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SUMÁRIO

1. Introdução---------------------------------------------------------------------------------------- 03

2. O Instituto da Delação Premiada-------------------------------------------------------------04

2.1. Conceito e Natureza Jurídica------------------------------------------------------------------04

3. Análise do Direito Positivo--------------------------------------------------------------------- 07

3.1. Lei dos Crimes Hediondos – Lei n. 8.072/90----------------------------------------------- 07

3.2. Lei do Crime Organizado – Lei n. 9.034/95------------------------------------------------ 08

3.3. Lei da Lavagem de Dinheiro – Lei n. 9.613/98---------------------------------------------09

3.4. Lei de Proteção as Vítimas e Testemunhas – Lei n. 9.807/99---------------------------- 10

3.5. Lei de Tóxicos – Lei 10.409/02---------------------------------------------------------------12

3.6. Código Penal------------------------------------------------------------------------------------ 14

4. Eficácia da Delação Premiada na Prática Judiciária Brasileira----------------------- 16

5. A Delação no Direito Comparado------------------------------------------------------------ 19

5.1. Estados Unidos----------------------------------------------------------------------------------19

5.2. Itália--------------------------------------------------------------------------------------
-------- 21

6. O Valor Ético do Instituto--------------------------------------------------------------------- 24

7. Considerações Finais----------------------------------------------------------------------------27

8. Referência Bibliográfica------------------------------------------------------------------------
31
3

1 – INTRODUÇÃO

O Direito Penal, Direito Processual Penal, assim como seus institutos, sempre estiveram ao
centro de alguns dos pontos mais controvertidos da ciência jurídica, bem como dos embates
judiciais e das discussões doutrinárias mais acirradas, certamente em virtude de serem os
ramos do direito a tutelarem os valores mais caros ao ordenamento jurídico como um todo,
valores tais como a vida, a liberdade, a integridade física, dentre tantos outros.
O presente Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), traz como objeto de estudo a
figura da delação premiada, que é a confissão feita pelo participante de um delito à
autoridade, na qual , além de confessar sua participação, atribui a outros agentes participação
no delito. E como prêmio, poderá ser beneficiado com a diminuição de pena ou o perdão
judicial, contanto exige-se que se cumpram alguns requisitos.
A escolha deste tema se deu em função da sua importância no contexto jurídico
nacional atual, tendo em vista o benefício que a verdade plena contribuirá com a justiça e o
desmantelamento de organizações criminosas com braços no poder público, além de provocar
uma limpeza nas instituições políticas.
Objetivando compreender a viabilidade do instituto da delação premiada como
importante mecanismo de ajuda ao combate à criminalidade, primeiramente foi demonstrado
seu conceito e sua natureza jurídica.
Em seguida, foi analisado as previsões no direito positivo, nas leis diversas existentes
que prevêem a aplicação da delação premiada, dentre as questões que advêm a vigência de
todas elas, estão a forma de aplicação e o seu alcance, visto que cada uma destas leis tem sede
própria de aplicação, com âmbito definido, cada uma para determinada situação.
Demonstrar-se-ão, a seguir, alguns aspecto polêmicos em torno de sua eficácia, visto
que, apesar de entendimentos favoráveis, ainda surgem críticas com a introdução do instituto
da delação premiado no nosso ordenamento jurídico, onde se alega que o mesmo espelha um
sistema penal falido, incapaz de desmantelar organizações criminosas ou até mesmo
solucionar pequenos delitos, e de que significa “barganha com a criminalidade”.
Sob o prisma do direito comparado, observa-se que a delação premiada, também,
encontra-se presente em outros países que, assim, como o Brasil esbarra-se no desafio de
combater o crime organizado, por isso, foi feito uma breve análise dos dois países onde há
4

