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FACULDADE DE DIREITO
INTERVENÇÃO SOCIAL
E JUDICIAL
PERSPECTIVA PRÁTICA
INDICE
I – Introdução…………………………………………………………………………………………..............5
1 – História Social……………………………………………………………..............................................28
2 – Situação – Problema…………………………………………………………………...........................30
3 – A Intervenção da CPCJP……………………………………………………………………………...32
4 – A Intervenção Judicial ………………………………………………………………………………. 39
IV – Conclusões/Considerações
V – Bibliografia……………………………………………………………………………………………...67
PARTE – I
INTRODUÇÃO
I – INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende mostrar, que embora cada história de vida seja
diferente, existe sempre um padrão comum nos menores em situação de perigo: famílias
desestruturadas, pobreza socio-económica, más condições habitacionais, ausência de
responsabilidades parentais, negligência, maus-tratos, exposição a violência e a
privações múltiplas, dificuldades escolares, abandono precoce e problemas de
comportamento.
Nesta perspectiva, esta investigação reporta-se a todos os jovens que não tiveram
experiências tradicionalmente vistas como fazendo parte de uma infância normal, não
lhes foram dadas as necessidades básicas, como comida, roupa, carinho e conforto, não
tiveram o estimulo e a tolerância que encoraja o crescimento pessoal e o seu
desenvolvimento e não usufruíram de oportunidades para se sentirem queridos e úteis,
vendo por isso, a integração precoce no mercado de trabalho subjacente ao abandono
escolar, como a única solução para poderem contribuir, como pessoas, para o seu bem
estar.
esquecendo que estas situações começam a acontecer cada vez mais cedo e são essas
que nos preocupam.
Porém, convém não esquecer os riscos que se podem correr ao dizer que estas
crianças já não se adaptam às medidas que priorizam a sua escolaridade e que
eventualmente poderiam assumir alguns “ofícios” devido à sua maturidade em muitos
adquirida à “força” para poderem sobreviver no seu dia a dia e prosseguirem a luta sem
desistirem.
Será que ao tratarmos estas crianças como pequenos adultos, devido à tal
maturidade, pode implicar o risco destes terem que assumir outras medidas mais
punitivas por cometerem actos juridicamente puníveis?
Mas será que as Comissões, através das suas medidas conseguem solucionar
o problema destes jovens? Ou terá o Sistema Judicial forma de os resolver?
Foram estas e outras questões que nos propusemos responder tendo em conta
algumas considerações que a nível prático deveriam existir de forma a possibilitar uma
actuação com a mesma eficácia em todas as situações de jovens em perigo.
PARTE – II
1
Cfr. Rosa Clemente, in “Um Novo Olhar Sobre a Criança – Um Direito Novo de Promoção de Direitos
e de Protecção”, Revista Intervenção Social, n.º 17/18, 1998, pág. 20
Posteriormente, veio a ser retomada a ideia inicial de 1974, pelo Decreto-Lei n.º
189/91 de 17 de Maio, que veio institucionalizar as Comissões de Protecção de
Menores.
5
Cfr. Maria Teresa Sousa, in “Competências das Comissões de Protecção de Menores para a Aplicação
e Revisão de Medidas por elas Promovidas”, Revista Infância e Juventude, n.º 3, 1998, pág.8
6
Na OTM os menores que cometem crimes devem ser tratados exactamente nos mesmos termos que as
crianças com outras dificuldades de integração social, mas que não infringem a lei penal, ou que
simplesmente se encontrem em perigo, dadas as condições em que vivem. Vide Eliana Gersão, in “ As
Novas Ideias de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo e de Tutela Educativa – Uma Reforma
Adequada aos Dias de Hoje”Revista Infância e Juventude, n.º 2, 2000, pág. 28
7
Eliana Gersão, 2000
8
Definição da Comissão Interministerial para o Estudo da Articulação entre os Ministérios da Justiça e
Solidariedade e Segurança Social
9
Idem Eliana Gersão, 2000, pág. 17
10
Considera-se que a criança ou o jovem está em situação de perigo quando:
a) Está abandonada ou vive entregue a si própria
b) Sofre de maus-tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal
d) É obrigada a actividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e
situação pessoal ou prejudiciais à sua formação e desenvolvimento
e) Está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a
sua segurança ou o seu equilíbrio emocional
f) Assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem gravemente
a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o
representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponha de modo adequado a
remover essa situação. Vide, n.º 2 do Art.3º da LPCJP
11
Vide, Rosa Clemente, 1998
12
Cfr. Eliana Gersão, in “A Intervenção Comunitária na Protecção de Crianças e Jovens em Perigo”,
Actas do Congresso Internacional – Os Mundos Sociais e Culturais da Infância, II Volume; Janeiro/2000,
pág.48
13
Vide, Art.15º da LPCJP
14
Para facilitar a compreensão enunciam-se as competências da Comissão Alargada:
a) Informar a comunidade sobre os direitos das crianças e do jovem e sensibilizá-la para os apoiar
sempre que estes conheçam especiais dificuldades;
b) Promover acções e colaborar com as entidades competentes tendo em vista a detecção dos
factos e situações que, na área da sua competência territorial, afectem os direitos e interesses
da criança e do jovem, ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação ou educação ou se
mostrem desfavoráveis ao seu desenvolvimento e inserção social;
c) Informar e colaborar com as entidades competentes no levantamento das carências e na
identificação e mobilização dos recursos necessários à promoção dos direitos, do bem-estar e
do desenvolvimento integral da criança e do jovem;
d) Colaborar com as entidades competentes no estudo e elaboração de projectos inovadores no
domínio da prevenção primária dos factores de risco e no apoio ás crianças e jovens em perigo;
e) Colaborar com as entidades competentes na constituição e funcionamento de uma rede de
acolhimento de crianças e jovens, bem como na formulação de outras respostas sociais
adequadas;
f) Dinamizar e dar parecer sobre programas destinados às crianças e jovens em perigo.
