foi um salto notável. Mas, em geral, quando
passamos da cristologia chamada funcional à cristologia essencial ou ontológica, não temos de
buscar factores de evolução fora do ambiente judeu, se podemos encontrá-los no AT, na tradição
sapiencial. No ambiente helenístico se constituem gradualmente tradições escritas sobre Jesus, que
desembocaram por fim na redacção dos escritos neo-testamentários. Paralelamente advertimos
para a formação de diferentes cristologias (mais exactamente, de diferentes acentos da única
cristologia), que introduzem sublinhados diversos de acordo com os destinatários e o gênio
teológico dos redactores.

3. O Cristo dos Sinópticos


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MARCOS - É o primeiro, ano 70. Acima de tudo Jesus é designado como o Cristo (Mc 1, 1.14),
como o messias esperado por Israel. Também com frequência é chamado Filho do Homem (na
dupla função, escatológica – juizo final - e existência terrena, sobretudo mistério pascal de Jesus.
Em Marcos o título mais importante é o de Filho de Deus – aparece em textos chave: no início (Mc
1,1) baptismo de Jesus (Mc 1, 11), luta com os demónios (Mc 3, 11. 5,7), na transfiguração (Mc 9,
7), e na crucifixão (Mc 15,39). Este título usa-se sempre em sentido próprio, estando Jesus (em Mc)
consciente da Sua especial filiação única (Mc 1, 11). Característica de Marcos é o “Segredo
messiânico” , ou seja: o mistério da identidade messiânica e divina de Jesus. Este segredo,
gradualmente revelado aos discípulos, só se põe a claro depois da morte e ressurreição que são o
centro final de atracção de todo o Evangelho. Este progressivo desvelamento e o centro do
Evangelho na morte e ressurreição significa que Marcos relaciona duplamente a cristologia e a
soteriologia.

MATEUS – Cristologia melhor articulada. Fortemente marcada pela experiência de comunidade


judaica. Jesus Cristo tem acentuações novas: Ele é o novo legislador, o messias que é maior que a
Lei e o Templo, mas descendente de Abraão e de David; n’Ele se cumprem as Escrituras, as
profecias antigas; realiza em Si o verdadeiro Israel. Para Mateus, Jesus é o Senhor, sempre
presente na comunidade, à qual garante assistência. É também o Messias, ou seja, o Cristo; e é o
Filho de David, como também o Filho do Homem. Mas estes títulos são insuficientes para
definir, por si, a personalidade de Jesus – por isso, diz Mateus, Ele é o Filho de Deus vivo (Mt
16,16), o Senhor. Finalmente Jesus é designado como o Filho, que tem uma relação única com o
Pai. Mas neste Evangelho falta definir a personalidade de Jesus no plano ontológico. Mateus
apresenta bem Jesus mas mas valendo-se de categorias bíblicas. É de sublinhar que Jesus está bem
consciente da Sua relação com o Pai.

LUCAS - Recorre à maioria dos conteúdos de Mateus (têm a mesma “Fonte Q”). Antes de tudo,
Lucas enquadra a existência de Jesus no marco da história da salvação. Em consequência Cristo
aparece como o culminar da espera verteroestamentária, mas também como o princípio de um
novo período da história da salvação. Assim, só o encontro com o Ressuscitado aclara o sentido das
Escrituras (Lc 25, 45) e dá princípio à missão. Naturalmente, também Lucas aplica os títulos
tradicionais relacionando-os entre si. Cristo vai “unido” ao Senhor. Jesus é chamado Filho de Deus
desde a concepção (Lc 1,22). Mas também são relevantes os títulos próprios de Lucas: o de
Salvador, Benfeitor e Autor da Vida (Act 3, 15) e da salvação (Act 5, 31). Esta série de títulos
sublinham especialmente a bondade de Jesus. Por isso Lucas é o Evangelho parenético (mostra
Cristo próximo) e o Evangelho da Misericórdia (com os pecadores, pobres, humildes). Jesus,
particularmente em Lucas, é imagem do Pai, de um Pai infinita e inesperadamente misericordioso.

4. A Cristologia de Paulo

Na reflexão cristológica de Paulo entram os vários elementos.


Os principais são: a revelação que Jesus lhe fez pessoalmente (Gal 1, 12), a recepção da tradição
eclesial, a experiência de pregador e fundador de comunidades cristãs, e, ainda, a sua experiência
da prisão. Na sua cristologia dá-se um aprofundamento homogéneo, que ocorre através de três
movimentos: passa do (1) ensinamento soteriológico da Igreja primitiva (centrada no mistério
pascal) à (2) participação do crente na vida mesma do ressuscitado mediante a justificação, para
chegar finalmente (3) à reflexão sobre o mistério da pessoa de Jesus. Nós fixamos a atenção nas
cartas do cativeiro, que oferecem a síntese mais completa da cristologia, que recolhe e
aperfeiçoa num novo plano todas as precedentes elaborações. Apresenta o plano salvífico de Deus,
a Sua economia divina – Jesus Cristo aparece como objecto e como realizador deste plano. Sobre
este fundo histórico-salvífico brilha Cristo. Isto se deduz com evidência dos hinos cristológicos que
Paulo toma da tradição litúrgica, e que revelam uma cristologia muito rica. Neles, Jesus Cristo é
apresentado como pré-existente junto do Pai: é de natureza divina, igual a Deus, fez-Se homem,
assumindo a condição de servo... por isso Deus O proclamou Senhor (Fil 2, 6-11). Cristo é “imagem
de Deus invisível”. Ele unifica o mundo, tanto em sentido antropológico, ao unir judeus e gentios
num só corpo..., como em sentido cosmológico. Finalmente, dos títulos cristológicos recordamos
os mais importantes. Paulo dirige-se a Jesus chamando-O Cristo muitas vezes (nas fórmulas de fé),
referindo-se à missão salvífica. Também o título Senhor é muito frequente em profissões de fé que
proclamam a soberania do ressuscitado, e às vezes aparece ligado à parusia (1 Tes 3, 13). Com
menos frequência surge o título Filho de Deus, que manifesta a singular relação de Jesus com
Deus. Segundo Paulo, Cristo é prefigurado desde toda a eternidade (Col 1, 15-20). Finalmente,
quanto ao valor dos títulos de Senhor e de Filho de Deus, não só significam a filiação eterna (pré-
existência) de Jesus, mas também indirectamente sua divindade. Em particular o título de Senhor
10
coloca Jesus na intimidade inacessível da subsistência divina; se pode pré-existir em relação às
criaturas, é porque está sempre junto do Pai.

5. Jesus Cristo nos escritos de João

A cristologia de João constitui o topo do desenvolvimento doutrinal do Novo Testamento. Apesar da


sua originalidade está em continuidade com a de Paulo e a dos Sinópticos. Aqui, em mais que em
nenhum outro sítio a cristologia está vinculada à soteriologia, segundo se depreende do mesmo
prólogo do evangelho. Em particular se diz que o Logos, a Palavra de Deus, designa a Cristo
salvador tal como por Deus Pai foi previsto no Filho na origem dos tempos, e que realizou o plano
divino. Este plano lava-se a efeito plenamente em Cristo – Ele é o mediador único e definitivo. No
Evangelho, João aplica a Jesus muitos títulos que toma da tradição histórica: títulos que O
qualificam por referência à Sua condição humana (mestre) e à gloriosa de ressuscitado (Senhor);
títulos que Jesus aceita com reservas (messias, profeta, rei), pelo facto de serem mal entendidos
pelos seus contemporâneos; títulos que manifestam a sua dignidade divina (Filho de Deus, Filho do
Homem, Filho unigénito, Salvador, Logos e Deus). Outro contexto importante onde se destaca a
identidade de Jesus são os relatos dos milagres. Em João os milagres são sinais que revelam em
Jesus a presença da glória de Deus e sua missão de salvador do homem. Em todo o caso o
ponto culminante da auto-revelação de Jesus é o discurso da última ceia. Nele se destacam as
relações trinitárias; tem afirmações que situam claramente Jesus na esfera divina.

6. Observações finais

Os escritos do Novo Testamento manifestam uma evolução homogénea do pensamento cristológico


da Igreja. Dentro de um pluralismo de autores e diversidades, observamos numerosos rasgos
essenciais que são comuns.
TÍTULOS - Os títulos cristológicos de Messias, Senhor e Filho de Deus, são comuns, e permitem
um aprofundamento da fé na pré-existência e na divindade de Cristo.
MISTÉRIO PASCAL – Presente em todos os escrito é também o carácter central do acontecimento
pascal – da morte e ressurreição – para a compreensão do mistério de Jesus. Desde este
acontecimento, à luz do pentecostes, é descoberto o alcance teológico da vida terrena de Jesus.
SOTERIOLOGIA E CRISTOLOGIA – Um terceiro elemento comum: a estreitíssima conexão entre
soteriologia e cristologia; no NT é inconcebível o discurso ontológico de Cristo sem o económico.
ADAPTAÇÃO CULTURAL – Outra constante: a assídua referência das formulações do anúncio
sobre Cristo adaptado ao ambiente cultural a que vai dirigido. Dentro da fidelidade à tradição
comum, que afirma a dignidade transcendente de Jesus, é diversa a formulação da pregação e das
profissões de fé dirigidas ao ambiente judaico e ao helenístico.
JESUS HISTÓRICO – Todos os testemunhos escriturísticos sobre Cristo estão na linha das atitudes
do Jesus histórico e de suas afirmações acerca de Sua identidade. Assim, a cristologia implícita e
as autoafirmações do Jesus histórico correspondem substancialmente com a cristologia explícita
proclamada pela fé da Igreja primitiva.
Na realidade, a Igreja das origens foi tomando consciência progressivamente da dignidade divina e
da missão salvífica de Jesus em relação à humanidade e ao cosmos, e o fez “relendo” suas
vicissitudes e seus ensinamentos à luz do Espírito Santo e das Escrituras, mediante o desafio das
situações (inculturação).

MODELOS CRISTOLÓGICOS

No respeitante à surpreendente riqueza das formulações escriturísticas que, à luz da fé, foram
ocorrendo, chama-se modelos cristológicos, ou seja: modelos expressivos, que partindo de
momentos particulares da experiência com Jesus, tendem a uma interpretação global de Sua vida e
pessoa. Ao modelo mais antigo podemos falar “de dois estádios” ou “de dois focos”. Tem dois
centros, nos quais gira toda a apresentação de Cristo; são eles: a Sua condição terrena e a Sua
condição gloriosa. Encontramos este modelo na pregação primitiva mencionada nos Actos.

...Além disso, encontram-se duas articulações deste esquema: no ambiente palestino recorre-se
ao Filho do homem terreno e ao Filho do homem celeste que virá para o juizo final (base: Dan 7); ao
passo que o ambiente helenístico, próximo de Paulo, confronta o rebaixamento de Jesus pela
obediência até à morte de Cruz e Sua exaltação da parte de Deus (Fil 2, 6-11) (base: cantos do
Servo). Todavia estão mais elaborados os modelos cristológicos de três estádios, que: ao estádio da
vida terrestre e ao da vida celeste de Jesus, juntam o da pré-existência. Pertence a este
esquema sobretudo a cristologia referente à presença activa de Cristo como mediador da criação,
como o “primogénito de todas as criaturas”, ou como palavra eficaz de Deus (o Logos), que desde
o princípio do mundo está junto a Deus. Surgido em ambiente judeu-helenístico, este modelo vale-
11
se de uma terminologia diversa das precedentes, e utiliza títulos como o Logos (Jo 1,1), o
primogénito e a “imagem de Deus invisível” (Col1, 15), a “natureza” de Sua substância e a
“irradiação” de Sua glória (Heb 1,3). Análogo a este é o esquema que sublinha a pré-existência
de Cristo na glória do Pai e lê os mistérios da vida de Cristo como revelação de tal glória e do
desígnio salvífico divino. A realização mais perfeita deste esquema vê-se em João, especialmente
ali onde o ser levantado na cruz é identificado com a elevação à glória (a Carta aos Hebreus é
espelho claro modelo).

ESTES DOIS ÚLTIMOS MODELOS TÊM SUA ORIGEM PROVAVELMENTE EM AMBIENTES JUDEO-
HELENÍSTICOS.

A multiplicidade dos esquemas interpretativos do mistério de Cristo não deve desorientar-nos. No


fundo deles há elementos comuns constantes, que asseguram sua unidade. De facto todos
estes elementos partem de um ambiente cultural bíblico (palestino ou helenístico) e fazem
referência à pessoa histórica de Jesus, Sua morte e ressurreição. Por outro lado, a variedade dos
modelos não surpreende em absoluto; só mediante a integração destes conhecimentos
fragmentados é possível abarcar de algum modo a totalidade, ou seja, captar a riqueza
insondável de Cristo. Através destes itinerários diversificados e complementares nós
percebemos de que chegamos a um conhecimento muito rico de Jesus. Encontramo-nos diante de
um aprofundamento do conhecimento de Jesus. A nosso entender, trata-se de uma evolução
dogmática fundamental, mais importante que a verificada nos séculos sucessivos até Calcedónia
(451). ...A imagem bíblica de Cristo apresenta-se como um convite apaixonante a meditar o
mistério de um Deus feito homem. Tal é justamente a tarefa realizada pela Igreja ao longo dos
séculos, conseguindo aprofundamentos que devemos evocar, já que são intuições luminosas
também para o presente.

UD 2. Cristologia Histórico-Dogmática

NB – Importa necessariamente situar os alunos, apresentando algumas clarificações, perante estes


materiais da parte Histórico-Dogmática.

I. Entre a fé da comunidade cristã primitiva, “contida” no NT, e a fé actual da Igreja não existe um
vazio, um hiato: entre as duas está a fé das gerações cristãs que se sucederam até nós. Fé que
se empenhou constantemente em re-actualizar o discurso bíblico nas diferentes situações
culturais com as quais se encontrou nas diversas épocas da história da Igreja e da humanidade,
no “esorço” de levar a todos os homens a mensagem de Cristo. Os modos em que essa fé se
exprimiu são múltiplos: profissões de fé, fórmulas litúrgicas, intervenções dogmáticas, homilias,
catequese, reflexão teológica, etc. = TRADIÇÃO, isto é, tudo o que a Igreja é e faz.

II. O conhecimento dessa fé e das suas diversas expressões deve ser aprofundado não
superficialmente para...
- por um lado “receber” e entender as riquezas da fé apostólica postas em relevo e
“iluminadas” pelos desenvolvimentos posteriores da reflexão crente – riquezas a valorizar na sua
globalidade;
- por outro lado, precisar os eventuais limites presentes no trabalho de re-actualização realizado
ao longo dos séculos em ordem a superá-los, na medida do possível, numa re-actualização em
que a Igreja de hoje esta empenhada.

III. Assim, o seguir-se agora esta “PARTE HISTÓRICO-DOGMÁTICA” como última parte da
Tradição por nós recebida e da qual nos tornamos também sujeitos como comunidade
continuamente criada pelo Espírito de Jesus, morto-ressuscitado.

PARTE HISTÓRICA: faremos a nossa análise em três pontos:


- Patrística (2.1.)
- Idade Média (2.2.)
- Idade Moderna e Contemporânea (2.3.)

2.1. Patrística

NB: Uma vez que a Patrística é o período das grandes controvérsias cristológicas e das
intervenções dogmáticas mais significativas em relação ao mistério de Cristo... faremos nesta
época uma análise mais profunda que nas restantes épocas.

2.1.1. Afirmações sem concílios


12
Nestes três primeiros séculos da Igreja só é possível reunir sínodos locais ou regionais quando a
ocasião é favorável. Entretanto, graves questões se colocam sobre a pessoa e a identidade de
Jesus:

- quer dos meios judaicos e pagãos escandalizados com a confissão de Jesus como Messias,
Filho de Deus e Deus,
- quer das diversas gerações heréticas cristãs numa atitude sincretista como os gnósticos
numa atitude “integrista” que punha em causa a realidade da salvação.
A resposta a estas questões devemos procurá-la nos escritos de alguns Padres da Igreja em que a
Igreja se reconheceu.
Questões que podemos agrupar em três blocos:
- Jesus Cristo, Verdade das Escrituras (2.1.1.1.)
- A verdade da carne humana de Cristo (2.1.1.2.)
- A Verdade da concepção virginal de Jesus (2.1.1.3.)
2.1.1.1. Jesus Cristo, Verdade das Escrituras (argumento profético)

De Clemente de Roma a Inácio de Antioquia e de Inácio a Justino “reproduz-se” o movimento


das cristologias do Novo Testamento: da Ressurreição à origem de Jesus e à cristologia
implícita do Novo Testamento e leitura do começo a partir do fim. Há, entretanto, uma outra
herança: o argumento profético, que mostra a unidade profunda e correspondências
respectivas dos dois testamentos e de que, Jesus Cristo, é a verdade última: esquema de
anúncio e relalização (esta ajuda a compreender o primeiro; e o anúncio fez entrar a
desconcertante facticidade do acontecimento no grande desígnio de Deus). Cristo é o tesouro
escondido no campo das Escrituras (Cf. Ireneu). Esta afirmação é uma chave hermenêutica,
não é possível reduzir os acontecimentos de Jesus Cristo aos limites temporais da vida terrena de
Jesus; se Ele pertence de modo decisivo à História dos homens, deve ter um antes (Antigo
Testamento) e um depois (Igreja). A História humana torna-se História da Salvação, isto é,
nela Deus se revela e age em nós, fazendo sinal através de uma série de acontecimentos: neste
movimento o sinal nunca é um ideograma esquemático, mas tende a funcionar de modo
simbólico – as Escrituras constituem um “jogo de palavras” reveladoras da linguagem de Deus
tornadas linguagem histórica e humana (Cf. Sacramentos) .

