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Filipe Speck
Florianópolis
2009
FILIPE SPECK
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Jorge Kanehide Ijuim– Departamento de Jornalismo
Profª Drª Raquel Longhi – Departamento de Jornalismo
Profª Drª Aglair Bernardo - Orientadora
Para Michel Maffesoli, teórico que formulou os conceitos que me servem de base
para minhas análises sobre o microblog Twitter, a vida é acaso e compromisso. A
história das motivações e da produção desta monografia é, de fato, a constatação dessa
sentença. No penúltimo semestre da faculdade de Jornalismo, quando tinha o projeto
para a elaboração do meu Trabalho de Conclusão de Curso pronto – um levantamento da
presença da Petrobrás nos jornais impressos –, assisti à defesa do amigo Manfred
Mattos sobre as considerações do teórico Martín Barbero em relação às novas
tecnologias. Na banca examinadora estava a professora Aglair Bernardo, que, quando
teve a fala, inundou-me de inquietações. Foi em novembro de 2008. Ao final da banca,
procurei-a para pedir o inusitado: topar um novo projeto para o próximo semestre, com
a metade do tempo mas um empenho múltiplo. Pelo aceite, dedicação, por me
apresentar Maffesoli e pela amizade, levo meu agradecimento fundamental à Aglair.
Graças àquela atitude acolhedora, o acaso tornou-se compromisso e acabou resultando
neste trabalho escrito nas páginas que seguem.
Como este foi meu último trabalho na faculdade, não posso deixar de agradecer e
oferecer todo meu amor e carinho aos meus pais, Edson e Eloisa, que sempre confiaram
no meu trabalho e nos meus sonhos. A eles eu devo não apenas minha formação, mas
minha essência e vontade, herança mais preciosa que me deram. À minha irmã, Bárbara,
companheira de viagem, a amizade e a confidência.
Meu agradecimento se estende a todos aqueles que acompanharam o trajeto
solitário de minha pesquisa: Manfred Mattos, pela fecundação de um projeto; Karine
Cupertino, companheira que cutucou meu texto e me inspirou pela paixão que dividimos
pela arte e pela vida; Bruna Wagner, Guilherme Carrion, Felipe Santana, Camila
Brandalise, Juliana Gomes, João Munhoz, Eduardo Lages, Cristiane Barrionuevo, Isadora
Peron, Gustavo Bonfiglioli, Cauê Cato, Fernanda Friedrich, Manuela Franceschini, Samia
Barbosa, Andressa Taffarel e àqueles que virão, indignados, reclamar a ausência do
nome. Agradeço a todos os amigos que, pela força do instante, sempre serão os melhores
no momento que eu os tenho.
5
Apresentação ...................................................................................................................................................... 7
1. Quem você está
seguindo? .......................................................................................................... 12
1. Construindo o
objeto .............................................................................................................. 12
2. Da socialidade à
cibersocialidade ..................................................................................... 17
3. Pós-modernidade e cultura em
redes ............................................................................. 21
4. Sujeito-
usuário .......................................................................................................................... 25
2. Quem está seguindo
você? .......................................................................................................... 30
1. Rito e troca no
presente ........................................................................................................ 30
2. Neotribalismo na
rede ........................................................................................................... 34
3. Nomadismo, uma
tendência ................................................................................................ 40
4. As formas criadas pelo
Twitter .......................................................................................... 44
Considerações finais ..................................................................................................................................... 47
Referências ....................................................................................................................................................... 49
7
APRESENTAÇÃO
2 http://www.twitter.com
tornou-se um campo de pesquisa extremamente fértil e promissor, mobilizando e
colocando em interação campos disciplinares os mais diversos. Entre essas
aproximações, vale destacar, para efeito desta análise, os diálogos promovidos entre a
Comunicação e as Ciências Sociais, mais especialmente a Antropologia (Rifiotis, 2008:
20). É com base nesses diálogos que procuro orientar as reflexões contidas nas páginas
seguintes, entendendo o Twitter – e também outros sites de redes sociais como o Orkut3,
o Facebook4 e o MySpace5 – como uma plataforma tecnológica que subverte as
limitações convencionais espaço-temporais do real (Lévy, 1999). A partir da perspectiva
interdisciplinar, o presente trabalho, caracterizado como um estudo de caso, analisa as
relações produzidas no Twitter tomando como referência teórica mais ampla os
conceitos de socialidade, presenteísmo, tribalismo e nomadismo, tratados pelo
sociólogo francês Michel Maffesoli.
Parto do pressuposto de que as relações sociais produzidas no Twitter acentuam o
sentimento de estar-junto6, noção formulada por Maffesoli ao se referir aos novos tipos
de sociabilidades que emergem nas sociedades contemporâneas, dando ênfase à
valorização do presente e à efemeridade dessas interações. Tal abordagem tem sido,
igualmente, seguida por outros pesquisadores, ao identificarem as possibilidades de
interações sociais geradas no Twitter. Para o futurista do Vale do Silício, Paul Saffo, a
ferramenta reverte a noção de ajuntamento: “Em vez de criar o grupo que deseja, o
indivíduo envia uma mensagem e o grupo monta a si próprio"7. A observação de Saffo,
semelhante às questões problematizadas por Maffesoli, chama atenção para o caráter
contextual e presenteísta das interações construídas através dessas novas ferramentas,
assim como sua ênfase na componente tribal e nas agitações nomádicas possibilitadas
pela navegação na internet.
