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ESTRANHO
NO
ESPELHO:
REPRESENTAÇÕES
DO CABOCLO
AMAZÔNICO
UM ESTRANHO NO ESPELHO
REPRESENTAÇÕES DO CABOCLO AMAZÔNICO
Manaus
2004
3
UM ESTRANHO NO ESPELHO:
REPRESENTAÇÕES DO CABOCLO AMAZÔNICO
Manaus
2004
4
Ficha Catalográfica:
FOLHA DE APROVAÇÃO
........................................................................................
........................................................................................
Professor Doutor Marcos Frederico Krüger Aleixo
Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa / UFAM
Presidente
........................................................................................
Professor Doutor Narciso Júlio Freire Lobo
Doutor em Ciências da Comunicação / UFAM
Membro
........................................................................................
Professor Doutor Amarildo Menezes Gonzaga
Doutor em Educação / CEFET/AM
Membro
6
Aos que
acreditam
no valor
dos primeiros
passos.
A mim mesma,
por não perder
a Fé.
Dedico.
7
A todos os que,
de alguma maneira,
contribuíram para esta tessitura,
com pequenos gestos de
solidariedade, atenção generosa,
orientação, incentivo e apoio.
Minha gratidão.
8
RESUMO
ABSTRACT
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11
INTRODUÇÃO
Í
cone da modernidade pseudo-ecológica na onda naturalista que invadiu o
mundo nos últimos tempos, a Amazônia tem suscitado idéias e concepções
controversas, especulações várias e pouca compreensão sobre a sua
realidade. No imaginário de muitos a Amazônia continua encarnando o papel do
Novo Mundo, inóspito, fantástico, mágico, estarrecedor, que animou as elites
européias por ocasião do descobrimento das Américas.
Para a constituição do grupo focal foi feita uma reunião com nove alunos
voluntários do nível médio, sem especificação de série. Percebeu-se, pela
dificuldade de abordagem do tema com os jovens, a dificuldade de extrair nos
depoimentos pessoais dados suficientemente relevantes para constituir material
de estudo, evidenciando-se a necessidade de introduzir na entrevista perguntas
mais diretivas, assim como observar a postura dos estudantes durante a
verbalização.
as relações, e ao mesmo tempo um caminho de criação.” Noções são entendidas pela autora como
“elementos de uma teoria que ainda não apresentam clareza suficiente e são usados como ‘imagens’ na
explicação do real. Eles expressam também o caminho do pensamento. Ou seja, expressam a relação
intrínseca entre a experiência e a construção do conhecimento.”
23
D
e acordo com Lisboa (1997), as imagens da América criadas pelos
europeus do séc. XIX reportam-se às idéias veiculadas na época da
conquista européia do continente americano, quando as diferenças
entre os continentes foram firmadas por uma oposição conceitual entre o Velho e
o Novo Mundo. O primeiro, centro de cultura e desenvolvimento, o segundo, uma
“terra de ninguém”, selvagem e indômita. A imagem de inferioridade e de
debilidade da terra e do homem americano é alicerçada pelos conceitos de
naturalistas respeitados nos meios científicos, como Buffon e Cornelius de Pauw,
este último defensor da idéia de que o continente americano estaria fadado a uma
irreversível degradação.
diziam que o mundo era imaturo, porém a vida animal que o povoava
mostrava, por outro lado, que esse mundo já nascera imperfeito, motivo
pelo qual era fraco, enfermiço e débil. A influência desses fatores agia
sobre o temperamento do homem, modulando sua história e seus
costumes (GONDIM, 1994, p.73).
De Pauw foi mais longe e, sem jamais ter tido contato com os selvagens
americanos, se declara convicto da sua “degeneração”, deduzindo serem esses
pouco mais do que “bestas”, que sentiam ódio das leis da sociedade e da
educação. Considera ele que, além de possuírem menos sensibilidade, menos
humanidade, menos gosto, menos instinto, menos coração e menos inteligência,
esses selvagens são fracos e incuravelmente preguiçosos, incapazes de
progresso mental.
Defendido por alguns e atacado por outros, esse mito norteou a visão de
muitos estudiosos, viajantes e naturalistas como Spix e Martius, cujas anotações
iniciais de viagem em área brasileira indicam claramente essa orientação. Tal
visão, no entanto, ao contato com uma realidade cultural inteiramente diversa do
30
Assim, o destino da raça americana, tal qual acontece com outros seres da
natureza, é decompor-se, antes de alcançarem o mais alto grau de
desenvolvimento. Por não serem dotados de perfectibilidade, a raça americana
nada mais é do que um “ramo atrofiado no tronco da humanidade”, relegados,
portanto, à impossibilidade de aperfeiçoamento e de atingirem a “humanidade
superior”.
transformado neles e em torno deles e pelo fato de viverem num tempo imóvel,
próprio de sua “natureza decaída”. Em sua concepção, os nativos americanos
pertencem a uma não-história , em que não há passado nem futuro (LISBOA,
1994).
Para Martius, a miscigenação das raças, tal qual acontecia no Brasil, era
um aspecto basilar no inexorável caminho da civilização. Ao homem branco nos
trópicos, por representar a “verdadeira humanidade” e por isso gozar de
37
Para Bates (1979) os índios são como animais anfíbios, dado o extremo
vínculo com a água, com os rios. Em sua opinião o índio não passa de um
estranho nas regiões tropicais e a aparente bondade é provavelmente decorrente
muito mais da ausência de qualidades más do que da presença de boas
qualidades. Bates critica também o temperamento apático e indiferente dos
índios, assim como a ausência de ambição e a frieza de sentimentos, e a falta de
curiosidade e agilidade mental, presumindo que esses têm uma imaginação
embotada, sem vivacidade, generalizando essas e outras características
depreciativas para toda a raça indígena dos trópicos.
não obstante constituir uma unidade social resultante de língua, padrões culturais
e território comuns”.
A história da Amazônia, reforça Torres (2002, p. 84), tem sido escrita desde
a época da colonização “com a letra minúscula do preconceito e da distorção
mentirosa”. Em sua opinião, não há dúvidas de que o preconceito constitui uma
construção social profundamente arraigada ao imaginário social, independente da
nacionalidade e sentido de pertencimento a determinada cultura. “O preconceito
assume uma dimensão simbólica gratuita, às vezes até inconsciente, mas que
solda idéias e reforça o sistema de estereotipia”.
A
história do caboclo amazônico é uma história de exclusão, de silêncios
e ausências, evidenciada não somente pelas parcas menções nos
registros históricos e no discurso científico nacional, mas também por
sua quase invisibilidade no panorama social brasileiro. O seu papel no mundo
amazônico e na sociedade nacional tem sido marcado por evasivas e
indefinições. Falar a respeito do caboclo, sobretudo se referido ao elemento assim
denominado na região amazônica implica, portanto, um trabalho artesanal: é
juntar pedaços, criar conexões, percorrer caminhos que se cruzam, tentando
constituir um conjunto coerente de sentido.
5
Em As Cidades Invisíveis.
49
geral, o índio não é definido como "caboclo", e este, com raras exceções, não se
reconhece como tal, nem se sente parte de uma pretensão de "etnia",
considerando-se grupo étnico aquele que se concebe em si mesmo bem
diferenciado dos outros grupos e assim é percebido por aqueles. Por outro lado,
os tidos como caboclos também não se consideram índios e, freqüentemente,
negam uma ascendência indígena, apesar das características somáticas
evidentes.
