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EDSON ARTÊMIO DOS SANTOS

A CONTRIBUIÇÃO DE GIAMBATTISTA VICO PARA A HISTÓRIA CULTURAL

Canoas

2005

EDSON ARTÊMIO DOS SANTOS


9

A CONTRIBUIÇÃO DE GIAMBATTISTA VICO PARA A HISTÓRIA CULTURAL

Trabalho de Conclusão do Curso de Licenciatura em História


Centro Universitário La Salle

Orientadora: Rejane Silva Penna

Canoas
2005
10

DEDICATÓRIA

A minha querida esposa Lilia pela


paciência, abnegação e amor.
Virtudes que já tens e que foram
fortalecidas ainda mais durante este
tempo de estudo.
Aos meus queridos filhos
Guilherme, Juliane, Fernando, Rafaela
e Edson por seus abraços e beijos a
cada retorno.
11

AGRADECIMENTO

Agradeço a meus queridos pais


Dorvalino e Eloiza por seu exemplo e
direção em todos os momentos de
minha vida.
Agradeço aos meus irmãos
Giovana e Evandro por também
acreditarem na Educação.
Agradeço a minha competente
orientadora Rejane Silva Penna pela
paciência e carinho com que sempre
me acolheu, bem como por ter me
despertado para as possibilidade
ilimitadas de pensar a história.
12

“ Historiadores
competentes não são
aqueles que dão descrições
13

gerais dos fatos e os


explicam referindo-se às
condições gerais, senão os
que entram nos maiores
detalhes e revelam a causa
particular de cada
acontecimento.”
Giambattista Vico

RESUMO

Este trabalho apresenta a contribuição do pensador italiano


Giambattista Vico para a linha teórica conhecida como História Cultural.
Destacamos principalmente a sua visão da validade do conhecimento
per causas como de suma importância para as ciências humanas e a
valorização das fontes míticas para os estudos históricos.

Palavras-chave: Vico, História Cultural, Mito.

ABSTRACT
14

This work presents the contribution of the Italian thinker Giambattista


Vico for the known theoretical line as Cultural History. We mainly detach
its vision of the validity of the knowledge to per causes as of utmost
importance for sciences human beings and the valuation of the mythical
sources for the historical studies.

Word-key: Vico, Cultural History, Myth.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................8

O PENSAMENTO DE GIAMBATTISTA VICO.................................11

PODEMOS CONHECER AQUILO QUE CRIAMOS.......................20

FONTES POÉTICAS E MÍTICAS.........................................................24

VICO E A HISTÓRIA CULTURAL.....................................................30

CONCLUSÃO............................................................................................
39

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................42
15

OBRAS CONSULTADAS......................................................................44

INTRODUÇÃO

O presente estudo irá considerar a obra de Giambattista Vico como


uma das fontes ainda não muito exploradas e que podem contribuir
com uma melhor sustentação de pressupostos importantes para a
História Cultural.

O contato com o pensamento de Giambattista Vico ocorreu durante


os estudos na cadeira de Teoria da História I, no curso de graduação em
História no Centro Universitário La Salle. A principio chamou-nos a
atenção sua tese sobre o movimento cíclico da história das nações,
estabelecendo uma explicação para o processo e sentido da história, a
16

sua conhecida divisão da história das nações em idade dos deuses,


idade dos heróis e idade dos homens.

Vico demonstra, resumindo, o avanço do homem de um modelo de


conhecimento do mundo baseado nas divindades representadas pelo
fenômenos naturais compreendidos como a manifestação da vontade
divina, passando por um tempo dos grandes heróis ou entes
aglutinadores de povos, que são nominados e tem suas peripécias
contadas nos mitos chegando por fim no mundo controlado pela razão
ou idade dos homens. Ele irá aplicar este esqueleto de sustentação
teórico para explicar o desenvolvimento da linguagem, do aprendizado
e em uma teoria do Estado.

Também percebemos que em muitos pontos Vico, de certa forma,


antecipa pressupostos teóricos, que mais tarde, seriam afirmados pela
História Cultural.

Isso nos incentivou a buscar relaciona-los, afim de introduzir o


pensamento de Vico como referência para o desenvolvimento teórico
desta linha de compreensão da história.

No capítulo um, apresentaremos uma síntese biográfica de


Giambattista Vico, onde percorreremos o desenvolvimento de suas
principais idéias, seu empenho na construção de uma ciência nova que
explicaria o desenvolvimento das nações e culminando com a defesa
de Vico da História como ciência capaz de compreender a realidade
humana, tendo por base a sua tese do verum factum e a utilização de
fontes culturais como estudos filológicos e análise dos mitos. Para isso
utilizaremos autores, que aos nossos olhos, melhor perceberam o
sentido de sua obra: Isaiah Berlin, Alfredo Bosi e Humberto Guido.

No capítulo dois, aprofundaremos o estudo sobre sua tese do verum


factum, pois reconhecemos nela sua grande contribuição para os
17

debates da valorização das ciências humanas e principalmente da


História. Apresentaremos a crítica de Vico contra o método cartesiano,
o desenvolvimento de sua teoria da História e introduziremos a
importância que ele dará para fontes que mais tarde seriam
redescobertas ou revisitadas pela História Cultural.

No capítulo três, traremos a baila a discussão sobre quais fontes são


validas para o conhecimento histórico, assunto que ainda não foi
esgotado no meio acadêmico, mostrando a importância dada hoje as
fontes culturais, destacando que Vico reconhecia nos mitos antigos
fontes que possibilitariam adentrar na mente dos homens que viveram
no tempo sem escrita, e mostraremos a relação deste pressuposto de
Vico com trabalhos semelhantes realizados hoje por autores vinculados
a História Cultural. Buscaremos a contribuição de Jacques Le Goff,
Robert Darnton e Carlo Ginzburg para o desenvolvimento destas idéias.

Por fim, no quarto capítulo, revisaremos o desenvolvimento da


História Cultural, como uma linha teórica recente, ainda em fase de
solidificação metodológica, tomando por base a compilação de estudos
feitos pela norte-americana Lynn Hunt. Iremos transitar rapidamente
por conceitos como representação e imaginário relacionando as
definições de Sandra Jatahy Pesavento e Calude-Gilbert Dubois,
especialista no estudo do imaginário da renascença. Neste ponto
defenderemos a inclusão de Vico e sua principal obra a Ciência Nova
como referência para o desenvolvimento teórico da História Cultural e
rebateremos a crítica feita por Peter Burke, pondo em dúvida a validade
da contribuição de Vico para as ciências humanas.

Utilizaremos como obra principal de nosso estudo a Ciência Nova de


Vico que nos últimos meses podemos experimentar a tão falada aridez
de seu texto, o que achamos ser, o principal motivo pelo qual ele ainda
é pouco estudado.
18

Também sentimos a escassez de fontes em língua portuguesa e


produções mais recentes sobre o pensamento de Vico, fazendo com
que tivéssemos de trabalhar como verdadeiros garimpeiros na busca
de bibliografias de qualidade. Superamos esta etapa com o grande
auxílio do Professor Humberto Guido da UFU, ao nosso ver, o maior
especialista brasileiro no estudo do pensamento de Vico, o qual
mostrou-se sempre aberto a auxiliar-nos neste trabalho.