3 http://www.orkut.com
4 http://www.facebook.com
5 http://www.myspace.com
6 O termo estar-junto é uma tradução para o francês être-ensemble, que significa ser ou estar junto. O termo
será utilizado várias vezes ao longo da monografia e deve ser compreendido como a vontade ou o sentimento
de uma experiência em conjunto.
7 Reportagem do The New York Times publicada em 14 de abril de 2009 pela jornalista Claire Cain Miller. Ver
bibliografia.
9
A opção por Maffesoli como referencial teórico para a análise do Twitter justifica-
se pela compreensão de que a tecnologia contemporânea presente na CMC está disposta
como um instrumento de novas formas de sociabilidade e de vínculos associativos e
comunitários (Lemos, 1999: 10). Vale ressaltar que a noção de socialidade dá conta de
uma série de fenômenos sociais contemporâneos cujas formas de agrupamento não se
dão mais necessariamente tendo em vista um projeto coletivo e uma ideologia comum.
Em vez de organizarem-se em torno de um conteúdo programático e dogmático para
atender a uma demanda respaldada por uma ideia de futuro, organizam-se a partir de
redes de relações sociais e com a possibilidade de o indivíduo participar em variadas
redes simultaneamente, não necessariamente consensuais entre si, sugerindo uma
pessoa multifacetada e construída a partir de várias ordens de interesse.
Nos estudos sobre o ciberespaço há uma série de categorizações para ascender
uma suposta transição da modernidade para um novo momento (Segata, 2004: 29). A
cibercultura, presente nos estudos de Lévy e Lemos, é uma área que sugere uma
ampliação da conquista que reside em um novo momento, classificado por vários
autores, entre eles Maffesoli, de pós-modernidade. O pesquisador André Lemos,
8 A palavra francesa reliance, que em português significa “religação”, é proposta por Maffesoli como forma de
compreensão de como, na socialidade, se dá a relação com o outro: um laço que garante a existência.
estudioso da pós-modernidade nas tecnologias e na rede9, prenuncia que há, na obra do
francês, uma inversão na apropriação entre técnica e social. Para ele, a forma técnica
negocia com social, e há uma espécie de transformação da apropriação técnica do social,
típica da modernidade, para uma apropriação social da técnica, mesmo que de forma
complexa e imprevisível, na pós-modernidade. O Twitter, além de demonstrar a
apropriação do social pela técnica, já constatado em outras ferramentas mais
tradicionais da rede, avança no sentido de dar, às relações sociais, mais imersão no
território virtual ao permitir que uma comunicação possa ser feita de forma instantânea
e agrupada.
Para Maffesoli, a técnica possibilitada pela rede não se apresenta como
instrumento de alienação. Enquanto a noção de individualismo é cada vez menos
presente por conta das novas formas de ajuntamento, Maffesoli vislumbra a
consolidação de um novo estilo comunitário, no qual comunicação e técnica servem ao
contato e ao cimento social (Silva, 2004: 44). Ele mesmo observa que o maciço
desengajamento político notado em nossos dias não significa uma acelerada destruição,
mas o indício de uma vitalidade renovada (Maffesoli, 1987: 85). A socialidade emerge,
justamente, no espaço deixado pela morte do político, apresentando uma farta cadeia de
fenômenos que Maffesoli considera como decorrentes da mesma “vitalidade” social.
É importante salientar que seria uma aventura inglória buscar e classificar
objetivamente todas as caracterizações relacionadas à socialidade. O mapa de análise
que proponho responde apenas à demanda dessa breve pesquisa, enfatizando a
possibilidade e a potência do conceito para a interpretação do fenômeno Twitter.
A monografia está dividida em dois capítulos. No primeiro, entitulado “quem você
está seguindo?”, pretende explicar a socialidade como meio de compreensão da ligação
das pessoas na sociedade contemporânea e no ciberespaço, além de ambientar o
panorama atual das pesquisas em microblog, redes sociais e a antropologia na rede. A
pergunta dessa primeira parte serve para ilustrar que a socialidade está evidenciada nas
relações sociais construídas pela internet e nos vetores de identidade e movimento que
fazem parte do processo de agregação. O capítulo explica como funciona a ferramenta
do Twitter, descreve a origem, apresenta a metodologia da pesquisa e a delimitação
9 Professor associado da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Lemos foi orientado por Michel Maffesoli nas
pesquisas da dissertação de mestrado e da tese de doutorado, títulos obtidos na Université Paris V (René
Descartes), onde o francês atua até hoje.
11
1. Construindo o objeto
“Inventa-se um mundo cada vez que se escreve.”, 44 caracteres.
11 O’Really Media é uma editora norte-americana de livros criada por Tim O'Reilly. Além da publicação de
livros, desenvolve sites de Web e organiza congressos. Seus trabalhos são dedicados a área de computação.
15
contudo, que não há uma diferenciação tecnológica muito grande pois a Web 2.0 utiliza
componentes criados antes mesmo do surgimento da Web. Mas o interesse do atual
estudo é diferenciar que há uma substancial mudança nas apropriações e na forma
como desenvolvedores e usuários encaram essas mudanças.