Vide, Art.18º da LPCJP
15
Vide, Art.17º da LPCJP
16
Vide, Art.4º alínea a) da CPCJP
17
Vide, Art.4º alínea c) da CPCJP
18
Vide, Art.91º da LPCJP
19
Vide, Art.37º da LPCJP
20
Vide, Art.64º da LPCJP
21
Vide, Art.65º da LPCJP
22
Vide, Art.66º da LPCJP
23
O Art.34º da LPCJP prescreve as finalidades das medidas: “ as medidas de promoção dos direitos e de
protecção das crianças e dos jovens em perigo, adiante designadas por medidas de promoção e
protecção visam:
a) Afastar o perigo em que estes se encontram;
b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde,
formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral
c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e dos jovens vítimas de qualquer
forma de exploração e abuso.”
Nos termos do n.º1 do Art.35º da LPCJP, as Medidas de Promoção e Protecção são:
a) Apoio junto dos pais;
b) Apoio junto de outro familiar;
c) Confiança a pessoa idónea;
d) Apoio para a autonomia de vida;
e) Acolhimento familiar;
f) Acolhimento em instituições.
24
Vide, Art.4º alínea d) da CPCJP
25
Vide, Art.4º alínea e) da CPCJP
Outra norma básica do processo diz respeito, não só ao direito que todos os
intervenientes têm de serem ouvidos33sobre a situação que originou a intervenção, como
também ao direito que têm de participar em todos os actos relativos à aplicação, revisão
26
Vide, Art.4º alínea f) da CPCJP
27
Cfr. Manuel Valente, in “ Os Princípios Estruturantes da Intervenção face aos Menores e Jovens em
Perigo: Uma Viagem pela Lei n.º147/99 de 1 de Setembro”, Revista Infância e Juventude, nº 4, 2002,
pag.92
28
Vide, Art.4º alínea g) da CPCJP
29
Vide, Art.4º alínea h) da CPCJP
30
Vide, Art.9º da LPCJP
31
Vide, Art.10º da LPCJP
32
Vide, Art.94º da LPCJP
33
Vide, Art.84º e 85º da LPCJP
A intervenção deve ser realizada apenas pelas pessoas e entidades cuja acção
seja necessária à consecução do resultado pretendido. Neste contexto, a lei estabelece
um esquema de intervenção, em vários níveis, representado por uma pirâmide de três
degraus (o primeiro degrau é do âmbito das instituições com competência em matéria da
Infância e Juventude; o segundo das CPCJP e o terceiro, topo da pirâmide, das
Entidades Judiciárias), correspondendo cada um desses degraus ao nível da intervenção
– Princípio da Subsidiariedade37. Com efeito, as entidades com competência em
matéria da infância e juventude situam-se na base inferior da pirâmide, próximas da
comunidade e portanto das situações concretas. Este modelo implica que as entidades,
designadamente no âmbito da acção social, da saúde e da educação, mediante a
detecção de casos de crianças em perigo, promovam as acções e actividades adequadas
ao tratamento da situação, através dos seus próprios recursos ou em parceria. Somente
os casos muito graves que requerem a aplicação de medidas de protecção previstas, são
comunicados à Comissão de Protecção, a qual, em sede de Comissão Restrita,38 decide
34
Vide, Art.35º da LPCJP
35
O Acordo de Promoção e Protecção, consiste no “compromisso reduzido a escrito entre as CPCJ ou
Tribunal e os pais ou representante legal ou quem tenha a guarda de facto e, ainda, a criança e o jovem
com mais de 12 anos, pelo qual se estabelece um plano contendo medidas de Promoção e de Direitos e
Protecção”, nos termos da alínea. f) Art.5.º da LPCJP
36
Vide, Art.4º alínea i) da CPCJP
37
Vide, Art.4º alínea j) da CPCJP
38
A intervenção nos casos individuais é reservada à Comissão Restrita, composta por um mínimo de 5
pessoas, escolhidas pela Comissão Alargada de entre os seus membros, de forma a assegurar-lhes uma
composição interdisciplinar e interinstitucional, incluindo sempre que possível pessoas com formação em
Serviço Social, Psicologia, Direito, Educação e Saúde (Art.20º da LPCJP). Fazem parte necessariamente
da Comissão Restrita, os representantes do Município, dos Serviços de Solidariedade e Segurança Social,
e um representante, escolhido, das Organizações Não Governamentais. Os membros da Comissão
Restrita, exercem funções a tempo inteiras, sempre que o volume de trabalho o justifique. (n.º3 do Art.22º
da LPCJP)
Nos termos do Art.21º da LPCJP, compete à Comissão Restrita:
a) Atender e informar as pessoas que se dirigem à Comissão de Protecção;
b) Apreciar liminarmente as situações de que a Comissão de Protecção tenha conhecimento,
decidindo o arquivamento imediato do caso quando se verifique manifesta desnecessidade de
intervenção ou abertura de processo de promoção de direitos e protecção;
c) Proceder à instrução dos processos;
d) Solicitar a participação dos membros da Comissão Alargada, sempre que se mostre necessário;
e) Solicitar parecer e colaboração de técnicos ou de outras pessoas e entidades públicas ou
privadas;
e acompanha a aplicação das medidas necessárias ou, no caso de não estarem reunidas
as condições para a sua intervenção39, remeta a sua resolução para o sistema
judiciário40.
No entanto, ainda que cessados os processos, estes podem ser reabertos quando
ocorram novos factos determinantes para o perigo da criança ou jovem.44
Resulta do exposto, que perpassa por todo o trabalho das CPCJP, proporcionar
bem-estar e segurança às crianças e jovens, com a indispensável colaboração, não só das
famílias como das instituições às quais temos que recorrer, a fim de minorar as
múltiplas situações de perigo com que diariamente somos confrontados.
Assim, e quanto à intervenção do MP, o artigo 72º da LPCJP fixa que este
intervém na promoção e defesa dos direitos das crianças e jovens49, sendo que o artigo
45
O artigo 20º nº4 da LPCJP diz que a Comissão restrita deve incluir pessoas com formação na área de
direito, que, se necessário, pode ser um técnico cooptado nos termos da alínea m) do artigo 17º, sendo que
desta forma pode ficar assegurado o conhecimento das regras jurídicas.