.
19

O PENSAMENTO DE GIAMBATISTA VICO

Na primeira metade do século XVII, a Itália perdia Galileu Galilei (1564


a 1642) e entrava em quase dois séculos de inexpressiva participação ou
contribuição para a história do pensamento. Embora a filosofia de Renné
Descartes (1596 a 1650), de John Locke (1632 a 1704) entre outros,
penetrassem em solo italiano e fossem discutidos, nada que lembrasse o
áureo período da Renascença surgiu. É justamente neste momento tão
inexpressivo que surgiu, aquele que “no consenso da quase unanimidade
dos historiadores, [foi] a maior figura da filosofia italiana: Giovanni Battista
Vico.” (BOSI, 1988, p.96)

No ano de 1724, Giambatista Vico escreve, convidado pelo Conde Gian


Ártico di Porcía, a sua “autobiografia, ou Vita di Giambattista Vico scritta
da se medessimo” (GUIDO, 2004, p.20). Nesta autobiografia di Porcía,
visava registrar para a posteridade, “as etapas mais importantes de seu
desenvolvimento intelectual” (BERLIN, 1982, p. 24).
20

Em sua autobiografia Vico nos informa: “O senhor Giambattista Vico


nasceu em Nápoles, no ano de 1670, filho de honrados pais que deixaram
muito boa fama de si”.(VICO apud BOSI, 1979, p. VI)

Na verdade Vico nasceu no dia 23 de julho de 1668, filho de um livreiro,


em Nápoles, cidade onde viveu a maior parte de sua vida, excetuando-se
o tempo em que passou na cidade vizinha de Vatolla in Cilento, como tutor
dos filhos de Domenico Rocca, Marquês de Vatolla (BERLIN, 1982), entre
os anos de 1686 e 1695(GUIDO, 2004).

De seus primeiros tempos nos bancos escolares de Nápoles, Vico


registra uma queda violenta, acompanhada de uma fratura no crânio que
levou o médico que lhe atendeu, a cogitar a possibilidade de sobreviver
estúpido.(GUIDO, 2004) Além desta marca física que o acompanharia o
resto da vida, Vico herdou de seu período escolar, onde predominava a
escolástica, a forma de “escrever pedante e cansativa” (BERLIN, 1976, p.
26), que torna árido e confuso o seu pensamento.

No ano de 1694 Vico concluiu o curso de Direito, e em 1699 deixa o


cargo de preceptor e inicia a carreira de professor universitário lecionado
retórica. Vico permanecerá neste cargo até encerrar sua carreira em
1741(BERLIN, 1982).

Durante o tempo que reside e trabalha em Vatolla, Vico aproveita para


aprofundar seus estudos. Lê, sobretudo, os clássicos, aproximando-se das
obras de Platão e Tácito, seus autores antigos preferidos (GUIDO, 2004).

Após voltar a Nápoles além de ingressar na carreira universitária Vico


irá participar da Academia Palatina aprofundando os estudos e as
discussões sobre Platão, ao qual chama “divino Platão” (VICO apud BURKE,
1997) e Tácito.

Nesta fase da vida de Vico ele se relacionará com eminentes


estudiosos de sua cidade. Destas reuniões Vico entrará em contato com o
21

seu terceiro autor importante Francis Bacon (GUIDO, 2004), dele Vico
aceita o desafio de escrever “[...] uma história que torne sábios os
homens[...] ” (VICO apud BURKE, 1997, p.37).

Já maduro Vico entrará em contato com seu quarto autor, Hugo


Grótius, erudito holandês que escreve o tratado Direito de guerra e paz.
Vico reconhece nesta obra a capacidade do autor de unificar o direito
universal com a filosofia e filologia. Algo que ele também perseguirá em
seus estudos posteriores.

Da simetria entre estes quatro autores Vico se lançaria na


construção da obra de sua vida: a Ciência Nova. A primeira edição da
Ciência Nova surgiu em 1725, porém seria continuamente reescrita por
Vico. Em 1730 sairia a segunda edição e em 1744, a terceira edição
póstuma.

A Ciência Nova é um grande aluvião, que por traz de seu estilo


barroco e pedante, que segundo Guido (2004) forma escolhida por Vico
propositadamente para oportunizar ao leitor a experiência de desvendar a
forma das primeiras idéias nascidas no mundo. Guarda em seu interior, a
espera de quem resolva pagar o preço, um encontro com idéias que
abrangem a história, a psicologia, a linguagem, a antropologia e as
ciências sociais.

Todo este processo de desenvolvimento intelectual ocorre na vida de


Vico em meio a grande dificuldade, como destacado por Isaiah Berlin:

Toda a sua vida careceu daquilo que é mais caro para um sábio,
calma e tranqüilidade. Era um sábio tímido, obsequioso e
perseguido pela pobreza e ansiedade, que escreveu demais e
depressa no meio da conversação dos seus amigos e da tagarelice
e algazarra de seus filhos’, mas sabia ter feito uma grande
descoberta, e ter aberto uma porta para um mundo do qual era o
único dono, e esse pensamento, assim nos diz em sua
autobiografia, tornava-o feliz e sereno.(1982, p. 25)
22

Como podemos perceber, Vico é um pensador que abarca dois


séculos: sua formação acadêmica ocorreu no século XVII e sua produção
foi apresentada na primeira metade do século XVIII.

Mas qual era a grande descoberta de Giambattista Vico, um


professor de retórica em Nápoles? Nenhum de seus contemporâneos,
embora admirassem a erudição, percebeu nele a marca de um gênio
(BERLIN, 1982).

Ao responder esta pergunta é necessário considerar a filosofia de


René Descartes (1596-1650) nos estudos de Vico. É ponto passivo que
Vico, como a maioria de seus contemporâneos, teve contato com a
filosofia de Descartes, porém sua atitude em relação ao cartesianismo o
levará a criticá-lo. E Vico fará isso como percebido por Isaiah Berlim, “no
próprio campo em que ela se sentia mais forte e inexpugnável” (1982,
p.28), justamente nos domínios da matemática e da geometria.

Vico rapidamente percebe que, baseado nas premissas cartesianas,


as chamadas ciências humanas, seriam relegadas ao campo da distração
ou da informação curiosa e não passavam de forma alguma no crivo
matemático e, portanto, não seriam ciência.

A herança humanística de Vico não permitiu que ele aceitasse


passivamente tal idéia. Mais quais os argumentos usados por Vico?

Todavia, os argumentos que ele utilizou contra Descartes


não foram teológicos, retóricos nem subjetivos (...) ele manteve
que a validade de todo o verdadeiro conhecimento, inclusive o da
matemática ou da lógica, somente pode ser demonstrada através
da compreensão da forma em que é adquirido, isto é, da sua
genética ou desenvolvimento histórico.(BERLIM, 1982, p. 27-28)
23

Vico estava convencido que embora todo o brilhantismo da


observação cartesiana, este era superado pelo conhecimento adquirido da
nossa própria experiência como participantes ou autores, com isso a
prática da observação da natureza defendida no método cartesiano,
limitada ao que podemos ver do exterior era inferior a esta que poderia
adentrar no interior do objeto, isto é, o conhecimento das causas. Esta
idéia, segundo Isaiah Berlim(1982), não era uma novidade, pois ela
aparecia amiúde na filosofia escolástica, que como vimos é uma das bases
intelectuais de Vico.

Para Vico a matemática e a geometria, bases do cartesianismo, são


verdadeiras somente por que nós as criamos, porém a aplicação delas
como parâmetros para obter o conhecimento do mundo natural é
extremamente limitado, pois não somos os criadores do mundo natural.
Daí a famosa fórmula de Vico: verum ipsum factum, vero et factum
convertur, ou seja, o verdadeiro e o feito são convertíveis. Até então
ninguém havia declarado que o conhecimento humano não é apenas
demonstrativo como a matemática ou obtido somente pelos sentidos ou a
diferença em se saber o que é parecer, e saber o que é ser. Desta forma
deixa de constituir o único método de obtenção do conhecimento
verdadeiro.