6
No contexto da história da região, caboclos são os indígenas habitantes rurais da Amazônia que, em sua
maioria, vivem em pequenas comunidades nos arredores dos rios, usando tecnologia ameríndia em
atividades de subsistência. [...] “Indígena” é aqui empregado porque os caboclos estão historicamente,
culturalmente e biologicamente ligados diretamente à população ameríndia que ocupou a planície amazônica
na época do contato europeu; com efeito, os “primeiros caboclos” foram predominantemente os culturalmente
sobreviventes das populações ameríndias que foram destruídas pelos portugueses. Estes primeiros
caboclos, incluindo seus descendentes miscigenados, começaram, sem benefício de registros ou história, o
lento e difícil processo de forjar um novo padrão, um novo contexto para existência na Amazônia.
51
In the late 1940s when Eduardo Galvão and I were preparing for
research in Gurupá which we gave the fictious name of Itá in our
publications, our colleagues, government officials and others in the city of
Belem exclaimed when we outlined our research plans. “So you are going
to study the caboclos of Gurupá.” When we reached Gurupá, our
informants and friends in the town looked puzzled at first when we used the
term. Then, they told us that the caboclos da beira (river bank inhabitants)
lived on the alluvial islands across the river channel. They excluded the
farmers who lived on the upland terra firme; the caboclo was a rubber
gatherer cultivating only a small plot in quick growing corps in the annually
flooded varzea and adding to their food supply by hunting and fishing. They
laughed and told us stories of the rustic behavior of the caboclos; they
arrived in town without shoes or sandals and complained of the hard
streets. (They were not paved) Later, we spent time on the islands coming
to know the so called caboclos only to find that they did not identify
themselves as such. They pointed to the north toward the Brazilian-Guiana
border. “There are caboclos there”, they explained, “and they are nude and
hunt with bows and arrows.” In short, to them the caboclo is the
autochthonous Indian. Darrel Miller in this paper states correctly that the
term is mildly pejorative. As our experience in Gurupá indicates it is used
by segments of the Amazon population for those lower in socio-economic
status than their own. No one, even the innocent Indian, uses the therm to
identify themselves. In the history of the Amazon, the term caboclo was
first used to refer to the Amerindian. Then as miscegenation took place, it
referred to the offspring of a European male and an Indian women
(synonym “mameluco”). Finally, by the mid-19th century it came to
designate the rural rustic7 (WAGLEY, 1985, p. viii).
moreno (mulatto), the term caboclo (sometimes the synonym tapuia) was
used to describe a person’s physical appearance. The caboclo has straight
black hair, bronze skin, and little body hair. As with the other physical types
there are behavioral stereotypes associated with the caboclo physical type.
Caboclos are thought to be timid because they prefer to live by themselves
“like animals”. They are suspicious and tricky. They are excellent hunters
and fishermen. But they are lazy – “they do not plant gardens but live from
the sale of a little rubber and by fishing for their meals.” Yet these
stereotypes are aimed not only at those of caboclo physical type but also at
all rural collectors. […] Much of the confusion in Amazonia as to who is a
caboclo derives from the changing meaning of the term over time and the
segment of the population to which it refers8 (WAGLEY, 1985, p. vii– ix).
De acordo com Torres (2003, p. 109), a primeira versão escrita desse termo
aparece no Alvará Régio de 4 de abril de 1775, no qual uma autoridade
portuguesa proibia o uso do termo cabocolos “ ou outro semelhante, que se
pudesse tomar por injurioso” aos vassalos casados com índias. Tal proibição faz
deduzir “que o termo “cabocolo” estava associado a algo pejorativo, de
característica negativa, a ponto de ser proibido o emprego desse termo para
designar o colono matrimoniado com a indígena.”
ao outro e à exclusão. Por isso, na maior parte das vezes o termo é rejeitado por
aqueles que designa, sendo apenas em algumas instâncias usado como um
termo de auto-atribuição.
Nesse último caso estão os grupos indígenas que usam, eles próprios, o
termo caboclo para autodenominação, utilizando-o como um recurso de oposição
aos brancos:
Em seu estudo sobre uma comunidade amazônica que ele chamou de Itá,
Wagley (1977) observou que os conceitos do povo local sobre o tapuia ou
caboclo, identificado pelo tipo físico do ameríndio, eram menos favoráveis que os
do negro, carregando duplo sentido, um significando baixa posição social e outro
60
11
Eduardo Galvão é autor de várias obras sobre a cultura amazônica, especialmente sobre a cultura cabocla.
61
12
[…] o processo de "caboclização" na Amazônia brasileira, os eventos e condições que em grande parte
destruíram a sociedade ameríndia, transformaram o ameríndio e resultaram no aparecimento e solidificação
de uma classe e cultura caboclas na Amazônia no início do século XIX. A caboclização dos ameríndios pode
ser vista como tendo sido efetuada em três fases distintas, mas relacionadas: (1) o período inicial de
estabelecimento (1600-1655), no qual as expedições colonizatórias exacerbam em perversas investidas
sobre as populações de ameríndios, o caos prevalece e o problema de trabalho adequado aparece pela
primeira vez; (2) os anos de domínio jesuítico na Amazônia (1655-1755), durante os quais o ameríndio foi
"catequizado" e convertido de subsistência a produtor de mercadorias; e (3) as regras do Diretório (1755-
1799) sob as quais um jogo de políticas e regulamentos foi promulgado, pretendia converter e cristianizar os
ameríndios e conseqüentemente convertê-los em membros da sociedade portuguesa, mas na realidade
serviu principalmente para completar a transformação do ameríndio em caboclo.
62
Por sua vez Galvão (apud SILVA, 1996), vê também por outro ângulo,
destacando o encontro das culturas indígenas e européias na origem da cultura
cabocla.
É verdade, reforça a autora (p. 123), que os nativos não se preocupam com
o dia de amanhã, como também não se preocupam em deixar bens materiais
para os filhos, o que não significa que sejam preguiçosos. O comportamento
meditativo, calmo e silencioso do homem amazônico e o seu modo
“despreocupado” de conduzir a vida, são devido a um condicionamento histórico e
têm a ver com as características indígenas latentes, “mas também estão
associados a uma sabedoria de vida e a uma estratégia de sobrevivência. É uma
questão culturalmente arraigada ao seu modo de ser...”.
população era mais adequado aos padrões europeus (de Portugal), embora
sofrendo fortes influências das culturas aborígines e do ambiente amazônico.
“Formara-se uma cultura regional, fundamentalmente européia em suas principais
instituições, mas profundamente influenciada pelo ambiente típico da Amazônia e
pelas culturas nativas da região”.
14
[…] nosso conhecimento e entendimento da cultura do caboclo amazônico é limitado e fragmentário.
Menos coloridos e exóticos do que os seus primos tribais, os caboclos não desfrutaram a atenção que os
ameríndios antes desfrutaram. Ignorado, negligenciado, e eventualmente marginalizado junto com
populações migrantes, os caboclos permanecem desconhecidos em grande parte, apesar do seu papel
central no ambiente humano da Amazônia. […] muitas suposições e generalizações sobre a cultura cabocla
são baseadas em evidências insuficientes ou incompletas.
69
Para Parker, foi no século XIX, precisamente entre 1800 a 1850, que o
caráter e a qualidade da classe cabocla tomaram a forma que persiste até a
atualidade. A despeito da natureza de sua atividade econômica, o isolamento
cultural e todos os fatores que conspiraram contra a sua organização como grupo
social, o caboclo efetivamente acabou por tornar-se o legítimo representante
cultural da região, atingindo naquela época, um contingente bastante
representativo do total de habitantes da área.
16
Tal qual Torres (2003), o autor prefere usar esta grafia.
71
17
Texto obtido por meio eletrônico.