Os microblogs, como é o caso do Twitter, funcionam com ferramentas da família
Web 2.0. Em um artigo onde define seu histórico e características, Gabriela Zago afirma
que o microblog é uma aplicação da internet que mescla a rede social e as mensagens
instantâneas. Partindo da ideia do blog, permite postagens em tamanho reduzido. A
característica que o transforma em uma rede social é a de autorizar os usuários a
criarem um perfil público na web, interagirem com outras pessoas e mostrarem sua
rede de contatos (Recuero & Zago, 2009). Já a noção de mensagem instantânea vem do
fato de que essas mensagens podem ser postadas não apenas de um computador ligado
à internet, mas também a partir de outros dispositivos móveis, como o telefone celular,
sendo publicadas no instante mesmo em que são enviadas.
Lançado em 2006, o Twitter é uma plataforma de microblog que permite a
postagem de mensagens de até 140 caracteres. Na internet12, os usuários criam perfis
com endereços e elaboram o post respondendo à pergunta What are you doing?13. Para
ler o que outras pessoas publicam, o usuário precisa estar seguindo, ou following14 os
demais perfis. Dessa forma, as mensagens publicadas pelo outro usuário saem no
timeline15, área do site para locar, cronologicamente, os tweets16 dos usuários e permitir
que outras pessoas possam acompanhar as mensagens. As postagens enviadas por um
usuário podem ser acompanhadas por qualquer outro, usando a mesma função
following. Na página inicial de quem estiver sendo seguido, cada usuário que optar por
seguir o perfil aparecerá no indicador followers17, conforme a Figura 1:
12 Embora a movimentação no Twitter seja majoritariamente pela internet, a limitação das mensagens em até
140 caracteres tinha o intuito de permitir que os usuários interajam utilizando aparelhos de conexão móveis,
como o celular.
14 Seguindo, em português.
17 Seguidores, em inglês.
Figura 1: Na página inicial de um perfil no Twitter, a pergunta “What are you doing?” com o box para
redigir a mensagem. Logo abaixo, as últimas mensagens dos following dispostas cronologicamente; área
também conhecida como timeline. Na direita, os indicadores de quantas pessoas o usuário está seguindo,
os following, e o número de followers (seguidores) que acompanham as mensagens que o usuário publica.
Desde março de 2007, quando ganharam o Web Award18, o Twitter foi considerado
“a mais recente e popular manifestação da ‘cultura snack’19, que privilegia a brevidade
dos textos, a mobilidade dos usuários e as redes virtuais como entorno social
emergente” (Orihuela, 2007, online). Para o pesquisador em cibercultura, Alex Primo, o
sucesso do Twitter, com mais de 50 milhões usuários até o dia 1º de junho de 2009,
deve-se a funcionalidades intrínsecas à Web 2.0. Para ele, mesmo com as deficiências da
interface e da usabilidade, que se mostravam precárias no lançamento da plataforma, a
abertura do sistema, outra característica da Web 2.0, permitiu que uma série de serviços
19 A cultura snack é uma expressão amplamente utilizada na internet que faz referência ao consumo de
conteúdo cada vez mais rápido e superficial e baseado em um mundo cada vez mais digital.
17
fossem oferecidos por outras pessoas, o que garantiu a expansão da prática de twittar20
(Primo, 2009, online).
A rápida expansão e sucesso atribuído à utilização do Twitter pode ser percebida
como parte de um conjunto de práticas culturais contemporâneas que tendem ao
agrupamento social, caracterizadas pela noção de socialidade proposta por Maffesoli.
Para o francês, diferente da sociabilidade, mais identificada a uma resposta político-
econômica das pessoas às demandas mundanas, a noção de socialidade remete às
manifestações cotidianas nas quais o estar-junto caracteriza-se pela fluidez e
imediaticidade dos encontros, enfatizando temáticas relativas ao cotidiano e suas
banalidades através de redes de relações sociais sem necessariamente se organizarem
tendo em vista uma ideologia comum, consensualidades, entre outros aspectos
característicos das dinâmicas presentes nas formas sociais clássicas, como os
movimentos sociais. Ainda que o Twitter tenha ganhado um caráter mais informacional
com postagens que não necessariamente respondam à pergunta “o que você está
fazendo?”, as práticas de troca e a propriedade instantaneísta e presenteísta das
mensagens possibilitam dividir as banalidades e o cotidiano entre os participantes da
rede social, buscando uma certa cumplicidade nos moldes que André Lemos apresenta
no artigo A arte da vida, sobre a apropriação das webcams e dos blogs como diários
pessoais:
A vida comum transforma-se em algo espetacular,
compartilhada por milhões de olhos potenciais. E não se
trata de nenhum evento emocionante. Não há histórias,
aventuras, enredos complexos ou desfechos maravilhosos.
Na realidade, nada acontece, a não ser a vida banal, elevada
ao estado de arte pura. (Lemos, 2002, online)
Além das características acima citadas, convém chamar atenção para suas
características tribais, no sentido que Maffesoli imprime ao termo, e seu caráter
nomádico, considerando que os seus usuários transitam fluidamente sem fixação
territorial no universo da cibercultura, explorando seus vários ambientes.
2. Da socialidade à cibersocialidade
20 Os usuários do Twitter, para identificar a prática dentro da plataforma, criaram o verbo twittar, que significa
mandar um tweet. Com a verbalização, surgiram expressões para designar todos os envolvidos com esse tipo
de ação, como twitteiro (aquele que twitta) e twittosfera (ferramentas que envolvem o Twitter).
“O social é impulso e compromisso.”, 33 caracteres.