Segundo Bosi (1979), esta idéia consistiu no ponto de partida para


Vico eleger a história como o campo do conhecimento humano onde pode
de forma plena aplicar seu método, por ser o produto da vontade do
homem ou como afirma Berlim sobre atenção dada por Vico a história: “A
história é a rainha de todos os estudos dedicados à realidade e ao
conhecimento do que existe no mundo”.(1982, p.40) E ainda
complementa Lucchesi, tradutor para a língua portuguesa da Ciência
Nova, prefaciando a obra:
24

O homem conhece a história. Pode figurá-la internamente.


Definir a parte e o todo. Imaginar-lhe as formas. Intuir o primórdio
da sociedade humana. A história como lugar em que a ciência e a
cons-ciência radicalmente se entrelaçam, supera o programa
cartesiano, pois unifica o verum e o certum, conforme o método
viquiano, cujo edifício repousa nas colunas da filologia e da
filosofia. (Prefácio da Ciência Nova, p.16, 1999).

Com isso em mente Vico irá dedicar o restante de seus dias na


confecção de sua obra máxima a Ciência Nova ou como Vico a chamou
Princípios de uma ciência nova acerca da natureza comum das nações.
Nesta obra, Vico buscaria reconstruir o mundo dos homens primitivos ou
como ele mesmo afirmou:

Mas, em tal densa noite de trevas onde está encoberta a


primeira de nós longínqua antiguidade, sobrevém este lume
eterno, que jamais se põe, desta verdade, que não se pode
absolutamente pôr em dúvida: que este mundo civil foi certamente
feito pelos homens, cujos princípios podem, porque devem, ser
descoberto dentro das modificações de nossa própria mente
humana.(1999, p. 131)

Vico reconhecia que tal empreitada não seria fácil. Teria de “usar de
muito esforço e fadiga” (1999, p.132) para buscar dentro de nossa mente
humana os princípios que levariam a compreensão dos antigos.

No desenvolvimento de sua obra, Vico estabelece os três primeiros


princípios comuns a todos os povos, apresentados da seguinte forma:

Observamos todas as nações bárbaras e humanas, ainda


que, por imensos intervalos de espaço e tempos, entre si
distanciadas, guardarem esses três humanos costumes: todas
possuem alguma religião, todas contraem matrimônios solenes,
todas sepultam seus mortos; mesmo dentre as nações mais rudes
e selvagens, as mais requintadas cerimônias e mais consagradas
solenidades residem nas religiões, matrimônios e sepulturas.(1999,
p.132).
25

Percebe-se que estes três costumes comuns ao ente humano


assinalam para o caráter fortemente cultural, de toda a análise de Vico
sobre a origem das nações.

Vico além de identificar estes três princípios unívocos da


humanidade, também estabelecerá as suas três idades ou tempos: “a
idade dos deuses, a idade dos heróis e a idade dos homens” (1999, p.
102). E em cada um destas idades Vico vinculará uma determinada língua:
“hieroglífica, ou sagrada, a simbólica ou epistolar e a vulgar”.(1999,
p.102)

Estes três princípios levarão Vico a buscar demonstrar “as


modificações da mente humana” (1999, p.131) e para isso ele usou
principalmente a linguagem, em todas as sua formas, ou seja, falada,
escrita, por meio de símbolos, poesia, mitos e fábulas.

Considerando tais premissas podemos entender a importância dos


estudos históricos em detrimento dos estudos sobre a natureza (BERLIM,
1972). Na história, ou relato dos feitos dos homens no espaço e no tempo,
é produção da mente humana é, portanto, passível de ser apreendido e
entendido.

Vico não deixa claro como podemos então conhecer a mente


humana em cada fase, porém percebe-se que a linguagem tem grande
importância neste processo.

As formas de linguagem para Vico acompanham o desenvolvimento


da história do homem e como afirma Bosi:

[...] elas não se constituem em um meio artificial, inventado


deliberadamente para expressão de idéias pré-existentes; pelo
26

contrário, ela desenvolve-se naturalmente, e o curso de seu


desenvolvimento é inseparável do curso do espírito humano.(1979,
p. xviii)

Com isso Vico elege os estudos filológicos como de grande


significado para a compreensão do desenvolvimento do ser humano, como
afirmado por ele próprio na “Idéias da Obra” de sua Ciência Nova:

Além disso, acena-se, que nesta obra, com uma nova arte
crítica, até agora inexistente, inicia-se a procura da verdade sobre
os autores das nações (nas quais devem decorrer mais de mil anos
para poderem chegar os escritores com os quais a crítica até agora
se ocupou), motivo pelo qual a filosofia se opõe a examinar a
filologia (ou seja, a doutrina de todas as coisas que dependem do
humano arbítrio, como são todas as histórias das línguas, dos
costumes e dos fatos da paz, da guerra e dos povos), a qual, por
sua deplorável obscuridade de razões e quase infinita variedade de
efeitos, sentiu [a filosofia] como que um horror em meditá-la; e só
a reduz em forma de ciência, ao descobrir nela os delineamentos
de uma história ideal eterna, na qual percorrem no tempo a
história de todas as nações: de modo que, por este outro principal
aspecto, vem esta Ciência a ser uma filosofia da autoridade. (1999,
p. 32-33)

Mas como fazer isso nos chamados tempos obscuros ou selváticos


de Vico (1999, p. 31)? Sobre isso Vico nos fala:

Por isso, e em virtude de outros princípios de uma mitologia


aqui revelados, e que seguem os outros princípios de poesia aqui
apresentados, demonstra-se que as fábulas foram verdadeiras e
próprias histórias dos costumes das antiqüíssimas gentes da
Grécia, assim como, primordialmente, aquelas dos deuses foram
histórias dos tempos em que os homens da mais rude humanidade
gentílica julgaram todas as coisas necessárias ou úteis ao gênero
humano como divindades; de cuja poesia foram autores os
primeiros povos, que se constatam terem sido todos poetas
teólogos, os quais narram indubitavelmente terem fundado as
nações gentílicas com as fábulas dos deuses.(1999, p.32-33).
27

Vico apresenta como fontes para este período obscuro os relatos


mitológicos, as fábulas e as tradições. Isaiah Berlim interpreta da seguinte
forma esta possibilidade:

A chave encontra-se na experiência passada da raça humana,


que desde as suas origens mais remotas, pode ser lida nas suas
mitologias, suas linguagens e suas instituições sociais e religiosas:
pode ser percebida nas evidências ainda existentes das formas de
vida mais antigas, que podem ser observadas nos velhos
monumentos e nos relatos dos hábitos e instituição dos povos
primitivos, como também na sobrevivência ocasional – ativa ou
fossilizada – entre as gentes simples ou atrasadas, e
especialmente na poesia, nos rituais mágicos e nas estruturas
legais das sociedades primitivas. A suposição deste processo ser
inteligível implica no estabelecimento da ordem no caos aparente –
um fio de Ariadne que não só nos ajude a sair do labirinto, mas que
também nos explique suas complexidades. (1972, p. 45-46).

Portanto para Vico as fontes mitológicas ou poéticas trazem a nós


parte importante do processo de desenvolvimento da mentalidade do
homem e de seus feitos. A etimologia das palavras, usadas em um
determinado tempo, podem estar carregadas de sentido para a
compreensão histórica do homem. Vico exercitou esta técnica em sua “Da
Antiguíssima Sabedoria dos Italianos” onde por meio de uma análise
etimológica de certas palavras ele busca remontar a sua utilização em um
determinado contexto histórico.