3.1.1.2. A Verdade da carne humana de Cristo (carne no sentido mais joânico que
paulino)

Um Verbo feito verdadeiramente carne é escândalo insuportável, uma promiscuidade de que é


preciso salvar Deus: a motivação essencial do docetismo (Cf. “Termos Técnicos”) é o cuidado em
manter as distâncias entre Deus e os homens (trata-se do primeiro conflito histórico entre a
“Cristologia do alto” e a “Cristologia de baixo”.
Contra o docetismo e o gnosticismo (Cf. “Termos Técnicos”) (= a matéria e a carne são
criaturas más de um Demiurgo inferior e, por isso, incapazes da salvação) a fé eclesial vê-se em
tomadas de posição de Ireneu, Tertuliano e Orígenes, afirmando a condição carnal de
Jesus (= a realidade concreta da morte de Cristo na cruz depende da realidade do seu nascimento)
e a coerência da salvação cristã que promete a ressurreição da carne a todo o homem (o
fim da incarnação é inaugurar uma solidariedade de natureza entre o Verbo de Deus e o Homem, a
fim de que a carne santa e sem pecaado de Cristo torne incorruptível a nossa carne corruptível, isto
é, a liberte do pecado e a divinize) – Adão foi criado em Cristo: a carne é a charneira da
salvação (Cf. Eucaristia: a nossa carne é alimentada pelo corpo e sangue de Cristo).
Cristo não assumiu uma natureza humana em geral, mas tornou-se um homem particular vivo
na Sua carne. A fé na ressurreição de Jesus, o centro da Fé Cristã, liga-nos à
descontinuidade lógica ("irreverência / diferença divina"), que o faz passar ao estado de "corpo
glorioso / espiritual".

2.1.1.3. A Verdade da concepção virginal de Jesus

A recusa da concepção virginal de Jesus representava uma tentação contrária à do docetismo: só


queria ver em Jesus a sua identidade humana.
Inácio de Antioquia insere nas suas confissões de fé cristológicas: “nasceu verdadeiramente de
uma virgem”: esta inserção aparecerá em Justino, Ireneu, Tertuliano, Símbolo dos Apóstolos,
maioria dos símbolos orientais e Niceno-Constantinopolitano. A motivação do vigor nesta convição
reside na tríplice significação que a Igreja encontrava na conceição virginal de Jesus
13
(note-se: para a Igreja antiga a concepção virginal de Jesus é, antes de mais, uma afirmação
cristológica que, bem entendida, reverte em honra de Maria Sua mãe):

1. Dupla origem de Jesus: é o sinal da encarnação do Verbo (Jesus pré-existe ao Seu


nascimento segundo a carne ≠ adopcionismo – cf. “termos técnicos”) e da gratuidade e
transcendente da salvação operada por Deus (note-se: a conceição virginal de Jesus não é a
prova fundamental da Sua divindade – essa prova é dada pela Ressurreição que confirma toda a
Sua “pretenção” incluida na sua existência de Filho)
2. O nascimento de Jesus tem o valor de um recomeço da humanidade e a dimensão de
uma criação nova (os dois "Adão" e as duas "Eva" – “recapitulação” segundo a lei da
semelhança e da novidade)
3. A prefiguração do nosso baptismo: o Seu nascimento é o modelo do nascimento espiritual
(cf. Jo 1, 13).
A conceição virginal de Jesus foi um dado adquirido no mundo cristão até ao séc. XIX
para as Igrejas da Reforma e até aos anos 60 para a Igreja Católica: qual a situação da
conceição virginal na Cristologia? Trata-se de uma dado segundo – o que não quer dizer secundário
– em relação ao kerigma apostólico centrado na ressurreição: não constitui o fundamento da
nossa fé na divindade de Jesus nem da Sua divindade com o Pai (esta está na geração
eterna do Filho) é antes um sinal dado na fé (cf. Narração da infância em Mateus – virado para o
passado: filiação davídica de Jesus e em Lucas – virado para o futuro: identidade de Jesus; quer
Mateus, quer Lucas querem excluir toda a intervenção de José no nascimento da criança – o modelo
da acção divina anunciada e sobretudo da ordem da criação: o Espírito Santo virá sobre ti... cf. Gn
1, 2: a conceição virginal não tem precedente na Escritura – a fecundidade é que era
valorizada).
A conceição virginal não está ao nível da ciência nas origens do mundo: é uma re-criação de
Deus.

2.1.2. BREVES CONTEXTOS ATÉ NICEIA

- “Jesus é o Senhor” = continuidade do anúncio Kerigmático do Mistério Pascal


– Ressurreição...
- A fé das comunidades (em Antioquia pela primeira vez o nome de “cristãos”)
.Fé de raízes catecumenais, baptismais, Símbolo Apostólico
(morte e ressurreição do Senhor, celebração da Eucaristia – Memorial...)
- Problemas: .Perseguição...
.Evangelização às culturas judaica e especialmente grega
- Séc. II * No mundo Judeu: Heresia ADOPCIONISMO (Jesus um homem adoptado por Deus
como Filho). Vem do monoteísmo rígido judeu em que só Deus Pai seria Deus. Jesus Cristo só
homem (não Deus).
* No mundo Grego: Teses Gnósticas, inspiradas no Dualismo Platónico... Heresia base:
DOCETISMO (= parecer ou aparecer) atribuía a Cristo um corpo apenas aparente. A divindade não
se podia contaminar com a matéria.
- Séc. III Em Roma, Sabélio (Docetista). Heresia Trinitária – MODALISMO ou
MONARQUIANISMO. Deus é único embora exteriormente de três maneiras diferentes. Cristo seria
o próprio Pai incarnado (PATRIPASSIONISMO). Trata-se de uma salvaguarda do Monteísmo...
.Paulo de Samosata – ADOPCIONISMO (maduro). Cristo é Deus mas... adoptou corpo humano.
Monarquianismo dinâmico... condenado Paulo de Samosata no Sínodo de Antioquia em 268.

- Séc. IV

ARIO, discípulo de Paulo de Samosata.


Heresia ARIANISMO: inspirada no neo-platonismo: Jesus não foi simplesmente adoptado mas foi
Criado (= está entre Deus e as criaturas...) = é Mediador. Tal heresia esquece o carácter divino de
Cristo; nega, por isso, a plena divindade de Cristo.
O CONCÍLIO DE NICEIA vai condenar o arianismo.

2.1.3. NICEIA (325)

O Concílio de Niceia rejeita a solução “fácil” de Ario: afirmando a “HOMOOUSIA” do filho com o
Pai, impõe a necessidade de:
- por um lado, reler toda a temática da “unidade” de Deus à luz da economia salvífica;
14
- por outro lado, ligar essa mesma economia com a vida “imanente” de Deus de modo
que o Logos coincidia verdadeiramente com o Verbo eterno do Pai.

BREVE COMENTÁRIO DA TOMADA DE POSIÇÃO CONCILIAR

Art. 1º - “a fé no Deus único”


Quer reafirmar-se fundamentalmente o monoteísmo cristão, que rejeita quer o politeísmo pagão
quer o dualismo de princípios; note-se que o único Deus em quem acreditamos é “Pai”, isto é,
concretamente o Pai de Jesus Cristo; o único Deus do 1º artigo de fé não é natureza única divina,
mas o Pai do único Senhor Jesus Cristo – isto está precisamente na linha do NT em que “O
Theós” é precisamente “O Pai”.

Art. 2º - “a fé no único Senhor Jesus Cristo”


É o artigo mais desenvolvido e difuso:
- contra Ario precisa-se que se todas as criaturas são “de Deus”, o Filho é-o de modo
radicalmente diverso: Ele é de Deus como “Deus de Deus”;
- contra a criaturalidade do Logos afirma-se que “é gerado não criado”;
- contra a origem do nada afirma-se que é gerado “do Pai”, isto é, “da substância do Pai”;
- contra uma visão diminuidora da divindade do Filho afirma-se que é “Deus de Deus, Luz da
luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro”. O Filho é “Homoousios” (= consubstancial, da
mesma substância) com o Pai: participa da obra da Criação (= “por Ele todas as coisas foram
feitas”. O Seu ser complexivo é portanto de ler não sob a vertente da criaturalidade mas da
divindade = É Ele que “para nossa salvação desceu...”
* O termo “HOMOOUSIOS”, típico de Niceia, não quer identificar o Filho com o Pai nem
descrever exaustivamente as suas relações.

Art. 3º - “A fé no Espírito Santo...”


Não é explicitada – será o 1º Concílio de Constantinopla (381) que afirmará explicitamente a
plena divindade do Espírito Santo

EM SUMA:
A intenção fundamental de Niceia é negar a negação ariana da divindade de Jesus Cristo: no
anátema final condenam-se precisamente as expressões mais características de Ario referentes ao
Filho.

2.1.4. A CONTROVÉRSIA APOLINIARISTA E AS DUAS ESCOLAS CRISTOLÓGICAS DE


ALEXANDRIA E ANTIOQUIA

A afirmação de Niceia da consubstacialidade do Filho com o Pai deve ser “composta” com o
sublinhar da reflexão crente anterior em polémica com os gnósticos da verdade da
humanidade de Cristo e da unidade n’Ele entre a dimensão divina e humana. Esta unidade após
Niceia não podia mais ser entendida de modo a comprometer de algum modo a divindade do
Filho. É precisamente aqui que se insere o discurso cristológico de Apolinário de Laodiceia: com ele
ganha claramente relevo o “problema cristológico” em sentido pleno.

2.1.4.1. A CONTROVÉRSIA APOLINIARISTA


(A partir desta crise ganha relevo a condenação de Paulo de Samosata pelo Sínodo de Antioquia
em 268. 1). A Cristologia apolinarista (Apolinário, eleito Bispo na sua cidade natal, Laodiceia, em
361) é exactamente o emergir do seguinte problema: “Que tipo de homem é Jesus Cristo, se
Ele é o Verbo feito Homem?” A união entre os dois ‘perfeitos’ não pode dar lugar a uma
verdadeira unidade mas apenas a uma justaposição: se a divindade de Cristo é ‘perfeita’
(Apolinário é um defensor da ‘Homoousia’ do Filho com o Pai afirmada em Niceia), o único
modo de salvar a sua unidade é pensar o Verbo como o único princípio vital, espiritual, da
carne de Cristo, substituindo assim a alma racional. A alma racional falta à humanidade de
Cristo porque a alma implica o livre arbítrio e este está ligado à possibilidade de pecado - ora a sua
existência em Cristo comprometeria a sua impecabilidade e consequentemente a sua capacidade
de realizar a nossa redenção.
NB: Proximidade entre ARIO e APOLINÁRIO = ambos se movem na problemática do
“intermediário cósmico”, do “mediador demiurgo” entre Deus e a criatura, do Logos alma do
mundo
Mas em ARIO = criaturalidade do Verbo – visão cristológica
em APOLINÁRIO = “Homoousia” do Filho com o Pai – visão cristológica

1
Cf. FORTE, Bruno, o.c., p 131.
15
A posição de Apolinário encontrou imediatamente várias oposições (Sínodo de Alexandria
convocado por ATANÁSIO em 362; intervenções de Dâmaso, Papa de Roma entre 374-378, 1º
Cânone do I Concílio de Constantinopla 381
= SÍMBOLO NICENO-CONSTANTINOPOLITANO em 381).

Nestas intervenções é de realçar que o tipo de argumentação adoptado não se preocupa em refutar
o fundamento “lógico” do raciocínio de Apolinário; o princípio usado é o soteriológico = “para
que a nossa salvação seja verdadeiramente integral é necessário que Cristo seja
plenamente Deus e plenamente Homem, sem limitações de nenhum tipo”. Isto pode tornar
mais complexa a tentativa de compreensão racional do mistério, mas não é por isso que o dado da
fé (no caso a realidade da carne de Jesus Cristo) deve sofrer simplificações e reducionismos.

2.1.4.2. AS ESCOLAS CRISTOLÓGICAS DE ALEXANDRIA E ANTIOQUIA

Ligadas à discussão referente à cristologia apoliniarista surgem com clareza as duas orientações
diversas na linha do mistério de Cristo que nascem e se consolidam neste século e permanecerão
depois em tensão dialética entre si: de um lado a Escola de Alexandria, de outro a de
Antioquia.

A) ESCOLA DE ALEXANDRIA
Tem um sentido muito vivo da missão do Verbo na incarnação, do seu envolvimento na história
da salvação: o relevo é no sentido de afirmar a verdade da economia, isto é, da vinda do Filho
na história. Isto leva a sublinhar no homem Jesus Cristo a realidade da Sua dimensão divina
sem dedicar muita atenção à plenitude do humano – falar-se-á do Logos que assume uma
carne humana (lendo o mistério de Cristo segundo o chamado esquema Logos – Sarx), mas sem
se precisar ulteriormente a consistência dessa “carne”. Nesta perspectiva, a humanidade de
Cristo constitui com o Verbo um único ser, não tem nenhuma autonomia perante ele, existe e
subsiste enquanto constitui um único ser com ele – é apenas o lugar de agir do Verbo que este
reveste incarnando-se. Por outras palavras: O sublinhar da plenitude da divindade do
salvador e do seu empenhamento na história não se liga com facilidade à afirmação da plenitude
da sua humanidade; nesta perspectiva, soteriologia é incarnação - divinização (ex. Anatais)

B) ESCOLA DE ANTIOQUIA
Na visão antioquena, a insuficiente atenção à dimensão humana de Cristo por parte de Alexandria
é vista como potencialmente comprometedora da sua “homoousia” com o Pai: se o Verbo
tem a função de subtrair algo que falta à humanidade de Jesus Cristo, não se vê como a definição
de Niceia, que afirma a plena divindade do Filho, possa ser tomada na sua integridade. Daí o
evidenciar, próprio de Antioquia, do humano de Jesus Cristo = a verdade da incarnação será
entendida sobretudo no sentido de sublinhar a plenitude do homem Jesus, não só da Sua
“carne” (lendo o mistério de Cristo segundo o chamado esquema “Homo assumptus”), a Sua
perfeição, o Seu tornar-se um de nós. Não se quer pôr em dúvida ou diminuir a união íntima
entre o Verbo e o homem, mas quer-se sublinhar a humanidade real e plena de Cristo: Ele é
dotado de corpo e alma e não só de “sarx”, capaz de decisões humanas distintas do querer divino.
Por outras palavras: Perspectiva muito mais atenta à plenitude em Cristo de ambas as dimensões –
humana e divina -, do que as de Apolinário e Atanásio; a soteriologia é incarnação – imortalidade
(...)
(ex. Teodoro de Mopsuéstia. Este, reagindo contra Apolinário acerca da unidade de Cristo
contrapõe-lhe outros termos: “em Cristo há duas ‘naturezas’ indissoluvelmente unidas entre
si de tal modo que há uma só hipóstase e ‘prosopon’.” Vemos que esta fórmula antecipa a de
Calcedónia).
O perigo desta perspectiva é dividir Cristo sem dar razão da sua unidade – NESTÓRIO: → versão
herética da cristologia antioquena (= CIRILO DE ALEXANDRIA chama-lhe o Pai do Nestorianismo e
como tal foi condenado pelo II Concílio de Constantinopla em 553.)

2.1.5. ÉFESO (431)

Principais acontecimentos que precedem este Concílio:


.428: NESTÓRIO na Cátedra de Constantinopla pelo Imperador Teodósio : → perspectiva do seu
ambiente antioqueno numa série de pregações mostra entre outras coisas os motivos para se
preferir CHRISTOTÓKOS.
.CIRILO (patriarca) DE ALEXANDRIA, é informado e escreve a primeira carta a Nestório
convidando-o a retomar o termo THEOTÓKOS – Nestório responde de modo interlocutório. Cirilo
escreve 2ª carta onde comenta a fé de Niceia e convida Nestório a aderir às suas
16
considerações. Nestório, na resposta recusa (estas duas últimas cartas serão examinadas em
Éfeso: a de Cirilo aprovada solenemente, a resposta de Nestório condenada.)
Quer Cirilo quer Nestório tinham-se dirigido ao Papa Celestino que convoca um Sínodo Romano
(Agosto de 430), terminando por condenar Nestório e confiando a Cirilo a tarefa de conseguir o
afastamento de Nestório após dez dias seguidos à notificação da condenação.
Aproveitando o mandato papal, Cirilo no Sínodo de Alexandria (Novembro de 430) propõe um
escrito que para lá da confissão de fé de Niceia, contém uma pormenorizada profissão de fé
cristológia concluída com os 12 anatemismos e exige (abusando do poder) a Nestório que
subscreva tudo isso (= a chamada terceira carta de Cirilo a Nestório).

Esta carta suscita o desdenho dos Bispos “orientais” (= pertencentes às dioceses do Império
do Oriente e dependentes do patriarcado de Antioquia), pelo que se inicia uma polémica entre
Cirilo e os Orientais que nunca aceitarão subscrever os 12 anatemismos alexandrinos,
especialmente o IV.
Entretanto, (19 Novembro de 430) o Imperador Teodósio II, sob sugestão de Nestório, convoca
para Éfeso um Concílio a abrir no Pentecostes do ano seguinte (7 Junho de 431).