Para Michel Maffesoli, dar conta da agitação do social que se configura no dia-a-dia
da atualidade é garantir, como ele diz, o “futuro de nossas disciplinas” (Maffesoli, 1987:
102), referindo-se aos novos objetos de pesquisa que se apresentam na cultura
contemporânea e aos desafios teóricos e metodológicos que se impõem nesses novos e
diferentes encadeamentos. É nesse contexto mais amplo de inquietações que inscrevo a
plataforma de relacionamentos do Twitter e onde, também, situo a internet como um
lugar privilegiado para se observar as dinâmicas sociais contemporâneas. Recupero aqui
o estudo desenvolvido pela pesquisadora Aglair Bernardo, que em sua dissertação de
mestrado sobre um sistema de interligação múltipla por telefone, defendida em meados
da década de 90, observou como as novas tecnologias de comunicação estavam cada vez
mais se caracterizando pela fluidez, dispersão, por ajuntamentos pontuais e por um
forte envolvimento emocional na construção de interações entre os usuários,
caracterizando-as como “novas formas de socialidade” (Bernardo, 1994: 152), ao seguir
o instrumental teórico de Maffesoli.
Em linhas gerais, a socialidade é, para Michel Maffesoli, o coletivo das práticas
cotidianas que estão fora do alcance social rígido, deslocando a perspectiva das relações
para uma noção mais hedonista, tribal e enraizada no presente (Lemos, 1999: 13). Para
ele, a emancipação teórica da noção de socialidade reside na sua diferenciação com a
noção de sociabilidade. Enquanto a sociabilidade dá, ao indivíduo, uma atividade na
sociedade, “a funcionar no âmbito de um grupo político-econômico”, a socialidade
manifesta-se na representação dos vários papéis que o indivíduo atua tanto dentro da
sua atividade profissional quanto no interior dos múltiplos grupos em que se socializa
(Maffesoli, 1987: 108). A ideia de múltiplas identidades, distanciada da noção de
imobilidade que persistiu durante a modernidade, dá o tom da urgência pelo momento
presente, colocando ênfase na “potência subterrânea” vida social e nos infinitos
desdobramentos do cotidiano em cada atuação. A importância de marcar o presente
para Maffesoli baseia-se no fato de que existe, no agora, uma propulsão “que transcende
as trajetórias individuais” e tornam-nas fração de um sistema ajustado, “sem que a
vontade ou a consciência tenham nisso menor importância” (ibidem: 107).
19
22 Os estudos sobre o fato social e a religião, de Émile Durkheim, representaram um legado importante não só
para o estudo da religação de Maffesoli como inclusive para toda a sociologia moderna.
23 Georg Simmel foi um sociólogo alemão que atuou entre o final do século XIX e o início do século XX.
Desenvolveu a sociologia formal, ou das formas sociais, influenciado pela filosofia de Kant, corrente muito forte
na Alemanha da época. Nos seus estudos, distinguia a forma do conteúdo dos objetos de estudo do
conhecimento humano. Com isso, pretendia possibilitar a compreensão da vida social, já que no processo de
sociação (termo que cunhou para o estudo da sociologia) o invariante eram as formas em que os indivíduos se
agregavam e não os indivíduos em si.
21
estudo sobre a plataforma do Twitter, supõe percebê-lo como não apenas um suporte
tecnológico, mas, sobretudo, como um espaço onde ocorre a interação de e entre
sujeitos, deixando de ser intermediário para tornar-se intermediador. (Rifiotis, 2008). A
CMC vira, desse modo, um espaço de conexão, por anular barreiras físicas e temporais e
pela polissemia estética que vetoriza as relações cotidianas na socialidade ao
apresentarem, na superficialidade da conexão, ou seja, na interface de um perfil do
Twitter, uma aparência que fecunda a agregação. Conforme Lemos, o ciberespaço é o
condensador das variadas formas técnicas, pois corresponde a um território que, pela
sua forma e possibilidade de laços, sintetiza e potencializa a estrutura social de
conexões tácteis (1999: 15). Essa relação entre técnica e social, enquadrada na produção
social dentro da forma, é que vai nortear a concepção de uma cibersocialidade24, ou
seja, uma socialidade onde proxemia e religação acontecem, necessariamente, imersas
em e no universo técnico da rede mundial de computadores. Conforme Lemos:
24 O conceito de cibersocialidade, criado para delimitar a socialidade no ciberespaço, foi proposto por André
Lemos no livro Cibercultura - Tecnologia e Vida Social na Cultura Contemporânea.
3. Pós-modernidade e cultura em redes
“[...] é na esquina da rua que encontram, [...] aquele pequeno pedaço do mundo com
que sonharam e para o qual imaterialmente se transportaram.”, 140 caracteres.
prisma do nascimento de uma nova sociedade, e Paul Virilio25, que chama atenção para o
teor de voyeurismo e controle social (Rifiotis, 2008)26 que se apresentam nesse universo.
