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COLÉGIO MILITAR

Vitor Amaral de Oliveira

"MENSAGEM" E IDENTIDADE
Lição proferida na Abertura Solene
do ano lectivo de 2006-2007

2006
VITOR MANUEL AMARAL DE OLIVEIRA

• Professor de Português do CM desde 1984, com interrupções (85-87), (89-93), em que


esteve a desempenhar missões educativas e oficiais, em França e Macau.
• Delegado da disciplina de Português (2003 a 2006).
• Coordenador de ano do Secundário (1994-1997, 1997-2000 e 2003-2006).
• Professor Bibliotecário 2000-2003, tendo organizado as exposições temáticas de livros da
Biblioteca, com o objectivo de divulgar preciosidades históricas e patrimoniais do CM: “Eça
de Queirós”, (2001), “Militária”, (2002), “Obras de pedagogia dos professores do CM”
(2003); “Livros Antigos da Biblioteca do CM”. (2004)
• Membro integrante da comissão organizadora da exposição “200 anos do CM” no Museu
Militar. (2003).
• Co-autor de um artigo para a “Revista Militar”: “O CM nas páginas da Revista Militar”, com
que aquela revista homenageou o bicentenário do Colégio.
• Colaborador assíduo do jornal “O Colégio Militar”, com a secção “Bibliografia”, que dá conta
dos livros mais importantes e significativos da Biblioteca do CM.
• Coordenador do jornal "O Colégio Militar" (2003).
• Organizador e impulsionador do Clube Europeu do CM, em 1989, tendo organizado a
exposição do “Dia da Europa” nesse ano.
• Autor da lição inaugural do ano lectivo de 94-95: “Em louvor da nossa linguagem”.
• Impulsionador e organizador da Secção Cultural do CM, no âmbito da qual organizou as
exposições do 3 de Março, desde 1994, que contribuíram para a divulgação de aspectos
relevantes das actividades e do património do Colégio: “Lisboa, capital da Cultura”, "O
espaço da língua portuguesa - PALOP e Macau”; "Edições de “Os Lusíadas” da Biblioteca
do CM" (para a visita do Presidente da República), “Instrumentos científicos e pedagógicos
do Museu de Física do CM”, “Livros raros da Biblioteca do CM”.
• Autor de artigos científicos sobre Cultura Portuguesa, publicados em importantes revistas
culturais: “Arquivos” da Fundação Gulbenkian; “Quadrant” revista da Universidade de
Montpellier, “Revista ICALP” do ex-Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, "Comunicação
& Cultura" da Universidade Católica e de uma “Bibliografia Sebástica” sobre D. Sebastião e
o Sebastianismo, na Biblioteca da Universidade de Coimbra (2002).
• Tem uma referência elogiosa e dois Louvores.
• Actualmente é professor de Cultura Portuguesa na Universidade Católica.

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BENEDICTUS DOMINUS DEUS NOSTER
QUI DEDIT NOBIS SIGNUM 1

Quis a Direcção do Colégio Militar honrar-me com a proposta da


realização da lição inaugural do ano lectivo de 2006-2007. Esta proposta é
tanto mais honrosa quanto quem faz esta lição é já um professor
aposentado, embora jovem aposentado. Aposentado da tarefa das aulas, é
certo, mas não da sua condição de professor, e sobretudo de professor do
Colégio Militar. Por isso, foi com prazer e desvanecimento que aceitei a
honrosa incumbência. Permitam-me, no entanto, que, neste momento, em
que encerro a minha participação como docente do Colégio, me dirija
particularmente àqueles que são, afinal, a razão de ser da minha longa
presença de 23 anos nesta Instituição. É aos alunos, pois, que quero dirigir
a minha última lição.

Alunos do Colégio Militar:

Quando, por solicitação expressa do autor, a "Mensagem", impressa


já em Outubro de 1934, começou a ser distribuída no circuito comercial a 1
de Dezembro desse mesmo ano, havia no desejo de Fernando Pessoa algo
de simbólico que o poeta não queria deixar de relevar. Não era só porque
nessa data se celebrava o dia em que Portugal se libertara de Castela, em
1640, mas porque a Restauração representava um dos momentos altos da
História de Portugal, país que, por esse mesmo facto, afirmava o seu desejo
de autonomia e de identidade nacional.