2.1.5.1. DESENROLAR DO CONCÍLIO

É conhecida a acção decisiva de Cirilo que deu início aos trabalhos em 21 Junho. Faltavam
todos os Bispos orientais e legados papais: os primeiros chegaram a 26 Junho e os segundos
no início de Julho. Este facto determinou a reacção de João de Antioquia e seus sufragâneos –
surgiu um Cisma. Os legados papais aprovarão a decisão do Concílio de Cirilo a 11 Julho
431.
Não é fácil apreender o sentido do pronunciamento conciliar, pois ele não se exprimiu através de
verdadeiras e próprias definições (= falta uma descrição precisa quer da doutrina que se quer
defender quer da heresia que se quer condenar).
Temos uma sentença sinodal contra Nestório, acusado genericamente de ter “blasfemado
contra Cristo”. A esta sentença juntam-se as duas cartas “dogmáticas” – a de Nestório e a de
Cirilo (contrapondo-as com a fé de Niceia e declarando não conforme a primeira e
conforme a segunda: esta á lida e solenemente aprovada.

EM SUMA:
Parece dever dizer-se que Éfeso afirma que se está na ortodoxia, todavia quando e só se afirma
que no Verbo incarnado se dá uma verdadeira unidade entre a dimensão humana e a divina,
unidade que tem como sujeito último o Logos eterno do Pai, o próprio Deus Verbo – pelo
qual este “veio verdadeiramente na carne” e nasceu de Maria a qual, por isso, pode legítima e
obrigatoriamente ser chamada THEOTÓKOS (= Mãe de Deus): neste sentido a posição de
Nestório é rejeitada.

Entretanto: Se se olham as coisas sob o ponto de vista da sensibilidade de tipo antioqueno,


permanecem na sombra quer a transcendência do Verbo quer a consistência da
humanidade de Jesus: isto especialmente evidente nos doze anatemismos (que fazem parte da
3º carta de Cirilo a Nestório), a qual só foi apresentada na 2ª parte da sessão juntamente com
outros documentos (daí não se poder falar de uma aprovação mais ou menos formal dada pelo
Concílio a este texto litigioso.

MAIS: Para delimitar plenamente o alcance doutrinal do Concílio, há necessidade de ter em


conta os acontecimentos imediatamente seguintes que levaram à fórmula de união de 433,
firmada por Cirilo e João de Antioquia, e tomada em consideração pelo Concílio de
Calcedónia como tendo um valor dogmático e que marca, por parte de Cirilo, um certo
distanciamento em relação à formulação dos anatemismos.

2.1.5.2. REACÇÃO AO CONCÍLIO E O DECRETO DE UNIÃO (433)

- Perante o Cisma (os orientais não aceitaram Éfeso), o Imperador Teodósio II pensou pôr-lhe
fim mandando prender e depor Nestório, Cirilo e o Bispo de Éfeso, mas não se chegou a nada.
O representante do Imperador, após uma iniciativa de conciliação, tornada inútil pelos orientais,
com João de Antioquia à cabeça, requer às duas partes uma breve exposição da sua fé: não se
conservou a dos cirilinos mas sim a dos orientais. Essa exposição de fé esteve já pronta em
Éfeso antes dos Bispos voltarem às suas dioceses e servirá de base, através de laboriosos
tratamentos, para o DECRETO DE UNIÃO de 433.
17
- Esse Decreto é importante para a compreensão exacta do dogma de Éfeso, de que se pode
considerar explicação autêntica; nascido em ambiente antioqueno será subscrito e aceite
por Cirilo.
O texto procede baseado no símbolo de Niceia a que não quer juntar mais nada, apenas dar
uma explicação.
É afirmado que Maria é “MÃE DE DEUS” e sublinha-se a unidade em Cristo (“um só Cristo,
um só Filho, um só Senhor”); todavia, o modo de falar é concreto no sentido de que o “sujeito
de atribuição” mais que o Verbo pré-existente, é o Filho incarnado. Por isso, em primeiro plano
está a distinção entre o humano e o divino – deste modo a perfeição do homem (assumido) pode
ser afirmada claramente (fala-se de “Deus perfeito e homem perfeito...”; de duplo nascimento;
de dupla consubstancialidade).
Cirilo aceita a correcção formal do IV Anatemismo: dos atributos referidos a Cristo pela
Escritura, alguns podem ser referidos à Sua humanidade, outros à Sua divindade.

2.1.6. O MONOFISISMO DE EUTIQUES E O SÍNODO DE CONSTANTINOPLA EM 448

- De certo modo era previsível que as concessões feitas por Cirilo ao subscrever o Decreto de
União resultassem problemáticas para quem se empenhara a defender com vigor
especialmente os anatemismos de Cirilo: de facto o patriarca de Alexandria bem cedo foi
obrigado a defender-se da acusação de nestrorianismo pelos extremistas do seu próprio
“partido”.
- Por volta dos meados do século V a atmosfera estava de tal modo envenenada, politizada e
carregada, que bastou uma faísca para fazer explodir tudo. A faísca foi EUTIQUES, monge de
Constantinopla, favorável a Cirilo, que recusou o símbolo da reunificação (= Decreto de
União) e acusou de Nestorianismo os defensores de tal símbolo.
- Obrigado a tomar posição contra ele devido a uma denúncia do Bispo Eusébio de Dorileia,
Flaviano, patriarca de Constantinopla, teve de proceder canonicamente chamando-o a
julgamento perante o Sínodo da cidade; Eutiques fez todo o possível para não se apresentar, até
que, em 448 o Sínodo condenou-o e depô-lo (NB: as actas desse Sínodo estão conservadas
juntamente com as de Calcedónia.)

2.1.7. TOMUS LEONIS (449)

- A tomada de posição do Sínodo de Constantinopla contra Eutiques que gozava de muitos


apoios na corte imperial, levará o Imperador Teodósio II a convocar um novo Concílio para
Éfeso, com o objectivo de reabilitar Eutiques e a teologia por ele representada.
A importância sob o ponto de vista dogmático do que será chamado Latrocinium Ephesiarum
(449), devido aos episódios de violência nele verificados, deriva do facto da sua convocação ter
provocado a leitura do chamado Tomus ad Flaviarum pelo Papa Leão Magno = carta dirigida ao
Patriarca de Constantinopla que devia ser lida ao Concílio: na realidade, os legados do Papa não
a leram e a custo se salvaram.
- TOMUS LEONIS é um texto composto de estratos ou resumos dos sermões de São Leão Magno,
em que ele empenha a sua autoridade e que será incluído nas Actas do Concílio de Calcedónia.
- Era de prever que este ensinamento, caracterizado pela tradição teológica ocidental não seria
aceite sem dificuldades na Igreja grega, onde o prestígio de Cirilo era muito grande.

2.1.8. CONCÍLIO DE CALCEDÓNIA (451) *Contexto

- Situação insustentável criada pelo Latrocinium Ephesiarum e morte de Teodósio II em 28


Julho de 450: o seu sucessor, Marciano, impõe uma política religiosa oposta a Eutiques e
convoca um Concílio.
- Em Maio 451 é convocado o Concílio para Setembro desse mesmo ano a ter lugar em
Calcedónia em frente a Constantinopla para o Imperador poder estar presente (por isso não foi
para Niceia).
- Desde as primeiras sessões, dedicadas a resolver a situação jurídica irregular criada pelo
Latrocinium (reabilitação dos Bispos depostos e deposição dos protagonistas do acontecimento),
aflora a questão doutrinal: todas as discussões que se seguiram ao Concílio de Éfeso tinham já
posto a claro os limites da posição de Cirilo; mas, na consciência dos Bispos reunidos em
Calcedónia o problema apresenta-se como uma escolha entre a fé de Cirilo e a de Leão Magno:
é que não obstante o Decreto de União e a obra clarificadora posterior, ainda não se conseguia
ver bem como as diversas sensibilidades se podiam compor de modo não superficial (= fórmula
dogmática).
18
- É neste contexto que se insere a tomada de posição conciliar: consta de um longo proémio,
da definição ou profissão de fé verdadeira e própria, e, no fim, uma declaração solene de
anátema.
* PROÉMIO:
Precisa-se o âmbito doutrinal = doutrina de Niceia e 1º Constantinopla
+ Cartas sinodais de Cirilo e Nestório (Éfeso)
+ Decreto de União
+ Tomus Leonis
Assim, este âmbito doutrinal ortodoxo permite:

.Negativamente excluir alguns erros cristológicos principais (doutrina que divide Cristo e
recusa Theotókos = Nestório, e doutrina que confunde a natureza e falando duma só
natureza (divina, Monofisismo) pretende dizer que a natureza divina de Cristo sofreu = Eutiques;
. Positivamente sublinhar a unidade em Cristo e a ligação entre teologia e
economia, entre Jesus de Nazaré e o Verbo eterno do Pai – isto sem atacar, antes afirmando, quer
a transcendência do Verbo quer sobretudo a consistência da sua humanidade (é o que
aparece na profissão de fé).

* DEFINIÇÃO OU PROFISSÃO DE FÉ
- Um único e longo período, cheio de articulações que se pode dividir em duas partes:
1ª parte = mais imediata e decisiva
2ª parte = mais elaborada, mais técnica

1ª PARTE
Baseada no Decreto de União e “Tomus Leonis”, mas a repetição de “um e o mesmo” mostra
claramente a vontade de centrar todo o discurso no Filho, que é Jesus Cristo.
Não se parte de Jesus Cristo para depois o relacionar com a Trindade, mas o que está em primeiro
plano imediatamente é o filho unigénito – este é o sujeito último e unitário da total e
íntima realidade de Cristo na Sua complexidade – neste sentido a lição de Éfeso (e neste caso
uma das instâncias mais profundas de Alexandria) foi recebida em profundidade. Todavia aqui a
unidade em Cristo está claramente ligada à afirmação da realidade de ambas as suas dimensões
constitutivas, especialmente realçando a realidade da Sua humanidade → daí o proceder-se
por paralelismos antitéticos; e é neste contexto que é mencionada a dupla consubstancialidade
(=/= Monofisismo de Eutiques). Este realce é confirmado pela

2ª PARTE
Onde o Concílio opera também precisões de tipo terminológico. NB: As fórmulas técnicas (=
dogmáticas) são conclusões dum longo discurso anterior e devem ser compreendidas à luz de
todo o desenvolvimento precedente da reflexão cristológica e das fórmulas através das
quais se exprimiu = certa linguagem comum para exprimir sem desvios e sem reducionismos a
complexidade do mistério de Cristo. Essa complexidade pode ser articulada assim:

PARA UMA COMPREENSÃO ACTUAL DO DOGMA DE CALCEDÓNIA

Cristo é um único ser (uma Pessoa) concretamente existente (para exprimir esta unidade dir-se-
á: em grego: “prósopon” ou “hypóstasis”; em latim: “persona” ou “substância”) em que estão
contemporaneamente presentes duas dimensões diversas, a divina e a humana, cada
uma dotada de caracrerísticas próprias que não se confundem mesmo após a união (para
indicar estes dois complexos diversos de propriedades dir-se-á: (duas naturezas) em grego: “duos
fúsis”; em latim: “duae naturae”); esta presença simultânea ou com-presença das duas
naturezas numa única pessoa deve ser entendida de modo a evitar toda a divisão em Cristo
e toda a fractura ou corte entre a vida imanente de Deus e a economia salvífica (é o sentido dos
dois advérbios: em grego: “adiairétos, achoristos”; em latim: “indivise, inseparabiliter”), mas
também sem atacar a transcendência do Verbo ou a consistência da Sua humanidade (é o
sentido dos dois advérbios: em grego “atreptos”; em latim: “inconfuse”). Estamos assim na
fórmula de Calcedónia: “uma pessoa, duas naturezas”; os célebres advérbios acabados de
referir que se seguem à expressão “en dúo fúsein” realçam o distanciamento do Concílio
quer em relação à leitura Eutiquiana (= ”inconfuse”) quer em relação à leitura
nestoriana (= “indivise”) do mistério de Cristo.
(Identidade na Contradição)
- Deste modo o Concílio fixa o vocabulário teológico, tal como por volta de 360 fora fixado o
vocabulário trinitário...
19
Esquematizando muito, poder-se-á dizer que a teologia alexandrina, sublinhando a única
hypóstase levava à afirmação de uma única natureza (= “fúsis”), enquanto a teologia
nestoriana, evidenciando as duas naturezas levava á afirmação de duas pessoas.
Superando estas duas teologias e libertando de todo e qualquer equívoco o vocabulário
por elas utilizado, o dogma de Calcedónia afirma uma pessoa ou hypóstase em duas
naturezas: o Filho de Deus é, Ele mesmo, Filho de Maria; o Verbo incarnado é
contemporaneamente Deus verdadeiro e Homem verdadeiro.
(= UNIÃO HIPOSTÁTICA)

2.1.9. 2ª METADE DO SÉCULO V ATÉ FINS DO SÉCULO VI

- Os acontecimentos após Calcedónia mostram que foi difícil a sua “recepção” pelas diversas
componentes do mundo cristão:
Componentes:
- Calcedónia: escolha entre fé de Cirilo (Éfeso) e a fé de Leão Magno
- Consciência de não se ter à mão uma síntese profunda entre as escolas de Alexandria e
Antioquia.
Por isso, a nova terminologia de Calcedónia não foi um factor de precipitação...
→ Podemos dizer então que após Calcedónia emergem as tensões fundamentais dos
séculos precedentes, tendo agora como ponto de referência Calcedónia; especialmente no
Oriente três situações diversas:

→ MONOFISISMO
Fenómeno ligado ao mundo oriental, especialmente monges do Egipto e da Síria, que rejeita as
fórmulas de Calcedónia e do “Tomus Leonis” (e como tal da Cristologia antioquena) para
permanecer fiel à terminologia e perspectivas de Cirilo.
É uma cristologia fundamentalmente ortodoxa na substância (= a sua referência não é
Eutiques mas Cirilo – e Cirilo dos 12 anatemismos, especialmente o IV) → ser cismática
na forma (= opõe-se ao discurso de Calcedónia que considerava nestoriano ao falar de duas
naturezas) = para esta Cristologia monofisista “fúsis” (= natureza) – “hipóstasis – “prósopon”
(= pessoa) são totalmente sinónimos e com o sentido de realidade concreta, individual com uma
existência própria.

→ CALCEDONISMO
Propõe-se ser fiel ao Concílio, aprofundando as suas perspectivas e terminologia: distinção
“fúsis” (= natureza) – “hypóstasis” (= pessoa) tendo como pano de fundo o espaço análogo de
Basílio e Capadócios para o dogma trinitário = então o ponto de partida é a terminologia
trinitária pelo que “ousia” e “fúsis” (= natureza) equivalentes se contrapõem a
“hypóstasis” e “prósopon” (= pessoa). O problema é entender em que sentido a natureza
humana de Cristo (que não é natureza em geral mas natureza humana de um indivíduo
concreto) não é também ao mesmo tempo pessoa.
Um dos representantes é Lecônio de Bizâncio que integrou na definição de pessoa não só o
conjunto das características individuantes (= o que distingue um indivíduo de outro da mesma
natureza) mas também o existir de modo autónomo (= o facto de uma realidade existir “per
se” autonomamente).

→ NEO-CALCEDONISMO
(com o 2º Concílio de Constantinopla)
Fenómeno que provoca um ponto de encontro entre a fórmula de Calcedónia e os
Anatemismos de Cirilo através duma certa “recusa” – distanciamento da fórmula de
Calcedónia (e como tal de Antioquia, e do Nestorianismo).
O Imperador Justiniano quis impô-lo a toda a Igreja através do 2º Concílio de Constantinopla.

2.1.10. 2º CONCÍLIO DE CONSTANTINOPLA (com o Neo-Calcedonismo) 553

- O Imperador Justiniano, principal defensor do Neo-Calcedonismo, procurou impô-lo a toda a


Igreja através do 2º Concílio de Constantinopla – Concílio não querido pelo Papa Virgílio que
afirmará sempre a sua clara adesão aos quatro principais Concílios (isto deve ter-se
presente para entender o valor e significado deste Concílio, realizado entre 5 de Maio e 2 de Junho
de 553).
- A nível global parece dever dizer-se que a interpretação mais correcta dos Anatemismos
propostos pelo Concílio é aquela que vê nele uma condenação de toda e qualquer tentativa
de leitura nestoriana do Concílio de Calcedónia.
- Quanto à terminologia (não secundário na reflexão teológica deste século)
20
* Afirma-se a validade das fórmulas de Cristo desde que não impliquem mistura ou redução
do humano ao divino em Cristo.
* Entra a nível oficial a expressão “Kath’ hypóstasin” (a união em Cristo entre a
natureza humana e a natureza divina acontece “segundo a hipóstase” do Verbo, isto é,
UNIÃO É HIPOSTÁTICA) para sublinhar que Cristo não é diverso do Verbo e que o Verbo é o
sujeito e princípio único da unidade das naturezas. Por outras palavras: União Hipostática
significa que a humanidade de Cristo é uma humanidade verdadeira e perfeita sem
nenhuma atenuante, mas nunca existiu fora da relação com o Verbo, isto é, é “hipostizada” no
Verbo (= é unida a Ele segundo a “hipóstase”): foi criada para entrar em relação com o Verbo para
que fosse por Ele assumida e tomada a Sua humanidade nos pudesse assim salvar.
Nisto o 2º Concílio de Constantinopla realça e sublinha o dado de Calcedónia com uma
clareza muito própria; todavia, o retornar de “mía fúsis” (“uma natureza”) não livra totalmente
do perigo de não plenitude da humanidade do redentor.

- As controvérsias seguintes obrigarão a esclarecimentos.