Ainda que considere relevante as considerações e preocupações apresentadas por
Virilio, interessa-nos, aqui neste estudo, a cibercultura como a negociação entre técnica
e social que vetoriza as situações cotidianas dentro do ciberespaço, conforme visto
anteriormente. Esse escambo entre sócio e técnico traduz a visão pós-modernista de
Maffesoli na cibersocialidade: houve a alternância da apropriação técnica do social,
notoriamente moderna, para uma apropriação social da técnica, dando autonomia social
e mobilidade para os usuários. Essa inversão da apropriação, considerada por André
Lemos como o argumento de entrada para o pós-moderno, é uma manifestação
recorrente nas novas tecnologias de comunicação. Desde o telefone celular até o Twitter,
o caráter cada vez mais tecnicista da sociedade faz com que os aparatos sejam, do ponto
de vista identitário, tão humanos que se aderem à aparência:
25 Paul Virilio é um filósofo francês. Em linhas gerais, seu pessimismo em relação à internet se define pela
consideração do autor de que a rede nos leva à perda da noção da realidade, quebrando distâncias e
territorialidades, e ainda proporcionando uma quantidade absurda de informações.
27 Segundo pesquisadores em cibercultura, (Castells, 2003; Lemos, 1999; Santaella, 2004a), a internet nasceu
na década de 60 com a busca do exército norte-americano em projetar um sistema de comunicação
invulnerável a ataque nuclear. Tiveram, então, a ideia de unir os computadores em rede, permitindo que os
dados ficassem disponíveis a todos os que tivessem acesso ao sistema conectado. Em 1969, um processador de
mensagens foi construído em um microcomputador da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. A CMC
começou a se ampliar em larga escala, nos Estados Unidos, entre pós-graduados e corpo docente das
universidades do início dos anos 90.
25
constitui uma vasta rede que liga os indivíduos entre si” (Maffesoli, 1987: 113). O
sociólogo sublinha que o potencial de agrupação, ou a “propensão de agrupamento”
faz parte de um tribalismo presente na essência humana e que, dependendo da época, é
mais ou menos valorizado. Em um período quando há o predomínio das ferramentas de
interatividade e hiperlink, ferramentas latentes da cibercultura que favorecem a
mobilidade do arranjo social, as redes retomam “as funções de ajuda mútua, de
convivialidade, de comensalidade, de sustentação profissional e, às vezes, até mesmo de
ritos culturais que caracterizavam o espírito da gens romana” (ibidem: 98).
A concepção agregadora da rede torna-a compatível com a concepção de
tribalismo de Maffesoli, ambas identificadas como sendo características marcantes da
sociedade contemporânea. Para a formação dessas tribos, que seriam antes indivíduos
dispersos e sem conexão, a comunicação assume a estrutura básica do laço social. Se
considerarmos o ciberespaço como um território onde as pessoas navegam
dispersivamente, ferramentas como Twitter criam o espaço-comum da cibercultura,
cuja troca de tweets entre os usuários levaria à religação fundante da socialidade. A
estruturação dessa rede em um universo neotribal por conta dos microcomputadores
será aprofundada no estudo do neotribalismo em Maffesoli, no capítulo dois.
4. Sujeito-usuário
“O culto do corpo, os jogos de aparência, só servem porque se inscrevem numa cena
ampla onde cada um é, ao mesmo tempo, ator e espectador.”, 136 caracteres.
formas também no Twitter. Acompanhar, por essa rede social, os amigos e dividir
endereços eletrônicos, por exemplo, simulam um tipo de identidade muito próximo
àquele da conversa informal em uma situação real do cotidiano. Uma outra situação
onde usuários criam personagens fakes de celebridades, como é o caso dos perfils
@vitorfasano29 e @hebecamargo30, com mensagens contendo o cotidiano simulado e
opiniões que criam relações lúdicas com os estereótipos das celebridades. Um tweet de
@hebecamargo, por exemplo, dizia “Estarei amanhã na Campus Party pra dar um oi pras
gracinhas e depois no desfile da Neon no Fashion Week”31, empregando chavões dos
artistas – no caso o vocativo ‘gracinha’ – para produzir um código de pertencimento à
celebridade em questão. O perfil fake, nesse sentido, é apenas um exemplo, entre tantos
outros, das múltiplas identidades assumidas no Twitter. De fato, o ciberespaço tornou-
se um possibilitador de outras vivências, motivando as mais variadas manifestações
identitárias dos usuários e assumindo a contradição sem abrir mão de desejos.
A estética das máscaras do ciberespaço é comumente conhecida por avatar. O
termo é utilizado para identificar o perfil de um usuário, como é o caso da rede social
Twitter, cuja página de cada usuário contém o nome do proprietário, o espaço para uma
pequena imagem, a localização, a descrição do usuário em 140 caracteres e um link de
conexão com algum endereço eletrônico – no caso dos twitters pessoais, costuma-se
postar o endereço do blog; em instituições, coloca-se, com freqüência, o endereço virtual
com mais informações sobre o dono do perfil. A origem do avatar tem tudo a ver com o
transitório do sujeito no ciberespaço. Apropriado do sânscrito, refere-se originalmente à
ideia indu de uma deidade que desce à Terra em forma encarnada (Santaella, 2004a:
121). Da mesma forma, um usuário apropria-se dessa encarnação para transitar em um
mundo paralelo, ou virtual, o ciberespaço. Por isso é considerada uma espécie de
máscara que, na rede, assume a fragmentação e o trânsito das identidades:
30 http://www.twitter.com/hebecamargo
Ainda que seja considerada a unidade mínima de uma rede, é imprescindível notar
que o usuário só constrói um perfil para que haja a visualização e a construção
imaginada por um outro usuário. Isso confirma aquilo que Maffesoli vai apresentar no
livro Sobre o Nomadismo, que será discutido mais profundamente no próximo capítulo,
de que “o sujeito não existe a não ser na relação (nas relações)” (Maffesoli, 2001: 30). A
subjetividade apresentada em forma de laço reitera a posição da comunicação entre
usuários como elemento fundante de uma socialidade, argumento central deste trabalho
para discutir determinadas práticas sociais na sociedade contemporânea. Vale insistir
que, diferente da característica do social, onde o indivíduo manifestava-se “no âmbito de
um partido, de uma associação, de um grupo estável”, a socialidade anuncia que a
pessoa:
Como já foi argumentado, a religiosidade, por seu poder coesivo, tem relação
íntima com a teatralidade. Com relação ao usuário, é importante ressaltar que essa
religiosidade integra os sistemas comunicacionais tecnológicos, pois representa uma
extensão da identidade do avatar, oferecendo uma relação mais concretizada com
aqueles que dividimos dados, conversas, fotos ou, até, vídeos na internet. André Lemos
considera que “os adeptos das webcams e os diaristas digitais querem participar, com o
que têm, do fluxo mundial de informação. Trata-se, é certo, de uma religiosidade social
que me faz aderir ao outro” (Lemos, 2002, online), comungando experiências.