46
Artigo 4º alínea j) da LPCJP. Estamos perante um esquema de intervenção estruturado em vários
níveis, sendo cada um deles subsidiário do que o antecede. Ora o primeiro nível da intervenção é
precisamente constituído pelas entidades, públicas ou privadas, que desenvolvem actividades nas áreas da
infância ou da juventude. São essas entidades que constituem a “guarda avançada”, a primeira linha, na
protecção das crianças e jovens em perigo. Só quando não conseguirem, no âmbito das suas
competências, remover o perigo em que a criança se encontrem devem ser accionados os órgãos de
intervenção de segunda linha, que são as comissões de protecção – entidades já não “generalistas”, mas
sim de natureza especializada e competência reservada a situações, descritas na lei. O terceiro e último
degrau de protecção – a ponta da pirâmide – são confiados ao tribunal. – Eliana Gersão
47
Artigo 107º nº2 LPCJP
48
Artigo 112º LPCJP
49
“Compete, ainda, de modo especial, ao Ministério Público representar as crianças e jovens em perigo,
propondo acções, requerendo providências tutelares cíveis e usando de quaisquer meios judiciais
necessários à promoção e defesa dos seus direitos e à sua protecção” (artigo 72º nº3); é um representante
dos interesses do menor, como já resultaria do Estatuto do Ministério Público (Lei nº 60/98 de 27 de
Agosto e rectificação nº 20/98 de 2 de Novembro). Em 25 de Janeiro de 2001 o Sr. Procurador-Geral da
República emitiu uma circular, com o nº 1/2001, que trata da “Intervenção do Ministério Público nas
Comissões de Protecção das Crianças e Jovens, ao abrigo do disposto no artigo 72º nº2 da Lei 147/99 de 1
de Setembro” e transmite quatro grandes orientações:
1º O Ministério Público deve articular com cada Comissão os termos do acompanhamento da sua
actividade, quer no que respeita à periodicidade quer quanto à presença nas reuniões;
2º A fiscalização da actividade das CPCJ pode realizar-se a qualquer momento, a posteriori, devendo
englobar a totalidade do trabalho desenvolvido;
3º A apreciação da legalidade e do mérito das decisões não se pode limitar à matéria das comunicações
obrigatórias;
4º Deve ser identificado o magistrado interlocutor de cada Comissão.
50
“É um defensor da legalidade democrática, ou seja, zela por que a actividade da comissão respeite a
Constituição e a lei” no dizer de Rui do Carmo
51
Pedroso 1998
52
Artigo 68º alínea a) da LPCJP
53
Artigo 69º LPCJP
3. Quando não tenha sido proferida decisão decorridos seis meses após o
conhecimento da situação da criança ou do jovem em perigo56;
4. Quando foi aplicada uma medida que a lei considera só poder ter lugar em
situações excepcionais (quando se determina ou se mantenha a separação da
criança ou do jovem dos seus pais, representante legal ou das pessoas que
tenham a sua guarda de facto57;
54
Artigo 68º alínea b) da LPCJP
55
Artigo 68º alínea c) LPCJP
56
Artigo 68º alínea d) LPCJP
57
Artigo 68º alínea e) LPCJP
58
Artigo 70º LPCJP
59
Artigo 91º LPCJP
60
Artigo 32º LPCJP
61
Artigo 74º LPCJP
62
Artigo 75º LPCJP
63
Artigo 73º LPCJP
64
Artigo 33º LPCJP
65
Artigo 76º LPCJP. A intervenção judicial nesta situação bem como quando não sejam prestadas ou
sejam retirados os consentimentos ou assentimentos necessários à intervenção da comissão de protecção
(referidos no nosso anterior ponto 1c); ou quando tendo aqueles sido prestados, o acordo de promoção ou
protecção não seja cumprido (referidos no nosso anterior ponto 2 a), são as situações para as quais a
intervenção judicial está fundamentalmente prevista, sendo que as outras situações de intervenção
(nomeadamente as previstas nas alíneas a), d) e e) do artigo 11º) são de natureza residual, sendo que um
bom funcionamento das comissões lhes tira o relevo. – Eliana Gersão
66
O MP conhecendo uma situação de criança ou jovem em perigo, que não se enquadre numa das
situações que lhe permita desde logo desencadear a abertura de um processo judicial de promoção e
protecção, previstas nomeadamente no artigo 73º LPCJP, tem que dar conhecimento, comunicar,
sinalizar, essa situação à comissão da área. No entanto, e após a sinalização ao MP pode controlar, dentro
dos poderes que a lei lhe confere, essa situação – artigo 72º LPCJP.
67
Artigo 100º LPCJP
68
Artigo 106º n.º1 LPCJP
69
Artigo 101º n.º1 LPCJP
70
Artigo 101º n.º2 LPCJP
71
Artigo 101º n.º3 LPCJP
72
Artigo 105º nº1 LPCJP
73
Artigo 195º nº2 LPCJP
74
Artigo 106º nº2 LPCJP
75
Artigo 107º nº1 alíneas a) e b) da LPCJP
76
Artigo 103º nº1 LPCJP
77
Artigo 103º nº2 LPCJP
78
Artigo 104º nº1 LPCJP
79
Artigo 107º nº3 LPCJP
A Fase de Instrução não pode ter uma duração superior a quatro meses84.
80
Artigo 107º nº1 LPCJP
81
Artigo 108º nº1 LPCJP
82
Artigo 108º nº º 2 LPCJP
83
Artigo 108º nº º 2 e 3 LPCJP
84
Artigo 109º LPCJP
85
Artigos 110º alínea a) e 111º da LPCJP
86
A procura de consensos é uma das ideias fortes do processo judicial de protecção. Assim encerrada a
instrução do processo, o juiz deve procurar, em conferência, a solução do caso de forma negociada,
consubstanciada num acordo de promoção e protecção, a realizar em termos análogos aos previstos
relativamente às comissões de protecção. A decisão por forma impositiva, em “debate judicial”, perante o
tribunal colectivo, fica reservada aos casos em que a realização da “conferência” se mostre como uma
formalidade inútil, em virtude de a solução negociada se mostre “manifestamente improvável”, bem como
às situações em que na conferência não tenha sido possível chegar a acordo.