2.1.11. MONOTELISMO

(Sérgio, Patriarca de Constantinopla, Papa Honório, Imperador Heráclio)


A proposta de Sérgio, Patriarca de Constantinopla (610-638) é procurar acordo com os
monofisistas, baseado em Leão Magno, afirmando que em Cristo existe uma única fonte
humano-divina de actividade, um único princípio de operação (= “enérgheia” → mono-
energismo), pois único é o Senhor Jesus Cristo ou “única é a natureza incarnada do Verbo.”
Proposta apresentada ao Papa Honório – mas, note-se, proposta ambígua, pois sob o pretexto de
colocar o discurso em termos concretos (fala-se do único Senhor Jesus Cristo) pretendia-se
aceitar o princípio monofisista (após a união, operações, propriedades e naturezas não se
podem distinguir: não há duplicidade em Cristo), sendo Calcedónia respeitado apenas
nominalmente -, ambiguidade de que o Papa não se apercebeu e foi enganado: a questão
da única ou da dupla operação pareceu-lhe uma questão meramente terminológica desde que não
se rejeitasse o dogma de Calcedónia;
Assim, não terá dificuldade em falar da existência duma única vontade em Cristo, determinando
a mudança de atenção de “enérgheia” para “thelema” (= vontade).
Perante tal tomada de posição do Papa, o Imperador Heráclio, referindo-se a essa tomada de
posição, publicou o Ektesis (fins de 638), documento composto por Sérgio e que impunha a
doutrina da “única vontade” = estamos no monotelismo em sentido verdadeiro e próprio, que é
a afirmação de Honório retomada em sentido monofisista: uma única vontade de Nosso
Senhor Jesus Cristo, pois a Sua carne nunca teve uma operação própria, mas apenas no tempo,
modo e à medida queridos pelo Verbo.
As discussões não acabaram: após dez anos, em 648, o Imperador, para pôr fim às
controvérsias e conseguir a paz religiosa decide retirar Ektesis e proibir toda e qualquer
discussão a esse respeito. Rejeitando a fórmula monotelista, mas proibindo também a
afirmação das duas vontades → é assim promulgado o Typos. O ocidente reagiu
negativamente a estas intervenções imperiais: os Papas assumiram uma linha de firme oposição
que teve a sua expressão mais significativa no Papa Martinho I que em 649 convocou o 1º
Concílio de Latrão e no qual teve papel preponderante MÁXIMO, O CONFESSOR.

2.1.12. MÁXIMO, O CONFESSOR

- É o teólogo da ortodoxia neste período (século VII):


Por um lado, esclarece o sentido profundo da reacção anti-monotelista, por outro, coloca as
premissas objectivas das posições que já presentes no 1º Concílio de Latrão encontrarão
confirmarão no 3º Concílio de Constantinopla (681) e que representarão uma visão do
mistério de Cristo integradora de modo não superficial das exigências mais profundas que
estavam na base das duas diversas sensibilidades (alexandrina e antioquena). E fê-lo não numa
linha de abandono ou purificação – esvaziamento de Calcedónia (como o fizera Sérgio) mas na
direcção duma leitura em profundidade.
- A síntese de Máximo é uma releitura pessoal
do pensamento de Orígenes, acima das oposições das escolas e mais profunda que elas: no
Verbo incarnado realiza-se a síntese entre o movimento da criatura para Deus e o dinamismo
de Deus para com a criatura; síntese que não comporta nenhuma redução, antes, na
incarnação realiza-se precisamente a expressão histórica mais desconcertante das relações de
distinção – unidade entre o infinito e finito, ou de a sua radical e recíproca imanência não só não
contradiz como exige a radical plenitude de ambos.
21
É precisamente neste quadro amplo de concepção dinâmica da realidade, segundo a qual a
incarnação é o encontro real e unitário entre o dinamismo divino e o dinamismo humano
sem possibilidade de mistura ou confusão que Máximo justifica a sua reacção ao mono-
energismo e ao monotelismo:
→ a vontade humana de Cristo não é diminuída pelo encontro com a vontade do Logos,
antes é supremamente libertada, no sentido de que se torna totalmente disponível para o próprio
Logos, realizando assim o próprio Logos mais profundo. Esta concepção da plenitude da
humanidade de Jesus baseada na união hipostática levou até às últimas consequências o
axioma: “quod non assumptum, non sanatum” (= “o que não é assumido não é redimido”):
torna-se claro que o próprio Deus, como homem livre, sofreu por mim, fez Sua a nossa rebelião
contra Ele e assim superou-a: de facto a máxima unidade realiza-se precisamente na diversidade.

2.1.13. 3º CONCÍLIO DE CONSTANTINOPLA (681)

- Marca a conclusão definitiva da controvérsia monotelista


- Quanto à definição conciliar duas observações:
1ª - Na 1ª parte é retomada quase integralmente a profissão de fé de Calcedónia, mas
afirmando desde o início, com mais acentuação do que Calcedónia, que Cristo não é outro que o
Verbo eterno do Pai: o sujeito consubstancial ao Pai e consubstancial a nós é imediatamente
identificado com a pessoa do Verbo.
2ª - O Concílio afirma claramente a plenitude da humanidade do salvador: esta nunca deve
ser diminuída. Coloca-se aqui o precisar acerca da existência em Cristo das duas “energias” e
das duas “vontades” (e portanto a condenação do monotelismo): precisar esse que é
consequência directa da fé de Calcedónia que não deve ser diminuída nem purificada mas
assumida integralmente.
Note-se, entretanto, que os padres conciliares sublinham que assim a tradição alexandrina
encontra a sua plenitude: se lidas em profundidade as diversas sensibilidades em relação ao
mistério de Cristo nem se opõem irremediavelmente nem são radicalmente inconciliáveis.
Uma referência ao discurso da “divinização”: este não implica redução ao divino da carne ou da
vontade humana de Cristo, mas antes mantém positivamente a ambas na sua intrínseca
“ratio” não significa diminuição da verdade e da autonomia da dimensão humana de Cristo, antes
o fundamento da Sua consistência. A união do Verbo não comporta para a humanidade de
Cristo a “absorção” da criatura em Deus.

- EM SUMA: Pode dizer-se que na tomada de posição do 3º Concílio de Constantinopla está


presente uma visão cristológica dotada de um notável equilíbrio, em que muitas tensões
encontram uma composição não superficial.
O Concílio é fruto da obra comum do ocidente e do oriente, dos latinos e dos gregos.
Prolongamento de Calcedónia que provocara o Cisma monofisista, conseguiu superar a
tendência mono-tradicionalista de Caledónia, que sob a influência de pressões político-
religiosas, desembarca na defesa imperial do monotelismo.
Assim, este Concílio, o 6º Concílio Ecuménico, sem se referir explicitamente ao 1º Concílio de
Latrão, a Martinho I e a Máximo, o Confessor, permanece o último momento de uma
colaboração teológica efectiva entre as duas grandes tradições culturais.

2.1.14. CONCLUSÕES GERAIS SOBRE A CRISTOLOGIA PATRÍSTICA

NB: Falando de “Cristologia Patrística” o termo é tomado no sentido mais amplo, isto é,
referido à figura e obra de Cristo em toda a sua globalidade. Ora as apresentações
tradicionais da cristologia patrística distinguem aspecto CRISTOLÓGICO propriamente dito (=
relativo á pessoa de Cristo considerada em si mesma – unidade e “composição” em Cristo,
a relação n’Ele entre natureza humana e divina) e aspecto SOTERIOLÓGICO ou redentor (=
relativo ao modo como os Padres entendem e apresentam a acção e obra salvífica de Cristo) →
“cristologia” e soteriologia adequadamente distintas. Mas, essa distinção é inadequada ao
transferi-la para os padres: eles não tiveram preocupações “ontológicas” totalmente
autónomas em relação ao anúncio da salvação definitivamente realizada em Cristo. Essa
distinção é retroprojectar à partida esquemas ligados especialmente à sistematização dos manuais.
Como vimos, a perspectiva económico-salvífica é dominante nos padres, e isso constitui um
dos elementos mais característicos da continuidade entre o discurso neo-testamentário e o
discurso patrístico.

Entretanto também é verdade que:


22
I. O pensamento grego foi influenciando, provocando uma mudança de acentuação,
esquecimentos e parcializações: existem elementos perturbadores na reflexão dos Padres.
Exemplos:
1º O progressivo colocar na sombra da afirmação do NT da criação e salvação em Cristo
em favor do homem e natureza humana compreensíveis em si mesmos e por si mesmos através
de aprofundamento filosófico-metafísico sem referência directa a Jesus Cristo;
2º Crescente afastamento da perspectiva “económica” em favor do discurso sobre
Deus ser cada vez mais filosófico-helenista e menos relido cristologicamente à luz da
economia salvífica = cada vez mais o relevo à incarnação em detrimento da
ressurreição.

NB: Não que o esforço de precisão ontológica seja por si mesmo desvio: esse esforço é antes
obrigatório se se quer que as afirmações tenham um fundamento real; o certo é que as categorias
concretas do pensamento disponíveis nesta época para aprofundar a revelação de Deus em Jesus
Cristo estão marcadas pela radical oposição Deus-Cosmos e fundamentalmente fechadas à
história e como tal pouco aptas para dar plenamente razão à originária dimensão económico-
salvífica do mistério de Cristo.
Sob este ponto de vista as contínuas oscilações entre as escolas de Alexandria e Antioquia
na leitura do Filho de Deus feito homem resultam claramente dum certo dualismo:

ALEXANDRIA:
mais divindade e unidade do Verbo e menos verdade da Sua carne, da Sua história

ANTIOQUIA:
mais plena humanidade e historicidade e menos divindade e unidade
(a este propósito...)

→ Não se esqueça que após Niceia o fundamento global do discurso cristológico tende a
colocar-se progressivamente no Verbo pré-existente e não em Jesus de Nazaré:
Esquematizando esta afirmação em confronto com o NT:

“TRÍPTICO” = (leitura da globalidade do acontecimento e pessoa de Cristo em termos de)


= PRÉ-EXISTÊNCIA – KENOSE - EXALTAÇÃO

NT PATRÍSTICA

Especialmente pós-Niceia
Protagonista da EXALTAÇÃO Protagonista da PRÉ-EXISTÊNCIA
(Mistério Pascal – Ressurreição)
→ KENOSE → KENOSE
→ PRÉ-EXISTÊNCIA → EXALTAÇÃO
é Jesus de Nazaré é o Verbo “Homoousios”
Charneira: Páscoa Charneira: Origem absoluta

3º Quer a reflexão sobre “quem é Deus” quer a reflexão sobre “quem é o homem” vão
perdendo a sua referência cristocêntrica, isto é, ao mistério de Jesus feito homem, e vão
sendo evidenciados os problemas da com-presença em Cristo da natureza humana e da
divina (não relidas cristologicamente) e as interrogações sobre o modo da sua unidade,
diminuindo a atenção de colher no acontecimento histórico de Jesus de Nazaré a revelação
definitiva quer de Deus quer do homem, quer a humanidade quer da divindade.
EM SUMA:
A linha de desenvolvimento vai em direcção des-historicizante e como tal menos capaz de dar
plenamente razão ao contexto económico-salvífico originário.
A precisão terminológica para dizer correctamente o mistério de Cristo (“dupla
consubstancialidade”, “uma pessoa”, “duas naturezas) é um elemento de clareza e progresso
mas também pode contribuir para uma metafisicação do discurso (ex. O que aconteceu após
Calcedónia = mais contexto semântico de tipo filosófico-metafísico que económico-
salvífico).

II. Todavia, este elemento perturbador permanece como tal, isto é, perturbador: não altera
radicalmente o quadro que permanece fundamentalmente bíblico-neotestamentário; nos
Padres o recurso directo à Bíblia (cuja exegese era dinâmica), a profunda ligação entre vida
litúrgica, catequese e reflexão teológica faz com que o seu quadro esteja em contacto directo
com o horizonte histórico-soteriológico da revelação cristã.
23
Particularmente, também as tomadas de posição conciliares que intervêm contra erros
cristológicos específicos, devem ser mantidas neste contexto mais vasto em que nasceram e do
qual se alimentam, ainda que a sua importância faça delas pontos de referência privilegiados.

Então...
RETORNO AOS PADRES (= Refontalização)
=/= repropor simplesmente as suas formulações ou repetir sem mais as suas argumentações
= recuperar, tendo em conta todo o seu trabalho, quer a originalidade, quer a vitalidade
(no sentido também de capacidade de adaptação) do anúncio do Evangelho.
(a nossa fé actual só pode ser compreendida como resultado dum longo processo histórico, pelo
que o esforço de a tornar novamente significante num contexto cultural em tantas coisas novo
e inédito como o nosso não pode prescindir dum trabalho paciente de reconstrução das
diversas etapas que nos precederam – nesta perspectiva a época patrística, tendo em conta
particularmente a importância e o peso dos pronunciamentos dogmáticos nela acontecidos,
goza sem dúvida duma posição e representatividade peculiares.)
Mas o ponto de referência último permanece o discurso bíblico, a fonte comum em que os
Padres também beberam continuamente.

III. Chegados aqui coloca-se-nos o problema da “helenização”:

É sabido que é durante a Patrística que a mensagem cristã passou do âmbito cultural
hebraico, onde nascera, para o âmbito cultural grego, onde se difunde progressivamente, com
tudo o que isso comportou.
Se por “helenização” se entende “inculturação” então deve dizer-se que não só foi legítima como
obrigatória já que o Evangelho deve ser anunciado a todos os homens, povos e culturas;
anúncio que tem de fazer suas as interrogações, as questões que o ouvinte coloca, procurando
responder-lhe adequadamente – se a mensagem bíblica não é um mero “depósito de verdades” a
conservar, mas uma palavra de vida, que precisamente para permanecer como tal deve ser
anunciada e vivida pela Igreja de cada tempo e espaço, então a tarefa de re-actualizar essa
mensagem é imprescindível para as comunidades cristãs de cada tempo e espaço –
desde que tudo isso não se torne “cedência” para com a cultura, isto é, desde que não se
perca nada da novidade, da plenitude, da originalidade, do “definitivo” (essencial) do discurso
cristão.
(A TER PRESENTE EM TODAS AS ÉPOCAS E ESPAÇOS:) Então, uma correcta hermenêutica não
consiste no simples confrontar as afirmações bíblicas sobre o mistério de Cristo com as dos Padres
e ver o maior ou menor distanciamento. Uma correcta hermenêutica é um caminho mais complexo:
o confronto com a Bíblia deve ser feito mas só após um prévio aclarar do significado duma
determinada afirmação, expressão, terminologia, perspectiva no período em que surgiu e na
cultura donde foi assumida:
Ex. “Homoousios”: 1º, ver o uso do termo na reflexão patrística e confrontá-lo com o uso
corrente de então
2º, só depois é possível saber se foi mais ou menos fiel ao dado bíblico.
NB: Não é o uso de conceitos que pode levar a dizer se houve ou não “helenização” entendida
em sentido negativo como traição ao Evangelho, isto é, assunção a-crítica feita pelos Padres da
cultura ambiente com a consequente perda de muitas das riquezas da visão bíblica – isto
aconteceu mais nas heresias = adesão formal e não existencial ao dado global da fé, é preciso
analisar e compreender todo o processo que levou à introdução deste ou daquele
conceito ou à criação de certas fórmulas de fé.
Mas...

IV. Todo este trabalho não se opõe à “definitividade” das tomadas de posição conciliares
que examinámos; esta “definitividade” é de afirmar e sublinhar mas tendo em conta a
natureza própria das intervenções conciliares antigas. A intenção fundamental dos conceitos
não foi primariamente apresentar uma visão exaustiva do problema de vez em quando em
questão e menos ainda tomar posição sobre o dado geral do NT; O seu fim primário era opor-se
às heresias, fechando definitiva e inequivocamente pistas erradas da reflexão que não
respeitavam a globalidade do discurso revelado = = não se tratava de definir adequadamente
o mistério, antes excluir com clareza toda e qualquer redução indevida → para o representar
intacto no seu todo. Sob este ponto de vista, tenha-se presente o Proémio da definição de
Calcedónia: os Padres conciliares ter-se-iam limitado a realçar, a reforçar a fé de Niceia,
se não tivesse sido necessário tomar posição sobre as heresias Monofisista e
Nestoriana. Também em Niceia: negar a negação ariana e não o de aprofundar
exaustivamente o mistério das relações entre o Pai e o Filho. Éfeso não tem uma profissão de fé
própria: intervém para excluir o erro de Nestório.
24
Então, o que é a definição conciliar antiga na sua essência?
→ é algo de negativo: indica o que num dado contexto é visto pela Igreja como
incompatível com a compreensão do dado revelado – não pretende nem exprimir
positivamente toda a compreensão da Igreja até esse momento sobre o mistério de Cristo; nem
todas as implicações que o dado contém objectivamente em si; nem um carácter profético em
relação a futuros desenvolvimentos ou futuros erros.
→ Entretanto, enquanto negação duma negação (= heresia: limite e negação da
globalidade do dado) a definição dogmática é de facto positiva:
revela todo o seu conteúdo positivo em relação à tradição, precisamente neste fechar as
falsas aberturas no caminho da fé... o que significa que no futuro nunca mais se poderão
repropor soluções condenadas pelos Concílios, antes será obrigatório refazer-se de modo
cada vez mais aprofundado à mensagem bíblica que os próprios concílios na sua situação cultural
e eclesial se empenharam em salvaguardar de todas as interpretações redutoras.