18
XVI secolo. Conquista brutale e distruzione fisica di molte etnie amerindie. Quelle che non sono annientate
sono spesso ridotte in schiavitù, reclutate nell'estrazione dei prodotti della foresta, soprattutto del legname e
delle cosiddette "drogas do sertão". XVII - prima metà del XVIII secolo. Con l'arrivo dei Gesuiti in Amazzonia
(1610), si dà avvio a quel sistema che, in più di un secolo, avrebbe condotto i gruppi indigeni radunati nelle
missioni, alla perdita delle loro tradizioni e cerimonie, quindi della loro identità. II metà del XVIII secolo. Con
l'espulsione dei Gesuiti dal Brasile (1755) e la fine del sistema delle missioni, una nuova epoca ha inizio. Il
ministro portoghese Pombal instaura il Diretorio dos indios (direttorio degli indios) (1755-1789), che prevede
l'assimilazione pianificata di indios e meticci nella società coloniale, attraverso la loro incorporazione
nell'economia regionale. Nel corso del XIX secolo, quando per caboclo si intende ormai il contadino
amazzonico, nato da padre bianco e da madre india, due eventi fondamentali contribuiscono ad imprimergli
una fisionomia precisa e a conferirgli un qualche senso di identità come gruppo. Questi avvenimenti
determinanti per la defini7ione del caboclo quale egli è attualmente, sono la rivolta del Cabanagem (1834-
1836) ed il Boom del caucciù (1850-1920), con la conseguente migrazione di contadini poveri dalle zone aride
del Nordest ( 1877) verso la lussureggiante foresta.
72
A expulsão dos jesuítas, de acordo com Parker (1985), foi uma reação ao
sucesso de sua empreitada: eles conseguiram o domínio econômico da colônia
com a transformação os índios em agricultores de subsistência, controlando
73
19
A Coroa reagiu ao sucesso dos jesuítas expulsando-os da região e assumindo a responsabilidade pelos
negócios dos ameríndios. A promulgação do Diretório, em 1757, proveu o mecanismo pelo qual a
caboclização do ameríndio foi completada. […] A meta do Diretório era converter e cristianizar os ameríndios
e assim torná-los integralmente membros de sociedade portuguesa. Tal transformação da população
ameríndia constituiria a principal agressão em suas culturas e sociedades. No entanto, o objetivo final do
Diretório era criar mão-de-obra suficiente para o desenvolvimento econômico da região amazônica.
Caboclos, os ameríndios transformados, não serviram a este propósito. Embora "destribalizados", os
caboclos dispersaram ao longo do interior da Amazônia, engajando-se em atividades de subsistência
baseadas em idéias e tecnologia indígenas.
74
The true nature of the caboclo would only appear after the acid test
of revolution, the cabanagem, revolt of 1835-1836 which plunged
Amazonian society into a bloody confrontation between the rural caboclo
and the urban seat of power. The molding of the caboclo into a
revolutionary was a slow and imperfect process which ultimately failed. The
caboclo proved to be a poor revolutionary, committed to only short range
local issues, and unable to forge a sustained attack against those who
controlled much of his economic foundation20 (PARKER, 1985, p. 51).
21
A inabilidade da liderança cabana para moldar os grupos locais em uma força lutadora unida refletiu a
ênfase no indivíduo. Líderes locais, grupos locais, dissidentes locais, tudo reforçou os focos múltiplos da
Cabanagem. Não é de se espantar que a Cabanagem tenha sido caracterizado por uma falta total de
ideologia ou construto teórico. Na realidade, a verdadeira natureza individualista dominante no caboclo
sentenciou a cabanagem ao fracasso como um mecanismo produtor de mudança. O individualismo fixou o
tom da Cabanagem e determinou a seu fim.
76
Além do boom extrativista, outro evento que marcou época na vida dos
caboclos amazônicos foi, segundo Miller (1985), o projeto governamental de
colonização em larga escala, a partir da abertura de rodovias. Com a
Transamazônica, por exemplo, seria facilitada a emergência de comunidades ao
longo da estrada, incrementando em conseqüência a ocupação regional. Miller
estudou os impactos causados por essa estratégia desenvolvimentista na
comunidade de Itaituba, que também sofria os efeitos da exploração nos
garimpos, que atraíram não somente a população cabocla, mas também os índios
mundurucus e um crescente número de imigrantes.
23
Fossem “índios”, “caboclos” ou “nordestinos” na origem, os seringueiros exibiam certas características
comuns como uma classe - quer dizer, um grupo das pessoas que se colocam em uma mesma posição
relativamente aos meios de produção - e desenvolveram uma visão de mundo comum e modo de resistência
que têm maior significação prática do que as óbvias diferenças étnicas ou culturais. Combinando produção
para o mercado com atividades de subsistência, seguindo uma existência semi-migratória, organizando
produção ao torno do indivíduo ou unidade familiar, tornando-se dependente de um patrão, mas lutando
manter alguma forma de autonomia, o seringueiro se tornou, ou permaneceu, um caboclo.
78
Quanto à forma como o índio e, por extensão, o caboclo, são vistos nas
comunidades urbanas, Silva (1996) reporta-se à existência de um “mecanismo
psicológico” inconscientemente utilizado pelos citadinos na tentativa de
obscurecer a condição de mestiço, traduzido na prática por uma suposta (e
forçada) valorização do índio como ancestral, não por consciência valorativa, mas
por sua condição de personagem histórico, numa posição idealizada e distante da
realidade social. A “identidade cabocla”, ao inverso, insiste em impor-se na
evidência dos traços somáticos:
24
Grafia pela qual a autora optou para referir-se ao “caboclo” em sua tese de doutoramento.
80
Souza faz coro aos opositores a essa imagem negativa do caboclo atrelada
freqüentemente justamente à imagem de indolente. Viana Moog, por exemplo,
citado por Oliveira Filho (1979), exalta as qualidades adaptativas do caboclo, o
único capaz de vencer as dificuldades que um ambiente de grande complexidade
ecológica como a Amazônia apresenta, qualidade esta também enfatizada por
Miller (1985).
Além disso, coube também ao caboclo, segundo o autor, em meio a uma natureza
selvagem e hostil, a tarefa de descobrir as formas de trabalho possíveis. Para
Alcarde (1962), o nativo da Amazônia chega a ser um herói anônimo, um
indivíduo de extraordinária resistência física e moral. O seu defeito, confundido
com indolência, é não ter ambição.
25
Sandra Jatahy PESAVENTO, em O imaginário da cidade: visões literárias do urbano – Paris, Rio de
Janeiro, Porto Alegre.
83
É
fato que qualquer proposta de estudo sobre o caboclo amazônico corre o
risco de se instaurar, desde a sua gênese, em bases movediças. Não
somente pela carência de um saber científico estruturado sobre o assunto,
mas também porque é um objeto que remete a amplas e diversificadas
possibilidades de elaboração e interpretação e inúmeras outras conexões teóricas
nas quais se faz necessário “escorar” o pensamento.
É fato reconhecido que a região Norte do país, não somente pela distância
geográfica, é vista de maneira estereotipada pelos habitantes do outro extremo.
Tal afirmação é facilmente comprovável em situações de contato entre pessoas
do sul com as do norte, especialmente do Amazonas, em vista do nível de
desconhecimento que se evidencia “dos de lá” em relação “aos daqui”.
26
Cf. Enciclopédia e Dicionário Ilustrado Koogan/Houaiss.
89
bumbá de Parintins, por exemplo, além de outras ações de menor vulto, voltadas
para o artesanato, música etc.
De uns tempos para cá tem havido como que uma tentativa de “retorno às
raízes”, uma espécie de chamamento “de sangue”, no caso, sangue indígena.
Mas, até que ponto essa re-valorização (se é que a cultura indígena foi algum dia,
valorizada na região) é real? Não seria essa valorização das origens uma
“tradição inventada”27? Ou seja, está mesmo havendo um processo de
conscientização cultural, no sentido de que a população de Manaus, em grande
parte resultante de miscigenação com antecedentes indígenas, está voltando seu
interesse e agregando valor às coisas “da terra”? Será mesmo que os produtos e
produções “típicos” estão significando para os amazonenses mais do que
significam para os “gringos”, ou seja, produtos exóticos?