Em suma, para Vico a cultura com toda a sua riqueza torna-se


campo extremamente fértil para o conhecimento histórico. Por ocasião de
seus discursos inaugurais, no período de 1699 e 1707, Vico por várias
vezes irá afirmar que para que o homem possa alcançar o seu
autoconhecimento deve estudar todas as áreas do saber tanto no
presente como no passado (HUGHES-WARRINGTON, 2002).

Após analisarmos de forma sintética o desenvolvimento intelectual

de G. Vico, estaremos focalizando nos próximos capítulos, dois aspectos


28

que consideramos relevantes para a seara da História Cultural: a tese do

verum factum e a valorização das fontes míticas.


29

PODEMOS CONHECER AQUILO QUE CRIAMOS

Conforme afirmamos no capítulo anterior deste estudo,


reconhecemos que a proposição de Vico que o verdadeiro e o feito são
convertíveis ou que aquilo que criamos pode ser conhecido,
epistemologicamente falando, como uma de suas maiores
contribuições para as ciências chamadas humanas. Principalmente para
o conhecimento histórico, conhecimento este que para Vico melhor
demonstra este conceito pois o objeto de seu estudo são produção
humana pura.

Vico defendia que “[...] este mundo civil foi certamente feito pelos
homens, cujos princípios podem, porque devem, ser descoberto dentro
das modificações de nossa própria mente humana”.(1999, p. 131).

Está valorização do conhecimento das coisas humanas


representaram uma posição contrária aos parâmetros vigentes da
obtenção do conhecimento pela prova matemática, conceito defendido
pelo método cartesiano. Vico empreenderá uma crítica a tal método.

Para Descartes o que não pudesse ser avaliado pelo crivo


matemático não poderia ser considerado ciência ou como bem
percebido por Berlim, “o verdadeiro progresso intelectual depende
30

claramente, como o têm demonstrado as ciências naturais, de reduzir a


matéria a ser estudada a conceitos e julgamentos claros e distintos, ou
seja, matematicamente exprimíveis.” (1976, p. 28) Com isso a
pretensão dos historiadores de obter um conhecimento da verdade dos
fatos ocorridos no tempo passado pode ser considerado como algo
quimérico ou como afirma Descartes, obter quando muito “um
conhecimento semelhante a empregada doméstica de Cícero”.
(DESCARTES apud BERLIM, P.28)

A partir de 1708, Vico iniciará a sua “batalha” em favor da validade


do conhecimento das coisas humanas. Cabe registrar neste ponto, que
defendemos que Vico não pretenderá derrubar o “edifício” do
conhecimento criado pelo método moderno, como também concordam
Bosi e Guido, mas sim criticar a pretensão deste método como a única
forma de conhecimento capaz de produzir a verdade.

Vico defende a existências de certezas humanas fundamentais que


não podem ser demonstradas pelo método cartesiano porém são
evidentes. Diversos produtos do homem no âmbito cultural e histórico
não são baseadas na matemática e em seu verdadeiro ou falso mas
sim no verossímil ou no certo.

Vico intenta na verdade realizar uma reforma neste edifício, edifício


este que muitas vezes questionado não sofre nenhuma reforma
estrutural mas apenas ornamental como dito por Vico, nesta analogia
do edifício:

Portanto, os físicos modernos se parecem com aqueles que


tendo herdado casas, que quanto a magnificência e a comodidade
não deixam nada a desejar, tanto que eles não têm outra coisa a
fazer do que mudar de lugar o suntuoso mobiliário, ou introduzir,
com pouco esforço, pequenos ornamentos para adaptá-lo à moda
do tempo (VICO apud GUIDO, 2004, p.32)
31

Guido (2004) entende que esta atitude de Vico em relação ao


cartesianismo não deve ser considerada como um conservadorismo ou
como um adversário da ciência, mas sim devemos considerar a sua
forte formação humanística onde este irá aceitar a existência de duas
ciências: a ciência divina e a ciência humana.

Vico herdeiro do tomismo e do pensamento agostiniano defende que


“só pode ser conhecido aquilo que o próprio sujeito cognoscente faz,
cria ou produz.” (BOSI, 1974, p. XIII) ou como ele mesmo afirma:

A bem refletir sobre tal fato, causa estranheza [verificar] como


todos os filósofos estudaram o modo de obter a ciência deste
mundo natural, do qual, pois que Deus o fez, somente ele tem
ciência; e deixaram de meditar este mundo das nações, ou seja, o
mundo civil, do qual, pois que o fizeram os homens, podiam obter
sua ciência do homem. (1999, p. 132)

A ciência divina pode dar conta da natureza pois Deus é seu criador.
O próprio homem neste caso como criação de Deus não pode chegar a
uma ciência de si próprio mas sim uma consciência do próprio ser.

Vico irá reconhecer que o conhecimento obtido pelo método


cartesiano, através da matemática é completamente válido, porém o
motivo disso é justamente por que a matemática com a geometria é
obra do homem (BERLIM, 1976, p. 29). Sendo obra do homem e
promovendo uma razão de base abstrata ela própria demonstra a
veracidade da tese de Vico.

Quando a Vico apresenta a clássica afirmação: “[...] este mundo civil


foi certamente feito pelos homens, cujos princípios podem, porque
devem, ser descoberto dentro das modificações de nossa própria
mente humana”.(1999, p. 131), ele está remetendo a outra afirmação
de 1710, que diz: “o objeto verdadeiro deve a sua existência também a
mente que o conhece” (VICO apud GUIDO, 2004, p. 35), considerando
32

que o homem não é o criador da natureza a intenção de obter-se um


conhecimento baseado em pressupostos criador pelo homem, levaria a
um conhecimento superficial, na verdade uma representação. Luchessi
aponta o seguinte:

A certeza viquiana reside no fato de que a história é obra


dos homens, de que segue a natureza humana. E o mundo pode
ser vasculhado pela mente. Desde os seus primórdios. Que a
Providência desempenha um papel não resta dúvida. Mas é um
papel de coadjuvante. O homem conhece a história. Pode figurá-la
internamente. Definir a parte e o todo. Imaginar-lhe as
formas.Intuir os primórdios da sociedade humana. A história como
lugar em que a ciência e cons-ciência radicalmente se entrelaçam,
supera o programa cartesiano, pois unifica o verum e o factum e o
certum, conforme o método viquiano, cujo edifício repousa nas
colunas da filologia e da filosofia.(Prefácio da Ciência Nova, p. 15 e
16)

A fim de demonstrar a validade de sua tese Vico irá tomar como seu
objeto principal de pesquisa a investigação do mundo cultural, obra
exclusiva da vontade humana, e cujas origens Vico acredita poder
encontrar nas modificações da mente humana.

O desenvolvimento desta idéia levará Vico a desenvolver uma teoria


da história, ciência que para Vico melhor pode atender esta questão
por lidar com os feitos dos homens. Vico fará isso usando três fontes,
que segundo ele, são incorruptíveis: a linguagem, a mitologia e a
arqueologia. Fontes culturais por excelência.

Robert Darton vê na escolha destes tipos de fontes o


desenvolvimento de uma “[...] História de tendência etnográfica”
(1986, p. XIII), uma história que “[...] estuda a maneira como as
pessoas comuns entendiam o mundo” (1986, p. XIIV), enfim a
valorização dos produtos culturais humanos, que estão em toda parte
aguardando que lancemos boas perguntas à eles.
33

FONTES POÉTICAS E MÍTICAS

Que fontes são válidas para o conhecimento histórico? A resposta a


esta questão tem sido constantemente ampliada, sim dizemos
ampliada, pois as fontes históricas tem sofrido uma constante evolução
34

que vai acompanhando o desenvolvimento técnico e cultural do ente


humano. Suas fontes não tem sido suprimidas ou descartadas mas sim
revisitadas com novos olhares, novas perguntas e sob uma
compreensão de que delas podemos obter mais.