V. Sublinha-se a tomada de posição de Niceia que dentro da cultura da época


confirma duas afirmações centrais da Revelação bíblica:
1ª - Deus Cristão =/= Princípio imutável do mundo, radicalmente distante
= Comprometido verdadeiramente no mundo e na história: várias epifanias de Deus
(não aparências) até à do Filho (=/= gnose).

daí

2ª - Homem Jesus =/= Puro homem adoptado por Deus (=/= adopcionismo)
= O Logos eterno, consubstancial ao Pai, e cuja relação com o mundo e a história não é à
custa da Sua divindade mas composta com ela.
A reflexão pós-Niceia precisará essa relação das duas dimensões através:
-Ou de esquemas dualistas: o que é dado a uma é subtraído à outra e vice versa
- Ou de modelos previamente dados:
. Modelo puramente antropológico (corpo-alma no homem – humanidade-divindade em Cristo) o
que não ajuda a plenitude da humanidade e põe em perigo a transcendência do Verbo;
. Ou Modelo Estóico (compenetração das naturezas)
Toda esta discussão, só concluída com o 3º Concílio de Constantinopla, será um progressivo
adquirir de clareza da verdade da seguinte afirmação:
NA ÚNICA REALIDADE QUE É O FILHO DE DEUS FEITO HOMEM, QUE NÃO É NEM INFERIO R AO
PAI NEM REALIDADE INTERMÉDIA ENTRE DEUS E O COSMOS (contra o modalismo), O SEU
SER DEUS E O SEU SER SIMULTANEAMENTE PARTICIPANTE DA NOSSA HISTÓRIA COMO HOMEM
NÃO DEVEM SER VISTOS COMO CONCORRENCIAIS, MAS AMBOS PLENAMENTE PRESENTES
EM UNIDADE EM CRISTO, NO SENTIDO DE QUE PRECISAMENTE NELE A PRESENÇA DA PESSOA DO
VERBO DEVE ENTENDER-SE COMO O FUNDAMENTO ÚLTIMO DA PLENA CONSISTÊNCIA DO SEU
SER HISTÓRICO COMO NÓS, DA SUA CONSUBSTANCIALIDADE CONNOSCO E NÃO EM OPOSIÇÃO A
ELA.
Em jogo está não só a composição de Cristo mas todo o Seu mistério.
...ETAPAS PRINCIPAIS DA PROGRESSIVA COMPREENSÃO DESTA VERDADE:

1. NICEIA (325): plenitude da divindade; (Homoousios)


2. ÉFESO (431) («- Alexandria): unidade na pessoa do Verbo, contra toda a divisão teologia-
economia, entre a dimensão humana e divina em Cristo; (Theotókos)
3. CALCEDÓNIA (451) («- Antioquia): no único Cristo encontra-se não só a plenitude da divindade
mas também a plenitude da humanidade; (união hipostática)
4. 3º CONSTANTINOPLA (681) («- Máximo, o Confessor):
Humanidade não diminuída mas plenamente realizada, pois se fundamenta, se “hipostatiza” no
Verbo.
De realçar que, entretanto, Calcedónia com o seu discernimento terminológico goza de uma
posição peculiar: trata-se de o compreender e não de o superar = na linguagem deste Concílio
“uma pessoa” refere-se à unidade em Cristo que tem como sujeito último o Verbo eterno do
Pai; “duas naturezas” refere-se à perfeição quer da humanidade quer da divindade.
A união das naturezas acontece na pessoa do Verbo: a nível geral é evidenciado o conceito
de pessoa (“hypóstasis”) claramente distinto da “fúsis”, o que representa uma notável aquisição
num mundo de pensamento, como era o grego, orientado cosmológica e naturalistamente.
Assim, é fácil ver que elementos fundamentais da visão grega do mundo, que era uma visão
dualista, cosmocêntrica e a-histórica, foram corrigidos pelos Padres precisamente por
fidelidade à revelação, especialmente quanto à radical alteridade Deus-Cosmos.
25
Sob este ponto de vista, “helenização” = traição ao Evangelho acontece sim nas
heresias, enquanto o discurso cristão apresenta caracteres de novidade e irredutibilidade... a
vocação e missão de toda a Igreja e de cada cristão para que o anúncio de Jesus Cristo
hoje re-proponha com a maior fidelidade possível a globalidade do dado revelado.

2.2. Idade Média

- Contexto cultural: Estruturalmente o período medieval é o afirmar-se da “societas


christiana” = Carlos Magno funda o Sacro Império Romano cujo ponto de coesão é a “cultura”
cristã (esta foi utilizada pelos cristãos – a única força viva sobrevivente da decadência do
império romano do Ocidente – para colonização dos bárbaros invasores.)
NB: Já Agostinho teorizava esta função dos cristãos no “De Doctrina Christiana”: os cristãos são os
verdadeiros herdeiros da cultura clássica pagã e usarão de todas as aquisições dessa cultura para
uma compreensão mais profunda da Escritura.
A “Reforma Carolíngia” não será mais do que a tradução concreta em reformas estruturais
desse programa: os mosteiros – na altura praticamente os únicos centros de elaboração “cultural”
– são os motores dessa reforma. O ideal cultural é o das “Enciclopédias”, isto é, de uma síntese
de todo o material que recolhido a partir das obras mais significativas da cultura pagã antiga e
dos escritos dos Padres seja o suficiente para que um monge, conhecendo-o, possa estudar
frutuosamente as Escrituras e ensiná-las: os monges da “reforma carolíngia” procurarão
actuar precisamente este ideal.
É neste contexto que se movimenta a...

2.2.1. Teologia Monástica

Teologia monástica também chamada “simbólica“, pois a sua característica é a


contemplação das verdades da fé (= “symbola”) apresentadas pelas Escrituras – tudo o
resto é subordinado a essa contemplação (mesmo as afirmações das “autoridades” do passado são
para ajudar nessa contemplação... →
→ “Lectio in sacra pagina”
Teologia monástica que tem como representante São Bernardo de Cladaval (1090-1153).
São Bernardo dirá que a atitude correcta perante Deus e a Sua revelação é a da admiração e não
a da busca curiosa – a preocupação é mais dirigida à síntese e não tanto à análise; mais ao
coração e à vida do que ao intelecto. Assim...
A Teologia Monástica não elaborou propriamente nem uma cristologia nem uma
soteriologia reflectidas: a atenção é mais voltada para acolher o significado das verdades
da fé para a experiência espiritual do monge do que para a análise dos seus conteúdos, o seu
aprofundamento racional e dialecticamente, precisando os seus nexos lógicos.
Entretanto, a pouco e pouco, a “reunião” das diversas “autoridades” do passado (ex: os vários
“Libri Sententiarum” – especialmente famoso e de PEDRO LOMBARDO) vai evidenciando as
divergências de opinião entre diferentes autores.
Começa a perceber-se que não basta o seu elenco, é preciso também tomar uma atitude
perante a sua dialéctica. Entre as artes liberais do “trivium” (gramática, dialéctica, retórica)
orientadas, segundo a perspectiva de Agostinho, para o aprofundamento das Escrituras, a
predominância passa então da gramática (= estudo do texto, baseado nas “autoridades”) para a
dialéctica (= confronto entre as “autoridades”).
Nasce assim um modo diverso de pensar cristão, chamado precisamente...

2.2.2. Teologia Dialéctica

O “manifesto” desta teologia é representado pelo famoso prefácio de ABELARDO no seu “Sic
et non”: não mais a contemplação da visão de conjunto, mas sim o aprofundamento
analítico das questões particulares...
→ “quaestio” = interrogação sobre o “porquê”, sobre a “ratio”.

A teologia dialéctica impõe a necessidade de um renovamento do próprio método de


reflexão: não se pode ficar no realçar as “divergências” entre as “autoridades”, é preciso elaborar
um plano para tratar das diversas “quaestiones”, onde cada uma tenha uma colocação
“lógica“ própria, que permita o seu aprofundamento e solução numa sucessão que esteja na
linha não tanto da ordem histórica da economia salvífica como era apresentada na Bíblia, mas mais
da ordem lógica da “ratio”. Esta exigência, sentida de modo especial pelos “magistri” do
séc. XII, indica o nascimento duma nova época que se exprimirá especialmente no séc. XII nas
“Summae”. Nova cultura caracterizada pelo reconhecimento da autonomia da razão (na sua
ordem) e não mais plena subordinação pura e simples à Escritura → pelo que também a
26
reflexão teológica, para poder permanecer no âmbito das “scientiae” que já se ensinam nas
“universitates” (nas cidades e não mais nos mosteiros) pelos “scholastici” ( e não mais pelos
monges), deverá dar-se a si mesma um “estatuto científico”.

A expressão mais significativa deste modo de reflectir teologicamente é e permanece a:


SUMA THEOLÓGICA DE TOMÁS DE AQUINO – dominicano (1225-1274)

Parte I – De Deus
Parte II – Do movimento da criatura racional para Deus
PARTE III – De Cristo, que, enquanto homem, é para nós o caminho para subir a Deus
Esta parte III da Suma Teológica é, então, dedicada ao discurso cristológico e a sua
perspectiva de fundo é soteriológica:
.De um ponto de vista geral, o Doutor Angélico parte da consideração da unidade de Cristo – o
ângulo de cisão é profundamente unitário = em primeiro plano está a realidade de Cristo como
um todo sintético e indiviso (q. 2) e só depois passa à análise das diversas componentes
(qq. 3-15); assim, podemos falar de proximidade com a perspectiva da Escola de Alexandria da
leitura da realidade global do Verbo incarnado = o acento é colocado na unidade do Logos
tornado Carne, na ligação profunda existente entre as diversas dimensões do mistério do Filho de
Deus feito homem – isto é confirmado pela concepção tipicamente tomista que vê na
humanidade de Cristo o “instrumentum” (“organon”) da divindade. Note-se que isto não
significa uma valorização menor da realidade da humanidade do Filho de Deus feito homem: é que
o trajecto de Tomás de Aquino na sua reflexão foi o de dar cada vez mais realce à
plenitude e autonomia da dimensão humana do Verbo incarnado.

Note-se, entretanto, que a reflexão de...

2.2.3. Anselmo de Aosta (onde nasceu em 1034) ou de Cantuária (onde faleceu em 1109).
Autor
que é central para o discurso cristológico. Coloca-se antes do pleno desenvolvimento destes
diversos modos de reflectir teologicamente (séc. XII – Teologia Monástica e Teologia Dialéctica). O
esforço anselmiano em aprofundar a “ratio” da economia salvífica (= Crer em Deus Homo?) é
ditado realmente pela vontade de evidenciar a harmonia intrínseca das verdades reveladas.
Os seus pontos de referência fundamentais (= obras) são Crer em Deus Homo e Epístola de
Incarnatione Verbi.
Anselmo é universalmente conhecido em Cristologia por ter elaborado a categoria teológica de
“satisfação” (= satio-factio, satis-facere) como categoria de leitura da morte da Cruz e dos
seus efeitos salvíficos.
Categoria teológica de “satisfação”: → Através do pecado Deus ficou infinitamente ofendido: essa
ofensa não pode ser destruída por um acto de pura e simples misericórdia por parte de Deus, pois
isso não seria conforme à Sua justiça infinita. Então é necessária uma “satisfação”. Mas esta não
pode ser oferecida por um simples homem, pois o pecado, tendo ofendido a Deus, tem uma valor
infinito incomensurável; para o reparar é necessária a morte inocente, voluntária, dotada de um
valor infinito, de um homem-Deus (= eis o “Crer Deus homo”) que, oferecendo-se a Si
mesmo no nosso lugar (por isso se falará depois em satisfação vicária) anula o pecado do
homem e restabelece plenamente a ordem perturbada.
De facto, a sua elaboração é apenas um dos frutos (certamente dos mais significativos e sobretudo
dos mais influentes da reflexão teológica sucessiva) de um esforço mais vasto de
compreensão da globalidade do mistério revelado; de aprofundamento do dado de fé,
esforço esse ligado não certamente à pretensão de deduzir a realidade da economia salvífica das
premissas racionais, mas sim movido pelo desejo de evidenciar, no interior dos próprios
factos salvíficos acolhidos na fé, a harmonia intrínseca que os caracteriza, a suprema
logicidade que os liga entre si. Esta é a novidade do procedimento de Anselmo em relação a
modelos precedentes: não invoca nenhuma “autoridade” do passado no seu argumentar
teológico, antes parte da razão, para fazer frente a tantas objecções contra a fé
provenientes de não cristãos (= daí a necessidade de prescindir metodologicamente do dado
revelado por Cristo) e para os cristãos compreenderem e contemplarem o que já crêem...
(e não para chegarem à fé pela razão - NB: é de Anselmo a seguinte definição de teologia: “fides
quaerens intellectum” = Fé em busca de entendimento.

Assim no nosso caso concreto, Anselmo procura demonstrar a razão lógica, a necessidade
da incarnação e simultaneamente o porquê da morte na cruz e seu significado salvífico a
partir da realidade do pecado do homem que culpavelmente perturbou a ordem justa e
racional do universo criado por Deus. Deste modo, Anselmo torna racionalmente
compreensível a Cruz de Cristo, eliminando radicalmente o problema dos “direitos do demónio”
27
sobre a humanidade ligados ao pecado do homem: Cristo morre não para pagar algo que seja
devido ao demónio, mas para restabelecer os direitos de Deus, a honra de Deus lesada pelo
pecado. É nesta perspectiva soteriológica que Anselmo entende a constituição de Cristo, o
seu ser íntimo: perfeito Deus e perfeito Homem (o sublinhar quer da divindade quer da
humanidade do Salvador) para que Ele possa operar verdadeiramente a nossa redenção – tudo na
mais rigorosa unidade da pessoa do Verbo: o Crer Deus Homo reenvia à Epístola de
Incarnatione Verbi.

OBSERVAÇÕES:
Quanto às influências do discurso soteriológico anselmiano na reflexão teológica sucessiva
especialmente quanto ao Crer Deus Homo:

1ª Na soteriologia anselmiana do mistério pascal único (indissoluvelmente morte e


ressurreição) é particularmente sublinhada a realidade, importância e significado da morte na
Cruz e a atenção é dirigida especialmente ao mistério da incarnação.
2ª A afirmação por Anselmo da necessidade da incarnação para os fins da nossa
redenção encontra reservas e dificuldades: dificilmente se vê como conciliar essa afirmação
com a realidade da infinita liberdade de Deus na Sua acção de salvação, com a absoluta gratuidade
da decisão divina em salvar o homem.
3ª A posição de Anselmo subordinando a incarnação à redenção será aceite normalmente,
no sentido de que o fim da incarnação (= Crer Deus Homo) é a libertação da humanidade
do pecado. Primeiro existe o homem e o pecado e depois Cristo, o Verbo incarnado: a função de
Cristo é fundamentalmente dirigida e limida à “opus redemptionis” = trata-se da visão
“antropocêntrica” (ou “AMARTIOCÊNTRICA”) do lugar de Cristo no plano de Deus: visão
característica de muita da teologia medieval.
É praticamente identificada Salvação (= toda a obra salvífica de Cristo) com Redenção, pelo que
aquela é vista apenas como libertação do pecado (→ “manuais”): como exemplo a
sistematização teológica:

1º Consideração da criação e do originário destino do homem, prescindindo de Cristo = “opera


conditionis”...
2º (depois) o discurso cristológico, eclesiológico, sacramental, etc... = “opera
restaurationis”.
Excepção significativa a esta visão “amartiocêntrica”: 2 autores do século XII – ROBERTO DE
DEUTZ e na dependência dele HONÓRIO DE AUTUN.
Nestes autores os termos são invertidos: primeiro não está o homem e seu pecado mas sim
CRISTO e a predestinação de todos os homens n’Ele. No centro não está o homem mas Cristo: não
é Cristo para o homem, mas o homem que foi criado em e por Cristo. O Verbo incarnado, isto
é, o “lugar de Cristo no plano de Deus” não é condicionado nem pelo pecado nem pelo homem: a
desobediência de Adão e a desordem que se lhe seguiu não são o motivo, o fim da incarnação
do Verbo, mas explicam apenas o contexto de sofrimento e de morte em que a incarnação
concretamente se verificou → posições deste género serão retomadas, após cerca de sois séculos
pelo Doutor Subtilis, JOÃO DUNS ESCOTO e darão origem à chamada solução “escotista”
quanto ao problema do fim da incarnação (Duns Escoto afirmará a radical gratuidade da
incarnação, independentemente de qualquer pecado do homem).
...Todavia estas posições permanecerão minoritárias.
Dominante permanecerá a visão anselmiana que será retomada com precisão por Tomás de
Aquino, tornando-se a chamada solução “tomista” quanto ao problema do fim da incarnação
(precisões de Tomás de Aquino: salvaguarda da liberdade e gratuidade do desígnio salvífico divino;
Cristo também apresentado como início e fim, como sentido e centro de toda a história a qual
desde o início só é compreensível em Cristo) mas a tensão entre “amartiocentrismo” e
“Cristocentrismo” está presente no complexo discurso tomista como elemento não
resolvido.

CONCLUSÕES SOBRE A CRISTOLOGIA NA IDADE MÉDIA

NB: Não exaustivamente...