Nesse caso, não haveria para o nativo como empreender uma viagem de
“resgate” às origens culturais sem situar-se como caboclo. Não seria possível
ignorar esse “elo”, esse “quase”, esse híbrido chamado caboclo que, a despeito
da forma como tem sido visto e tratado, permanece como “marca d’água” no pano
de fundo da história na Amazônia brasileira. No contexto citadino, pelo menos, o
que sobressai é um alheamento desses valores culturais, e o caboclo, como
referência identitária ou categoria social, parece ter deixado de existir. Os jovens
evidenciam com mais nitidez esse afastamento das origens, não somente nas
expressões cotidianas, nas posturas, nas comunicações, mas também no silêncio
e na ausência de definição pessoal.
27
Eric HOBSBAWM e Terence RANGER, no livro A invenção das tradições exploram o tema. A expressão é
aqui utilizada em sentido aproximado à idéia de que, com vista a determinados fins, faz-se a utilização de
elementos antigos na elaboração de novas tradições, podendo haver o enxerto dessas novas tradições
“inventadas” nas velhas (originais), usando-se a história como legitimadora das ações e como “cimento da
coesão grupal”. De acordo com os autores, quanto os velhos usos e costumes se conservam, não é
necessário recuperar nem inventar tradições.
90
desse bairro periférico da cidade foi feita por conta das características físicas
predominantes nos moradores, em grande parte evidenciando os traços
somáticos indígenas mais conhecidos, ou seja, cor morena, cabelos lisos, rosto
arredondado, olhos pretos etc. O interesse neste aspecto particular era saber se
um indivíduo que fisicamente poderia ser apontado como caboclo se identificaria
como tal, dado considerado importante para algumas elaborações teóricas
previamente esboçadas.
I
N Natur S Onde Instrução Fontes
dad Cor Ocupação pais
º al exo reside pais informação
e
1 AM F 17 more Petrópoli Pai nv. fund. Pai mecânico e mãe Quadrinhos e
na s Mãe fund. doméstica TV (MTV)
incpl..
2 MA F 20 negr Alfredo Mãe fund. Mãe doméstica Revistas e TV
a Nascime incompl.
nto
3 MA F 20 more Grande Pai e mãe Pai garimpeiro e mãe Bíblia, jornal e
na Vitória nível vendedora conversa
fundamental
4 PA M 20 more Nova Pai e mãe Pai agricultor e mãe Livros
no Conquist fundam. doméstica diversos, TV
a Incompl. (jornalísticos)
5 AM F 19 branc São (Pai Mãe industriária Romances TV
a Francisco separado) (filmes,novela
94
Mãe nível s)
médio
6 RO M 16 negro Jorge Pai fund. Pai lanterneiro e mãe Revistas e TV
Teixeira incompl. Mãe pintora (novela,
ensino médio desenho)
7 AM M 19 moren Educandos Pai Pai pescador Mãe Revista Veja e TV
o alfabetizado doméstica (desenho)
Mãe fund.
incompl.
8 AM M 19 moren Compensa Pai e mãe nv. Pai comerciante Mãe Revistas e TV
o fund. doméstica
9 MT F 20 moren Japiim Pai e mãe Pai vendedor Mãe Bíblia e televisão
a nível doméstica (jornal e novela)
fundamental
10 MA M 19 branc Novo Mãe Mãe cobradora Televisão
o Israel fundamental ( filmes)
11 AM F 18 branc São Lázaro Pai médio Pai “faz tudo” e mãe Televisão
a incompl. Mãe vende roupa
fundamental
12 AM M 15 pardo São José Pai nível Pai eletricista e mãe dona Revistas e
Operário médio Mãe de casa televisão
md. incompl.
1 AM M 18 branc Campos Pai e mãe Pai administrador e Revistas e
3 o Elíseos nível mãe func. Pública televisão
superior
1 AM M 17 more Jardim Pai e mãe Pai téc. administr. e Rádio e TV
4 no Petrópoli nível médio mãe doméstica (progs.
s policiais)
1 AM M 15 pard São José Pai e mãe Pai aux. administr. e Jornal, livros
5 o nv médio mãe artesã de poesia, TV
1 AM F 17 more São José Pai nível Pai contabilista e mãe Revistas e TV
6 no dos superior dona de casa (filmes,desenh
Campos Mãe nível os)
médio
1 AM F 17 more São José Pai nível Pai soldador e mãe Livros de
7 na II médio Mãe dona de casa química e TV
fundamental (novelas)
1 AM M 17 more Tancredo Pai médio Pai motorista e mãe Jornais e Tv
8 no Neves incompl. dona de casa (filmes,
Mãe desenho)
fundamental
1 AM F 17 branc Cidade Pai e mãe Pai e mãe Romances,
9 a de Deus nível comerciantes televisão
fundamental (novela)
2 AM M 19 more São José Pai e mãe Pai e mãe vendedores Revistas e TV
0 no nível médio (filmes e
incompleto novelas)
2 AM F 18 more Tancredo Pai e mãe Pai vendedor e mãe Revistas e
1 no Neves nível dona de casa televisão
fundamental
2 AM F 19 branc São José Pai e mãe Pai autônomo e mãe Livros
2 a II nível dona de casa literatura,
fundamental jornais, TV
2 AM M 19 more São José I Pai Pai fotógrafo e mãe Televisão
3 no fundamental professora (jornais,progra
Mãe nv. mas)
superior
2 PA F 16 branc Novo Pai e mãe Pai comerciante e Rev.
4 a Aleixo nível mãe dona de casa educativas e
fundamental TV (noticiário)
2 AM F 18 more São José Pai e mãe Pai oper. máquina e Revistas
5 na III nv. médio mãe revisora variadas, TV
prg.
educativos
2 AM M 16 branc São José Pai nível Pai funcionário público Palavras
6 o III médio Mãe cruzadas, TV
falecida (filmes)
2 PA F 18 more Zumbi I Pai nível Pai empresário e mãe Televisão
7 na superior tec. enferm. (filmes e
Mãe nível. novelas)
95
médio
2 AM F 19 more São José I Pai nível Pai aposentado e mãe Livros
8 na médio serv. gerais literatura e
Mãe religião e TV
fundamental
2 RR F 18 pard Comunid Ambos nível Pai autônomo Mãe Revistas
9 a ade de fundamental doméstica diversas,
Deus jornal, TV
3 AM M 20 more Tancredo Pai Pai segurança Mãe Livros,
0 no Neves fundamental doméstica revistas, TV
Mãe nível.
médio
Não significa supor, no entanto, que “pobre” não pense e não critique, ou
que possua pouca capacidade de entendimento e discernimento, mas que as
condições sócio-econômicas menos privilegiadas, por si só, já restringem e
condicionam as práticas sociais, principalmente quanto à aquisição e expansão
de conhecimentos. A faixa etária dos primeiros quinze entrevistados, alunos da
primeira série do nível médio, é significativa neste sentido, já que apenas dois
alunos (um de 15 e outro de 17 anos) estão em idade considerada mais
adequada ao que se poderia esperar para uma evolução normal na “carreira
estudantil”, evidenciando nos demais um “atraso” na trajetória para aquisição de
um requisito indispensável para o acesso ao mercado de trabalho, que é a
conclusão do nível médio.
97
Tabela 1
A Amazônia é um assunto que interessa a você? Tem informações a respeito?
Tabela 2
Você se interessa por questões relativas ao Amazonas? Tem informações?
Tabela 2 (cont.)
Nº. Natur S Cor Respostas
al exo
6 RO M negr Sim, pela política, educação e patrimônio histórico e
o cultural.