uma maior eficácia do instituto, que são os Estados Unidos (plea bargain) e a Itália
(pattegiamento).
Por último foi abordado, o assunto mais polêmico a cerca do instituto o seu valor
ético, onde encontra grande rejeição na doutrina, sendo comparado a um ato de traição.
Portanto, foi evidenciado que não se pode vislumbrar tão somente a ética dentro de um
instituto criado com a finalidade de combater a criminalidade, mas sim, os benefícios trazidos
a sociedade, como importante arma no combate ao crime organizado, que apresenta alto grau
de ousadia e sofisticação.
Partindo do pressuposto que o Estado possui dificuldades para iniciar uma
investigação precisa e eficiente, em decorrência da falta de recursos financeiros e estruturais,
e também em virtude da forte influência que bandidos que praticam esse tipo de crime
possuem sob a população, onde impera a "lei do silêncio", fica humanamente impossível
desvendar os crimes das organizações criminosas sem a ajuda dos próprios integrantes das
instituições criminosas.
Pelo exposto, mister consignar que todo direito insere-se numa dialética, que lhe é
inerente, gerada, certamente, por sua própria natureza de instrumento de pacificação social,
tendo como pressuposto o conflito de interesses que lhe é subjacente.
É necessário recomendar que este trabalho não tem por objetivo esgotar toda a
matéria, destinando-se, tão somente, a oferecer uma singela contribuição teórica, valendo-se
dos pontos de vista de renomados estudiosos do Direito, evidenciando alguns aspectos
polêmicos a acerca do tema, visto que se trata de um tópico de alto teor de inflamabilidade e
são incapazes de produzir unanimidade. Portanto, não almejamos a pacificação do tema,
apenas uma reflexão a respeito do mesmo.

2 – O INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA

2.1- Conceito e Natureza Jurídica

O instituto da delação premiada ocorre quando o criminoso colabora com as


autoridades, confessando a prática do crime e denunciando terceiros, com o intuito de facilitar
a elucidação de ações de criminosas e a descoberta de seus autores. Trata-se de um poderoso
instituto no combate à criminalidade, visto que ainda na fase de investigação criminal, o
5

colaborador, além de confessar seus crimes para as autoridades, evita que outras infrações
venham a se consumar (colaboração preventiva), assim como auxilia concretamente a polícia
e o Ministério Público nas suas atividades de colheitas de provas contra os demais co-autores,
possibilitando suas prisões (colaboração repressiva).1
Segundo DAMÁSIO E. DE JESUS:
Delação é a incriminação de terceiro, realizada por um suspeito, investigado,
indiciado ou réu, no bojo de seu interrogatório (ou em outro ato). ‘Delação
premiada’ configura aquela incentivada pelo legislador, que premia o delator,
concedendo-lhe benefícios (redução de pena, perdão judicial, aplicação de regime
penitenciário brando etc.).2
De acordo com o Dicionário Aurélio, delatar significa “denunciar, revelar (crime ou
delito); acusar como autor de crime ou delito; deixar perceber; denunciar como culpado;
denunciar-se com culpado; acusar-se”. Premiar, por seu turno, é “dar prêmio ou galardão a;
laurear, galardoar; pagar, recompensar; remunerar”.
FERNANDO CAPEZ (2003, p. 298) define a delação premiada como sendo “a
afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido na polícia. Além de
confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação
como comparsa”.
Dessa forma, tem-se que a delação premiada é a atribuição da prática de um crime a
terceiro, realizada pelo acusado, em seu interrogatório, ao mesmo tempo em que confessa a
sua participação no delito.
Semelhante à previsão da confissão espontânea como circunstância atenuante no
Código Penal (art. 65, III, “d”, do CP), trata-se de um estímulo à verdade processual, sendo,
pois, instrumento que auxilia a investigação e repressão de certas formas de crimes,
principalmente os cometidos por organizações criminosas.
Quanto a natureza jurídica, existe divergência na doutrina a quanto a ser a delação
premiada direito subjetivo público do autor da infração penal que preencher os requisitos
legais objetivos e subjetivos.