De realçar a amplitude, dimensões e profundidade do trabalho de aprofundamento e


clarificação realizado pela reflexão teológica neste período → maior e mais rica assimilação do
discurso revelado, especialmente na linha duma compreensão “científica”, “racional” do
dado de fé: afirmada a autonomia da razão humana no seu âmbito, ainda que com dificuldades
– o que é uma notável aquisição para o reflectir teológico.
28
A Igreja na Idade Média soube inculturar-se, isto é, soube dialogar criticamente com a
evolução da situação social, política e espiritual, soube utilizar numerosos elementos como
instrumentos fecundos para uma compreensão mais rica da própria mensagem evangélica (ainda
hoje vários tratados sobre os artigos de fé são pressupostos imprescindíveis!). Todavia esta
inculturação (= diálogo, assimilação, confronto crítico) trouxe consigo algumas lacunas e
afunilamentos de perspectivas ligadas precisamente ao instrumento de pensamento usado –
ex.: a reflexão teológica tomista (uma das sínteses mais poderosas e significativas de toda a
época medieval) usou categorias e perspectivas aristotélicas em alternativa à linha
globalmente agostinho-platónica da visão tradicional mas não constituiu uma forma radicalmente
diversa e substitutiva da “forma mentis” helenista: esta foi relida à luz da revelação mas não
deixou de influenciar →
→ é o que iremos ver...
Já vimos que no pensamento grego há a dificuldade da dimensão histórica → esquecimento
progressivo da função de Cristo na Criação: já desde Niceia o enfraquecer das ligações do
Verbo feito Carne com o mundo e a história. Na época medieval a REFLEXÃO SOBRE A
CRIAÇÃO surge cada vez mais num contexto filosófico-metafísico e cada vez menos num
contexto salvífico (da história que tem o centro em Cristo) → fé com duplo objecto: Deus e os
“beneficia Dei” e estes com o início fundamentalmente na incarnação redentora (criação
praticamente ignorada) → visão do Homem e da natureza prescindindo da revelação e
acento na incarnação (já iniciado na Patrística) – e eis o “Crer Deus Homo”;
E neste contexto o significado e importância salvífica da paixão redentora da Cruz – a
morte da Cruz é o momento em que acontece a restauração da ordem do cosmos perturbada pelo
pecado de Adão.
→ Surgem diversas expressões de fé e piedade, especialmente quanto às artes figurativas: são
descurados os milagres e a vida pública de Cristo e cultivada zelosamente a história da sua
infância e Paixão.
Cada vez mais... a Ontologia de Cristo autónoma da Soteriologia e as duas naturezas e
Sua união a partir duma noção prévia de homem (o que Cristo tem a mais que os outros homens e
o que tem a menos);
O acontecimento global de Jesus de Nazaré e a sua Pessoa culminado na Ressurreição
cada vez menos activado.

Quanto aos aspectos referidos a reflexão cristológica da Reforma não constitui uma verdadeira e
real alternativa à reflexão cristológica da Escolástica, ainda que as sensibilidades gerais sejam
profundamente diversas e nalguns casos até opostas; entretanto...

I. O discurso da Reforma sublinhará o elemento funcional, isto é, o “pro me” do


mistério de Cristo =/= excessiva intelectualização e metafisização: polaridade Deus –
Homem sem valorização suficiente da centralidade e importância do acontecimento concreto da
pessoa de Jesus de Nazaré – este em 2º plano como pura e simplesmente lugar do desvelar-se
da acção divina;

II. A Reforma a nível geral tenderá a elaborar uma “theologia crucis” =/= “theologia
gloriae” (= excessiva confiança nas capacidades de investigação da razão): as célebres Teses 19
e 20 da Disputa de Heidelberg (com Lutero, em Abril de 1518) podem ser consideradas o
manifesto da “theologia crucis” = não é digno de ser chamado teólogo aquele que considera
a natureza invisível de eus compreensível por meio das suas obras; mas sim aquele que
compreende a natureza de Deus visível e voltada para o mundo por meio da paixão e da
Cruz → reforçar da leitura de toda a obra salvífica em termos de redenção da humanidade do
pecado, ligada à morte de Cruz.

NOTE-SE:
A Cristologia não foi um campo de polémica entre a ortodoxia católica e a Reforma – artigo 3
da “Confessio Augustana” de 1530 por MELANCHTON não apresenta diferenças substanciais em
relação à fé da Igreja Católica quanto ao Filho de Deus. Veremos a seguir o modo como este quadro
global da leitura do mistério de Cristo (em muitos aspectos ligados às linhas de tendência da
época patrística) se articulará na reflexão cristológica dos séculos seguintes. Reflexão marcada pelo
aparecimento do manual em vigor até ao renovamento cristológico mais recente.

2.3. Idades Moderna e Contemporânea

- O nascimento e difusão do manual representa o surgir e o afirmar-se duma época nova na


história da reflexão teológica sucessiva à época medieval (= “Summae” e Comentários às
“Summae”).
29
Evolução cultural global desta nova época: Humanismo e Renascimento
→ Iluminismo: este marca o rosto desta nova época: a Época Moderna em que devido à
confluência de várias motivações surge uma profunda fractura entre consciência civil e
eclesial, entre reflexão da fé e investigação racional autónoma.
- Fractura até hoje → os vários movimentos de renovamento teológico são lidos como
tentativas de superar essa fractura – renovamento cujo momento central é o Vaticano II: estamos
assim na Época Contemporânea.

- Três pontos:
. Cristologia manualista (2.3.1.)
. Reflexos em Cristologia da viragem iluminista (2.3.2.)
. Recente renovamento cristológico (2.3.3.)

2.3.1. Cristologia Manualista (= Moderna)

O SEU CONSTITUIR-SE (mais analítico)

Três etapas sucessivas quer cronológica quer logicamente:

1ª Manual nasceu com o afirmar-se, na reflexão teológica, do método “dogmático”. Método


surgido fundamentalmente da necessidade de se opor à heresia protestante, com a
consequente exigência, para a teologia católica, de encontrar um ponto de referência comum
para além das proliferações inexauríveis de questões e divergências entre as diversas escolas
teológicas. Esse ponto de referência comum não podia ser a Escritura, mas sim os
pronunciamentos magisteriais, os “dogmas” definidos pelo Magistério, tornando-se desse
modo o ponto de partida para a elaboração do discurso teológico – o Magistério como “regula
fidei” próxima é anteposto às duas “regulae fidei” remotas (= Escritura e Tradição – as
fontes da Revelação). No nosso caso concreto parte-se do símbolo apostólico cujos diversos
artigos constituem o esquema expositivo: concretamente isto implica que a Cristologia seja
tratada “após” Deus criador, criação e queda do Homem → figura e obra de Cristo em
chave amartiocêntrica (= redenção do pecado). O esquema expositivo do Símbolo permanece
exterior: o discurso gira à volta de um homem-Deus (estrutura teândrica geral) e pouco à volta
do acontecimento histórico de Jesus Cristo → no Símbolo do “nasceu” “passa-se”
imediatamente para “padeceu” o que contribui para pôr na sombra a temática dos mistérios
da vida de Cristo (temática ainda presente na Escolástica e nos comentários às Sumas).

2ª Tendência para o “sistema” (= organização sistemática dos diversos dados oferecidos


pelo dogma).
A sistematicidade do discurso exige por um lado que seja de tal modo organizado que tenha um
fio condutor, por outro lado que apresente as objecções contra a fé → a parte dogmático-
sistemática virá com uma parte destinada a expor e a defender os primeiros fundamentos
da fé contra os incrédulos e heterodoxos; para isto cita-se o AT, a pregação, milagres e
especialmente a ressurreição de Jesus como prova definitiva da existência da divina revelação
e do seu cumprimento em Cristo. O discurso cristológico vem após o estudo de Deus, da
Trindade, da Criação e do pecado do Homem e consta de quatro capítulos:

os dois primeiros sobre


- as etapas fundamentais da história da Salvação desde Adão a Jesus, mostrando como Jesus
dá o cumprimento último;
- os outros dois mais apologéticos sobre o mistério da incarnação identificado com o mistério
da união hipostática (sem ligação com a história) e sobre a mediação salvífica de Cristo
identificada com a morte na Cruz.

3ª Momento “enciclopédico” que quer estender o procedimento e espírito “sistemático”


aos diversos sectores da teologia. Discurso cristológico inserido no tratado da redenção:
após ter falado de Deus, da criação e do pecado do Homem trata-se de aprofundar a
realidade e o modo da redenção
(pessoa do Redentor – obra do redentor – estádios do redentor referentes quer à Sua pessoa quer à
Sua obra → sempre: pessoa do homem-Deus que precisamente por isso pode operar a nossa
redenção).
Esquema lógico de uma enciclopédia das ciências religiosas e onde o discurso cristológico
não faz nenhuma referência com importância decisiva ao acontecimento histórico de Cristo.
30
CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS (mais sintético)

Na apresentação do mistério de Cristo a estrutura fundamental consta de dois capítulos distintos


(1. De Verbo Incarnato. 2. De Christo Redemptore).

1. DE VERBO INCARNATO = “Cristologia” propriamente dita: consideração da Pessoa


de Cristo, da Sua constituição.

O ponto de referência fundamental é o Dogma de Calcedónia: o discurso é praticamente


concentrado na incarnação lida como o momento da constituição do homem-Deus mediante a
assunção por parte do Verbo divino pré-existente da natureza humana.
Não se fala propriamente de Jesus, mas a propósito de Jesus fala-se da União Hipostática (=
duas naturezas numa pessoa), isto é, não é a realidade de Jesus a introduzir na compreensão da
união hipostática, mas um conceito abstracto e genérico de união hipostática (como unidade de
duas naturezas numa pessoa divina) a guiar a reconstrução da realidade de Jesus.
O problema então é saber como se conciliam em Jesus a existência duma verdadeira
natureza humana e duma verdadeira natureza divina; → daí todos os modos diferentes de
explicar a união hipostática).
Prevalece uma perspectiva a–histórica, atenta particularmente às questões dedicadas ao ser
de Cristo, à Sua constituição ontológica com referências apenas esporádicas ao seu
acontecimento histórico (e mesmo essas são para demonstrar a verdade de ambas as naturezas
em Cristo).

2. DE CHRISTO REDEMPTORE = Soteriologia: consideração da obra de Salvação de Cristo


Reflexão à volta do pe cado do homem e do modo da sua redenção. Sendo a afirmação
bíblica da criação em Cristo estranha ao manual (a Criação tem um tratado próprio – De Deo
Creante – com uma chave de leitura devedora à especulação filosófica), então a função de Cristo
na história da salvação é lida em perspectiva fundamentalmente “amartiocêntrica” (=
como redenção do pecado).
Isto leva a que no mistério pascal seja privilegiada a morte na Cruz, como momento em que
se actua precisamente a redenção da humanidade pecadora. A consideração da ressurreição
passará para a Apologética como prova da divindade do Salvador e, portanto, da verdade da
divina revelação.
E o contexto da reflexão sobre a morte na Cruz não é o acontecimento histórico de Cristo,
mas sim o plano “ad aeterno” de Deus, a “ordo universi” que o pecado do homem perturbou e
que deve ser reparado mediante a prestação de adequada “satisfacio” (esta categoria prevalece
sobre as outras).
Também aqui se nota um processo de esquecimento progressivo da historicidade concreta
de Jesus de Nazaré, dos mistérios da Sua vida. Assim, a atenção volta-se para a constituição
ontológica do Verbo incarnado: por ser simultaneamente homem e Deus o Redentor pode oferecer
adequada reparação ao Pai pelos pecados da humanidade. A ontologia não emerge da
consideração da soteriologia (como ainda acontece em Anselmo), mas fundamenta esta última.
Nesta perspectiva, não é na Páscoa como cume do acontecimento histórico de Cristo que
se revela definitivamente quem é o Deus feito Carne, quem é Aquele que opera eficazmente a
salvação da humanidade; antes, sabendo já previamente que Jesus é Deus, explica-se que
a Sua Páscoa pode ser verdadeiramente redentora.
A lógica do De Christo Redemptore encontra-se com a do De Verbo Incarnato: em ambos a a-
historicidade e a ontologicidade (= ser “in se” e “per se” esquecendo o conteúdo
económico-salvífico).
NB: De Praedestinatione Christi = questão do fim da incarnação, ou mais genericamente
do lugar de Cristo no plano de Deus.
É uma questão medieval e os autores dos manuais dividem a sua simpatia pelas soluções de tipo
tomista ou de tipo escotista, com uma clara preferência pela tomista.
À interrogação Crer Deus Homo?
TOMÁS, na linha de Anselmo, respondia ligando incarnação à redenção, mesmo se, diferentemente
de Anselmo, não fazia disso uma questão de rigorosa justiça e afirmava que “per se” Deus podia
redimir o homem mesmo sem incarnação.
ESCOTO nega que se possa partir da consideração do pecado como ofensa a Deus – a incarnação
está liada somente à livre e gratuita iniciativa divina.
A lógica subjacente a esta interrogação nos manuais não é tanto Jesus de Nazaré, mas um
homem-Deus: precisamente “Crer Deus Homo?”
Ora a solução escotista afirma a prioridade de Cristo no plano de Deus antes de e prescindindo
do pecado do homem; contudo fá-lo num contexto hipotético (= “Deus incarnaria, mesmo se o
31
homem não tivesse pecado?”) – e esse contexto distancia-se do concreto da história da salvação.
Sob este ponto de vista o discurso tomista é mais vizinho do desenvolver-se do
acontecimento salvífico em que o homem de facto pecou (e, por isso, o Verbo incarnou
“propter nos homines” e “propter nostram salutem”); todavia, também ele se ressente de uma
perspectiva a-histórica, ao afirmar a possibilidade da redenção sem a incarnação.

BREVE CONCLUSÃO:

Esta Cristologia dos manuais está ligada em certa medida com algumas perspectivas já
presentes de algum modo na Patrística e na Idade Média; perspectivas, entretanto, radicalizadas
e “fixistas”.
- No centro de todo o discurso cristológico está não tanto o Jesus de Nazaré, mas sim o homem-
Deus = a lógica é da União Hipostática (“De Verbo Incarnato”) → e donde é deduzida a
actividade redentora de Jesus (“De Christo Redemptore”); reconhece valor salvífico à morte de
Jesus precisamente porque é um gesto do homem-Deus.
- O Jesus histórico é parte da Apologética: para defender a existência histórica de Cristo (e
com isso a verdade da revelação divina) de todas as leituras redutoras ou negativas a maioria delas
ligadas à leitura iluminista da Escritura).

SINTETIZANDO EM ESQUEMA:

* CRISTOLOGIA: Incarnação → União Hipostática


* SOTERIOLOGIA: Redenção → Morte na Cruz
* APOLOGÉTICA: Ressurreição e Mistérios da vida de Cristo

2.3.2. Reflexos em Cristologia da viragem iluminista (– séc. XVII – XVIII)

Para uma melhor compreensão desses reflexos, apresentamos a contraposição entre o discurso
medieval e o discurso iluminista:
* Discurso Medieval = Perspectiva prevalentemente cosmocêntrica onde os pólos são Deus e o
cosmos, pelo que a perfeição do homem é caracterizada em termos de “microcosmos”;
* Discurso Iluminista = visão antropocêntrica – histórica, onde o centro, o ponto de partida e
a chave de leitura é precisamente o homem, o sujeito (“cogito ergo sum”) no seu devir histórico,
acentuando a radical independência e autonomia da razão, da investigação racional humana,
o que marca um corte decisivo em relação à síntese medieval entre razão e fé, entre
filosofia e teologia, e que, no caso do discurso cristológico, terá uma aplicação característica na
crítica científica da Escritura, em especial da vida de Jesus...

Assim,
os nomes de KANT (o “a priori” do sujeito)
e HEGEL (a história)
...são paradigmáticos

KANT (1724-1804)

- A vontade em se opor a toda a doutrina ética que faça depender a norma do comportamento
humano de realidades empíricas, subtraídas ao controle da razão, leva Kant à afirmação de
que a norma moral tem de ser constituída por uma lei de razão universal, conhecida “à
priori” pelo homem.
Neste caso, a referência à religião, e mais concretamente a Jesus de Nazaré, à Sua figura
histórica concreta, é entendida como funcional em relação à verdade universal proposta
pela pura razão prática. A Cristologia não é mais do que a descrição do ideal moral do
homem “autónomo”: a existência concreta de Jesus é de considerar-se no máximo como uma
expressão particularmente alta desse ideal.
- E o teólogo, aqui tornado evidentemente filósofo, isto é, homem que usa a razão crítica, poderá
muito bem dissociar os dois discursos: deverá dedicar a sua atenção a Jesus de Nazaré em
função do ideal ou da personalidade moral adulta em que todo o homem é chamado a
tornar-se. Mais: é obrigado a operar a dissociação, pois dar-se-ia a um possível modelo, ainda
que particularmente exemplar, uma força e uma validade absoluta que só a ideia do homem moral
possui – esse modelo permanece sempre na razão; nenhum exemplo fornecido pela
experiência externa é adequado a tal ideia.
- A figura concreta de Jesus tem uma importância secundária e subordinada
32
por um lado, porque para poder qualificar este homem particular como modelo, é necessário
que se encontre n’Ele a actuação concreta daquele ideal ético que já se encontra na razão do
homem;
por outro lado, porque a Sua eventual origem sobrenatural, longe de lhe conferir
centralidade, é de facto um obstáculo, pois o afasta muito de nós, tornando a sua imitação
difícil.

EM SUMA:
Para Kant Jesus tem importância não enquanto homem, mas enquanto “abstracção da
humanidade” (= já antes e independentemente da Sua aparição histórica está presente na
estrutura da nossa interioridade como ideia, como o critério de uma verdade que não está n’Ele
mas no mundo moral do homem).