1 Bendito Deus Nosso Senhor que nos deu o Sinal.

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Se procurarmos a definição de "Identidade" no excelente dicionário
da língua portuguesa que é o do brasileiro António Houaiss, aí vemos a
melhor explicação que dela se pode dar: "Conjunto das características e
circunstâncias que distinguem uma pessoa ou uma coisa, graças às quais é
possível individualizá-la".
Ora a "Mensagem" é um indicador de identidade e de
individualização. Individualização, no sentido em que apela ao mais fundo
do sentimento português, identidade, porque aponta o caminho. O último
verso do poema, em jeito de exortação: É a Hora! é um apelo, quase um
grito, para que quem andava – e anda – distraído, desperte e conjugue as
forças que lhe restam para não se perder no turbilhão desenfreado das
ideias contrárias, falsas e desviadoras.
A "Mensagem" é um poema simbólico, o único que o próprio
Fernando Pessoa organizou e publicou em vida. Nessa sua intenção
determinada – caso raro na indeterminação de que toda a sua obra é
exemplo – tem que ver-se algo mais do que o prognóstico de um simples
acto testamentário, já que Fernando Pessoa morreria exactamente um ano
depois, a 30 de Novembro de 1935.
O objectivo da "Mensagem" está todo contido no título. O que
Fernando Pessoa pretende com o seu livro é comunicar alguma coisa a
alguém. Essa coisa é a História de Portugal – o que ela tem de projecto
nacional, de projecto de vida – diríamos agora – esse alguém são os seus
concidadãos, os portugueses, nós, afinal.
O conteúdo deste poema epo-lírico é construído em torno das
figuras-chave da história portuguesa que, ao longo de cinco séculos foram
conduzindo o fio do projecto português. Esse projecto, mesmo começado
pelo mito do Milagre de Ourique – "O mito é o nada que é tudo", diz
Fernando Pessoa no poema "Ulisses" – é o que foi impregnando os agentes
da História de Portugal, desde Afonso Henriques até D. Sebastião. Porque é

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afinal em 1578, em Alcácer-Quibir, e mais propriamente em 1580, com a
conquista de Portugal por Filipe II na Batalha de Alcântara, que o projecto
português independente acaba, para dar lugar a dependências várias – de
Espanha, no século XVII, de França, no século XVIII, de Inglaterra, no
século XIX, talvez dos Estados Unidos e da Europa no século XX… Ainda
não sabemos o que nos reserva o século XXI quanto a dependências… O
próprio Fernando Pessoa o refere: "Notar-se-á que se considera a História
de Portugal como fechada nas duas primeiras dinastias, dando-se como não
existente a dos Filipes, a dos Braganças e a República. Assim é. Estes três
tempos são o nosso sono; não são a nossa história, senão que representam a
ausência dela".
De que é feita então a identidade portuguesa que Fernando Pessoa
plasmou na "Mensagem"?
O poema, dividido em três partes: "Brasão", "Mar Português" e "O
Encoberto", aponta para um desenvolvimento ternário da História em três
idades, tal como foi expresso pelo monge calabrês Joaquim de Flora, no
século XII: a Idade do Pai, a Idade do Filho e a Idade do Espírito Santo. A
primeira parte da "Mensagem", o "Brasão" neste caso, representa o "Sinal"
– epíteto da "Mensagem" – dado a Portugal pelo Pai – Deus – para que a
Nação existisse. Não importa que esse "Sinal" seja mito, pois do mito que,
por definição, é criação onírica, e que é "nada", se passa à existência de
facto, que é "tudo". Não importa que o milagre de Ourique não tenha
existido, como demonstrou Alexandre Herculano, porque o facto histórico
que o originou resultou na independência do Condado Portucalense e na
posterior afirmação de D. Afonso Henriques como primeiro rei de um
espaço autónomo, Rex Portugalliae.
Heraldicamente, o brasão, através do seu simbolismo, reúne no
pequeno espaço dos seus campos os elementos fundamentais que
caracterizam o seu possuidor. Nesse sentido, é cartão de visita de quem o