Uma última consideração que precisa ser feita sobre esse sujeito-usuário é o
estudo sobre o capital social dos internautas. Refere-se ao conjunto de recursos
coletivos associados a uma rede de atores sociais, valores que fazem com que um ou
outro usuário tenha maior ou menor poder dentro da rede. Nesse ponto, é importante
salientar que as pesquisas relacionam o acesso à informação e o estabelecimento de
conversações entre os atores como os principais fatores relacionados à apropriação do
Twitter. (Java et al., 2007). O capital social é o valor desses aspectos que fazem com que
os atores atinjam seus interesses, como conseguir alastrar uma informação pelos
retweets35 ou somar o maior número de followers para que consiga uma amplificação
33 Dados da pesquisa de Raquel Recuero, ver referências em Pesquisa sobre o Twitter I. Em um questionário
virtual feito pelo Twitter, Recuero obteve 886 respostas e descobriu que 78,6% dos respondentes tinha entre
20 e 30 anos.
34 Reportagem Michel Maffesoli lança na Bienal do livro em que analisa o dualismo, da Folha Online. Ver
referências.
35 O retweet é uma função utilizada para identificar que o tweet publicado foi escrito por um outro perfil que
não o que twitta. Nas mensagens, fica sinalizado um retweet quando se escreve RT ou via anterior ao nome do
usuário que publicou inicialmente o texto.
melhor na emissão da mensagem. Entre os valores identificados, Raquel Recuero
classifica de acordo com os fatores de agregação, conversacional e informacional. Entre
os conversacionais, aparecem suporte social, laços sociais, reputação e visibilidade. Para
os twitters informacionais, Recuero considera o acesso à informação, reputação,
visibilidade, popularidade e conhecimento (2009c: online). Embora não seja o foco desse
estudo levantar a usabilidade desses valores de capital social no estudo da socialidade
do Twitter, considero notável a semelhança do ciberespaço com a metrópole, ambos tão
teatrais e com as mesmas condições de agregamento, conforme a análise maffesoliana.
36 Segundo Juremir, Maffesoli, ao longo de sua obra, relaciona a socialidade com “tribalismo, religação, estar-
junto, efervescência social, ideal comunitário, orgiástico, dionisíaco, conjunção social, comunhão, laço social,
cultura do sentimento, nomadismo, imaginário (que para ele é sempre social), contraditorial (as terminações
em “al” significam para ele interações orgânicas, intensas e profundamente sentidas em comum), “coincidentia
oppositorum”, jogo social, formismo, sinergia, harmonia conflitual, diversidade, equilíbrio de antagonismos,
aparência, teatralidade, estilo, vitalismo, aura, ética do estético, socialidades eletivas, sinceridades sucessivas,
redes, politeísmo, proxemia, pluralismo, cimento social, cola do mundo, empatia, preeminência do todo,
nomadismo comunitário, pluralidade da persona, conflito estrutural, jogo duplo, fusão, atração, instante,
presenteísmo, trágico, vida social, vivido, senso comum, divino social, força imaginal, identificação (fluida, em
oposição à rigidez da identidade), subterrâneas, “nós” fusional, “ambiência”, comunhão virtual, compreensão,
hedonismo, relativismo, narcisismo, festa, potência, “carpe diem”, barroco, tato, razão sensível e hibridismo”
(Silva, 2004: 44-45).
37 Minitel é um serviço da telefonia francesa anterior à internet, mas que não chegou a se desenvolver além
das fronteiras do país, provavelmente pelo enorme predomínio mundial do concorrente mais moço. Dentro da
França, porém, o serviço Minitel continua a funcionar, embora, aparentemente, sem perspectivas de um
desenvolvimento maior. Boa parte das pesquisas sobre a influência da tecnologia na sociedade contemporânea
de Maffesoli nasceram das análises de como o sistema criava um novo tipo de relação entre as pessoas.