7 AM M more Sim, pelos rios, matas, fauna e flora.
no
8 AM M more Não, nem tem informações.
101
no
9 MT F more Não, nem tem informações.
na
10 MA M branc Sim, pela cultura e segurança.
o
11 AM F branc Não muito. Não tem informações.
a
12 AM M pard Sim, pelos aspectos de ecologia e cultura.
o
13 AM M branc Sim, pela preservação.
o
14 AM M more Não, nem tem informações.
no
15 AM M pard Sim, pelo futuro dos animais e plantas.
o
16 AM F more Sim, pelas condições do povo.
no
17 AM F more Sim, pela política, desemprego etc.
na
18 AM M more Sim, pelos povos indígenas do passado.
no
19 AM F branc Sim, pelas questões sociais.
a
20 AM M more Sim, pela política.
no
21 AM F more Sim, pela história.
no
22 AM F branc Sim, pela organização social e política e aspectos
a econômicos.
23 AM M more Não, nem tem informações.
no
24 PA F branc Sim, por toda as questões.
a
25 AM F more Sim, pela história e natureza.
na
26 AM M branc Sim, pela história, a Zona Franca etc.
o
27 PA F more Sim, pelo crescimento e desenvolvimento do Estado.
na
28 AM F more Sim, pelos acontecimentos gerais nos municípios.
na
29 RR F pard Sim, por política, violência, emprego, municípios etc.
a
30 AM M more Sim, pelas cidades e história.
no
102
Tabela 3
Você conhece a história do Amazonas? Qual(is) a(s) fonte(s) de informações?
Tabela 3 (cont.)
Nº. Natur S Cor Respostas
al exo
8 AM M more Sim, por meio da escola.
no
9 MT F more Um pouco, por meio da escola.
na
10 MA M branc Não.
o
11 AM F branc Não.
a
12 AM M pard Não muito, por meio da escola.
o
13 AM M branc Sim, por meio da escola.
o
14 AM M more Não.
no
15 AM M pard Sim, por meio da escola.
o
16 AM F more Um pouco, por meio da escola.
no
17 AM F more Um pouco, por meio da escola.
na
18 AM M more Um pouco, por meio da escola.
no
19 AM F branc Um pouco, por meio da escola.
a
20 AM M more Um pouco, por meio da escola.
no
103
é um lugar bem diverso do que era no início do século XX, para não
retornar tempos mais remotos, não só porque a floresta, os rios e o solo
foram profundamente modificados, mas porque a cultura mudou de modo
considerável, a partir da transformação de hábitos e costumes, sobretudo
no decorrer das últimas cinco décadas.
Tabela 4
Você se interessa pela temática indígena? Por quê?
107
14 AM M more
Não, “não tenho interesse”
no
15 AM M pard Sim, de que “ele adora peixe”. Tem interesse porque “sou
o um homem amazônico”.
16 AM F more Sim, “sobre a vida e a cultura”. Interessa-se porque “é
no sempre bom saber dessa história que vivemos e que é
interessante”.
17 AM F more
Sim. Tem interesse porque “temos que estar por dentro”.
na
18 AM M more Poucas, sobre “cultura e costumes”. Interessa-se porque
no “é importante estarmos por dentro”;
19 AM F branc Sim, sobre costumes, mas pouco interesse pelo assunto.
a
20 AM M more Algumas, mas não tem interesse.
no
21 AM F more Algumas sobre “costumes e cultura”. Tem interesse
no porque “vale a pena conhecer a sua origem”.
22 AM F branc Sim sobre “costumes, crenças e religião”, e acha
a importante “para compreender melhor a formação
populacional do Estado em que vivo”.
23 AM M more Não, nem interesse, porque “é um assunto que não me
no chama a atenção”.
24 PA F branc Sim, mas não tem interesse porque “acho algo banal”.
a
25 AM F more Não, nem interesse.
na
26 AM M branc Não, mas se interessa “pela sua cultura”.
o
27 PA F more Sim, e também interesse, porque “meu pai e meu tio são
na ligados a uma organização indígena”.
28 AM F more Sim, e interesse porque “estou inserida nesta cultura”.
na
29 RR F pard Sim, e tem interesse porque “faz parte da minha cultura,
a da minha origem”.
30 AM M more Sim, e interessa saber “como vivem e o que fazem”.
no
ancestrais; “foram os índios que deram origem ao Brasil”; “o indígena faz parte do
nosso passado”; “é muito importante que conheçamos as nossas origens”; tudo o
que possuímos é herança indígena”; “pois faz parte de nossas raízes”; “faz parte
da minha cultura, da minha origem”; etc.
Torres (2003, p. 83) chama atenção para o fato de que essa formação de
idéias no contexto social tem a contribuição de vários mecanismos sociais, e em
se tratando de sociedades onde há manifestação de preconceitos raciais e
étnicos,
estrutura social. [...] o próprio termo caboclo tem na sua etimologia o significado
de alteridade (aquele que vem do mato)”.
Tabela 6
O termo “caboclo” é familiar? Você tem informações a respeito?
Este tema interessa a você? Por quê?
história”.
Tabela 6 (cont.)
Nº. Natur S Cor Respostas
al exo
17 AM F more É familiar; o caboclo “um homem que mora nos interiores
na e que ganha a vida através de peixes e colheitas”. Tem
interesse no tema porque “o caboclo faz parte da nossa
cidade”.
18 AM M more Não é familiar; não tem informações a respeito. Tem
no interesse pelo tema “para aprender mais”.
19 AM F branc É familiar; sabe da “questão da discriminação”. Tem
a interesse pelo assunto porque “qualquer informação é
favorável”.
20 AM M more É familiar; tem algumas informações. Tem interesse “pela
no cultura”.
21 AM F more É familiar; tem algumas informações. Tem interesse pelo
no tema “por fazermos parte dessa origem”.
22 AM F branc É familiar; o caboclo é “a miscigenação do índio com o
a branco”. Tem interesse pelo assunto porque “é
interessante pra poder entender como duas culturas
distintas se formam”.
23 AM M more É familiar; sabe sobre “sua origem e sua mistura”. Não se
no interessa pelo assunto porque “não acho que a sociedade
julga importante e não atiça o meu interesse”.
24 PA F branc É familiar, tem poucas informações. Tem interesse “para
a ter uma informação a respeito.”
25 AM F more Não é familiar; não tem informações a respeito. Não tem
na interesse.
26 AM M branc Não é familiar e não tem informações. Não tem interesse
o pelo assunto porque “não é abordado atualmente”.
27 PA F more É familiar; como “homem da terra”. Tem interesse para
na “saber mais sobre ele”.
28 AM F more É familiar; tem algumas informações. Tem interesse pelo
na tema porque “minha família e eu somos caboclos”.
29 RR F pard É familiar; tem algumas informações. Tem interesse
a porque “tem a ver com a minha história”.
30 AM M more É familiar; tem algumas informações. Tem interesse
no porque “nós aqui do norte somos denominados assim”.
Tabela 7
Quais as características físicas do caboclo? Você acha bonito o tipo físico?
no o tipo físico.
15 AM M pard Não saber dizer as características nem tem opinião sobre
o o tipo físico.
16 AM F more Não saber dizer as características nem tem opinião sobre
no o tipo físico.
17 AM F more Magro, cabelos “tensos”. Não acha bonito o tipo físico.
na
18 AM M more Não saber dizer as características nem tem opinião sobre
no o tipo físico.
19 AM F branc Mestiço, olhos negros ou castanhos. Acha bonito: “são
a pessoas humildes”.
20 AM M more Moreno, forte e corajoso. Não acha bonito o tipo físico.
no
21 AM F more Homem “parecido com indígena na fisionomia, jeito etc”.
no Acha bonito porque “são diferentes e usam pouca roupa”.