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usa. Terá de conter, pois, as marcas que identificam, que definem, e que,
interiorizadas, melhor apresentam quem o detém. É por isso, pois, que na
primeira parte da "Mensagem", "Brasão", estão conjuradas as figuras que,
de algum modo, são fundadoras de cada passo do projecto português e que
Fernando Pessoa distribuiu pelos diversos elementos do Brasão de
Portugal, tal como foi declarado por Afonso Henriques e definitivamente
representado por D. João II, no século XV. Estão assim inscritas as figuras
de Viriato, porque com ele começa a definição do espaço que mais tarde
virá a ser Portugal; do Conde D. Henrique e de D. Teresa, senhores do
Condado que iria autonomizar-se e porque são progenitores daquele que
iria tornar-se o seu primeiro rei. De Afonso Henriques, porque afirmou a
independência do território herdado que inicia e deu origem a Portugal. De
D. Dinis, porque não só foi o que lançou as bases administrativas do espaço
até então conquistado – e recordemos que Portugal é o primeiro país da
Europa que tem as suas actuais fronteiras definitivamente delimitadas há
mais tempo, desde 1297 – mas chamou à maioridade a utilização da língua
portuguesa, que afastava o latim para se tornar autónoma, e, mais do que
tudo isto, participou poeticamente na criação da literatura portuguesa, ao
escrever genuínas Cantigas de Amigo, o género por excelência da forma de
poetar neste lado ocidental da Península Ibérica, no século XIII. De D. João
I e de D. Filipa de Lencastre, porque deram origem à Ínclita Geração, a
mesma que levou Portugal ao mar na primeira metade do século XV e criou
as bases da participação da Nação portuguesa no movimento do
Humanismo europeu, dando "novos mundos ao Mundo", na feliz e
inigualável expressão de Camões.
São estes os fundadores da base em que vai assentar a construção do
território, dentro e fora das fronteiras, por isso mesmo inscreveu-as
Fernando Pessoa no campo dos "Castelos", a pedra sólida dos alicerces da
Nação.

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No campo das "Quinas", que desenham uma cruz, colocou o poeta as
personagens fundadoras da identidade espiritual de Portugal. D. Duarte,
rei-filósofo, que, pela primeira vez, descreveu a Saudade, no "Leal
Conselheiro", em 1437. D. Fernando, o primeiro mártir de uma expansão
que trouxe não poucos sacrificados de uma e de outra parte. D. Pedro, o
Regente de Portugal, que, se pode considerar o primeiro português de
espírito humanista, e que por ter viajado pelas sete partidas do Mundo
acumulou um saber universalista. D. João, Condestável de Portugal, outro
filho de D. João I, o único a contestar a expedição a Tânger, que resultaria
em desastre. E D. Sebastião, a fechar tragicamente o ciclo deste percurso, é
certo, mas que nos aparece como figura fundadora de um mito, o
Sebastianismo, que se tornou recorrente no inconsciente colectivo
português.
A ornamentar o brasão, na "Coroa" e no "Timbre", as figuras
imprescindíveis da História portuguesa que contribuíram para cimentar e
desenvolver o projecto português: Nuno Álvares Pereira, que liderou pela
espada, em Aljubarrota, a primeira afirmação consciente de uma identidade
que se designava Portugal, ao não querer tornar-se parte integrante de
Castela; o Infante D. Henrique, que pela sua teimosia e capacidade
organizativa, iniciou a aventura do mar; D. João II, o maior rei da nossa
história que, pela visão política e diplomática e vontade férrea, cumpriu
bem as palavras da sua divisa: "Pela Lei e pela Grei", e Afonso de
Albuquerque, primeiro vice-rei de um império que, afinal, trazia na sua
grandeza o germe da sua própria destruição. Tudo figuras fundadoras, em
etapas essenciais do devir da História portuguesa e do projecto de
afirmação da Nação.
A segunda parte da "Mensagem" corresponde à idade do Filho. É o
culminar do objectivo traçado, a Missão destinada por Deus a Afonso
Henriques para a Nação portuguesa, que é afinal a substância do milagre de