1
BRAGA, Flávio. Delação premiada o que é?. 03 out. 2005. Disponível em:
http://www.mhariolincoln.jor.Br/index.php?itemid=511. Acesso em: 04 dez. 2005.
2
JESUS, Damásio E. de. Estágio atual da “delação premiada” no Direito Penal brasileiro, Jus Navigandi,
Teresina, a. 10, n. 854, 4 nov. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7551. Acesso
em: 01 dez.2005.
6

Para DAMÁSIO E. DE JESUS3, ALEXANDRE MIGUEL e SANDRA PEQUENO44,


trata-se de direito público subjetivo do acusado e, satisfeitos os requisitos legais, o juiz está
obrigado a conceder o benefício correspondente, podendo o réu exigir do Estado tal
cumprimento.
Já para DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO (2000, p.449):
“...não se cuida de puro direito subjetivo público do acusado, como se tem
apregoado, porquanto não há por parte deste a possibilidade de pretender exigir
garantidamente aquilo que a norma lhe atribui, com um correspondente dever por
parte do Estado. Ao contrário, preenchidos os requisitos de ordem objetiva, postos
expressamente em lei, há dados de natureza subjetiva a serem apreciados
judicialmente, consoante o prudente arbítrio do Magistrado. Destarte, não
reconhece singelamente o Magistrado, ao conceder o perdão, o “direito ao perdão”,
mas bem antes o que a decisão jurisdicional ajuíza é o merecimento do perdão
judicial em face, inclusive, do atendimento dos requisitos legais...”
O instituto da delação premiada diferencia-se do instituto da confissão espontânea,
pois, enquanto este trata-se de uma confissão restrita ao limite de participação do agente, na
delação premiada o agente vai além de informar a sua participação, dando detalhes do crime
e da participação dos demais co-autores, tratando-se, desta forma, de uma confissão ampla.
Em qualquer caso, tanto no benefício do perdão judicial, como na redução de pena ao
agente, é necessário que o agente tenha participado do delito juntamente, com, no mínimo,
mais dois co-autores ou partícipes.
Assim, temos que os requisitos comuns para quaisquer dos benefícios sejam: a
participação do acusado em crime doloso (pois só assim o colaborador poderá identificar os
demais co-autores ou partícipes)55; praticado por três ou mais sujeitos, tendo o acusado
efetuado a delação premiada voluntária (confissão ampla), circunstância incomunicável aos
demais agentes. Saliente-se que a colaboração, em quaisquer das hipóteses deve ser
voluntária, porém não se exige que seja espontânea o que não se admite é que seja conseguida
mediante coação.
Conforme a presença dos demais requisitos a delação poderá ser causa de extinção da
punibilidade do agente, ou de redução de sua pena.

3
JESUS, Damásio E. de. “Perdão judicial, colaboração premiada, análise do art. 13 da Lei 9.807/99, primeiras
idéias”. Boletim do IBCCRIM. Ano 7. n. 82, setembro de 1999, p. 4.
4
MIGUEL, Alexandre; PEQUENO, Sandra Maria N. de Souza. “Comentários à lei de proteção às vítimas,
testemunhas e réus colaboradores”. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, n. 773, 2000, p. 439.

5
. MIGUEL, Alexandre; PEQUENO, Sandra Maria N. de Souza, Op. cit. p. 439.
7

Também o instituto diferencia-se da desistência voluntária, do arrependimento eficaz e


do arrependimento posterior (artigos 15 e 16 do CP). No dizer de ALEXANDRE MIGUEL e
SANDRA PEQUENO(2000, p. 439):
“na desistência voluntária e no arrependimento eficaz (art. 15), opera-se a
atipicidade do fato, que não pode subsistir típico para os outros participantes,
enquanto, no arrependimento posterior (art. 16), o sujeito, pessoalmente, repara o
dano ou restitui o objeto material, circunstâncias objetivas e comunicáveis. “
As hipóteses de delação premiada referem-se a crime consumado, exigindo-se, por
parte do agente, voluntária colaboração na identificação dos demais agentes, na localização da
vítima (se houver) e na recuperação total ou parcial do produto do crime.