87
Artigos 110º alínea b), 112º e 113º LPCJP
O Debate Judicial é realizado perante um Tribunal composto pelo Juiz e por dois
Juízes Sociais91. Após um debate contínuo, que decorre sem interrupções ou
adiamentos, salvo as necessárias para alimentação e repouso e em que são consideradas
as provas que puderem ter sido contraditadas, o Tribunal toma uma decisão por maioria
de votos92. A Decisão inicia-se com um relatório em que se identifica a criança ou
jovem, os seus pais, representante legal ou a pessoa que tem a guarda de facto e se
procede a uma descrição da tramitação do processo93. Ao relatório segue-se a
fundamentação, que consiste numa enumeração dos factos provados e não provados,
bem como na sua valoração e exposição das razões que justificam o Arquivamento ou a
Aplicação de uma Medida de Promoção e Protecção94. Podem interpor Recurso das
Decisões que, definitiva ou provisoriamente, se pronunciem sobre a Aplicação,
Alteração ou Cessação de Medidas de Promoção e Protecção o MP, a criança ou jovem,
os pais, o representante legal e quem detiver a guarda de facto de criança ou jovem95.
88
Artigo 110º alínea c) LPCJP
89
Artigo 114º nº º 1 LPCJP
90
Artigo 114º nº º 2 e nº º 3 LPCJP
91
Artigo 115º LPCJP e D. Lei 156/78 de 30 de Junho
92
O último a votar é o juiz presidente – Artigo 120º LPCJP
93
Artigo 121º nº º 1 LPCJP
94
Artigo 121º nº2 LPCJP
95
Artigo 123º LPCJP
96
Artigo 125º e 59º nº º 3 e 4º da LPCJP
PARTE – III
Estudo de Caso
1 - História Social
2 – Situação – Problema
3 – A Intervenção da CPCJP
4 - A Intervenção Judicial
A análise do caso visa salientar tão fielmente quanto possível os problemas dos
jovens que inseridos em agregados desestruturados, são muitas vezes rejeitados pelo
sistema escolar, por terem problemas familiares aliados a dificuldades de aprendizagem
e consequentemente de comportamento. O seu relato assume a forma de uma narrativa,
cujo objectivo é contar uma história que acrescente algo de significativo ao
conhecimento existente e seja, tanto quanto possível, interessante para a resolução de
problemas semelhantes.
1 – História Social
O Pedro97 faz parte de uma fratria de 6 irmãos, sendo o filho mais velho do 2.º
relacionamento da sua mãe.
97
Pedro foi o nome escolhido para expor o caso, o que não corresponde à verdadeira identificação do
menor.
Esta provém de uma família com graves problemas etílicos sem um referencial
de normas e de regras que culminaram na sua gravidez precoce. Assim, aos 15 anos
envolve-se com um homem mais velho, casado, ficando grávida de gémeas, sem que o
pai destas crianças assumisse a paternidade. É a partir desta altura que inicia o seu
consumo de álcool, sendo por isso discriminada na comunidade onde residia.
Aos 20 anos, decide viver em união de facto com o pai do Pedro, que à
semelhança do seu primeiro relacionamento, é mais velho que ela cerca de dez anos.
Este tinha ficado viúvo há sensivelmente meio ano e não tinha filhos. Também ele era
uma pessoa com problemas etílicos e com um grande historial de maus-tratos infligidos
à cônjuge.
Os outros três irmãos mais novos de Pedro são vítimas da síndrome fetal
alcoólico, possuem um atraso cognitivo acentuado, responsável pelas suas limitações e
por graves dificuldades de aprendizagem. São crianças fisicamente débeis e que exigem
cuidados de vigilância apertados a nível da saúde, que nunca foram assumidos pelos
progenitores. Na sequência desta situação, uma das irmãs foi institucionalizada, a
pedido dos pais, no Lar onde as irmãs mais velhas haviam sido acolhidas, só vindo a
casa aos fins-de-semana, situação que se mantém.
agregado foi residir para uma habitação contígua à destes. A casa, de construção antiga,
é composta por um quarto (onde dorme o casal), uma cozinha e uma sala, onde dormem
os restantes menores, sendo as divisões improvisadas com tábua pan. Os espaços são
extremamente exíguos e as condições de habitabilidade fracas. Não existe casa de banho
nem água canalizada, contando, para colmatar essas dificuldades, com o apoio dos avós
paternos dos menores. Os rendimentos que possuem são provenientes, para além da
prestação de Rendimento Mínimo Garantido, do trabalho esporádico exercido pelo
progenitor, como carpinteiro da construção civil, em obras realizadas em diferentes
locais, exigindo por vezes a sua ausência de casa durante toda a semana. A progenitora
realiza alguns trabalhos agrícolas, deixando muitas vezes as crianças sozinhas em casa.
2 – Situação – Problema
O Pedro, à excepção dos seus irmãos, é o único filho do casal que não sofreu
fisicamente as consequências inerentes ao alcoolismo dos pais. No entanto, foi possível
verificar-se a existência de alguns episódios perturbadores, nomeadamente dificuldades
no controlo de esfíncteres com enurese. Esta sintomatologia foi confirmada pelos maus-
tratos físicos que o progenitor infligia ao menor e pelos problemas do meio familiar.
3. A Intervenção da CPCJP
No final do 1.º Período do ano Lectivo de 2002/2003, a Comissão de Protecção
toma conhecimento, através da Escola, da situação de perigo em que o Pedro se
encontrava, pois tendo ele nascido a 23/02/1988 (nesta fase com 14 anos), ainda se
encontrava abrangido pela escolaridade obrigatória.
Não obstante esta situação, o Pedro era um jovem com capacidades que lhe
permitiram ter um percurso escolar, até esta fase, com sucesso, pelo que não se percebia
o porquê da alteração do seu comportamento. Todavia, a Escola na perspectiva de
encontrar respostas adequadas à remoção desta situação, propôs ao Pedro, um
acompanhamento psicológico no intuito de se conhecerem as suas expectativas,
relativamente às vantagens da escolarização e dos diplomas escolares.
obstante esta situação, as informações poderiam ser prestadas sempre que a Instituição
considerasse pertinente para o bom acompanhamento do menor.
Este foi o Acordo de Promoção e Protecção assinado pelos progenitores, pelo menor,
pelos co-gestores do acordo (dois elementos da Comissão Restrita responsáveis pelo
acompanhamento) e pelos restantes elementos da comissão restrita.
