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O homem que tinha uma árvore na cabeça

… continuação

Arbóreo viu que se chamava «Somnium», que significa «sonho» em latim, e,


passando rapidamente os olhos pelas páginas carregadas de caracteres e de desenhos, percebeu
que falava de uma viagem imaginária à Lua, a qual, segundo Kepler já lhe dissera, devia ser
habitada por seres capazes de cavar as grandes crateras que se viam na sua superfície rugosa e
iluminada.
– Deve ser um livro muito belo – comentou Arbóreo.
– E também perigoso – acrescentou Kepler – porque defende ideias raras que não
agradam àqueles que mandam nos reinos desta Terra.
Dizendo isto partiu, misturando-se com as sombras esguias do crepúsculo. De Praga
foi para a cidade de Vurtemberga, onde, disfarçando as lágrimas, encontrou a mãe acorrentada
numa masmorra, acusada de vender ervas misteriosas que alucinavam e faziam enlouquecer. Ele
sabia-a inocente, mas não tinha meios para o provar. Aquele era um tempo de crueldade e de
intolerância. Ninguém ouvia ninguém, ninguém lutava para demonstrar a inocência de ninguém.
Quando regressou a Praga, viajando por campos e aldeias saqueados e destruídos pelo
fogo, já não encontrou a mulher e o filho vivos. Correu para o parque e, porque esta é uma
história triste e desolada, deparou com uma clareira no sítio onde costumava conversar com
Arbóreo. Tinham-no levado.
Um velho carvalho, ali mesmo ao lado, segredou-lhe com grossas lágrimas de seiva a
escorrerem-lhe pelo tronco:
– Levaram-no a ele e a muitas outras árvores, porque dizem que precisam de lenha
para alimentarem as caldeiras e de madeira para construírem torres de assalto e aríetes para
arrombarem portas de castelos. Vou sentir a sua falta. Embora fosse mais árvore que homem,
gostava muito dele. Entendíamo-nos muito bem. Levou consigo pássaros e borboletas, os seus
companheiros de sempre. E também muitas ideias dentro da cabeça.
Kepler não soube o que havia de responder. Era um daqueles momentos em que as
palavras não têm qualquer valor, sobretudo se forem trocadas entre um astrónomo e uma árvore.
Cobriu o rosto com a capa negra, para ninguém o ver chorar, e partiu sem bagagem
para outra cidade.
Voltou a ter-se notícias dele em Sagan, uma cidade da Silésia, onde fazia horóscopos
para o duque Wallenstein. Ele que era astrónomo e não astrólogo, ou seja, cientista e não
adivinho, não deve ter passado com alegria os últimos anos da sua vida, pois ninguém fica feliz
por ter de fazer, só para comer, aquilo de que não gosta, aquilo que vai contra os seus princípios
e desejos.
Todos os dias o duque, sentado no seu trono de veludo e ouro, lhe dizia:
– Que posso esperar hoje dos astros, mestre Kepler? Se não estiverem de feição, nem
me arrisco a deixar o castelo.
E o pobre Kepler fazia das tripas coração e lia nos astros coisas que a ciência
desmentia.
Quando morreu, triste e solitário, ordenou que escrevessem na pedra da sua sepultura:
«Medi os astros, agora meço as sombras. O Espírito volta-se para o céu, o corpo repousa na
Terra».
Há quem garanta que, depois de ser sepultado, apareceu junto da campa uma árvore
que nunca ninguém ali vira antes. Era uma árvore de fruto, com o tronco largo e ramos que
pareciam braços estendidos em direcção ao céu, como se quisessem abraçar as estrelas.
As crianças que faziam rodas à volta da árvore começaram a espalhar a notícia de que
ela falava e de que parecia ter, no meio do tronco, dois olhos de onde escorriam abundantes
lágrimas. Mas ninguém se atreveu a acreditar nelas. Uma das crianças chegou mesmo a ver,
desenhada na casca grossa, a palavra «Arbóreo», mas não sabia o que significava. Ninguém
sabia.
Mais de trinta anos passaram sobre o desaparecimento de Kepler e de Arbóreo até que
nasceu em Inglaterra um menino muito pequeno e doente, tão pequeno que a mãe dizia que
cabia dentro de uma caneca de cerveja. Tinha no rosto tamanhos sinais de doença que parecia
nunca ter visto a luz do sol. Chamava-se Isaac Newton, e deve ter lido no grande livro do céu as
conversas fantásticas de Kepler com Arbóreo. Da sua cabeça não nasceu nenhuma árvore, mas
ideias de luz que transformaram a compreensão do Universo e a vida dos homens.
Diz-se até que foi a uma árvore rara que Newton foi buscar a maçã que usou para
demonstrar a Lei de Gravidade. Explicava ele que a mesma força que atrai a maçã para a Terra
mantém a Lua na sua órbita. Essa maçã tinha um sabor igual ao dos frutos que cresciam na
cabeça de Arbóreo.

