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∗ Artigo públicado na Revista Portuguesa do Dano Corporal, Ano II, N.º 4, pp. 73- 90, Maio de 1994.
∗∗ Advogado. Pós-graduado em Medicina Legal pelo Instituto de Medicina Legal de Lisboa. Sócio
Efectivo da Associação Portuguesa De Avaliação do Dano Corporal.
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J. Coelho dos Santos Perícia Médico-Legal e oDano Dor
Introdução
A temática que nos ocupa mais não será do que beliscada nalgumas questões
que, por razões de ordem prática, entendemos serem agora de maior interesse discutir
no seio da APADAC1. Não podemos, no entanto, deixar de alertar para o que, no
nosso entendimento, seria um verdadeiro estudo sobre o dano dor.
Uma análise profunda sobre este dano implicaria que se procedesse ao estudo
dos danos não patrimoniais, numa vertente actual e histórica e, nesta última
perspectiva, haveria que recuar até data anterior ao Código Civil de 1966, porquanto
já antes deste e, ainda que sem esgotar o conceito, sob a designação de "danos
morais", se tomava em consideração a dor como dano emergente de lesão geradora de
responsabilidade civil. Não ficaria, ainda assim, completo este estudo se não se
tivesse em conta a evolução que as mesmas figuras ou símiles tiveram no direito
comparado.
Na doutrina portuguesa existem numerosos estudos sobre os danos não
patrimoniais, da autoria dos mais ilustres civilistas portugueses. Ainda assim, e ao
invés do que ocorre nos demais países europeus e nos EUA, sobre o estudo
particularizado dos danos não patrimoniais resultantes de lesão corporal com
incidência sobre o físico, o psíquico e a qualidade de vida da pessoa, escasseiam as
monografias.
Muito embora se encontre numerosa jurisprudência no âmbito da
indemnização por danos não patrimoniais e, diga-se em abono da verdade, tenha sido
através desta que se tem recebido e integrado de forma explícita, na cultura jurídica
portuguesa, algumas "novidades" relativas ao dano corporal2, não pode atribuir-se à
jurisprudência o papel de relevo que noutros países tem tido3.
A jurisprudência tem tido uma actuação manifestamente positiva, recebendo e
integrando o impulso inovatório do perito médico-legal, concretizado, especialmente,
através do seu principal instrumento de intervenção judicial: o relatório pericial. Não
tem, quanto a nós, relativamente aos novos conceitos médico-legais e métodos
periciais, efectuado a reflexão crítica que lhe competia, .
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4. É, neste contexto, que se devem louvar os esforços da APADC, ao promover reuniões entre médicos e
juristas, contribuindo para o desenvolvimento duma linguagem comum e do estudo de questões da
medicina legal. Aqui, cumpre destacar o trabalho do Instituto de Medicina Legal de Coimbra e a pessoa
do seu actual Director o Prof. Doutor Oliveira Sá que, com o prestimoso contributo da Faculdade Direito
de Coimbra, iniciaram, em Portugal, a formação específica nesta área e criaram a APADC, dando um
empurrão que, se espera, seja decisivo na investigação científica das questões relativas à valorização
médico-legal do dano em direito civil.
5. Afirma-se análise judicial sem se esquecer que muitos dos processos não chegarão ao contencioso,
sendo regulados entre os intervenientes: lesado, lesante e seguradora. A avaliação do dano deverá fazer-se
sempre com vista à situação extrema das partes não acordarem extra-judicialmente qual a compensação
devida, tanto mais que, quando no processo intervem o segurador, este tenderá a analisar de forma
técnico-jurídica (como se de uma acção em tribunal se tratasse) os elementos reunidos, com vista a aceitar
ou fazer uma proposta de acordo.
6. Todas as disposições legais indicadas no texto, sem expressa referência ao diploma, pertencem ao
Código Civil de 1966.
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1. O conceito de dor
7. No caso dos danos não patrimoniais, a fixação do montante, segundo um juízo de equidade, importa a
possível redução do valor considerado adequado à satisfação da pretensão indemnizatória, por efeito da
ponderação das circunstâncias do art. 494.º, independentemente da responsabilidade se fundar em mera
culpa ou dolo do lesante.
8. O julgamento, segundo critérios de equidade, é a regra para os danos não patrimoniais - art. 496.º, n.º 3
- que, pela sua própria natureza, são insusceptíveis de avaliação pecuniária; já quanto aos danos
patrimoniais, o juízo de equidade opera quando não se possa averiguar do seu exacto valor - art. 566.º, n.º
3 - e, quando a responsabilidade se fundar em mera culpa - art. 494.º.
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9. A presente definição não abrange a dor resultante da doença natural que, agora, não nos preocupa pois,
estamos a analisar a questão da ressarcibilidade dos danos provocados por acção de terceiro geradora de
responsabilidade civil.
10. A dor psicológica aparece inúmeras vezes referenciada como "dor psíquica" e como "sofrimento".
Usaremos com idêntico propósito e indiferenciadamente qualquer das designações.
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2. O dano dor
11. Tomando a ideia de consolidação como o momento a partir do qual a medicina nada mais pode fazer
para melhorar a situação da vítima, tem sido considerado que, até esta data, os danos revestem a natureza
de temporários e, a partir daí, os remanescentes, revestem a carácter de permanentes.