Jacques Le Goff(2003) destaca que no final do século XIX a fonte


documental marcará a sua supremacia como fonte histórica
indiscutível. A prova objetiva do modo positivista de obtenção e
valorização do conhecimento e do real.

Fustel de Coulanges afirmará: “O melhor historiador é aquele que se


mantém o mais próximo possível dos textos.” (apud LE GOFF, 2003, p.
527) Le Goff, destaca que neste termo o documento deve ser
compreendido essencialmente como texto. A prova escrita.

Samaran também concordará com está visão no prefácio da obra


L’histoire et sés méthodes: “Não há história sem documentos.” (apud
LE GOFF, 2003, p. 529) E ainda: “Pois, se dos fatos históricos não foram
registrados documentos, ou gravados ou escritos, aqueles fatos
perderam-se.” (apud LE GOFF, 2003, p. 530)

Porém no final do século XIX, o processo de ampliação do conceito


de fontes históricas inicia-se. O próprio Fustel de Coulanges, em 1862,
em uma aula na Universidade de Estrasburgo viria a afirmar:

Quando os monumentos escritos faltam à história, ela deve


pedir às línguas mortas os seus segredos e, através das suas
formas e palavras, adivinhar os pensamentos dos homens que as
falaram. A história deve perscrutar as fábulas, os mitos, os sonhos
da imaginação, todas estas velhas falsidades sob as quais ela deve
descobrir alguma coisa de muito real, as crenças humanas. Onde o
homem passou e deixou alguma marca da sua vida e inteligência,
aí está a história.( apud LE GOFF, 2003, p. 107)
35

Esta ampliação da visão sobre as fontes é de certa forma antecipada


por Vico. Ao lermos a “Ciência Nova”, começamos a perceber a
importância dada por ele as fontes poéticas e míticas, que se
enquadram hoje, dentro das perspectivas da História Cultural,
destacando estes materiais como representações do imaginário e
explicação da conduta dos homens nos tempos antigos. No tempo das
“densas trevas”, dos bestiones de Vico, no tempo sem a escrita.

Vico tomará a linguagem como chave da sua Ciência Nova, ou a


ciência que estudará e dará conta dos feitos humanos: “Esse será outro
grande trabalho desta Ciência: o de reconhecer as razões do
verdadeiro, que, com o correr dos tempos e com o modificar-se das
línguas e dos costumes, chegaram até nós [razões] revestidas de
falsidade.” (1999, p.96) Semelhante a Coulanges Vico reconheceria que
estas fontes oriundas da memória e da linguagem, míticas e fabulosas
precisam ser penetradas e limpas de suas falsidades. Nelas Vico
intentava descobrir a intenção e a mente dos antigos.

Vico defenderá a tese de que o historiador-filólogo poderá, ao olhar


para tal fonte, obter um conhecimento da forma de pensar e viver
daquele povo. Isso demandará um esforço imaginativo explicado por
Vico na analogia entre o olho humano e o espelho:

O qual extravagante efeito proveio daquela miséria que


advertimos nas Dignidades, da mente humana, a qual, imersa e
sepultada no corpo, é naturalmente inclinada a sentir as coisas do
corpo e deve usar de muito esforço e fadiga para entender a si
mesma, como o olho corporal que vê todos os objetos fora de si e
tem do espelho necessidade para ver a si mesmo. (1999, p. 132)

Mais o que seria o “espelho” que a mente poderia usar para ver a si
mesma? Entendemos que considerando que Vico reconhecia que o
único conhecimento válido era o per causas o homem pode chegar ao
conhecimento das mentes antigas por tudo o que ele cria e produz. Em
36

nosso estudo, valorizaremos sobretudo a sua produção cultural. Este


será o espelho que o historiador poderá olhar e enxergar a mente dos
antigos. Citamos novamente aqui Berlim, que entendemos sintetiza
muito bem esta idéia:

A chave encontra-se na experiência passada da raça humana,


que desde as suas origens mais remotas, pode ser lida nas suas
mitologias, suas linguagens e suas instituições sociais e religiosas:
pode ser percebida nas evidências ainda existentes das formas de
vida mais antigas, que podem ser observadas nos velhos
monumentos e nos relatos dos hábitos e instituição dos povos
primitivos, como também na sobrevivência ocasional – ativa ou
fossilizada – entre as gentes simples ou atrasadas, e
especialmente na poesia, nos rituais mágicos e nas estruturas
legais das sociedades primitivas. A suposição deste processo ser
inteligível implica no estabelecimento da ordem no caos aparente –
um fio de Ariadne que não só nos ajude a sair do labirinto, mas que
também nos explique suas complexidades.(1972, p. 45-46).

Pelas tradições, fábulas e mitos que o homem vem contando e


restabelecendo constantemente, Vico considerava possível penetrar na
[...] “densa noite de trevas onde está encoberta a primeira de nós
longínqua antiguidade [...]” (1999, p. 131). Isso se dá dentro da História
Cultural pelo enquadramento da forma de expressão mitológica dos
antigos dentro do conceito de representação.

Entendemos que o mito, dentro das sociedades antigas


estudadas por Vico, é o meio ou melhor, é uma forma de linguagem
capaz de comunicar o real. Como bem destacado por Bosi:
Para Vico, o papel especialmente importante da linguagem
reside no fato de que os termos empregados pelo homem, em sua
grande maioria, incluindo os teóricos e abstratos, acham-se
profundamente enraizados em remotas formas de vida e de
experiência. Assim, estudando-se etimologicamente a derivação
das palavras, iluminam-se não só as condições ambientais de
gerações anteriores, mas também os efeitos mais característicos
dessas condições; o discurso e o pensamento ligam-se
intimamente.(1988, p.102).
37

Isahia Berlim expande esta idéia no pensamento de Vico, com o seu

conceito de linguagem poética quando afirma:

Que espécies de palavras têm sido utilizadas pelos seres


humanos para expressar suas relações com o mundo, com eles
entre si, e com os seus próprios passados? Vico fala do que ele
chama de matriz poético da mente, ou seja, da linguagem poética
da lei poética, moral poética. Lógica poética e assim por diante. Por
poético ele quer dizer o que, de acordo com os alemães, nós
tendemos a atribuir ao povo ou à gente, isto é , os modos de
expressão usados pela massa do povo, ainda não sofisticados, dos
primeiros anos da raça humana, e não pelas crianças daquela
época antiga – fossem eles homens de letras, sábios ou
peritos.(1976, p.59)
Esta ligação entre o discurso e o pensamento realiza a guarda da
memória destes grupos e desafia o historiador a buscar desvendar os
sentidos nela contidos. De certa forma esta é a proposta defendida pela
História Cultural, segundo Pesavento:

Em termos gerais, pode-se dizer que a proposta da História


Cultural seria, decifrar a realidade do passado por meio das suas
representações, tentando chegar àquela formas, discursivas
imagéticas, pelas quais os homens expressaram a si próprios e o
mundo. Torna-se claro que este é um processo complexo, pois o
historiador vai tentar a leitura dos códigos de um outro tempo, que
podem se mostrar, por vezes, incompreensíveis para ele, dados os
filtros que o passado interpõe. Este seria, contudo, o grande
desafio para a História Cultural, que implica chegar até um reduto
de sensibilidades e de investimento de construção do real que não
são os seus do presente. A rigor, o historiador lida com uma
temporalidade escoada, com o não-visto, o não-vivido, que só se
torna possível acessar através de registros e sinais do passado que
chegam até ele.(2004, p. 42)

Vico reconhece que este retorno ao passado em busca das


sensibilidades ou como ele afirma das mentes obscuras exigirá esforço
imaginativo como ele afirma:

[...] para voltar a si, à guisa de tal primeiro pensamento


humano nascido no mundo, da gentilidade, encontramos ásperas
dificuldades que nos custaram a pesquisa de vinte anos, e tivemos
que descer destas nossas humanas civilizadas naturezas àquelas
realmente selvagens e imanes, as quais nos é negado imaginar e
38

somente com grande pena nos é permitido compreender (VICO,


1999, p. 135)

Vemos nisso, o surgimento do “hitoriador etnográfico ” de Robert


Darnton. Um historiador que irá trabalhar com a produção cultural do
homem, buscando descobrir a sua cosmologia que [...] em vez de tirara
conclusões lógicas, pensam com coisas, ou com qualquer material que sua
cultura lhes ponha à disposição, como histórias ou cerimônias”. (1986,
p.XIV)

Vico exercita a análise dos mitos em vários de seus textos. Na


Ciência Nova, talvez o mais conhecido é sua interpretação do mito do
Minotauro. Transcrevo abaixo sua análise:

Esses devem ter sido o touro com o qual Júpiter rapta


Europa, o minotauro ou touro de Minos, com o qual rapta os jovens
e as jovens das costas da Ática e os habitantes das cidades [...] De
modo que Teseu deve ser um caráter de jovens atenienses, os
quais, pela lei da força feita por Minos, são devorador pelo touro ou
pelo navio corso; ao qual Ariadne(a arte marinheira) ensina com fio
(da navegação) a sair do labirinto de Dédalo (que, antes pelo
grande número de ilhas que banha e circunda), o qual, tendo
apreendido a arte (pelos cretenses), abandona Ariadne e volta para
Fedra, sua irmã (ou seja uma arte semelhante), e assim mata o
minotauro e liberta Atenas da talha cruel imposta por Minos
(tornando-se corsários os atenienses). (1999, p. 286 e 287)

Desprendemos da analise de Vico do mito do Minotauro, que não


basta uma apenas usar a imaginação quando diante de uma fonte mítica.
Vico como já destacamos neste estudo, era um humanista versado nas
principais obras e tratados dos pensadores e historiadores gregos.
Vinculado o seu conhecimento das obras clássicas gregas e uma
compreensão do que ele chamava mente poética ele interpreta este mito
como sendo o desenvolvimento do conhecimento de navegação,
aprendido junto aos cretenses mediante seus contatos resultantes das
investidas predatórias destes na condição de piratas.
39

Entendemos que Vico, usando as palavras de Darnton, quando


descreve a prática do historiador da cultura, vai [...] passando do texto ao
contexto e voltando ao primeiro, ate abrir caminho através de um universo
mental estranho”.(1986, p. XVII)

De fato Darnton(1986), fará isso com extrema maestria em seu livro


O Grande Massacres de Gatos, onde não trabalhando com mitos mas com
histórias e contos infantis, comuns no antigo regime apresenta todo um
contexto social e vincula este ao de histórias como O Pequeno Polegar, O
Gato de Botas e a Bela Adormecida, histórias que segundo ele não só
divertiam mas eram boas para pensar.
40

VICO E A HISTÓRIA CULTURAL

A crise de paradigmas existente desde o início do século XX com


as ciências naturais e que no pós-guerra atinge também as ciências
chamadas humanas alcançará nos anos 70 a História, desestabilizando
as duas maiores linhas teóricas de então: o marxismo e a corrente dos
Annales.(PESAVENTO, 2004)

Um mundo pós Segunda Guerra Mundial, Guerra Fria e derrocada do


modelo sócio-econômico socialista do leste europeu trouxe diante dos
estudiosos da história uma realidade cada vez mais complexa.

Como lidar com a diversidades de interesses existente em um


mundo cada vez menor e cheio tribos urbanas, novas relações de
trabalho diante da afirmação do “dubito ergo sun” da pós-
modernidade?

A História Cultural ou a “Nova” História Cultural, conforme Lynn Hunt


(2001) a nomeou, surge dentro desta crise paradigmática da história,
porém, não como uma vertente ou linha completamente inédita e
independente das duas linhas teóricas mencionadas acima. Ela surge
justamente dentro destas, guiado por um espírito de renovação.

Sendo assim a Nova História Cultural “busca uma nova forma da


história trabalhar a cultura”, como diz Pesavento (2004, p.15).

Isso se dá, pela linha marxista, com os trabalhos de Edward P.


Thompson sobre a classe operária inglesa. Ele chama a atenção que
dentro dos parâmetros marxistas como a classe social, encontram-se
pequenas alterações de hábitos, atitudes, palavras, ações, que ao
longo do tempo vão construindo uma cultura de classe ou como ele
41

chama: consciência de classe (HUNT, 2001). Além de Thompson,


Régine Robin (HUNT, 2001) com seus estudos sobre a linguagem e
história, Georges Rude (PESAVENTO, 2004) com seus estudos sobre os
comportamentos coletivos das classes sociais, entre outros, passam “a
explorar, assim, os chamados silêncios de Marx, nos domínios do
político, dos ritos, das crenças, dos hábitos.” (PESAVENTO, 2004, p. 29)

Já na linha da escola dos Annales, a história cultural surgirá dos


desdobramentos das questões levantadas com a chamada mentalités
ou história das mentalidades. Uma história dedicada “a investigação
histórica do papel dos “cantinhos” da vida, da inserção dos homens no
quotidiano e também do caráter multiforme e polivalente que recobre
uma “fatia”da história, escapando aos pesquisadores especializados
num só campo.” (DUBOIS, 1995, p.11)

Historiadores da quarta geração dos Analles , como Revel e


Chartier não irão concordar com a limitação das mentalités ao
chamado terceiro nível de experiência histórica: “Para eles, o terceiro
nível não é de modo algum um nível, mas um determinante básico da
realidade histórica.” (HUNT, 2001, p. 9)

Autores como Robert Darnton tecerão críticas à história das


mentalidades, que em sua opinião começa a perder-se dentro de uma
enxurrada de temas sem que se consiga de forma concisa delimitar o
seu campo de estudo.(HUNT, 2001).

Dentro deste processo de questionamento das mentalidades e da


expansão da história social inicia-se a busca pelos conceitos e
princípios que encaminharão para o desenvolvimento da História
Cultural

Roger Chartier e Jacques Revel defenderão a tese de que as


representações da realidade são componentes da realidade social e
42

que as relações culturais são anteriores as relações econômicas e


sociais (HUNT, 2001). A História Cultural gradativamente irá tomando
espaço na preferência dos estudiosos da História.

Uma coisa a destacar em relação a história cultural é sua relação


fortemente multidisciplinar com o objeto. A aproximação do historiador
com a sociologia, antropologia, lingüística, psicanálise entre outros
conhecimentos, enriqueceram as possibilidades de abordagens do real.

Robert Darnton, como já citamos neste estudo, vê esta recente


História Cultural como uma história etnográfica que transcende a
história do pensamento ou intelectual que tentam desvendar ou
mostrar o caminho de uma doutrina ou linha de pensamento mas
antes: “estuda a maneira como as pessoas comuns entendiam o
mundo. Tenta descobrir sua cosmologia, mostrar como organizavam a
realidade em suas mentes e a expressavam em seu
comportamento”.(1986, p. XIV)

Com a História Cultural pretende-se realizar uma leitura da cultura,


fazer uma hermenêutica das formas cifradas da explicação da realidade
por meio dos fenômenos engendrados e apresentados pela cultura.

Dois conceitos fundamentais desta nova prática de trabalho


carecem de ser mencionados, a representação e o imaginário.