***
Nota do Autor

«O Homem que Tinha uma Árvore na Cabeça» não é um livro sobre ciência, embora
nele se fale de três cientistas: João Kepler, Tycho Brahe e Isaac Newton. Os dois primeiros são
contemporâneos, ou seja, viveram na mesma época. O terceiro, dos três o mais célebre, nasceu
doze anos depois da morte de Kepler. Que cientistas foram estes? Tycho Brahe nasceu em
Knudstrup, na Dinamarca, em 1546, e morreu em Praga em 1601. Rico e dedicado ao estudo da
astronomia, ajudou Kepler nos momentos difíceis da sua vida e apontou-lhe o caminho para o
que viria a ser a Lei sobre o Movimento dos Planetas.
Johannes (João) Kepler nasceu perto de Weil, Wurttemberg, na Alemanha, em 1571,
e morreu em Regenburg, também na Alemanha, em 1630. Teve uma vida que a doença, a
pobreza e a guerra tornaram muito dura, mas nunca deixou de estudar e de trabalhar. Sem as
conclusões científicas a que chegou, nunca Isaac Newton teria enunciado o Princípio da
Atracção Universal, que provocou uma verdadeira revolução na Física e na relação do Homem
com a Natureza e com o Universo.
Isaac Newton nasceu em Woolsthorpe, Inglaterra, em 1642, e morreu em Kensington,
Inglaterra, em 1727. Alcançou, com o seu trabalho como matemático, físico e astrónomo,
popularidade e fortuna, sendo considerado um dos génios do pensamento científico. Formulou a
teoria da composição da luz branca, descobriu as Leis da Atracção Universal e, ao mesmo
tempo que Leibniz, achou as bases do Cálculo Diferencial.
Quando se fala do episódio da «maçã de Newton», referido também no fim desta
história, dá-se como verdadeiro o seguinte: um dia o cientista terá visto cair uma maçã,
concluindo que o movimento da Lua se podia explicar por uma força da mesma natureza.
Estendeu essa teoria aos planetas do sistema solar e os cálculos que fez permitiram-lhe
confirmar as leis anteriormente enunciadas por Kepler.
A pequena história que vos quis contar, se alguma coisa tenta dar a ver, é que os
grandes avanços na história da ciência e na vida da humanidade resultaram sempre da soma de
esforços, trabalhos, sonhos e lutas de homens e mulheres que, em muitos casos, nem sabiam da
existência uns dos outros. Havia somente um fio a uni-los: o da inteligência e o da capacidade
de sonhar.
Ao falar de Kepler, Brahe e Newton nada quis ensinar ou explicar. Tentei apenas
contar uma história inventada (Arbóreo nunca existiu) em que também há lugar para figuras
reais, por sinal três cientistas. O resto é poesia, imaginação, gosto de inventar. Inventem, vocês
também, outras histórias a partir desta. As histórias melhores são sempre as que abrem portas
para outras histórias. E já agora, espero que a leitura de «O Homem que Tinha uma Árvore na
Cabeça» crie em vós o interesse pelas coisas da ciência. E também pelas da literatura.

FIM

José Jorge Letria


O homem que tinha uma árvore na cabeça
Porto, Porto Editora, 1991
Adaptação

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