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Ourique. É este o simbolismo do título desta segunda parte: "Mar
Português". Porque "o esforço é grande e o homem é pequeno", o "mar
com fim será grego ou romano, / o mar sem fim é português", diz o poema
"Padrão". É nesta parte que aparece a figura tutelar do Infante D. Henrique:
"Quem te sagrou, criou-te português", mas é também no poema "O Infante"
que Fernando Pessoa, como em desabafo, deixa antever a realidade que é o
presente, o seu e o nosso: "Senhor, falta cumprir-se Portugal". Por isso, este
momento da "Mensagem" acaba com uma "Prece": "Dá o sopro, a aragem
[…] / com que a chama do esforço se remoça, / E outra vez conquistemos a
distância – / Do mar ou outra, mas que seja nossa".
Mas a mensagem da "Mensagem" é afinal outra. Não a de uma
derrota ou desfalecimento, mas a de esperança, de possibilidade de
redenção que está no "Encoberto" – título da parte III do poema,
correspondendo ao terceiro elemento ternário, à idade do Espírito Santo. A
salvação não é, como possa parecer, a figura de D. Sebastião ou a de
qualquer outra personagem, mais ou menos simbólica, mais ou menos
carismática. Isso mesmo indica Fernando Pessoa no poema "Tormenta":
Somos "Nós", é "Portugal" é o "poder ser", o "desejar poder querer". Por
outras palavras: não é esperar D. Sebastião ou contentar-se com o "fulgor
baço da terra / que é Portugal a entristecer". É, afinal, o contrário disso, é
"viver a verdade / que morreu D. Sebastião" e por esse motivo erguer-se,
ousar e caminhar. "Ser descontente é ser homem".

A mensagem do poema está aí: na compreensão do que se é, para


realizar o que se quer ser. E isso está em Nós, Portugal. É esse o objectivo
de Fernando Pessoa, que ele próprio exprimiu explicando a "Mensagem":
que pela leitura do seu poema, cada indivíduo se torne melhor –
conhecendo-se e praticando-se como melhor Português. Assim renovado,

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cada um no conjunto de todos os outros, melhora a Nação, que, por sua
vez, no contexto de todas as nações, melhorará a Humanidade. 2
A nação é o que quiserem dela os seus filhos, é certo, mas é
independentemente disso, o conjunto sedimentado de factos históricos, da
língua, de vivências, de manifestações artísticas e técnicas e de tradições.
Pela enumeração constata-se desde logo que não temos cumprido bem
alguns destes pressupostos, por isso, não temos igualmente exercido o
nosso dever de filhos desta nação portuguesa.

Minhas Senhoras e meus Senhores, Alunos:

À "Mensagem" também podemos ir buscar a justificação da


existência do nosso Colégio. "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce".
Que outros versos melhor definiriam o desejo do Marechal Teixeira Rebelo
concretizado na fundação do Colégio Militar?
Por isso, a "Mensagem" é também para nós, para vós, para todos os
que sentem o Colégio Militar e se identificam com o que ele significa. Na
afirmação de uma identidade própria, na concretização de uma tradição que
se inscreve nos mais altos valores que impregnaram os nossos
antepassados, na esperança da perenidade do ideal que norteou o fundador.
Também nós, Colégio Militar, recebemos o Sinal, também nós, Colégio
Militar, estamos incumbidos de uma Missão. Por isso, se quisermos
responder ao que de adverso se nos apresenta, aos que desejam o nosso
mal, aos que nos olham com desdém, aos que nos cobiçam, lembremos a

2 "Ser intensamente patriota é […] primeiro, valorizar em nós o indivíduo que somos, e fazer o possível
por que se valorizem os nossos compatriotas, para que assim a Nação, que é a suma viva dos indivíduos
que a compõem, e não o amontoado de pedras que compõem o seu território, ou a colecção de palavras
separadas ou ligadas de que se forma o seu léxico ou a sua gramática – possa orgulhar-se de nós, que,
porque ela nos criou, somos seus filhos, e seus pais, porque a vamos criando (…)". In Jacinto do Prado
Coelho, Páginas Íntimas e de auto-interpretação.

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exortação final do poema e, fazendo nossa a voz de Fernando Pessoa,
interiorizemos o desafio: "É a Hora!"
Resta-me desejar que todos os que daqui saírem sintam curiosidade
em ler o grande poema da Modernidade portuguesa que é a "Mensagem".

Muito obrigado.

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