Chegada a altura das férias do Carnaval, a Instituição decide sem aviso prévio, que o
menor não poderia regressar mais àquela Instituição, alegando o incumprimento do
acordo por parte deste. Assim, as Técnicas da Instituição acompanharam o menor
deixando-o na Segurança Social.
professores e os restantes alunos da escola não os tratavam da mesma forma. Eles eram
vistos como “meninos problemáticos”, “ perigosos”,” burros”e segundo o Pedro, “já
que tínhamos a fama tínhamos que ter o proveito”. Afirma ainda, que era seu desejo
deixar de estudar porque considerava que “estudar para continuar a não ser alguém,
então não vale a pena andar lá”, “o meu pai também não estudou e trabalha”,”vim
para aqui porque ninguém conhecia os problemas da minha família…., mas continuei
na mesma a não ser aceite…”,”não é por eu estudar muito ou pouco que vou conseguir
mudar esta situação…”, “eu gosto de estar no lar e de fazer as tarefas que me
obrigam..., eles pensam que me estão a castigar, mas enganam-se….eu até me dou bem
com a cozinheira…não tenho amigos lá dentro porque eu não sou igual a eles…. Eu
estou lá porque quis e eles não….”, “Isto da escolaridade obrigatória é só p´ra gente
não ir trabalhar”, “os stôres dizem que ainda não temos idade, se calhar eu já assumi
mais responsabilidades do que eles…, são todos uns meninos da mamã, até têm medo
da gente…, se eles passassem metade do que eu já passei…, e sou mais novo!., Eles não
sabem o que dizem…há lá uma que ainda sabe alguma coisa…, ela disse-me que eu
podia fazer uns cursos lá na escola!...se calhar percebeu que tenho jeito p´ra
trabalhar…, a única pessoa que me compreende é a cozinheira…, às vezes faz a minha
comida preferida, e enche-me o prato…, vê-se que ela gosta de mim, até chorou quando
eu vim embora!.. Devia saber que já não queriam que eu voltasse!”, pois as Doutoras
andavam sempre a dizer: “se quiseres ir embora vai e não voltes…não andas cá a fazer
nada…”.
De acordo com a situação apresentada pelo menor, a Comissão alertou-o para o facto
de ele não poder abandonar a escola só porque lhe apetecia trabalhar, pois ainda não
podia exercer uma actividade profissional.
O menor aceitou regressar à Instituição para concluir o ano lectivo, assumido a sua
entrada após as férias do Carnaval. A Instituição foi informada desta decisão.
Decorrido o 2.º Período, o menor vem passar as férias da Páscoa e aquando do início
das aulas, relativas ao 3.º Período, sai de casa, a fim de regressar à Instituição, o que não
veio a acontecer, pois passados 3 dias regressou novamente a casa, sem nunca ter dado
entrada no Lar. A Comissão nunca teve qualquer informação da Instituição a este
respeito, tendo sido informada do facto pela progenitora. Esta declara que o filho não
podia ficar em casa sem fazer nada, afirmando que “não sou eu que vou trabalhar para
ele…já tem bom corpo e o pai também já lhe disse que quando voltasse não queria vê-
lo de costas ao alto…”
por isso só estava a “perder tempo com os estudos”. No entanto, aceitou manter o
consentimento para a Comissão intervir, por considerar que a sua mãe tem conseguido
deixar de beber.
Após este contacto a Comissão encaminhou o Pedro para se inscrever num Curso de
Formação/Aprendizagem, pois como já tinha 15 anos iria ser possível a sua integração.
Como tal, o Pedro aceitou inscrever-se no Curso de Carpintaria
que a escola só tem sido um obstáculo à sua rápida inserção no mundo do trabalho, uma
vez que ela também não tinha estudado, foi trabalhar muito cedo e nunca lhe disseram
que era obrigatório estudar, por isso “não queremos que nos chateiem mais com isso de
estudar…, não vêem que ele precisa é de ganhar dinheiro…”
4. A Intervenção Judicial98
Em face dos elementos enviados o MP, considerando que o solicitado não tinha
sido integralmente cumprido99, realizou nova diligência junto da Comissão, no sentido
de que todos os documentos e informações do processo fossem enviados. Efectivamente
o Ministério Público constatou que o processo remetido pela Comissão não estava
devidamente organizado, estando omissos documentos, peças e elementos que seriam
essenciais para uma tomada de decisão, pelo que perante tal situação o Ministério
Público diligenciou junto da Comissão interpelando-a no sentido de, desde logo, o
processo ser devidamente instruído.
98
Quanto a esta fase do processo, as informações foram obtidas através de um contacto directo
estabelecido com a Ilustre Magistrada do Ministério Público, que muito amavelmente nos recebeu.
99
Os elementos relativos ao menor, e que foram enviados pela Comissão ao Tribunal, além de
incompletos, não tinham uma organização formal adequada, nomeadamente não estando devidamente
numerados e não observando uma sistematização dos documentos de acordo com a sucessão temporal dos
factos.
Pode-se afirmar que, por parte do MP existe uma certa predisposição para que
seja aplicada uma Medida de Acolhimento em Instituição101.
100
Interpelações do Tribunal à Comissão ocorreram de forma escrita, pela via do ofício, enviada por
correio.
101
A mesma medida foi a aplicada pela Comissão a pedido do menor e não foi cumprida,
102
O Pedro assumiu o mesmo comportamento na Comissão, quando se tentava obter a revisão do acordo.
trabalhar, sendo que se torna quase inevitável a realização do Debate Judicial findo o
qual o Tribunal proferirá uma decisão.
PARTE IV
Conclusões/ Considerações
IV – Conclusões/Considerações
O caso do Pedro permite efectuar, tal como era intenção, algumas reflexões,
nomeadamente ao nível:
2 - Trabalho Infantil;
4 – Considerações/Propostas
Hoje em dia há cada vez mais crianças e adolescentes que são vítimas de vários
factores adversos, sociais e familiares em que a escola será depois o local preferencial
de exteriorização desse mal-estar.