3 - Análise do Direito Positivo

No ordenamento jurídico atual há previsão de delação premiada em várias leis: lei do


crimes contra ordem tributárias (Lei 8.137/90), lei dos crimes hediondos (Lei 8.072/1990), lei
do crime organizado (Lei 9.034/1995), lei de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998), lei de
proteção das vítimas e testemunhas (Lei 9.807/1999), nova lei de tóxicos (Lei 10.409/2002) e
Código Penal. Cada uma com suas peculiaridades. Não existe um regramento único e
coerente6. É chegado o momento de se cuidar desse tema com atenção, pondo em pauta
questões relevantes como: prêmios proporcionais, veracidade nas informações prestadas,
exigência de checagem minuciosa dessa veracidade, eficácia prática da delação, segurança e
proteção para o delator e, eventualmente, sua família, possibilidade da delação inclusive após
a sentença de primeiro grau, aliás, até mesmo após o trânsito em julgado, envolvimento do
Ministério Público e da Magistratura no acordo, transformação do instituto da delação em
espécie de plea bargaining etc.

3.1- Lei dos Crimes Hediondos – Lei n. 8.072/90

O legislador influenciado principalmente pela legislação italiana, criou uma causa de


diminuição da pena para o associado ou partícipe que entregar seus companheiros, batizada
pela doutrina de “delação premiada”. Esta introduzida em nosso ordenamento jurídico pela
Lei n. 8.072/90, aplicou a redução ao crime de extorsão mediante seqüestro, através da adição
do § 4º ao art. 159 do Código Penal, acrescido pelo seu art. 7º (Lei n. 8.072/90), assim
6
CERQUEIRA, T. T. P. L. P. Delação premiada. In Consulex; Revista jurídica, v. 9, n. 208, p.24-33, set. 2005.
8

redigido: “se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade,


facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”.
A delação deve ser dirigida à autoridade, e a pena só será abrandada se o seqüestrado
for liberado graças a essa “colaboração” do delator.
Redução análoga foi prevista pelo legislador, no Parágrafo Único do art. 8º da Lei
8.072/90, que reza: “o participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou
quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois
terços)”.
Neste caso, a delação deverá ser feita por pessoa envolvida com quadrilha ou bando.
Mas a diminuição da pena só é aplicável quando se trate de crimes hediondos e a denúncia
possibilite o desmantelamento do bando.
A Lei n. 9.269/96 modificou o art. 7º a Lei n. 8.072/90, que passou a vigorar com a
seguinte redação: “Art. 7º - Ao art. 159 do Código Penal fica acrescido o seguinte:
Art. 159.
(...) § 4º Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o
denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá
sua pena reduzida de um a dois terço”.
Foi unânime, entre os doutrinadores, a aprovação da alteração do texto, porquanto a
nova redação propiciou a mitigação da pena também na hipótese de o crime haver sido
praticado por apenas duas ou três pessoas.7
Não basta, entretanto, a mera delação para que o criminoso se beneficie, deve resultar
na efetiva libertação do seqüestrado, ou nos casos de quadrilha, associação criminosa ou
concurso de agentes, na prisão ou desmantelamento do grupo. Conforme revelação de
ALBERTO SILVA FRANCO8, conduta deve ser objetivamente relevante e subjetivamente
voluntária .