Por representação entendemos que:

[...] são matrizes geradoras de condutas e práticas sociais,


dotadas de força integradora e coesiva, bem como explicativa do
real. Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das
representações que constroem sobre a realidade. (PESAVENTO,
2004, p. 39).
43

Considerando tal conceito, verifica-se que o trabalho do historiador


cultural será decifrar estas representações da realidade do passado
chegando a conhecer como estas foram construídas e então obter o
sentido ou visões que grupos ou indivíduos davam ao seu mundo
dentro de um recorte de tempo. Isso pode ser obtido através de um
relato de um massacre de gatos por empregados de uma
tipografia(DARNTON, 1986) ou pelos autos do processo inquisitório de
um moleiro italiano (GINZBURG, 1987).

Com o desenvolvimento e aplicação do conceito de representação


entre os historiadores surge outro conceito fundamental para este tipo
de história, o conceito de imaginário, definido por Pesavento como
(2004, p. 43) “um sistema de idéias e imagens de representação
coletiva que homens, em todas as épocas, construíram para si, dando
sentido ao mundo”. Dubois, estudioso do imaginário da Renascença
demarca, de certo modo suas fontes, da seguinte forma:

Limitamo-nos, portanto, a propor uma definição e a indicar as


manifestações de um imaginário definido a partir de corpus
documentário constituído por monumentos lingüísticos, icônicos,
musicais; de crenças e comportamentos induzidos dos
documentos. Chamaremos de “imaginário” o resultado visível de
uma energia psíquica formalizada individual e coletivamente.
(1995, p. 21)

Como bem indicado por Pesavento, “o imaginário é histórico” (2004,


p.43), é criado pelo homem e acena de muitas formas para mostrar o
sentido do seu mundo. Ele é captado pelo ser humano através de todos
os seus sentidos. As palavras, sons, cores, discursos, imagens, poesia,
mitos e etc. são capazes de explicar e ensinar ou multiplicar idéias e
conceitos, hierarquias e divisões de classes, valores e identidades. Ele
liga a realidade e sentido na psique humana.
44

Ao chegarmos neste ponto, faz-se necessário ligarmos esta breve


introdução à história cultural, ao tema deste trabalho qual seja, o que
Vico pode contribuir para esta recente área do conhecimento histórico?

Entendemos que Giambattista Vico pode ser considerado como uma


fonte importante, onde o pesquisador ou estudante da história pode
encontrar o início do desenvolvimento destes pré-supostos importantes
para a História Cultural.

Ousamos entender que Vico inaugura esta possibilidade dentro dos


estudos históricos, primeiro pela sua escolha da História como ciência
capaz de efetivamente proporcionar a possibilidade de compreender o
processo de construção histórica e segundo, pela valorização de fontes
culturais. Pesavento na sua arqueologia da História Cultural, no
segundo capítulo de seu livro, registra que Michelet, situado no período
Romântico, como um dos “pais fundadores” (2004, p. 19), porém
Michelet reconhecia em Vico o seu mestre (BOSI, 1979) ou como ele
mesmo afirmou: “Eu nasci de Vico” (MICHELET apud BURKE, 1997,
p.17), portanto, julgamos que Vico mais que Michelet, pode ser
considerado como uns dos primeiros estudiosos a valer-se de fontes
culturais.

Reconhecemos, ainda, Vico como antecessor de uma série de


conceitos e perspectivas que hoje são usadas no ferramental do
pesquisador da história cultural, entre elas destacamos: (1) a crença de
Vico na história como verdadeira ciência capaz de obter o
conhecimento do real por ser produzida pelo próprio homem ou o seu
verum factum ou seja o homem pode conhecer somente aquilo que
cria, (2)valorização de fontes de cunho poético e mítico que por meio
da abordagem do imaginário podem fornecer informações verossímeis
sobre os homens antigo, vinculando-se a História Cultural.
45

Antes, porém, de avançarmos, precisamos registrar que esta visão


da obra de Giambattista Vico, ser vanguardista em muitos aspectos,
não é uma unanimidade.

Para o historiador Peter Burke, Vico tem sido superestimado ou


“exagerado” e responsabiliza alguns de seus comentadores como
Michelet e Croce como criadores de um “mito de Vico” (BURKE, 1997,
p.13). Segundo ele Vico foi envolvido pelo mito do “precursor” ou o
pastor pregando no deserto que será ouvido somente por gerações
futuras.

Ele discorda que Vico seja considerado um pensador ancestral de


uma série de conceitos multidisciplinares, entende que Vico era um
estudioso de vanguarda considerando alguns “insigths” de gênio,
porém afirma que seus escritos devem ser considerados mais como
literatura do que como tratado científico(BURKE, 1997). Afirma ainda
que seus principais seguidores trataram de seus conceitos e fórmulas
de forma anacrônica, o tiraram de seu contexto napolitano e o
colocaram de forma universal.

Ele critica ainda a falta de unidade de síntese entre seus vários


leitores. Para Burke seus leitores como Croce, Michelet, etc. utilizaram-
se dos conceitos de Vico como um espelho para refletir suas próprias
idéias, isto é, as idéia que estes atribuíam a Vico na verdade haviam
sido elaboradas por eles antes de seu encontro com a obra de Vico.

Burke afirma que seus comentadores (especificamente Michelet e


Croce, analisados por ele em seu livro) não conseguiram captar uma
visão de todo da obra de Vico e sim somente de forma muito particular.

O avanço dos estudos sobre Vico possibilitou hoje, fazer uma análise
bem mais exata de sua obra. Segundo Humberto Guido (2004), a
imagem de um Vico ao estilo de um João Batista ermitão e fechado em
46

seu mundo e que embora clame a sua nova doutrina não é percebido
por ninguém decorre da visão extremamente idealista que
tradicionalmente foi passada por Croce, seu intérprete mais estudado
no meio acadêmico.

Ao contrário dessa visão, Guido (2004) afirma que o estereótipo de


um Vico esquecido, que tanto contribui para esta imagem de ermitão,
não se sustenta. Vico era um cidadão ativo em sua cidade. Como ele
mesmo destaca:

“A participação de Vico em diversas academias e salões


literários, além da vida universitária, fazem deste homem um
cidadão ativo em sua sociedade, conhecido e muito requisitado
para diversos encargos sociais, tais como: orações fúnebres,
discursos laudatórios para núpcias da casais nobres, recepções de
autoridades reais e religiosas, entre tantos outros trabalhos
literários que lhe eram encomendados. Portanto, Vico não foi um
personagem menor da sua cidade, só foi notável porque viveu o
seu tempo.”(2004, p.12)

Quanto a opiniões divergentes da obra de Vico, mesmo entre seus


principais comentadores e divulgadores o que faz com que uma síntese
geral da Ciência Nova, ao que parece, não seja formulada, temos de
considerar que, e neste ponto concordar com Burke, que [1] grande
parte desta dificuldade não foi criada por Vico, mas sim pelos seus
principais interlocutores e [2] o estilo literário usado por Vico. Mas isso
de modo algum pode colocar a obra de Vico na condição de “literatura”
como deseja Burke (1997, p.20).

Isaiah Berlim, comentando sobre o que ele chamou de “desserviço”


prestado a Vico por muitos de seus divulgadores, considera
“compreensível que isso ocorra no caso de um pensador tão fecundo
[...] (1976, p.22), porém vê nisso não algo pejorativo e sim: “O fato de
que em mentes muito diferentes encontrem na opinião de outrem a
47

reflexão da sua, constitui um atributo da profundeza intelectual” (1976,


p.22).