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12. A título de exemplo, refere-se uma das técnicas do cálculo da compensação a atribuir pelo dano dor,
concebida e utilizada nos EUA, designada de «per diem argument» que se reconduz, numa explicitação
sumária, à multiplicação das horas de dor por um valor unitário (que variará consoante a intensidade da
dor), com vista à determinação duma quantia "certa". Técnica que, tal como todas as outras que se
conhecem, acaba por ter um momento de subjectivismo: a determinação da taxa hora de dor versus valor
atribuído.
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Por último, cabe fazer uma referência à dor como elemento determinante da
data de consolidação. À semelhança dos outros danos, também a dor deve ser tomada
em conta para a fixação da data de consolidação podendo, no extremo, estar
unicamente dependente da cura da dor temporária, a determinação da data a partir da
qual se ponderarão os efeitos permanentes da lesão.
13. Não cuidando o presente trabalho destes danos expôr-se-à, em relação a cada um, o essencial para
firmar ou infirmar a distinção que se procura.
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14.Atente-se que cuidamos unicamente dos aspectos não patrimoniais. Assim, a incapacidade permanente
a que nos referimos é a incapacidade permanente de carácter anátomo-funcional geral, excluídos os seus
aspectos económicos que, em especial, se reconduzem na incapacidade permanente para o trabalho.
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Muito embora a ciência médica não seja hoje consensual na afirmação de que
o paciente que se encontra inconsciente15 não sofre, ou seja, não tem dores é, ainda
assim, a posição que mais adeptos recolhe e, nesta sequência, entende-se que a vítima
que está inconsciente não sofre qualquer padecimento, excluindo-se o pagamento da
dor.
A integridade psicofísica do ser humano, independentemente da consciência
que a vítima tenha da sua lesão, não pode deixar de ser considerada como direito
fundamental da pessoa humana. É, neste contexto, que surge o dano estético e o
prejuízo de afirmação pessoal, como danos específicos separados do dano dor.
Conclusivamente, poder-se-à afirmar que, enquanto que o dano dor contém
aquele conjunto de prejuízos não patrimoniais apreciáveis de forma exclusivamente
subjectiva, o dano estético e o prejuízo de afirmação pessoal estão especialmente
destinados a cobrir os prejuízos não patrimoniais permanentes - excluídos os
relacionados com a incapacidade permanente - que podem ser apreciados
objectivamente.
Assume-se assim uma concepção objectiva destes danos.
Entende-se ser este o fundamento distintivo do dano dor em relação aos
demais danos enunciados o que, consequentemente, implica a eleição de diferentes
parâmetros de apreciação.
Não podemos esquecer que o dano não patrimonial permanente pode ser
presente ou futuro, surgindo de novo ou, pura e simplesmente, variando a sua
gravidade.
O quadro legal em que se funda a responsabilidade civil e o consequente dever
de indemnizar não distingue, quanto à natureza dos danos a ressarcir (a não ser nos
termos já indicados na distinção danos patrimoniais versus danos não patrimoniais),
desconsiderando, em absoluto, o carácter permanente ou temporário, presente ou
futuro do dano, cumprindo apreciar e compensar a dor.
O regime jurídico aplicável só impõe que o dano futuro seja previsível,
concluindo-se que nada aponta para o afastamento da obrigação de indemnizar
determinados danos pelo seu carácter futuro.
O n.º 2 do art. 564.º, sem distinguir entre danos patrimoniais e não
patrimoniais, permite que, na fixação da indemnização, se atenda aos danos futuros,
desde que sejam previsíveis.
15.Consciência e inconsciência poderão ser genericamente definidos como termos opostos duma situação
que - no limite - se refere a um estado psíquico dum ser humano que tenha ou não conhecimento da sua
própria existência e do mundo que o rodeia e, ou, que reaja ou não a estímulos externos.
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Já se viu que o dever de indemnizar, no caso dos danos não patrimoniais, passa
por duas operações do julgador, que podem levar a que este atribua (ou não)
determinada compensação: primeiro, reconhecendo a existência do dano, depois,
considerando se a sua gravidade merece a tutela do direito (art. 496.º, n.º 1); uma vez
reconhecida a sua existência e a ressarcibilidade, pondera os elementos processuais
com vista à formação da sua convicção do que será o montante adequado para
16. Dispõe o art. 564.º, n.º 2, 1.ª parte que «na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos
futuros, desde que sejam previsíveis». Esta questão, no âmbito do dano corporal, pode definir-se como a
probabilidade dos danos futuros consubstanciarem, face ao contexto factual e aos conhecimentos médicos
actuais, o esperado e normal desenvolvimento - dentre os possíveis - de determinada situação clínica.
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17. In Clínica médico-legal da reparação do dano corporal em direito civil, pág. 89.
18. Escala de classificação do grau dos subjectivos dolorosos: 1. Muito ligeiro; 2. Ligeiro; 3. Moderado; 4.
Médio; 5. Considerável; 6. Importante; 7. Muito importante.
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19. Por exemplo, a necesidade de, durante longo período, o lesado ter de se manter imóvel, não poder falar, ter
de dormir sentado.
20. In "Das Obrigações em Geral", Vol I, 2.ª Ed., pág. 486.
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6.2 EM SÍNTESE:
SUMÀRIO:
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SOMMAIRE:
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