3.2- Lei Crime Organizado – Lei n. 9.034/95

7
7. LEAL, João José. Crimes hediondos: aspectos político-jurídicos da Lei nº 8.072/90. São Paulo: Atlas, 1996.
8. FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.
8
9

Embora a legislação brasileira não definir o que seja organização criminosa, prevê o
art. 6º da Lei 9.034 que “nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será
reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao
esclarecimento de infrações penais e sua autoria". Trata-se do instituto da colaboração
espontânea e eficaz, também conhecido em doutrina por delação premiada, ensejando a
redução da pena do co-partícipe que colaborar para o esclarecimento da infração penal e da
autoria desta.
Vale ressaltar comentários do juiz federal ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA
FILHO sobre esta lei:
A delação é uma figura jurídica que, caso bem empregada, muito auxiliará na busca
da verdade material acerca das infrações penais, devendo o legislador procurar
disciplinar a adoção de tal expediente em outras hipóteses, além das acima
consignadas. De qualquer maneira, deve-se reconhecer que, para que possa ser
plenamente utilizada, é fundamental que se garanta a própria segurança do delator,
já que, pela sua estrutura, em regra, as organizações criminosas conseguem, sem
maiores obstáculos, eliminar os eventuais "traidores´´, praticando a "queima de
arquivo´´. Nesta situação, caso detido o colaborador, tal eliminação seria ainda mais
fácil, diante dos tentáculos que estas organizações mantêm no interior dos
estabelecimentos prisionais. Aliás, na prática, tem-se constatado que uma das
principais dificuldades em se combater a criminalidade reside no temor das pessoas
que presenciaram os fatos delituosos em testemunhar.
Talvez, caso se assegurasse o anonimato, a delação fosse viabilizada como um
instrumento mais eficaz para a instrução criminal. Mas tanto a legislação
antecedente como a Lei 9.034/95 nada trazem no sentido de se garantir dito
anonimato. Eis um ponto a reclamar um disciplinamento detalhado, sob pena de se
tornar letra morta a regra e sem conseqüências práticas positivas a modificação
introduzida no ordenamento jurídico pátrio. 9
Na previsão do artigo acima citado, só há a figura da delação eficaz após o
oferecimento da denúncia, portanto, não existe a possibilidade de acordo com o Ministério
Público. No caso, há apenas redução da pena (sem perdão judicial) e esta é obrigatória, visto
que no crime de organização criminosa somente receberá essa redução de pena , no caso de
condenação, não se fazendo nenhuma distinção entre o réu primário e o reincidente para a
concessão do benefício.

9
SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley de. Crimes Praticados por Organizações Criminosas – Inovações
da Lei n. 9.034/95 – in RJ nº 217 – nov/95, p. 43.
10

3.3 Lei da Lavagem de Dinheiro – Lei n. 9.613/98

A introdução desta lei em nosso ordenamento jurídico se deu seguindo o


direcionamento internacional, com a finalidade de implementar um mecanismo eficaz de
repressão e prevenção do crime de “lavagem de dinheiro”.
A expressão “lavagem de dinheiro”, nos termos da nossa legislação (art. 1º da Lei n.
9.613/98), é uma forma genérica de referir-se, à operação financeira ou à transação comercial
que objetiva ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação
ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente de crime.
O Brasil, percebendo o significado das mudanças macroeconômicas que estão sendo
levadas adiante pelas nações no final desse século, e de acordo com a tônica internacional,
vem presenciando nos últimos anos profundas e gradativas modificações, fruto de um
protagonismo adquirido por esse ramo do Direito Penal. Tanto a produção legislativa em
matéria penal quanto a própria postura estatal estão sofrendo acentuada tendência de
mudança, determinando o surgimento de um novo tratamento jurídico de problemas até o
momento pouco explorados pelo sistema jurídico e dogmática tradicionais.
O crime organizado, a lavagem de dinheiro e a corrupção em diferentes níveis são
elementos de grande atualidade, pautando as políticas públicas da maioria das nações e
inserindo-se entre temas grande destaque na construção da dogmática e da política criminal do
futuro.
No caso específico da lavagem de dinheiro, a moderna realidade social (com suas
demandas e problemas característicos) novamente surge como um importante fator de
produção legislativa, ao determinar formação de uma política criminal em relação ao
problema da criminalidade organizada, e a conseqüente construção de um sistema de normas
para seu controle.10
Ao tratar dos crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, a Lei n.
9.613, de 3 de março de 1998, estabeleceu, no art. 1º, § 5º, que “ a pena será reduzida de um
a dois terços e começará a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplica-
la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar
10
MORAIS, Neydja Maria Dias de. O crime de lavagem de dinheiro no Brasil e em diversos países. Jus
Navigandi, Teresina, ano 9, n. 834, 15 out. 2005. Disponível em :
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7424. Acesso em: 30 abr.2006.
11

espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimento que conduzam à apuração


das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do
crime”.
Como vimos a referida lei trouxe consigo inovações a respeito do instituto da delação
premiada onde foi introduzida a redução da pena, e sua fixação no regime aberto (alterando
em parte o artigo 33 do CP), bem como sua conversão em pena restritiva de direitos ou até
mesmo o perdão judicial.11

3.4 Lei de Proteção as Vítimas e Testemunhas – Lei n. 9.807/99

Com o objetivo de combater a criminalidade, foi criada, em 1999, a lei de proteção às


vítimas e às testemunhas (lei nº 9.807), que, entre outras previsões legais, estabelece alguns
benefícios judiciais a quem voluntariamente prestar "efetiva colaboração à investigação
policial e ao processo criminal". Conhecida como delação premiada e prevista em outros
dispositivos legais (como a lei dos crimes hediondos e a lei do crime organizado), essa
colaboração prestada pelo acusado ou condenado pode resultar na diminuição da pena ou até
mesmo no perdão judicial. A redução da pena, que varia de um terço a dois terços, é aplicada
em caso de condenação do delator.
Até o advento da Lei 9.807/99, a figura do prêmio a delação consistia numa causa
especial de redução da pena somente aplicável ao participante de um crime de extorsão
mediante seqüestro que tivesse prestado relevante colaboração à justiça criminal.
Com a publicação e vigência imediata da Lei n. 9.807, de 13.7.99, foram estabelecidas
"normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a
testemunhas ameaçadas", instituiu-se "o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a
Testemunhas Ameaçadas" e dispôs-se "sobre a proteção de acusados ou condenados que
tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo
criminal". E, ao tratar da proteção aos réus colaboradores, estabeleceu duas hipóteses
diversas, a saber:
Perdão judicial, com a conseqüente extinção da punibilidade, ao acusado que, sendo
primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo

11
BARROS, Marcos Antônio. Lavagem de dinheiro. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p. 68.
12

criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I- a identificação dos demais co-
autores ou partícipes da ação criminosa; II- a localização da vítima com a sua integridade
física preservada; III- a recuperação total ou parcial do produto do crime ( art. 13). Dispõe a
lei, ainda, que a concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado
e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso (art. 13,
parágrafo único);
Redução de um terço a dois terços da pena ao indiciado ou acusado que colaborar
voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais
co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou
parcial do produto do crime (art. 14).
Como visto os arts. 13 e 14 da Lei n. 9.807/99 deram nova e mais abrangente
descrição legal à figura fática do acusado-colaborador da justiça criminal e, em conseqüência,
revogaram tacitamente o disposto no § 4º do art. 159 do CP. Com a vigência desta Lei, a
voluntária e efetiva colaboração à justiça criminal poderá favorecer o acusado com a
concessão do perdão judicial previsto no art. 13 e seus incisos, ou da redução da pena prevista
no art. 14. Portanto, para concessão dos referidos benefícios não deve ser obrigatoriamente
exigido o cumprimento das condições previstas nos incisos I a III do art. 13. Em
conseqüência, o benefício poderá ser concedido ao acusado-colaborador que tenha
contribuído para identificação dos demais participantes, ou a localização da vítima, ou a
recuperação do produto do crime. O importante é a voluntariedade e o grau de efetividade da
contribuição prestada.12
O perdão judicial, como nova causa geral de extinção da punibilidade, deve ser
considerado como um direito subjetivo sujeito a determinadas cláusulas resolutiva, que, uma
vez satisfeita, vinculam o juiz a conceder o benefício.
Quanto a exigência do pressuposto de primariedade do acusado-colaborador para a
concessão do perdão judicial apresenta-se como uma exigência de valor jurídico discutível,
pois é sabido que reincidência não significa necessariamente maior periculosidade do agente,
nem maior grau de censurabilidade da conduta. A restrição legal, no entanto, é amenizada pela
possibilidade de favorecer o acusado-colaborador reincidente, se for o caso, com a redução da
pena aplicada.