103
O presente estudo faz referência ao insucesso e ao abandono escolar apenas nos casos de jovens com
idades compreendidas entre os 12 anos e os 15 anos, pois ainda se encontram dentro da escolaridade
obrigatória
Pois, o fosso existente entre o que os alunos aprendem na escola e o que utilizam
na vida quotidiana contribui para que cada vez mais crianças decidam sair do sistema de
ensino. Este sistema continua sem alternativas para estas crianças que se encontram na
faixa etária dos 12 aos 15 anos.
Para estes jovens a única solução vislumbra-se com a chegada dos 15 anos uma
vez que, a partir desse momento já podem decidir o seu percurso, que em muitos casos
acaba por ser igual ao dos seus progenitores: “Pobreza – Insucesso escolar, Insucesso
Escolar – Pobreza”.
104
De acordo com o nº 1 do Art. 6º da Lei de Bases do Sistema Educativo, Lei nº46/86 de 14 de Outubro,
“ o ensino básico é universal, obrigatório e gratuito e tem a duração de noves anos”.
O nº 4 do mesmo Artigo diz que: “ a obrigatoriedade de frequência do ensino básico termina aos 15
anos de idade.
105
Nos termos da alínea a) do Art.19º da Lei nº46/86 de 14 de Outubro, a Formação Profissional prevê-se
para os jovens com menos de 15 anos desde que “tenham concluído a escolaridade obrigatória”, ou para
aqueles que “ não a tenham concluído até à idade limite desta” alínea b) do mesmo Artigo.
• Até que ponto as Comissões, através das suas medidas conseguem solucionar o
problema destes jovens?
Muitos destes jovens descrevem as suas vivências sem saída possível, tal como o
Pedro verbalizou “estudar para continuar a não ser alguém, então não vale a pena
andar lá”, “o meu pai também não estudou e trabalha”.
2 - Trabalho Infantil
Fazem com que o Pedro seja um elemento do agregado que é “necessário” para obter
rendimento, para “ir ganhar dinheiro”.
De acordo com o Dr. Jorge Leite há duas ordens de razões para esta protecção.
Em primeiro lugar, o menor tem uma fragilidade inerente, uma fragilidade que o
acompanha por ser menor, por não ter completado o seu desenvolvimento e por ser
anatómica, fisiológica e psiquicamente diferente dos adultos. O seu reduzido
desenvolvimento torna-o mais vulnerável e o trabalho comporta para si, riscos
106
Uma Nota Pastoral sobre o trabalho infantil, de 1993, refere que “Há crianças que não chegam a viver
e saborear a alegria de um período irrepetível da sua vida, tornando-se adultos antes do tempo, ficando
muitas vezes incapacitados de enfrentar o futuro em igualdade de condições com os restantes, ou mesmo,
tornando-se fisicamente deficientes e psicologicamente marcadas para toda a vida”
específicos para o seu desenvolvimento físico e a sua saúde (cargas demasiadas pesadas
para a sua estrutura, p.ex.), o seu desenvolvimento psíquico e emocional (uma
humilhação no local de trabalho pode ter efeitos devastadores)107. A influência do tipo
de trabalho e do condicionalismo de subordinação típico do contrato de trabalho, no
desenvolvimento do menor, é importante para se aferir o que é ou não aceitável no
trabalho de menores, embora se saiba que, por não ser linear o processo de crescimento
e de autonomização de cada um, que uma certa actividade, com uma certa intensidade e
duração pode contribuir positivamente para o desenvolvimento de um e negativamente
para o de outro. O menor é também mais frágil porque não tem ainda capacidade para,
por si próprio, se impor enquanto pessoa ao colectivo. Se já um trabalhador adulto é
geralmente mais frágil do que a outra parte, devido à posição subordinada que ocupa na
relação laboral, a verdade é que consegue impor-se ou negociar enquanto colectivo. Já o
menor não consegue tal, estando mais expostos que os adultos para quem trabalham.
Em segundo lugar, além desta fragilidade, o menor que em regra entra numa
relação de dependência laboral, é oriundo de famílias cultural e economicamente mais
frágeis e sofre, além das pressões e necessidades próprias da sua menoridade as pressões
a que está sujeita a sua própria família, o que lhe confere uma fragilidade relativa. O
menor é tanto mais frágil quanto mais frágil for a família a que pertence e os factores
que determinam, quer o abandono precoce do meio escolar, quer a necessidade de
contribuir para o sustento do agregado familiar, pressionam o menor a trabalhar, muitas
vezes sem o mínimo de consciência dos seus direitos (e de capacidade para os fazer
valer), o que torna a sua vulnerabilidade acrescida constituindo mais um motivo para
que o direito se preocupe em proteger o menor.
107
É por este motivo que a Convenção dos Direitos da Criança consagra no seu artigo 32º a proibição de
todo o tipo de actividades à criança que afectem o seu desenvolvimento como pessoa e como ser social
108
Todo aquele que não completou 18 anos de idade – artigo 122º do Código Civil
109
Esta é a noção clássica de contrato de trabalho – artigo 1º do D.L. n º 49.408 de 24 de Novembro de
1969
Chegados a este ponto passamos à análise dos traços gerais do quadro legal que
regulamenta a protecção dos menores do trabalho.
110
Embora seja naturalmente mais difícil à Inspecção Geral de Trabalho fiscalizar e detectar o trabalho
realizado para outrem no domicílio.
111
Artigo 5º da Lei 58/99 de 30/06.
112
Muitas vezes este tipo de trabalho pode significar maior violência ou maior exploração da sua
actividade (âmbito da agricultura ou das tarefas domésticas ou ainda quando se auxilia o pai ou a mãe que
são eles mesmos assalariados no domicílio).
113
Artigo 3º LPCJP
E foi, desde logo, por esse motivo que o Pedro foi retirado do mercado de
trabalho e está deste afastado.
114
A Lei 116/99 de 4 de Agosto consagrou como contra-ordenações as condutas violadoras de normas
laborais. Este regime foi completado pelas Leis 113/99 de 3 de Agosto e n º 118/99 de 11 de Agosto,
diplomas que concretizaram o regime através da classificação das contra-ordenações relativas às leis
gerais reguladoras do contrato individual de trabalho (no qual se inclui o trabalho de menores), sobre
segurança, higiene, saúde no trabalho e sobre regimes específicos. Além das contra-ordenações prevê-se
ainda um crime de desobediência (artigo 128º) cominando-se uma sanção penal – quando o inspector de
trabalho verifica uma violação de disposições legais sobre trabalho de menores, notifica por escrito o
infractor para fazer cessar imediatamente a actividade do menor sob pena de incorrer num crime de
desobediência qualificada (punível com prisão até dois anos ou multa até 240 dias).