22 AM F branc Altura mediana, traços indígenas, pele morena. Não acha
a bonito o tipo físico.
23 AM M more Características “do homem amazônico”. É bonito: “não
no tenho porque não achar”.
24 PA F branc Moreno, cabelos lisos, forte. Acha bonito “algumas vezes”.
a
25 AM F more Estatura média, pele parda, olhos e cabelos escuros. Não
na acha bonito o tipo.
26 AM M branc Características de “mulato”. Não é bonito porque ‘vivem
o fora da sociedade”.
27 PA F more Características “de pessoa normal, mas com costumes
na diferentes”. Acha bonito.
28 AM F more Características “de indígena”. Não acha o tipo físico
na bonito.
29 RR F pard Robusto, forte, trabalhador. Acha o tipo físico bonito.
a
30 AM M more Cabelos lisos, moreno, ombros largos, estatura mediana.
no Acha bonito o tipo porque “se nós não acharmos, quem
vai achar? “
Solicitadas a apontar os traços do caboclo, sete pessoas disseram não
saber precisar suas características físicas, das quais apenas uma não era
amazonense. Dos seis amazonenses, um era pardo e os outros todos morenos,
com características físicas semelhantes às descritas pela maioria, tipificando o
padrão com que o amazônica é conhecido (e reconhecido) - moreno(a), cabelos
lisos, olhos escuros – semelhante ao tipo indígena.
porque “são pessoas humildes”. A mesma pessoa apontou como informações que
tem do caboclo “a questão da discriminação”. Tal opinião remete à idéia do
branqueamento proposta por Martius como a “salvação” da raça indígena, e traz à
lembrança a visão do colonizador “penalizado” diante da inferioridade dos índios
em oposição à superioridade da raça caucásica.
Essas aparentes contradições são explicadas por Minayo (1997) pelo fato
de que as representações traduzem um pensamento fragmentário, limitando-se a
certos aspectos da experiência existencial, que por si já é contraditória. A visão de
mundo dos indivíduos e grupos, de fato, é uma expressão dos conflitos e
contradições presentes nas condições em que foi engendrada, o que não elimina
a capacidade de se traduzir, com relativa claridade e nitidez, em relação à
realidade.
pode referir-se aos mais pobres como caboclos, sendo comum a rejeição ao
termo por aqueles por ele referidos, em razão do sentido depreciativo a ele
agregado.
Tabela 8
Você concorda com adjetivos como preguiçoso, ignorante e rude (burro),
atribuídos ao caboclo? Por quê?
119
Tabela 9
Pessoas inteligentes e cultas podem ser classificadas como “caboclas”? Por quê?
Goffman (1975), por seu turno, chama atenção para o cuidado que se deve
ter na tentativa de compreender uma representação. Em razão da característica
de impulsividade própria do ser humano,
Tabela 10
Os caboclos estão inseridos em todas as classes sociais? Predominam em qual?
a
Tabela 10 (cont.)
Nº. Natur S Cor Respostas
al exo
12 AM M pard Sim, sem predominar em nenhuma.
o
13 AM M branc Sim, sem predominar em nenhuma.
o
14 AM M more Sim. Predominam “na classe pobre do interior do estado”.
no
15 AM M pard Sim, sem predominar em nenhuma.
o
16 AM F more Sim. Não sabe em qual predominam
no
17 AM F more Não. Predominam “nas classes baixas”.
na
18 AM M more Sim. Não sabe em qual predominam
no
19 AM F branc Não, estão somente “na de baixa renda”.
a
20 AM M more Sim. Predominam na classe “pobre”.
no
21 AM F more Sim. Não sabe em qual predominam
no
22 AM F branc Não. Predominam “nas classes mais baixas, como
a operário ou como simples patrão, devido à discriminação
que sofre”.
23 AM M more Sim. Predominam na classe “dos inferiorizados pela
no sociedade”.
24 PA F branc Não. Predominam na “classe baixa”.
a
25 AM F more Sim. Não sabe em qual predominam.
na
26 AM M branc Não, porque “são da floresta”.
o
27 PA F more Sim. Não sabe em qual predominam.
na
28 AM F more Sim. Não sabe em qual predominam
na
29 RR F pard Sim. Predominam na “classe média”
a
30 AM M more Sim. Predominam “nas de baixo nível financeiro, porque é
no uma classe que sofre preconceitos”.
125
Essa hipótese é reforçada por Spink (1997, p. 122), quando afirma ser
consenso entre os pesquisadores da área a idéia de que as representações
sociais, enquanto produtos sociais, “têm sempre que ser remetidas às condições
sociais que as engendraram, ou seja, o contexto de produção, definido não
apenas pelo espaço social em que a ação se desenrola como também a partir de
uma perspectiva temporal”.
Assim como o termo caboclo, o termo índio foi atribuído como uma
categoria genérica de identificação utilizada pelos não-índios, sem relação com os
povos indígenas referidos, não tendo até pouco tempo a sentido político de hoje.
Também o ameríndio, segundo Lima, foi muitas vezes tido como preguiçoso ou
“inapto para a civilização”, mas essas características eram explicadas por sua
distinção étnica, que justificava um comportamento econômico diferente do
comportamento do branco. A diferença étnica foi, e em muitos locais da Amazônia
ainda é, vista em termos evolutivos, quando a tal “indolência” do ameríndio é
considerada resultado do “primitivismo” de sua raça, visões essas antigos
constituintes do imaginário sobre esses povos.
Para Castoriadis (1982, p. 192) não se pode compreender o que foi o que é
a história humana, fora da categoria do imaginário, pois o simbolismo escolhido
em cada sociedade tem implicações que ultrapassam o real e o racional,
repousando nas elaborações imaginárias muitas respostas acerca das questões
sobre a identidade coletiva, o que indica a necessidade de buscar a compreensão
127
Tabela 11
Existe discriminação para com os “caboclos” em Manaus?
Por que você acha isso?
5 AM F branc Sim, “por parte das famílias ricas, porque são pessoas
a mesquinhas”.
6 RO M negr Sim, mas não sabe explicar por que.
o
7 AM M more Não.
no
8 AM M more Sim, mas não sabe explicar por que.
no
9 MT F more Não sabe dizer.
na
10 MA M branc Sim, porque “os caboclos são discriminados pela
o aparência”.
11 AM F branc Sim, mas não sabe explicar por que.
a
12 AM M pard Sim, “pelos estrangeiros”, porque “eles se acham
o melhores”.
13 AM M branc Não sabe dizer.
o
14 AM M more Sim, “de vários tipos”, porque “os caboclos são tratados
no mal”.
15 AM M pard Não.
o
16 AM F more Sim, porque “tem muitas pessoas que se acham melhores
no e não reconhecem que também fazem parte disto. Hoje
muitas já perderam a sua dignidade”.
17 AM F more Sim, “como pessoas analfabetas”, porque “muitos deles
na vêm dos interiores e não têm estudo”.
18 AM M more Não.
no
19 AM F branc Sim, “pela falta de condições dos caboclos”.
a
Tabela 11 (cont.)
Nº. Natur S Cor Respostas
al exo
20 AM M more Sim, “por causa do racismo” e porque “não dão
no oportunidade”.
21 AM F more Sim, porque “as pessoas tomam as terras que eles têm
no direito”.
22 AM F branc Sim, porque “muitas pessoas negam suas origens e
a valorizam só o que vem de fora. Os caboclos são mal
vistos pela sociedade e muitas pessoas acreditam que
pessoas do interior são limitadas de conhecimento, e que
só sabem plantar e colher”.