12
JESUS, Damásio E. de. “Perdão judicial, colaboração premiada”. Boletim do IBCCRIM 82, setembro de 1999,
p. 5. AZEVEDO, David Teixeira de. “A colaboração premiada num direito ético”. Boletim IBCCRIM 83.
outubro/1999, p. 6.
13

A lei está imbuída de nobre propósito, qual seja de proteger vítimas e testemunhas
ameaçadas por sua colaboração na elucidação de fatos criminosos; de outro lado, todavia,
representa falência do Estado no cumprimento de um de seus objetivos básicos (segurança
pública), mormente quando pressionado pela opinião pública a dar respostas rápidas e
eficazes no tratamento desta questão, na busca substituir os meios normais de investigação e
suprindo o "déficit" estrutural investigatório do Estado, criando mais um remendo normativo
em nosso sistema penal, que se torna cada vez mais intensamente pontuado por leis de
ocasião ou de paixão. Com isso, nosso sistema penal, embora tenha incorporado dois
benefícios penais necessários e úteis, perdeu ainda mais em equilíbrio, em coerência e em
harmonia sistêmica.

3.5 Lei de Tóxicos – Lei 10.409/02

A Lei n. 10.409, de 11 de janeiro de 2002, trouxe como novidade a tentativa de


disciplina da colaboração processual na sua real dimensão no direito brasileiro, na qual dispõe
apenas e tão-somente acerca da possibilidade de sobrestamento do processo – na verdade
inquérito policial – ou a redução da pena, após acordo entre o Ministério Público e o indiciado
( artigo 32, § 2º), o que é incompatível com a magnitude do instituto da colaboração
processual.
Vejamos, ao tratar do procedimento relativos aos processos por crimes definidos na
referida lei, prevê duas medidas no art. 32, cujo caput foi vetado:
“O sobrestamento do processo ou a redução de pena, decorrente de acordo firmado
entre o Ministério Público e o indiciado que, espontaneamente, revelar a existência de
organização criminosa, permitindo a prisão de um ou mais de seus integrantes, ou a apreensão
do produto, da substância ou da droga ilícita, ou que, de qualquer modo, justificado no
acordo, contribuir para os interesses da justiça” ( art. 32, § 2º);
“A não aplicação da pena ou a sua redução, de um sexto a dois terços, mediante
proposta do Ministério Público, se o oferecimento da denúncia tiver sido anterior à revelação,
eficaz, dos demais integrantes da quadrilha, grupo, organização ou bando, ou da localização
do produto, substância ou droga ilícita”(art. 32, § 3º).
14