115
Existem ainda outros diplomas e legislação relevante quanto ao trabalho de menores como D. Lei
396/91 de 16 de Outubro (quanto à formação e orientação profissional e comunicação à Inspecção Geral
de Trabalho dos estabelecimentos de ensino); Lei 58/99 de 30 de Junho (descanso semanal de menores e
protecção de menores no trabalho autónomo; Portarias 714/93 e 715/93 de 3 de Agosto (define trabalhos
leves e os proibidos ou condicionados por serem prejudiciais ao desenvolvimento físico, psíquico e moral
do menor atentas a sua natureza e as condições em que são prestadas;
116
O Código de Trabalho aprovado pela Lei n º 99/2003 de 27 de Agosto e que entra em vigor no dia 1 de
Dezembro de 2003, tem toda uma Subsecção dedicada ao Trabalho de Menores (Subsecção V, artigos 53º
a 70º), que no entanto, nos termos do disposto no artigo 3º nº º 2 da Lei que o aprovou o Código só se
aplica após a entrada em vigor da legislação nela referenciada. Acrescente-se que os artigos desta
Subsecção do Código de Trabalho, de uma forma geral, correspondem sem grandes alterações de fundo às
disposições actualmente em vigor e que regulam a matéria relativa ao trabalho de menores.
Mas a sociedade não pode limitar-se, por intermédio de leis, a retirar os menores
do trabalho, que é o que geralmente sucede após a detecção pela Inspecção do Trabalho
de uma situação desconforme com a lei. Há que pensar o que fará e onde estará o Pedro,
e outros menores como ele, amanhã, dentro de um ano.
Os destinatários são jovens com mais de 15 anos que tenham concluído o 9.º ano
de escolaridade ou tendo 15 anos e não tenham concluído o 9.º ano, apesar de terem
frequentado. O objectivo para estes jovens é ter acesso a uma Formação Profissional
que garanta a obtenção de um certificado.
Para os Jovens com mais de 15 anos e tenham frequentado o 7.º ano, mesmo que
não o tenham concluído, têm acesso a este curso que terá a duração de 2 anos e
equiparado ao 9.º ano. O mesmo acontece aos jovens com mais de 15 anos e com o 8.º
ano, sendo que para estes a duração do curso será apenas de 1 ano.
Estes cursos são propostos pelas escolas, são aprovados pelo departamento do
Ensino Básico, sendo obrigatório o parecer favorável do Centro de Emprego
relativamente à necessidade do curso em termos de empregabilidade e saída
profissional. Infelizmente muitas são as escolas que não apresentam quaisquer
propostas.
117
Criado em 1998 (Resolução do Conselho de Ministros 75/98 de 2 de Julho), o Plano para
Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil (PEETI) surge na sequência da extinção da Comissão
Nacional de Combate ao Trabalho Infantil, e tem como horizonte temporal Dezembro de 2003 (Resolução
de Conselho de Ministros 1/2000 de 13 de Janeiro).
Tem como objectivos prioritários a remediação/reparação de situações de trabalho infantil, incluindo as
formas intoleráveis de exploração de menores (Convenção 182 da OIT) e a remediação do abandono
escolar precoce e risco de inserção precoce no mundo do trabalho, em situações de exploração,
permitindo a reintegração destas crianças e jovens em percursos escolares regulares. Embora fosse
orientação principal a adopção de práticas tendentes à prevenção e remediação dos problemas dos jovens
já referidos, por intermédio da base institucional escola, tentando-se evitar, quando possível, soluções que
remetessem prematuramente os jovens para outros contextos institucionais, reconhecia-se, que em casos
particulares, desde logo de crianças e jovens em situação de exploração do trabalho infantil, era
necessário a adopção de uma estratégia flexível, baseado num princípio da individualização das soluções.
Desde a sua criação, o PEETI procura, em conjunto com investigadores, bem como com entidades
actuando nesta área como a Inspecção-geral do Trabalho (IGT), o Ministério da Educação, o Instituto de
Emprego e Formação Profissional (IEFP), parceiros locais, por um lado, analisar as causas do trabalho
infantil e, por outro, operacionalizar as medidas legislativas que foram surgindo ao longo da vigência do
Plano.
O PEETI tem âmbito nacional e conta com a intervenção directa de 17 equipas móveis multidisciplinares
(EMM) constituídas por técnicos de formações diferenciadas que, no terreno, e em articulação com os
vários serviços locais, fazem o diagnóstico de todas as sinalizações chegadas aos serviços centrais em
Lisboa e Matosinhos, encaminhando-as para as respostas mais adequadas a cada caso, que vão desde o
regresso ao ensino regular até à integração em medidas de excepção.
O PEF é assumido como forma de intervenção para a promoção dos direitos e para a
protecção da criança e do jovem em perigo, no âmbito do previsto no Artigo 7.º da Lei
de Protecção de Crianças e Jovens em perigo, aprovada pela Lei n.o 147/99, de 1 de
Setembro.
Esta intervenção faz parte de um processo que tem como objectivos centrais a
mobilização das instituições locais para a partilha dos diagnósticos individuais e
familiares e a concepção e execução de medidas – resposta às situações identificadas e
diagnosticadas.
118
Destaque-se ainda a medida CLÁUSULA DE FORMAÇÃO (Decreto Regulamentar n.º 16/2002, de
15 de Março; Decreto-Lei n.º 58/2002 de 15 de Março), que permite conjugar a certificação escolar com a
formação em contexto de trabalho para jovens com mais de 16 anos, que não tenham concluído com
aproveitamento o 9º ano de escolaridade. A legislação que enquadra a referida cláusula determina que” o
período normal de trabalho inclui uma parte reservada a formação correspondente, no mínimo, a 40% do
limite máximo constante da lei, da regulamentação colectiva aplicável ou do período praticado, na
respectiva categoria, a tempo completo, na empresa”. Será contudo de referir que mesmo nesta cláusula a
situação do Pedro não encontra enquadramento.