permitem uma multiplicação das relações através, apenas, do jogo da
proxemia: alguém me apresenta a alguém que conhece outro alguém
etc...” (Maffesoli, 1987: 35)
39 Da reportagem Putting Twitter’s World to Use, do The New York Times. Ver referências.
33
40 Lorenz Von Stein foi um economista, sociólogo e educador alemão do século XIX.
se a troca com os outros para que coexista uma comunidade. Qualquer espécie de
relação é garantida com uma comunicação que, conseqüentemente, leva a uma troca
material ou não. No caso, o Twitter estabelece, pelos tweets, direct messengers e replyes
uma troca que perpetua a coesão social entre os usuários. Evidentemente que, no caso
deste objeto de pesquisa, considero um terreno ocupado por uma contingência limitada
de usuários que efetuam essa troca. Assim, é preciso esclarecer que a comunidade de
usuários da rede social deriva de sua audiência específica e as trocas entre usuários são
relativas às especificidades do público que utiliza a ferramenta. Segundo Recuero, a
apropriação no Twitter é dada majoritariamente por pessoas que já estão online41
(Recuero, 2009b), que dominam as propriedades da rede social e que trabalham com
webnarrativas, como é o caso dos blogueiros.
A importância de pontuar o público específico vem do pressuposto de que é dele a
autoria das senhas e dos sinais de reconhecimento que permitem a comunicação de
base. Nele, há um “discurso paralelo ao discurso político, científico, racional e que,
através dos rumores, dos mexericos, dos fantasmas, traduz a angústia do tempo que
passa” (Maffesoli, 1984: 67). Independente da tribo em questão, o fator finito do tempo
retoma a iminência da morte, por isso o cotidiano é repleto de ritos repetitivos,
“mecanismo das criações minúsculas, essas situações da vida cotidiana, é, nesse sentido,
um domínio ideal onde se pode ver a repetição tomar-se criação ou recriação” (ibidem:
162). A temática do presente não possui outra função senão a de lembrar a forma
invariante que assume o instante, tornando-o uma situação dinâmica, intensa e cíclica:
41 Pesquisas de Recuero apontam que, diferente do Orkut, rede social que se tornou uma porta de entrada
para a internet, o Twitter é um complemento para ferramentas já existentes (Recuero, 2009b, online).
35
2. Neotribalismo na rede
“Não existe na cidade nenhum grupo cujas lealdades não sejam múltiplas”, 70 caracteres.
O Tempo das Tribos, página 204.
42 Jean Baudrillard foi um sociólogo e filósofo francês morto em 2007. Para ele, a “única verdadeira sociedade,
(o) único calor aqui, (é) o de uma propulsão, de uma compulsão coletiva” (Maffesoli, 1987: 107)
agregação, no entanto, deve ser entendida em um sentido mais amplo que o visual,
considerando que todas as sensibilidades coletivas – emoção, sentimento, mitologia,
ideologia etc. – criam uma aura que mobiliza sentimentos e emoções. A “aura” a qual se
refere Maffesoli está contida na nebulosa afetual envolta nas relações, ideias que
remetem à tendência orgiástica da sociedade contemporânea já mencionada no
trabalho. O autor considera que esse tribalismo sempre existiu e que, conforme as
épocas, é valorizado como um vetor diferente:
Importante antecipar que, como pontua Maffesoli ao falar sobre a formação dos
grupos contemporâneos, a relação de socialidade não leva em conta a busca de uma
44 Enquanto Simmel contribuiu fortemente para a herança formista de Maffesoli, Walter Benjamin é outra
fonte de inquietantes discussões para o sociólogo. Uma das principais discussões retomadas por Maffesoli é a
importância do agora nas sociedades contemporâneas.
37
Talvez fosse melhor observar que eles não têm uma visão
daquilo que, em termos absolutos, deve ser uma sociedade.
Cada grupo é, para si mesmo, seu próprio absoluto. Esse é o
relativismo afetivo que se traduzo, especialmente, pela
conformidade dos estilos de vida. (ibidem: 125)
Isso explica como seria possível a criação de várias sociedades eletivas, princípio
estruturador dos grupos que se baseia na atração e na repulsa dos indivíduos. A
dimensão constitutiva dessa sociedade é afetiva, papel já reconhecido pelo sociólogo
Émile Durkheim e que ainda pode ser aplicada à análise das redes contemporâneas. Da
mesma forma que a religação, também balizada pelos estudos sociológicos
durkheimianos, a sociedade eletiva segue como complemento à compreensão da
socialidade por integrar “uma boa parte de comunicação, de fruição do presente e de
incoerência passional” (ibidem: 146), fatores que induzem à repulsa e à atração. No
desenvolvimento tecnológico, essa ambivalência cabe perfeitamente. A prática neotribal
de formação de uma rede de seguidores no Twitter apóia-se na manifestação múltipla
de integração e na recusa afetiva. Embora o ato de eleger quais perfis o usuário vai ou
não seguir aparentemente seja a mais próxima metáfora dessa ambivalência atração-
repulsa, várias outras ações fornecem evidências de que a rede social assemelha-se
fortemente à sociedade eletiva de Maffesoli: a escolha na leitura de mensagens em perfis
aleatórios, os posts de mensagens direcionados a outra pessoa, o ato de retwittar algum
tweet que o usuário considera interessante e deseja dividir com a própria rede etc.
45 No original, há um jogo das palavras francesas lieu e lien, que significam lugar e laço, respectivamente.
46 Aqui, é tomado o conceito de Lúcia Santaella, para quem “uma interface ocorre quando duas ou mais fontes
de informação se encontram face-a-face, mesmo que seja o encontro da face de uma pessoa com a face de
uma tela. Um usuário humano conecta com o sistema e o computador se torna interativo.” (Santaella, 2004a:
91)
47 O usuário tem a opção de deixar a conta aberta ou fechada. Nesta última, permite que apenas os perfis que
a pessoa segue possam visualizar a conta. Não foram encontradas estatísticas com a porcentagem de cada tipo
de perfil, mas, aparentemente, boa parte dos proprietários mantém-no aberto.