Retirar Vico e a gênese da formação de seus pensamentos do


contexto cultural de uma Nápoles do século XVII é um pecado de
anacronismo, porém considerar a extensão de suas idéias e as
possibilidades destas moldarem ou basearem grandes linhas teóricas
no futuro como exagero de cronistas nos coloca diante de uma miopia
intelectual. O próprio Burke reconhece que: “A Ciência Nova é um livro
tão repletos de idéias que quase explode pelas costuras (1997, p. 45).

Como bem colocado por Berlim: “O direito de Vico à originalidade


pode submeter-se a escrutínio, de qualquer ponto de vista vantajoso,
sem o mínimo receio” (1976, p.21). Para Guido esta ambigüidade
(alguns acham um gênio e outros um escritor confuso) do pensamento
de Vico no meio acadêmico grande parte “resulta do conhecimento
sumário que manuais de história da filosofia atestam sobre a vida e
obra de Vico” (2004, p.48). Se continuarmos com um estudo superficial
poderemos colocar a obra de Vico no rol da literatura.

Outro ponto a considerar é a barreira da linguagem usada por Vico.


Isaiah Berlim ciente desta dificuldade comenta:

Vico tende a ser barroco, indisciplinado e confuso, e o século


XVIII, que chegou perto de adotar o ponto de vista de que não
dizer as coisas claramente equivale a não dizer nada em absoluto,
o sepultou em um túmulo do qual nem mesmo seus devotados
comentaristas italianos têm conseguido levantá-lo completamente.
(1976, p. 21)

Vico ficou os últimos 20 anos de sua vida revisando e aprimorando


sua obra prima. Segundo Guido, Vico realizará um “esforço incansável
[com o] propósito de encontrar a expressão literária adequada ao
conteúdo da obra.” (2004, p.13)
48

Vico escreverá em estilo barroco, truncado a fim de prover ao leitor


uma experiência prática com a forma de pensar dos primeiros homens.
Isso por si só dificulta, caso não for percebido, a compreensão clara da
obra de Vico.

Há de se considerar que Vico, diferente da maioria dos estudiosos de


sua época, em vez de dedicar-se aos estudos das leis da natureza,
optou por adentrar na compressão das coisas humanas, voltou-se para
os tempos obscuros, intentou penetrar nas mentes dos primeiros
homens. Ao fazer isso Vico afasta-se da linha do estudo natural e da
área da abstração pura.

Isso levará Vico a permear de forma multidisciplinar vários campos


do conhecimento, não limitando sua obra a apenas uma linha de
estudo ou pensamento. A maior prova disso é a diversidade de
interesses de seus pesquisadores. Max Horkheimer reconhecia em Vico:

[...] o primeiro verdadeiro filósofo da história da época moderna


[...] e também um psicólogo e um sociólogo de grande categoria.
Além disso, foi um renovador da filosofia, fundador da filosofia da
arte, e possuiu uma intuição para os grandes contextos culturais
com poucos haviam tido em sua época, mas também nos séculos
posteriores. (apud GUIDO, 2004, p. 14-15)

Vemos nisso a marca do educador. Vico dedicou toda a sua vida a


atividade docente. Seu desejo por tornar a experiência do leitor mais
viva é demonstrada nas primeiras linhas da Idéia da Obra, na Ciência
Nova, quando fala a respeito da Tábua das coisas civis e da Explicação
do desenho proposto no frontispício que serve de introdução à obra:
“que sirva ao leitor para conceber a idéia desta obra antes mesmo de a
ler, e para conservá-la mais facilmente na memória, depois de a ter
lido, fazendo uso do recurso que lhe subministra a fantasia.” (1999, p.
29)
49

Não era intenção de Vico obscurecer o sentido de sua obra, mas


fazer com que a prática da descoberta de seu significado aproximasse
o leitor do seu objeto de forma muito mais ampla. Afinal Vico acreditava
que tudo o que o homem cria pode conhecer e entender.

CONCLUSÃO
50

Nos propomos no presente estudo identificar a contribuição do


pensamento de Giambattista Vico para a História cultural. Usamos,
para tanto, os recursos oferecidos pela sua principal obra A Ciência
Nova, bem como de alguns de seus mais conhecidos comentadores,
reconhecendo nela a obra basilar de todo o seu método e
desenvolvimento epistemológico.

No primeiro capítulo deste estudo destacamos o caráter humanístico


de seu pensamento e reconhecemos na sua obra A Ciência Nova seu
intento de valorização do conhecimento histórico.

No capítulo dois, analisamos a crítica de Vico ao cartesianismo como


único do método capaz de aferir a verdade em todas as áreas do
conhecimento. Esta verdade cartesiana deixaria de lado o resultado
das práticas humanas e valorizariam o conhecimento da natureza.

Julgamos que Vico fará isso através da valorização do conhecimento


per causas ou que a possibilidade de conhecer a verdade das coisas
humanas é mais viável e garantida do que o conhecimento das coisas
da natureza, considerando que o homem não é seu criador. Como
destacamos no segundo capítulo, a história seria a ciência que melhor
aproximaria o homem do verum e do certum, pois trabalha com a
produção humana da realidade.

No terceiro capítulo, dentro da vastidão da produção humana,


entendemos que Vico se debruçará, sobre as de cunho cultural.
Enfatizando sobretudo a linguagem em suas mais variadas formas
como capaz de servir de “fio de Ariadne” na compreensão da forma de
ver e entender o mundo dos antigos. Vico entende que o “historiador-
filólogo” será capaz penetrar na mente dos antigos considerando que
este é fruto dessa evolução.
51

Vico destacará o valor das fontes míticas neste processo de


desvelamento do passado obscuro, que se apresentam como
monumentos arqueológicos propícios a aplicação de um bem dosado,
esforço imaginativo relacionado a contextualização histórica. Vemos
nisso, conforme explicitado no terceiro capítulo deste estudo, a
antecipação, por parte de Vico, do debate e validação das fontes
míticas para o conhecimento histórico, e a importância disso para a
História Cultural.

Por fim buscamos realizar uma síntese sobre os principais conceitos


da História Cultural e consideramos aspectos do pensamento e obra de
Vico destacando: [1] a crença de Vico na história como verdadeira
ciência capaz de obter o conhecimento do real por ser produzida pelo
próprio homem ou o seu verum factum ou seja o homem pode
conhecer somente aquilo que cria, reconhecendo nisso a valorização de
toda a produção humana como fonte histórica, [2] neste sentido a
importância de revisitarmos fontes de cunho poético e mítico que por
meio da abordagem do imaginário podem fornecer informações
verossímeis sobre os homens antigo, e [3] a inclusão da obra de
Giambattista Vico no quadro de obras de referência para o
desenvolvimento teórico da História Cultural.

A Ciência Nova , foi traduzida e editada no Brasil somente em 1999,


mais de dois séculos depois de sua publicação, muito ainda está para
ser estudado e “garimpado” neste trabalho fenomenal. Vemos que Vico
ainda pode contribuir muito para estudos sobre sua teoria do processo
histórico ou os ciclos viquianos, também suas idéias sobre os mitos
gregos e romanos podem nos levar a uma melhor valorização e leitura
de fontes culturais, principalmente relacionando com representação e
imaginário.
52

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERLIN, Isaiah. Vico e Herder. Brasília: Editora UNB, 1982.

BOSI, Alfredo. Vico: vida e obra. In Vico. Tradução de Antonio Lázaro de


Almeida Prado. São Paulo: Nova Cultural, 1988. Coleção "Os
Pensadores". Tradução parcial.

BURKE, Peter. Vico. São Paulo: UNESP, 1997.

DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos, e outros episódios da


história cultural francesa. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

DUBOIS, Claude-Gilbert. O imaginário da renascença. Brasília: UNB,


1995.

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um


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