HEGEL (1770-1831)

Conhecido em filosofia pela centralidade que deu ao problema da história: todas as categorias
herdadas da metafísica clássica devem ser revistas à luz desta perspectiva.
Também a ideia de Deus herdada da tradição cristã deve sofrer transformações: o ponto de
partida não pode ser mais uma concepção estática do ser (da metafísica grega), mas antes
uma concepção que dê conta da dinâmica do devir histórico. Sob este ponto de vista, a
“teo”- logia encontra a “cristo”- logia e vice-versa: Cristo não é senão Deus tornado homem,
participante da história do mundo. O Deus vivo é Aquele que se move, se modifica, faz
história; Aquele que não permanece rigidamente aquilo que é, mas se torna aquilo que é; não o
Deus fechado em si mesmo, afastado do mundo, mas Aquele que saindo de si mesmo se altera. Em
primeiro plano não está o ideal ético do sujeito, mas a realidade deste “tornar-se homem” de
Deus – realidade que deve ser ligada a toda uma ontologia renovada. Neste sentido, a Cristologia
tem uma posição privilegiada. Mas também deve dizer-se que a atenção de Hegel não é
dirigida primariamente à figura concreta de Cristo: este é mais a ilustração de um
processo geral respeitante ao ser (o “Espírito Absoluto”) do que o objecto específico de
consideração. As motivações da sua centralidade são igualmente as raízes da sua desvalorização –
esvaziamento.
- A ideia de unidade entre o finito e infinito, entre humano e divino, concretiza-se
historicamente em Jesus: os títulos com que a tradição cristã exalta Jesus não são aplicáveis de
modo exclusivo ao homem histórico Jesus, mas são atribuídos à Ideia, de que o homem Jesus
é símbolo, ilustração, e que qualquer homem deve realizar em si mesmo.
- A partir de Jesus a humanidade tomou consciência do facto da história (mesmo nas suas
expressões mais problemáticas como a do estado) ser a manifestação do Espírito Universal, da
Ideia Eterna..: temos, assim, em geral uma transcrição filosófica do Dogma da Incarnação =
o Logos foi feito Carne, mas esse Logos não é a total pessoa humana-histórica de Jesus, antes é a
Ideia que se exterioriza e se faz história.
- A história, em qualquer acontecimento condicionado pela situação particular histórica que o
originou, é actuação da razão, do absoluto: todo o acontecimento, enquanto se afirmou e
teve sucesso, revela a verdade no tempo. Produz-se, assim, através desta fé no sentido, na
racionalidade da história, uma secularização da fé... Estamos diante de uma Cristologia laica que
generaliza o Jesus histórico, tornando-O imanente à história, “esquecendo” a Sua origem divina
pessoal concreta.

BREVE CONCLUSÃO

- É fácil ver, quer em sistemas de pensamento como o kantiano, quer em visões como a
hegeliana, a incapacidade em dar razão do absoluto da figura de Jesus de Nazaré: ...é
dissolvida numa pura exemplaridade moral (KANT) ou num momento, ainda que
particularmente significativo, do processo geral histórico do Espírito Absoluto (HEGEL).
- Temos, assim, o emergir de uma dificuldade comum a todo o discurso iluminista, o dar
razão de carácter último, definitivo, insuperável do acontecimento histórico de Cristo; carácter
ligado ao facto de em Jesus se realizar a auto-comunicação definitiva do próprio Deus aos homens,
pois Ele é o Filho Unigénito do Pai.
- Em relação ao modo medieval, o modo iluminista de colocar o problema cristológico revela-se
profundamente diverso, mais voltado para o ser histórico, a dimensão histórica quer do
mistério de Cristo (ainda que seja depois feito redutivamente – cf. Kant e Hegel) quer das
realidades em geral (→ os pólos do discurso são por um lado um aparecimento humano
concreto, um homem-Deus e por outro lado a pergunta sobre a história, o seu significado,
sobre a possibilidade por parte do homem, do sujeito, em lhe dar um sentido global).
33
- E a esta problemática (= como é possível que um acontecimento histórico concreto, na sua
limitação e contingência, possa tornar-se ponto de referência definitivo para a interpretação de
todo o real?) a Cristologia manualista não podia dar um contributo positivo dada a
presença maciça de uma perspectiva a-historicizante (conceitos e horizontes de
representação que por si mesmos não sugeriam uma clara referência histórica nem ao passado
nem ao futuro – a união hipostática não em categorias históricas, mas metafísicas.

As possibilidades de um diálogo fecundo nulas... e assim permaneceram até à época recente.

2.3.3. Recente renovamento cristológico 2


(marco = em 1951, 1500 anos de Calcedónia)
Tendo em conta a vastidão da produção cristológica destes anos mais recentes, seguiremos um
esqu ema expositivo que embora correndo o risco de simplificar tem a vantagem de oferecer uma
grelha de leitura que agrupe os diversos contributos com base nos problemas teológicos
subjacentes ou explícitos, dentro dos quais ou em função dos quais é colhido ou apresentado o
emergir da questão cristológica.

Concretamente:
- Cristologias no quadro da problemática da Fé (2.3.3.1.)
- Cristologias no quadro da problemática da História (2.3.3.2.)
- Cristologias da perspectiva do Homem- Jesus (2.3.3.3.)
- Cristologias no quadro da problemática da mutabilidade e passibilidade de Deus (2.3.3.4.)

2.3.3.1. Cristologias no quadro da problemática da Fé 3

- As problemáticas de fundo são as da relação fé / existência; de modo especial a existência


secular do homem moderno, que não consegue dar um significado plausível às tradicionais
categorias teológicas do passado, o que exige um repensamento dessas categorias.
- Neste contexto, Cristo coloca-se no interior da relação hermenêutica que se estabelece
entre fé e existência. Por um lado, a fé interpela a existência do homem, contesta a sua
pretensão de auto-suficiência, revela-lhe a sua precabilidade, abre-a às misteriosas possibilidades
de Deus; por outro lado, a existência interpela a fé, re-actualiza-a culturalmente,
ultrapassando as categorias míticas ou essencialistas.
Cristo é o “lugar” da fé: a provocação da existência por parte da fé encontra n’Ele a máxima
expressão; a interpretação da fé por parte da existência consiste em torná-l’O vivo na
existência cristã, isto é, na concreta vida de fé dos crentes.
- A centralidade de Cristo depende do facto de que n’Ele Deus se torna definitivamente
presente, e avança com as suas pretensões últimas nos confrontos da existência humana; e tudo
isto não poderá ser expresso nas categorias metafísico-ontológicas da cristologia
tradicional. Para o renvoamento as pistas seguidas são diversas: são as categorias existencialistas
(toda a reflexão de R. BULTMANN); são a tradução, em termos não religiosos mas seculares, de todo
o discurso cristão, e portanto também do discurso sobre Jesus Cristo (P. M. VAN BRUEN).

OBSERVAÇÃO:
Positivo o chamar da atenção para a ligação imprescindível entre fé e existência e para a
centralidade da figura de Cristo como ponto de referência para toda a existência cristã. Mas
trata-se de verificar como é que essa centralidade é entendida: o ponto de referência tende a
ser a existência de Cristo, e não o discurso sobre Cristo – este deve re-ler-se à luz daquela
para que encontre o seu significado; deste modo, essa releitura tende a tornar-se dissolução-
esvaziamento. Daí a necessidade de valorizar a historicidade concreta de Jesus de Nazaré,
colocando no centro da reflexão teológica categorias como a de história, categoria imprescindível
para uma fé como a cristã, ligada precisamente a uma revelação que se realiza na história, e tem o
seu cume em Cristo.

2
Neste contexto de Recente Renovamento Cristológico apresentaremos obras comprovativas
desta aproximação que fazemos. Tais referências a autores e conteúdos visam confirmar as
tendências cristológicas expostas; e têm como fonte: Bernard LAURET e François REFOULÉ (Dir.),
Iniciación a la Práctica de la Teología, Dogmática 1, Ed. Cristiandad, Madrid 1984, pp. 410-414.
3
D. BONHOEFER, Qui est et qui était Jésus-Christ? Son historie et son mystère, Paris
1980. A. DUMAS, Une théologie de la realité. D. Bonhoefer, Genebra 1968. G. EBELING (uma
Cristologia ascendente e descendente numa interpretação existencial). E. JUNGEL, Dieu, mystère
du monde, Paris 1982 (Visão profundamente cristológica da Teologia, mas em diálogo com uma
análise muito penetrante da filosofia moderna, marca uma renovação da reflexão cristológica e
teológica actual).
34
2.3.3.2. Cristologias no quadro da problemática da História 4

- Nestas são superadas as posições do tipo de R. BULTMANN, em que a referência ao Jesus histórico
tende a ser destituída de toda a importância: tenta-se recuperar a dimensão histórica como o
horizonte mais amplo em que a teologia cristã se movimenta.
História entendida não só na sua globalidade como história geral da humanidade onde Deus se
revela do modo indirecto, mas também como história da Salvação onde Deus se empenha na
primeira pessoa.
- No centro desta história está o acontecimento de Jesus Cristo, de modo especial a Sua
ressurreição (= acontecimento decisivo que faz a mediação entre a história singular de Jesus,
na qual culmina todo o acontecimento salvífico, e a história universal da humanidade). Em Jesus
realiza-se uma dupla antecipação (= prolepse): a história pré-pascal de Jesus é antecipação
da ressurreição, e esta é cumprimento daquela, e, por sua
vez, a ressurreição de Jesus é prolepse do momento último e conclusivo da história humana,
a ressurreição final.

→ Por um lado, a referência ao Jesus pré-pascal, ao acontecimento histórico de Cristo é


imprescindível: a concepção da divindade de Cristo e de Deus não é pré-constituída prescindindo
da história de Jesus, antes emerge dela → assim se evita o perigo de atribuir a Jesus Cristo
projecções do desejo humano de redenção e divinização (1º, a mensagem de Jesus 2º, a ideia da
incarnação).
→ Por outro lado o discurso cristológico abre-se a perspectivas universais: na ressurreição
de Cristo é toda a história da humanidade que recebe prolepticamente o seu “destino” final –
aqui encontram o seu fundamento radical todas as tentativas das ciências da filosofia, da
reflexão humana em geral, para dar um sentido de algum modo unitário à história (são chaves de
interpretação com valor, mas sempre com o seu fundamento e medida crítica última no
acontecimento de Cristo concluído pela Sua ressurreição).

OBSERVAÇÃO:
Positiva a renovada centralidade dada ao acontecimento histórico de Cristo, e neste à
Sua ressurreição, tendo como horizonte a história da Salvação e mais globalmente, o
acontecimento da humanidade inteira.

2.3.3.3. Cristologias (“de baixo”) na perspectiva do homem-Jesus 5

4
MYSTERIUM SALUTIS - Manual de Teología como História de la Salvación, Volume III:
O acontecimento Cristo, Madrid 1980. (Manual de Dogmática escrita por autores de renome. É,
sem dúvida, no seu conjunto, a estrutura teológica pós-conciliar mais importante). La BOUYER, Le
Fils eternal. Théologie de la Parole de Dieu et Christologie, Paris 1974). B. FORTE, Gesú di
Nazaret, storia di Dio, Dio della storia. Saggio di una Cristologia come storia, Roma 1981
(Exposição muito clara e documentada, como iniciação a uma Cristologia actual. Situa-se na
tradição histórica italina de Tomás de Aquino, Joaquim de Fiore...). O. GONZÁLEZ DE CARDEDAL,
Jesús de Nazaret. Aproximação a la Cristologia, Madrid 1975 (com uma aproximação
genético-descritiva da elaboração cristológica e uma aproximação sistemática da relação do crente
a Cristo, privilegiando na sua contrução a categoria do “encontro”). W. KASPER, Jesús, el Cristo,
Salamanca 1976 (sólida exposição cristológica, situada dentro da Escola de Tubinga). W.
PANNENBERG; Fundamentos de Cristología, Salamanca 1974 (Uma obra mestra, muitas vezes
reeditada e revista, que compreende a teologia dentro da revelação como história). G. GUTIERREZ,
Teología de la Liberacion. Perspectivas, Salamanca 1977 (o primeiro livro importante sobre a
“Teologia da Libertação” vista sob o prisma latinoamericano. A ele se deve realmente esta nova
perspectiva teológica). L. BOFF, Jesucristo el libertador. Ensaio de Cristologia para nuestro
tiempo, Petrópolis 1972 (Deste autor publicou-se uma nova tradução, ampliada, em Jesucristo y
la liberación del hombre, Madrid 1981. Este volume reúne toda a produção cristológica de Boff.
Cf. ainda Teología del cautiverio y la liberación, Madrid 1978). J. SOBRINO, Cristología desde
américa latina. Esbozo a partir del seguimiento de Jesús histórico, México 1977. Do mesmo
autor, Jesús en América latina, San Salvador 1982 (Mais comprometida que a de Boff, a
“Cristologia” de J. Sobrino é também mais sistemática na sua aproximação “de baixo”, para não
separar Cristologia e acção libertadora dos cristãos na história do sofrimento. Seu “Jesus” obedece
à mesma ideia de vinculação à pessoa do Senhor que sofre e suporta uma vida de privações e
dificuldades).
5
Ch. DUQUOC, Cristología. Ensayo dogmático sobre Jesús de Nazaret el Mesías,
Salamanca 1974 (Consta de duas partes, o “homem Jesus” e o “messias”, escritas sob horizontes
diversos). H. KUNG, Ser Cristiano, Madrid 1981 (A Cristologia situa-se aqui dentro de uma
apresentação do Cristianismo no marco de outras grandes religiões e para um vasto público.
Polémico. O método às vezes mais histórico que teológico, no sentido de que os resultados do
35
Nestas cristologias tenta-se superar os limites do discurso cristológico tradicional no modo
como apresentava a doutrina das duas naturezas (que como já vimos se iniciara na Patrística). Para
isso, tentam recuperar em plenitude a humanidade real, histórica de Cristo, o que implica
uma ligação profunda ao NT, introduzindo-se assim a temática dos “mistérios da vida de
Cristo”. Assim, falar-se-á da necessidade em elaborar uma “Cristologia de baixo” = uma
Cristologia que tenha como centro não tanto o Verbo pré-existente que assume uma natureza
humana (“Cristologia do alto”), mas sim o acontecimento humano, histórico de Cristo, em que
se revela definitivamente o rosto de Deus, e o próprio Deus se autocomunica aos homens →
renovamento do estado da questão de muitas problemáticas cristológicas tradicionais.

OBSERVAÇÃO:
Positiva a intenção destas cristologias ao perceberem os limites do discurso cristológico
tradicional e ao tentarem oferecer pistas para a sua superação. Mas é evidente o perigo de ao
sublinharem a dimensão humana de Cristo não afirmarem suficientemente a plenitude da Sua
dimensão divina; a valorização da realidade concreta, histórica de Jesus pode ser entendida
de tal modo que não realce o porquê de tal realidade ser o ponto de referência definitivo, último,
insuperável para a fé cristã. É que no mistério de Cristo é o próprio Deus que está
verdadeiramente implicado.

2.3.3.4. Cristologias no quadro da problemática da mutabilidade e passibilidade 6

Nestas cristologias o tema fundamental é o “devir” de Deus: procuram dar razão ao facto de o
próprio Deus estar realmente implicado no acontecimento de Cristo.
Tema directamente ligado ao recuperar da centralidade do acontecimento histórico de
Cristo, de modo especial da Sua Páscoa, como lugar da auto-comunicação definitiva de Deus à
humanidade. A vida de Jesus de Nazaré empenha directamente o próprio Deus no Seu ser
profundo e pessoal.
→ Interrogação: como pode Deus “tornar-se homem”, “sofrer” até à morte? A reflexão
tradicional respondia atribuindo o devir, a capacidade de sofrer à humanidade de Jesus – o ser
divino não era directamente implicado.

Estas cristologias entendem ser insuficiente um tal modo de explicar, pois por trás há uma
certa concepção da imutabilidade e passibilidade de Deus ligada a uma visão metafísica muito
pouco atenta à realidade da história, do devir histórico, e, sobretudo, há um discurso sobre
Deus e a Trindade não relido cristologicamente, isto é, que não tem o seu centro no
acontecimento histórico concreto de Jesus de Nazaré, culminado na Páscoa. Ora, é
precisamente deste acontecimento que se deve partir e dar razão da participação, não
necessariamente extrísnseca, do próprio Deus na história de Jesus.
Os caminhos seguidos não são unidireccionais: especialmente MOLTMANN e KUNG referem-se a
categorias de proveniência hegeliana (positividade do negativo – diléctica de tese, antítese e
síntese).