119
Os esforços da Inspecção-geral de Trabalho, no sentido de apurar, identificar e punir situações de
exploração de trabalho infantil, defrontavam-se com problemas de vária ordem:
- Cumplicidade das famílias e dos vizinhos para quem a cultura da formação pelo trabalho é muito
forte;
- O desejo de muitos adolescentes de integrar um posto de trabalho, mesmo ilegal, mal remunerado e
sem regalias sociais;
- A sua relutância em regressar à escola;
- A ausência de propostas alternativas para lhes oferecer.
120
Este modelo já teria sido experimentado com bons resultados pelo Programa Educação/Formação,
resultante do Despacho Conjunto ME/MTS 123/97
Para a aplicação deste projecto seriam tidos em conta, todos os recursos humanos e
materiais existentes nos Ministérios envolvidos, nas autarquias, nos sindicatos, nas
empresas, nas IPSS, nos centros sociais das paróquias entre outros. Todas as situações
de colaboração multisectorial seriam protocoladas. A oficina/escola deveria ter
capacidade para integrar formandos ao longo do ano lectivo.
Importa dizer que estas medidas de excepção, nunca chegaram nunca a ser
implementadas.
Será contudo de referir que os motivos e razões que estariam na origem da sua
implementação à data, e que já foram devidamente expostas, quanto a nós não só
existiam como continuam a subsistir ainda hoje, sendo que o caso do Pedro é disso um
bom exemplo.
De facto tendo em conta as soluções que hoje estão previstas torna-se por demais
evidente que, por razões fundamentalmente de ordem etária e de escolaridade
obrigatória, existe uma faixa de crianças e jovens para as quais inexistem soluções que
urge encontrar e implementar.
Assim sendo, como “ensinar” os pais a educarem os filhos para que estes
possam e queiram continuar a estudar? Sendo que esta condição não é considerada, nem
por uns nem por outros, como essencial à aquisição de um futuro mais auspicioso.
Tal como os pais do Pedro, muitos há que consideram, pela sua prática, que os
filhos não necessitam de estudar, incitando-os a exercerem actividades que lhes dêem
autonomia económica, “não queremos que nos chateiem mais com isso de estudar…,
não vêem que ele precisa é de ganhar dinheiro…”
No entanto, tal não se verificou pois ocorrem com frequência, entre outras
situações, as gravidezes precoces levando a que esses jovens, agora pais,
interrompessem o seu percurso escolar. Nesta linha de pensamento, podemos dizer que
estes jovens acabam por repetir os modelos geracionais como testemunho de lealdade
familiar, pois nas famílias em que o Insucesso Escolar é uma tradição os filhos que se
apresentam como maus alunos consideram que seu futuro, à semelhança dos seus pais,
passa também pela integração precoce no mercado de trabalho.
No entanto, até que ponto esta intervenção deve “obrigar” os jovens a frequentar
o sistema de ensino quando já todos perceberam que essa não será a solução para a
remoção do problema? Pois é do conhecimento geral que a obrigação leva a uma
rejeição, sendo esta a posição que a maioria dos jovens assume, quando perde a
motivação face aos conteúdos funcionais do sistema educativo.
Todavia, convém não esquecer os riscos que se podem correr ao dizer que estas
crianças já não se adaptam às medidas que priorizam a sua escolaridade e que
eventualmente poderiam assumir alguns “ofícios” devido à sua maturidade em muitos
adquirida à “força” para poderem sobreviver no seu dia a dia e prosseguirem a luta sem
desistirem.
Será que ao tratarmos estas crianças como pequenos adultos, devido à tal
maturidade, pode implicar o risco destes terem que assumir outras medidas mais
punitivas por cometerem actos juridicamente puníveis?... São estas e outras questões
que dificultam a obtenção de uma solução efectiva sem quaisquer constrangimentos
para a protecção dos menores.
121
Cfr.Pedro Strecht, 2000
ainda que saibam que estarão, a partir daí, em melhores condições do que no seu núcleo
familiar, tal como o Pedro tinha consciência, muitos são os que preferem exercer uma
actividade profissional com o intuito de ajudarem a família do que dar continuidade aos
estudos, mesmo que seja num ambiente mais propício ao seu sucesso.
Porquê que têm que ser os jovens a adaptar-se ao sistema e não o sistema
adaptar-se às suas necessidades/ aspirações?
Não nos parece, contudo é importante reflectir-se numa medida mais adequada
para estes jovens, no intuito de se conseguir uma intervenção precoce, pois já alguém
dizia que os adolescentes de hoje serão os pais de amanhã.
4 – Considerações/ Propostas
Nessa resposta a eles dedicada, estes deveriam ser abrangidos por projectos
educativos individuais, com envolvimento da família e em que o modelo permitiria que
a sua formação tivesse uma componente prática em Empresas devidamente
credenciadas para o efeito e/ou em Centros de Formação122.
122
A criação de bolsas de formação deveria estar também prevista para estas situações
De facto esta Organização, na sua Convenção 138 propõe como idade mínima
para trabalhar, e que deve ser integrada na legislação dos países que ratificaram a
referida Convenção, a idade de 15 anos. Aceita contudo a existência de excepções,
podendo a idade descer para os 14 anos ou até mesmo 12-13 anos, no caso de países
onde o sistema escolar e outras infra-estruturas estejam insuficientemente
desenvolvidos.
Ora, tal como já foi exposto, através do caso do Pedro, torna-se evidente que em
Portugal existem situações em que o sistema escolar não consegue dar a devida resposta
às crianças a partir dos 12 anos e jovens atendendo às suas necessidades.
123
Na sequência do rescaldo do caso da criança de 30 meses que faleceu em Ermesinde, vítima de maus
tratos pelo pai, depois da Comissão de Protecção de Vila Nova de Gaia ter ordenado a sua entrega a este,
desencadeou-se uma forte polémica sendo que há quem pretenda que o Ministério Público tenha um
poder de tutela sobre as Comissões e que os casos ditos “mais graves voltem ao Tribunal.
PARTE V
Bibliografia
V – Bibliografia