23 AM M more Sim, porque “a sociedade separa os bons dos maus”.
no
129
Tabela 12
Você acredita que há preconceito por parte dos “de fora” para com
o caboclo amazonense? Por que você acha isso?
o
13 AM M branc Sim, não sabe dizer de que tipo.
o
14 AM M more Sim, “são tratados mal”.
no
15 AM M pard Sim, “não dão valor ao caboclo”.
o
Tabela 12 (cont.)
Nº. Natur S Cor Respostas
al exo
16 AM F more Não sabe.
no
17 AM F more Sim, “acham que os caboclos amazonenses são
na analfabetos”.
18 AM M more Sim, “acham que todo mundo é índio porque não estão
no ligados no nosso dia-a-dia”.
19 AM F branc Sim, não sabe dizer de que tipo.
a
20 AM M more Não.
no
21 AM F more Sim, “acham que os caboclos ainda usam arco e flecha”.
no
22 AM F branc Sim, não sabe dizer de que tipo.
a
23 AM M more Sim, porque “sabem apenas sobre sua cultura e sua
no tecnologia e somos discriminados pela cor”.
24 PA F branc Sim, não sabe dizer de que tipo.
a
25 AM F more Sim, “pensam que só porque são de fora são melhores”.
na
26 AM M branc Sim, “por causa da sua raça”.
o
27 PA F more Sim, porque “eles não têm senso”
na
28 AM F more Sim, “eles pensam que na Amazônia só existe índio”.
na
29 RR F pard Sim, “pensam que somos todos índios, e ainda por cima
a sem inteligência”.
30 AM M more Sim, “eles acham que aqui só existem bichos pelas ruas,
no malocas e índios, pois é isso que é divulgado da região”.
Essa forma de enxergar, de ver o outro como alguém que nada tem a ver
com a gente, quando na verdade “a alteridade atravessa o que somos”
(JOVCHELOVITCH, 1997, p. 81), poderia ser interpretada, talvez, como uma
forma de distanciamento ou não-reconhecimento em si mesmo de semelhanças
com esse outro socialmente estigmatizado.
Tabela 13
Você acha que o caboclo amazonense se sente socialmente valorizado? Por quê?
Tabela 14
Você acha que o caboclo amazonense se dá valor pessoal
ou socialmente? Por quê?
a
20 AM M more Não, “por causa das diferenças”.
no
21 AM F more Não, “porque se acha discriminado e esconde sua
no origem”.
22 AM F branc Sim, “muitos tentam mostrar que são capazes mesmo em
a meio ao preconceito”.
23 AM M more Sim, “porque luta pra mostrar o seu valor à sociedade”.
no
24 PA F branc Sim, “eles tentam de alguma forma mostrar que são
a pessoas que querem e devem ter os mesmos direitos que
as outras”.
25 AM F more Sim, “está ganhando respeito”.
na
26 AM M branc Sim, “porque lutam para sustentar sua família”.
o
Tabela 14 (cont.)
Nº. Natur S Cor Respostas
al exo
27 PA F more Não, “porque as pessoas de fora discriminam e tem gente
na que prefere não ser discriminado”.
28 AM F more Sim e não, “depende do seu esforço para trabalhar e
na estudar”.
29 RR F pard Sim, “muitos estão tentando se valorizar mais”.
a
30 AM M more Sim, “porque cumpre bem com seus deveres e regras”.
no
Tabela 15
Você já viu alguém se sentir incomodado (a) por ser chamado
de caboclo (a)? Qual foi a reação?
na
2 MA F negr Sim, “reagiu agressivamente”.
a
3 MA F more Sim, “a reação foi ruim”.
na
4 PA M more Sim, “não ficou satisfeito”.
no
5 AM F branc Sim, mas não lembra a reação.
a
6 RO M negr Sim, mas não sabe explicar a reação.
o
7 AM M more Não.
no
8 AM M more Não.
no
9 MT F more Não.
na
10 MA M branc Sim, “a pessoa saiu do local”.
o
11 AM F branc Sim, “a pessoa ficou agressiva”.
a
12 AM M pard Sim, “ficou aborrecido”.
o
13 AM M branc Sim, “ficou com raiva”.
o
14 AM M more Não.
no
15 AM M pard Sim, “ficou ofendido”.
o
16 AM F more Sim, “várias pessoas”; a reação foi de agressividade.
no
17 AM F more Sim, “ficou triste, de cabeça baixa”.
na
Tabela 15 (cont.)
Nº. Natur S Cor Respostas
al exo
18 AM M more Sim, “reagiu com violência”.
no
19 AM F branc Sim, “reagiu com raiva”.
a
20 AM M more Sim, “ficou com raiva”.
no
21 AM F more Sim, “teve uma reação explosiva”
no
22 AM F branc Sim, “a pessoa ficou com vergonha”.
138
a
23 AM M more Não.
no
24 PA F branc Não.
a
25 AM F more Não.
na
26 AM M branc Sim, “a pessoa ficou magoada”.
o
27 PA F more Não.
na
28 AM F more Sim, “ficou zangado”.
na
29 RR F pard Sim, “já vi várias pessoas ficarem zangadas”.
a
30 AM M more Não.
no
Tabela 16
Você já usou o termo caboclo no sentido pejorativo?
Tendo sido usado, por que e em que sentido?
Tabela 16 (cont.)
Nº. Natur S Cor Respostas
al exo
19 AM F branc Não.
a
20 AM M more Não.
no
21 AM F more Não.
no
22 AM F branc Sim, “pra fazer raiva”.
a
23 AM M more Não.
no
24 PA F branc Não.
a
25 AM F more Não.
na
26 AM M branc Sim, “pra desmoralizar a pessoa”
o
27 PA F more Não.
na
28 AM F more Não.
na
29 RR F pard Sim, “sem querer”.
a
30 AM M more Não.
no
Dois terços dos sujeitos, inclusive alguns que negaram a familiaridade com
o termo, afirmaram já ter visto alguém se sentir incomodado ou ofendido por ter
140
Tabela 17
Alguém já chamou você de caboclo(a)?
Como você se sentiu ao ser chamado(a) assim?
no
21 AM F more Sim, “mas não liguei”.
no
22 AM F branc Não.
a
23 AM M more Não.
no
24 PA F branc Não.
a
25 AM F more Não.
na
26 AM M branc Não.
o
27 PA F more Não.
na
28 AM F more Não.
na
29 RR F pard Sim, “fiquei com raiva, mas não sabia o que significava na
a época”.
30 AM M more Não
no
Tabela 18
Que tipo de pessoa você identifica como sendo um “caboclo”?
no
19 AM F branc “Pessoa simples, humilde, que mora nos municípios”.
a
20 AM M more “Pessoa rude, misturado com índio”.
no
21 AM F more “Um homem de cor escura e fisionomia diferente dos
no outros”.
22 AM F branc “Aquele que não se envergonha dos traços que possui e
a que respeita a sua raça, sua cultura”.
23 AM M more Não sabe dizer.
no
24 PA F branc “Uma pessoa que nasce dentro da Amazônia e carrega o
a peso do trabalho desde muito cedo”.
25 AM F more “Uma pessoa com costumes e raízes indígenas”.
na
26 AM M branc Pessoa “com traços amazonenses”.
o
27 PA F more Não sabe dizer.
na
28 AM F more Não sabe dizer.
na
29 RR F pard “Todos do Amazonas”.
a
30 AM M more “Uma pessoa que vive numa boa e curte a natureza”.
no
Nas respostas sobre quem pode ser identificado como caboclo, novamente
emergem os conceitos mais conhecidos relacionados à origem e à descendência,
assim como a imagem estereotipada do amazônida típico, anteriormente
mencionada.
Tabela 19
Em sua opinião, todo amazonense é caboclo? Por quê?
Tabela 20
Você se classificaria como um(a) caboclo(a)?
a
12 AM M pard Talvez, porque “como todo mundo vive aqui, passa a ser”.
o
13 AM M branc Sim, porque “nasci aqui”.
o
14 AM M more “Não sei”.
no
15 AM M pard Sim, porque “Tenho sangue de caboclo sofrido e
o guerreiro”.