OBSERVAÇÃO:
Positiva a leitura rigorosamente cristã do mistério e do ser de Deus: e no acontecimento
histórico de Cristo que Deus manifesta definitivamente no Seu rosto.
Existe uma ligação estreita entre “Cristo”-logia e “teo"-logia: em Jesus, no Seu devir
histórico, especialmente na Sua Páscoa, temos acesso à própria realidade de Deus – e de
tudo isto se deve dar razão em termos que não reduzam a profundidade do mistério.

método histórico-crítico nem sempre se situam na perspectiva de uma tradição de fé essencial à


vida da Igreja. Apresentação muito viva.). K. RAHNER, Cristología. Estudio sistemático e
exegético, Madrid 1975. Do mesmo autor, Curso fundamental sobre a fe, Barcelona 1979. E.
SCILLEBEECKX, Jesús. La historia de un Viviente, Madrid 1981 (faz parte de uma das tentativas
teológicas mais importantes e mais ousadas do nosso tempo). P. SCHOONENBERG, Un Dios de los
hombres, Barcelona 1972 (Este ensaio data de 1959, é um dos primeiros no campo católico que
tenta inverter o esquema calcedoniano partindo da pessoa humana de Jesus e não da pessoa do
Verbo.
6
H. Urs Von BALTHASAR, La Glorie e la Croix, El misterio Pascual, in Mysterium Salutis III,
Madrid 1980 (É o centrar do mistério cristão na Cruz). J. MOLTMANN, El Dios Crucificado. La cruz
de Cristo como base y crítica de toda a teología cristiana, Salamanca 1975 (Contribuiu para
centrar de novo a Cristologia na Cruz, suscitando uma ampla discussão: compreensão da Cruz e
revelação de Deus, diálogo com as outras religiões, história do sofrimento, etc.).
36
Mas o problema é salvaguardar a liberdade e gratuidade absolutas desse acontecimento:
Deus não é o homem, e o Seu fazer-se homem, o Seu devir, o Seu sofrer, tem “marcas”
radicalmente “outras” em relação ao devir puramente humano, ao ser unicamente histórico.
Se o devir de Deus é reconduzido a leis universais e apriorísticas, ligadas ao devir geral da
história, então perde a Sua natureza mais profunda; e o acontecimento de Cristo perde
também a sua definitividade, a sua singularidade.

O PROBLEMA NUCLEAR DE TODO O DISCURSO CRISTOLÓGICO é precisamente o facto de que em


Jesus de Nazaré, e em mais ninguém, se revela definitivamente o rosto de Deus, pelo que o
Seu nascer, o Seu crescer, o Seu sofrer, o Seu morrer, numa palavra: o Seu devir são
verdadeiramente o “devir” de Deus... e isto é que deve ser mantido.

CONCLUSÃO GERAL

- Se se confronta o recente renovamento cristológico com a Cristologia manualista, vê-se


que a situação actual da reflexão cristológica tem muitos rostos, mas com uma constante: o
recuperar da dimensão histórica concreta do Mistério de Cristo, isto é, a centralidade
dada ao acontecimento histórico de Jesus de Nazaré, como ponto de referência para a
elaboração de todo o discurso cristológico.
- Neste contexto há que ter em conta a difusão, no âmbito da produção cristológica mais recente,
da problemática da singularidade de Cristo = o centro da fé cristã não é um homem-Deus,
mas Jesus de Nazaré, que é Filho de Deus e revela o rosto do Pai (a natureza divina) no
concreto da Sua história (podemos dizer da natureza humana), pelo que esta história assume
precisamente um carácter de definitividade, de escatologicidade, de singularidade.

EM SUMA:

Trata-se de um recuperar de perspectivas profundamente bíblicas, mas sem esquecer as


problemáticas emergentes dos desenvolvimentos mais recentes do pensamento típicos das idades
Moderna e Contemporânea, marcados particularmente pela temática do devir, do ser
histórico (cf. 2.3.2.), e deixadas de fora pela Cristologia manualista (cf. 2.3.1.).
- A lição proveniente da história vai então no sentido de eleborar uma reflexão cristológica
que se re-ligue à amplidão das perspectivas bíblicas, integrando as achegas e os
aprofundamentos operados na meditação do mistério de Cristo dos séculos anteriores e, ao
mesmo tempo, superando as suas unilateridades.

EM SUMA:
Trata-se de construir um discurso cristológico sistemático, tendo em conta os elementos até
agora adquiridos e em coerência com as exigências próprias do método teológico.

UD 3. Cristologia Sistemática

Tema 1: A Cristologia fundamental

I. Como projectar uma Cristologia hoje?

A. Critérios gerais

Critérios devem orientar a nossa sistematização, que deve ser fiel à revelação transmitida na Igreja
e estar atenta (a cristologia) ao homem a que se dirige. Escolher entre as diversas propostas as
mais válidas e ordenar o tratado cristológico num sistema tendo-as em conta, representa uma
tarefa difícil, discutível e exposta ao perigo da arbitrariedade. Por isso, recordemos alguns critérios
fundamentais deduzidos da história da Cristologia.

a) CRISTOCÊNTRICO

Princípio "cristocêntrico" = Jesus na Sua realidade concreta, ou seja, Sua história, os mistérios
de Sua vida. Portanto o discurso formal sobre a Sua identidade ontológica, ainda que importante, é
secundário. O critério cristológico impõe, pois, tomar a sério que Jesus Cristo é a definitiva palavra
salvífica de Deus aos homens, e que o é na Sua realidade concreta. Uma revelação em Cristo de
gestos e palavras.
37
b) SOTERIOLÓGICO

A cristologia não pode ser senão soteriológica. Isto significa que o discurso sobre a pessoa de
Cristo não pode desvincular-se da Sua actividade salvífica. Como ocorre na revelação, tão pouco na
cristologia sistemática se pode falar do Salvador sem referência à Sua missão salvífica, e vice-
versa.

c) CONTEMPORANEIDADE

A atenção à mentalidade contemporânea, à nossa sensibilidade religiosa. Mas liberdade não


significa arbitrariedade; na base das eleições estarão sempre a exigência sistemática, a orientação
pastoral e a vinculação com a vida espiritual.

B. Características da sistematização

Acima de tudo é útil uma aproximação ao mistério de Cristo mediante uma apresentação sintética
da cristologia transcendental, já que ilustra o vínculo do mistério de Cristo com a nossa vida, dando
actualidade ao discurso teológico. No referente à cristologia ascendente / descendente, pensamos
que se devem utilizar juntamente. Assim, adoptaremos em parte o itinerário seguido pelos
Apóstolos na sua progressiva descoberta da identidade de Cristo (portanto, procederemos desde
baixo), e em parte aplicaremos as formulações mais eleboradas pela cristologia neo-testamentária
(procederemos, portanto, desde cima). Também estudaremos ambas as cristologias desde o ponto
de vista crítico, considerando-as como expressão da fé da Igreja das origens, expressão que é
certamente eco fiel do ensinamento de Jesus de Nazaré e da experiência de vida que os Apóstolos
tiveram com Ele.
- Ao aplicar este método, conseguiremos precisar a humanidade de Jesus melhor do que se
havia feito no passado.
- Tenderemos a um aprofundamento de nosso conhecimento de Jesus valendo-nos do estudo
crítico das fontes.
- A investigação sobre Cristo não deixará de ser científica, já que, em definitivo, nos apoiamos
sempre na fiabilidade histórica de testemunho da Igreja das origens.
- Sem dúvida a atenção à investigação positiva não pode fazer-nos esquecer que a cristologia
implica também um discurso de tipo especulativo.
- Por último a necessidade de situar o discurso sobre Cristo no marco da história da salvação.
Não se pode falar do mistério de Jesus sem relacionar com a revelação trinitária.
- Nem tão pouco se pode falar de Cristo sem fazer referência à vida da Igreja, que é o Seu corpo
(sensus ecclesiae).
- Com efeito, o discurso cristológico deveria conseguir agrupar tudo isto em unidade,
organizando as diversas temáticas.

C. Redacção do projecto

Recorreremos a três etapas: primeiro, procederemos a aproximações diferenciadas do mistério


de Jesus; logo, intentaremos alguns aprofundamentos; finalmente, faremos algumas
considerações sobre o alcance dos resultados conseguidos. Quanto às aproximações à realidade
misteriosa de Jesus, a primeira é um esboço de cristologia transcendental e o desenvolvimento de
uma cristologia ascendente, mas que tenha em conta as aproximações da cristologia descendente.
Em particular, no que diz respeito à cristologia ascendente, seguindo o movimento que vai "de fora
para dentro", nós faremos as três perguntas seguintes:

• Quem é Jesus?
A ela respondemos com uma afirmação e uma negação unidas entre si: é verdadeiro homem,
homem como nós; mas não é um simples homem.
• Que fez Jesus?
Para responder, estudaremos os mistérios de Sua vida procedendo por ordem cronológica: da
encarnação à infância, ao baptismo e à transfiguração; da paixão à ressurreição, à ascenção e ao
pentecostes.
• Quais são os títulos de Jesus?
A resposta implica o exame dos títulos com os quais foi designado o sujeito desta existência
histórica e que permitem compreender mais explicitamente Sua identidade. Esses títulos serão
agrupados segundo as funções soteriológicas que expressam, ou seja segundo os ministérios de
Jesus.
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Passando ao aprofundamento teológico, também aqui com um movimento que vai de fora para
dentro, do obrar ao ser, centraremos a reflexão nestes campos específicos:
- A obra salvífica de Jesus;
- A encarnação do Filho de Deus
- A psicologia humana de Cristo: o conhecimento, a consciência, a vontade, a santidade
- A união hipostática

...Por último, nos interrogaremos sobre a importância da investigação teológica sobre Cristo em
ordem a um conhecimento mais rico e mais cordial d'Ele com o propósito de mostrar o laço
indissolúvel entre cristologia e vida espiritual. Tal é a linha em que desenvolveremos o discurso
sistemático, e que facilitará – assim o esperamos – um encontro pessoal com Cristo capaz de
transformar nossa vida.

II. Elementos de uma cristologia fundamental

A. Evolução da cristologia fundamental


B. Linhas básicas
.Existencial
.Existencial Sobrenatural
.Experiências humanas
.Incapacidade de amar
.Mal
.Morte

B. Observações críticas

Conclusão

Tema 2: Jesus, verdadeiro homem e verdadeiro Deus

I. Jesus, um de nós
A. Jesus, homem como nós
.Imagem de Jesus
.Ambiente social
.Aspecto físico
.Carácter
.Qualidades morais
.Atitude humana
.Emotividade
.Obediência ao Pai

B. Jesus, o homem de seu tempo


.Jesus, um judeu
.Jesus e os essénios
.Jesus e os fariseus
.Jesus e os saduceus

C. Ao serviço de Deus nos irmãos

II. Jesus, o Salvador


A. Jesus é o messias prometido
.Messias
.Servo
."Filho do Homem"
B. Jesus, salvador crucificado e ressuscitado
C. Jesus é O Filho
.Filho
.Senhor

III. Os mistérios da vida de Jesus


A. A vida de Jesus como mistério
.Jesus: misterioso salvador
.Causa exemplar
.Causa eficiente
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.Instrumento conjunto
.O Verbo: causa principal
B. O mistério da encarnação
C. Os mistérios da infância
D. Baptismo e tentações, milagres e transfiguração
.Baptismo de Jesus
.Vocação
.Consagração
.Envio
.Tentações de Jesus
.Valor do deserto
.Realização da missão
.Milagres de Jesus
.Sinais de salvação
.Transfiguração
.Glória de Deus oculta

IV. O mistério pascal


A. Paixão e morte de Jesus
.A cruz como revelação
.A cruz e o pecado
.Descida ao sheol
B. A ressurreição de Cristo
.Dado da fé
.Testemunho
.Ao terceiro dia
.Sepulcro vazio
.Aparições
.Obra de Deus
.Corpo glorificado e transfigurado
C. Ascensão e Pentecostes
.Ascensão
.Pentecostes

IV. Os nomes de Jesus


A. Jesus, o mestre
B. Jesus, sacerdote da Nova Aliança
C. A dignidade real de Cristo
D. Jesus, o Filho de Deus
.Filho de Homem
.Senhor
.Filho de Deus
.Deus

Tema 3: A salvação, obra de Cristo


I. A salvação no Novo Testamento e na vida da Igreja
A. A salvação no Novo Testamento
1. O anúncio da morte e ressurreição
.Anúncio salvífico
.Função salvífica
2. O ensinamento de Paulo
.Expiação
.Propiciação
.Reconciliação
3. A salvação na Carta aos Hobreus e em João
.Hebreus
.Mediação
.Escritos joânicos

B. Evolução da soteriologia
1. O ensinamento patrístico da salvação
.Iluminação
.Vitória
.Divinização
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.Redenção
2. A soteriologia até ao concílio Vaticano II
.Perídodo medieval
.Perídodo moderno
.Vaticano II
.Magistério actual

II. Visão sistemática da salvação


1. A noção cristã de salvação
2. O sofrimento de Deus
3. Redenção e emancipação humana
4. Esquemas interpretativos da salvação

UD 4. Diversas questões cristológicas


Tema 1: A encarnação do Filho de Deus

I. O mistério de Deus que se faz homem


.Jesus - sarx
.Jesus - Deus

II. Porquê um Deus homem?


.Encarnação - criação
.Encarnação - salvação
.Cristo: "ponto ómega"

III. Como expressar o mistério de Jesus?


.Chaves de formulação
.Pré-existência do Verbo
.Uma pessoa de duas naturezas
.Conceito de pessoa

Tema 2: O conhecimento humano de Cristo

I. Os testemunhos do Novo Testamento


.Conhecimento experimental
.Conhecimento progressivo
.Conhecimento extraordinário
.Conhecimento superior
.Missão
.Fim salvífico
.Filiação

II. Evolução doutrinal posterior


.Patrística
.Teologia medieval
.Princípios do século XX

III. Pontualizações teológicas


.Conhecimento: missão salvífica
.Conhecimento: identidade pessoal

Conclusões

- 1º: A realidade do conhecimento humano de Cristo sobre Sua identidade divina.


- 2º: O sujeito deste conhecimento é o Verbo encarnado; Ele é quem, ainda que consciente
enquanto Deus de Sua identidade divina, toma consciência dela também de modo humano.
- 3º: Também o conhecimento divino que o Verbo possui de sua identidade divina está sujeito na
encarnação à lei da Kénosis. Cristo entendeu, de absolutamente certo ainda que não decisivo,
Sua identidade pessoal, não já como a de um homem, mas como a de filho de Deus. Este
primeiro conhecimento foi-se, paulatinamente, articulando através da experiência humana de
cada dia, mas sobretudo graças à Sua relação com o Pai. Deste modo Jesus foi adquirindo
uma consciência cada vez mais explícita do que no fundo sabia desde sempre. Esta
consciência não brotou da mediação de um conhecimento humano experimental ou infuso, mas
directamente da intuição – da "visão" – da união de Sua natureza com a divindade.
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Assim, pois, o Verbo encarnado toma consciência de modo humano de Sua identidade
pessoal em virtude de uma espécie de auto-transparência, ou seja, enquanto que Sua
realidade humana está de tal maneira transfigurada e irradiada pela união hipostática
que leva o selo da divindade. E, posto que Cristo, enquanto homem, percebe esta irradiação
de modo intuitivo e global, compreende-se também o desenvolvimento de tal auto-consciência.

Tema 3: A vontade humana e sofrimento de Cristo

I. Jesus, homem livre


II. Impecabilidade e tentações
.Impecabilidade (é pessoa divina)
A liberdade de Jesus há-de entender-se como capacidade de decidir-se sem vacilação alguma pelo
que é bom.
.Tentações

III. O amor humano de Cristo


.Sensibilidade
.Amor de Jesus

IV. O sofrimento de Jesus


.Sofrimento
.Sofrimento físico
.Sofrimento moral
Tema 4: A santidade de Jesus
I. Jesus, santificado pelo Espírito
.Espírito Santo – Messias no Antigo Testamento
.Espírito Santo – Messias no Novo Testamento
.Espírito Santo – Messias na Teologia
II. A graça, o mérito e as virtudes
.Mérito
.Virtudes
III. Os ministérios de Jesus

Tema 5: A união hipostática


I. Explicações escolásticas
.Stº Tomás
.Natureza humana – pessoa

II. A pessoa de Cristo como ser relacional


.J.Galot, Pessoa como relação
.Crítica

III. A formulação de Rahner


.K.Rahner
.Crítica

IV. Observações finais

Tema 6: Aprofundamento no conhecimento de Jesus

I. Um problema sempre actual


II. Indicações do Novo Testamento
III. Características do conhecimento teológico

Conclusão

Chegar a um conhecimento de Cristo mais profundo é uma aspiração ousada no coração de


todos os crentes através de todos os tempos. Umas vezes foi o desejo de uma aproximação mais
imediata, mais vinculada à vida, mas outras foi o desejo de uma ciência superior que vai mais além
da fé. Já no século II se distinguia um ensinamento destinado a todos, de índole moral... de outro
destinado aos estudiosos da revelação. Anos mais tarde, a escolástica afirmou com Stº Anselmo
que a Teologia deve estar ordenada primeiro pela fé e só depois pela inteligência (crer para
entender). Stº Tomás seguindo a mesma linha fez ênfase no amor: é a caridade, a que orienta e
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estimula à contemplação de Deus e mostra que este tipo de conhecimento procura um deleite,
que é superior a qualquer outra, em virtude de seu sujeito, que é Deus.
O Novo Testamento fala de uma ciência superior, mas ligada sempre à caridade e à vida
cristã. É um dom de Deus e um conhecimento oposto ao agnosticismo porque está regido pela fé,
pelo kerigma e acessível a todo o crente; sem dúvida, o que está longe de Deus não pode entrar
em familiaridade com Ele. Para conhecer profundamente Jesus Cristo é necessário passar
por uma purificação interior que disponha o encontro com Ele. Não é um movimento
puramente intelectual, mas que implica atitudes enraizadas na fé, entendidas como conhecimento
e que a consolidam.
As características do conhecimento teológico são três:
- Carácter teologal,
- Estrutura eclesial
- e Tendência mística.
A primeira pode alcançar-se mediante a reflexão unida à contemplação, través do estudo imbuído
de oração. O segundo deve traduzir-se na pregação-anúncio, catequese e ministério teológico, e
finalmente a tendência mística está projectada para a experiência de presença de Cristo e de Sua
acção percebida como beatificante.

Fim
Extraído de http://www.iscra.pt/CRISTOLOGIA.doc

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