39
48 Ver referências, em O Twitter vê e mostra tudo, reportagem da Revista Época. O texto apresenta Grohol
como um “especialista em saúde mental on-line”. O psicólogo tem uma visão pessimista da ferramenta,
acreditando que o serviço “está exacerbando, nas pessoas, a necessidade de ‘sempre estar lá, online’ para não
perder nada”.
50 George Orwell é o pseudônimo de Eric Arthur Blair, um jornalista, ensaísta e romancista britânico da
primeira metade do século XX que escreveu o romance 1984.
43
51 Charles Baudelaire foi um poeta e teórico da arte francês. Desenvolveu o termo flâneur, que refere-se a
uma pessoa que anda pela cidade com o fim de buscar experiências. Em portugês, utiliza-se flanar.
52 3G é a terceira geração de padrões e tecnologias de telefonia móvel, substituindo o 2G. É baseado na família
de normas da União Internacional de Telecomunicações (UIT), no âmbito do Programa Internacional de
Telecomunicações Móveis (IMT-2000). As tecnologias 3G permitem às operadoras da rede oferecerem a seus
usuários uma ampla gama dos mais avançados serviços, já que possuem uma capacidade de rede maior por
causa de uma melhora na eficiência espectral. Entre os serviços, há a telefonia por voz e a transmissão de
dados a longas distâncias, tudo em um ambiente móvel. Normalmente, são fornecidos serviços com taxas de 5
a 10 Megabits por segundo. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/3G
citando W. Benjamin, o “passeio sem destino” dos viajantes é uma espécie de protesto
contra o ritmo de vida orientado pela produção. Essa resistência leva o viajante a uma
desterritorialização, ou na desconstrução das fronteiras, que desempenharam papel
importante na constituição do imaginário de modernidade. O twitteiro, assim, é um
citadino nômade.
Esse processo, porém, não se reduz a uma atitude espiritual, e Maffesoli lembra
que o corpo é parte indispensável no nomadismo. Por se tratar de uma marca
psicológica profunda de nossa estrutura mental, a dispersão e a errância inferem
quimicamente no processo migratório. O exemplo posto em evidência é o do nomadismo
sexual, que leva a pessoa a se deslocar por um desejo manifestado quimicamente pelo
indivíduo. O anseio intelectual por encontrar manifestações imageticamente
compatíveis com a herança informacional da pessoa também faz parte disso – e, por se
tratar de uma relação cuja troca tem valor simbólico, esse exemplo ilustra melhor como
a interferência corporal constitui um fator definitivo na navegação pelo Twitter –, dando
forças à religação das pessoas por conta da nova ordem proxêmica das redes sociais. Ao
analisar o perfil cognitivo do leitor imersivo do ciberespaço, Lucia Santaella, em
Navegar no ciberespaço, traça algumas evidências dessa intervenção mútua. Para ela,
assim como a leitura no impresso, o texto na tela traz, com seus adendos interativos,
cognições que validam uma experiência:
Para ela, ao procurar traçar um perfil dos usuários da Internet, existem três tipos
de usuários: o errante, o detetive e o previdente, que correspondem, cada um deles, a
um processo inferencial ou tipo de raciocínio. Enquanto o errante vai, por ensaio e erro,
adivinhando o que deve fazer, o internauta detetive caracteriza-se pela busca do sentido
45
Observando esses dois eixos, quis evidenciar que há, de fato, um processo de
ressignificação em evidente constituição por conta das novas formas que a tecnologia
impôs. Para finalizar o estudo, tenho a impressão de o que mais nos cabe é a
constatação, por André Lemos, de que a pergunta “O que você está fazendo” resume o
fim de uma era:
em 1978. De lá pra cá, investe na alegação de que, se antes nós podíamos, seguramente,
ter um perfil delineado, uma profissão segura, o perfil agora do indivíduo é mutante, a
profissão quase não existe e o futuro é incerto (Barros, 2008: 181). Eis a origem do
encadeamento de sua obra: o que vale é o presente. A partir do estudo sobre o cotidiano,
observa a transfiguração do político e a tribalização do mundo, sempre emoldurado por
uma circulação cada vez mais evidente.
Quando comecei o estudo, há quatro meses, também era um nômade desavisado. A
falta de referencial e a característica errante, confesso, eram fatores que angustiavam
minha existência no ciberespaço. Naquela época, fiz uma opção arriscada para um
trabalho de conclusão de curso, pois não conhecia o trabalho de Maffesoli e “surfava”
precariamente nas ondas do Twitter. Mas a experiência do relacionamento como prática
ritualística por conta da valorização do presente, da pergunta “O que você está
fazendo?”, levaram-me sem muita aflição aos fatores que criavam os agrupamentos nas
redes sociais. O estudo serviu para desconstruir minha noção de formalidade dos
relacionamentos e pensar nas possibilidades de significação da existência graças às
infinitas formas de arranjo que eles podem tomar tanto na internet quanto fora dela. Se
antes o errante me angustiava, hoje, passou a me inspirar.
REFERÊNCIAS
Bibliográficas
Webgráficas
Artigos
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