16 AM F more Sim, “mas quando digo que faço parte não quer dizer que
no sou cabocla, mas eu nasci aqui e considero muito o
caboclo e por isso digo que sou um deles”.
17 AM F more Sim, porque “já que eu moro no Amazonas e as pessoas
na dizem que aqui só mora caboclo e índio, eu tenho que me
sentir uma cabocla, já que faço parte desta cidade.”
Tabela 20 (cont.)
Nº. Natur S Cor Respostas
al exo
18 AM M more Sim, porque “moro no Amazonas e todo amazonense é
no caboclo para o pessoal de fora”.
19 AM F branc Sim, porque “sou do Amazonas”.
a
20 AM M more Sim, porque “eu nasci aqui e minha família é daqui”.
no
21 AM F more Sim, porque “meu pai é descendente de uma cabocla”.
no
22 AM F branc Sim, porque “nasci no Amazonas e faço parte dessa
a miscigenação. Sou cabocla e isso me faz sentir orgulho”.
23 AM M more Sim, “por causa das raízes, da cor”.
no
24 PA F branc Não, “porque o meu aspecto é contraditório ao dos
a caboclos amazonenses”.
25 AM F more Não, porque “simplesmente não tenho origem na região”.
na
26 AM M branc Não, porque “eu tenho sangue maranhense”.
o
27 PA F more Sim, porque “é uma origem hereditária, por mais que seja
na esquecida”.
28 AM F more Sim, “sou nascida e criada aqui, tenho a cultura daqui, por
na que seria de outro modo?”.
29 RR F pard Sim, “porque sou cabocla, gosto de viver a vida à
a vontade”.
30 AM M more Sim, “por todos os atributos (no bom sentido) que se
no referem ao caboclo”.
148
... as palavras não apenas criam, mas conservam as coisas que criam,
como as estruturas e as representações sociais. Porque carrega a história
colonial de subordinação, a palavra caboclo compromete o destino de uma
população. O efeito do nome sobre a identidade é inegável – o nome
condensa a própria essência da identidade. Aceitar o nome caboclo é
aceitar a derrogação (LIMA, 1999, p. 28).
Tabela 21
O que é, afinal, ser “caboclo”, na sua concepção?
no
17 AM F more Um homem livre que usa um modo de vida melhor para
na ele e sua família.
18 AM M more Gente do interior.
no
19 AM F branc Uma pessoa humilde que ficou um pouco restrita na
a sociedade.
20 AM M more Um homem que luta pra sobreviver.
no
21 AM F more Um homem que se veste diferente da sociedade.
no
22 AM F branc É junção de culturas, costumes. É a minha raça.
a
23 AM M more Pra mim não importa a raça. Importa saber a diferença de
no humano e “ser” humano.
24 PA F branc Nascer e se criar nas proximidades do Amazonas e ser
a uma pessoa lutadora desde cedo.
25 AM F more Quem tem o aspecto físico e os costumes típicos da
na região.
26 AM M branc Alguém com traços indígenas e que não vive na
o sociedade.
27 PA F more Alguém de origem cultural antiga.
na
28 AM F more Todas as pessoas que nasceram e moram no Amazonas.
na
29 RR F pard Ser valente, livre e feliz.
a
30 AM M more Ser o que você acha que é, não o que os outros dizem ser.
no
Quando solicitados a dar sentido ao termo, poucos alegaram não ter o que
dizer a respeito. A grande parte dos entrevistados ressaltou as qualidades
positivas do caboclo, projetando, talvez, a forma como gostariam de ser vistos
pelos “de fora”. O imaginário de uma época que vê o indígena com os atributos de
bom, valente, guerreiro é, em parte, resgatado e integrado aos estereótipos do
homem amazônico.
28
Conforme orientação metodológica proposta por Minayo (1993), p. 94.
153
deve ser visto). A natureza continua a ser o grande biombo das misérias
nacionais.
Com relação à Amazônia, Paiva (2002) acredita que sobre ela foi criada, ao
longo dos tempos, uma verdadeira “tradição de um pensamento social”, atuando
os seus intérpretes de acordo com o tipo de apropriação que dela se fazia, seja
econômico, político ou cultural, moldando-a, enfim, aos interesses ocasionais.
Segundo esse autor, houve em período determinado, na história do país, um
movimento deliberado no sentido da criação de uma imagem da Amazônia que
justificasse o seu “atraso” em relação ao restante do país e ao conceito
internacional de “civilização”.
30
Na acepção de Gondim (1994).
160
historicamente desde tempos idos, que o caboclo se torna mais visível também na
atualidade.
outro entra em conflito com a sua própria representação de si, sua própria
identidade?”. Considera ela que a manutenção do uso da palavra demonstra
desconhecimento da parte de quem usa o termo, da forma como os próprios
caboclos se representam, pois “o nome caboclo vive apenas no discurso que nós
fazemos sobre uma outra categoria social”.
Lima considera uma prova de que o termo tem sido usado principalmente
para classificar categorias e definir posições sociais é o fato de que a palavra ter
sido mantida, apesar da evolução da composição étnica da população que
nomeia. Ela acredita que a recusa de auto-designação como caboclos por parte
indivíduos da comunidade estudada está indissoluvelmente ligada à idéia de
inferioridade, porque o termo está atrelado à história colonial de subordinação.
Como é inegável o efeito que o termo causa à identidade, a aceitação do nome
caboclo implicaria também em incorporar o estigma de fracassado e derrotado.
Existe, sim, uma negativa implícita e explícita, por parte dos entrevistados,
a uma categoria social desprestigiada e estigmatizada, mas esta multifacetada
abstração que é o caboclo comporta possibilidades outras que se nutrem também
no imaginário, mas vivem no espaço das contradições: o mesmo imaginário que
imobiliza, porque constituído de elementos que demandam atualizações para se
transformarem, revela as raízes de um povo cujos valores latentes só precisam de
espaço para vicejar.
175
REFLEXÕES FINAIS
E
is que esta viagem labiríntica parece ter chegado ao seu termo. Como
um remador que driblou por muito tempo a correnteza e o emaranhado
de galhos nas veredas intermináveis dos igapós e que, ao desaguar no
rio, acredita ter chegado a um lugar seguro, assim pensa o pesquisador, ao
abandonar o terreno movediço das análises e interpretações, ter chegado a, pelo
menos, algumas “quase” certezas. Mas o que se abre àquele que busca, assim
como para o remador, é um rio-mar incomensurável, cujo horizonte se perde de
tão distante. Um rio-mar de dúvidas e indefinições e apenas uma certeza: esta é
uma viagem que recomeça a cada nova paisagem.
31
Edgar Morin, em A cabeça bem feita.
176
Nesse universo belo e hostil vivem seres que, para alguns, nem chegam a
ser considerados humanos, incompreensíveis na sua maneira de viver uma vida
de ócio, selvageria e devassidão33, e inaceitáveis pela sua suposta incapacidade
de se adequar aos moldes da civilização. É nessa tentativa de “formatar” o
indígena aos interesses dos colonizadores que se vai delineando aos poucos a
figura do caboclo, o híbrido que nasce (literalmente) de uma ação profundamente
invasiva e autoritária, mas que não se amolda aos propósitos para si
estabelecidos, criando uma possibilidade alternativa de vida integrada ao
ambiente de forma quase simbiótica.
36
No mesmo sentido de homem amazônico.
181
Como o reflexo no rio, é uma imagem fugidia, que ora se apaga, ora se
revela, que se emoldura da paisagem e se revela familiar e acolhedora. Que se
esmaece na paisagem e se revela distante, indefinida.
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