Vejamos, então, o que fazer para simplesmente não ignorarmos estes dispositivos
legais ou torna-los inaplicáveis ( visto que são parágrafos sem caput), até porque são, afinal de
contas, disposições que podem vir a favorecer o réu.Como ensinava Carlos Maximiliano: “no
direito criminal se não tolera a retificação efetuada pelo intérprete, quando prejudicial ao
acusado; por outro lado, é de rigor faze-la, quando aproveite ao réu”13.
No entanto, há quem entenda inaplicável estes dois parágrafos, em virtude da falta do
caput do art. 32, achando que deve-se aplicar a respeito os arts. 13 e 14 da Lei n. 9.807/1999
(Lei às Testemunhas).
Pois bem, temos, então, três disposições diferentes contidas nestes parágrafos
sobreviventes a este naufrágio legislativo:
1. O sobrestamento do inquérito policial;
2. O perdão judicial;
3. A redução da pena.
Apesar do § 2º referir-se a processo, evidentemente não se trata de sobrestamento da
ação penal, por dois motivos: primeiro porque este parágrafo encontra-se no capítulo atinente
à disciplina do inquérito policial e segundo porque o próprio parágrafo refere-se a indiciado.
Segundo o entendimento de EDUARDO ARAÚJO DA SILVA,“o emprego do vocábulo
‘processo’ pelo legislador foi equivocado, pois o dispositivo trata da colaboração na faze processual. O correto
seria o emprego da expressão ‘sobrestamento o inquérito ou da investigação’, pois a colaboração na fase
processual está disciplinada no § 3º do mesmo dispositivo”.14
Nas três hipóteses antes indicadas o acordo é feito com o Ministério Público, que, no
caso de sobrestamento, agirá autonomamente, sem necessidade de se dirigir ao Juiz de Direito
para requerer a homologação do acordo. Esta atividade lhe é privativa, mesmo porque
privativo também é o exercício da ação penal pública.
Já o perdão judicial e a redução da pena serão requeridos pelo Promotor de Justiça ao
Juiz do processo. O perdão judicial e a redução da pena são obrigatórios, configurando-se
direitos subjetivos do acusado, acaso estejam presentes, efetivamente, os pressupostos
previstos no referido parágrafo, ou seja, se com a revelação da existência da organização
criminosa permitiu-se “a prisão de um ou mais dos seus integrantes, ou a apreensão do
produto, da substância ou da droga ilícita, ou que, de qualquer modo, justificado no acordo,

13
Código de Processo Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. vol. I, p. 404.

14
Entende Eduardo Araújo da Silva, que “caberá ao Ministério Público, no plano interno, disciplinar através de
ato normativo, regras básicas de como devem proceder seus membros para a lavratura do acordo a que se refere a
lei”.(“Da moralidade da proteção aos réus colaboradores”. São Paulo. In: Boletim IBCCrim no 85, dezembro de
1999)
15

contribuir para os interesses da Justiça”(alternativamente). A redução será feita dentro dos


parâmetros estabelecidos pelo próprio parágrafo.15
Portanto, verifica-se que esta lei disciplinou, para a fase judicial, uma delação
premiada vinculada, facultando ao juiz aplicar o perdão judicial ou diminuir a pena do
acusado colaborador, desde que haja prévia proposta do Ministério Público.

3.6- Código Penal

A delação premiada criada como um mecanismo de política criminal que visa


combater a criminalidade crescente e organizada e diminuir a impunidade.
Considerando que as regras da política criminal acompanham as mudanças sociais,
temos que a escala da violência e da criminalidade de há muito reclamava por novos
instrumentos para aumentar a eficácia da persecução penal.1616
Oportuno é o comentário dos juízes ALEXANDRE MIGUEL e SANDRA
PEQUENO (2000, p. 438) sobre a normatização da delação premiada:
a evolução social das idéias e das Leis intensifica fórmulas de combate à
criminalidade. A normatividade busca alcançar seu fim maior, que é a paz social.
Cuida-se de opção legislativa, em que se colocou na linha de frente da política
criminal, seguindo modelo mundial, a proteção dos direitos da vítima e a
efetividade da persecução social na prevenção e repressão de delitos penais.

A delação premiada consiste numa dessas técnicas processuais que busca abreviar a
solução do processo, não havendo descaracterização da natureza retributiva da pena nem
rompimento com os dogmas de direito penal.
No Brasil, a Constituição da República de 05 de outubro de 1988, ao tratar dos direitos
e garantias fundamentais, estabeleceu, no art. 5º, inciso XLIII, como norte ao legislador
ordinário, serem crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes hediondos definidos
em lei.

15
. Comentando a respeito do perdão judicial, Damásio de Jesus entende tratar-se de um “direito penal público
subjetivo de liberdade. Não é um favor concedido pelo juiz. É um direito do réu. Se presentes as circunstâncias
exigidas pelo tipo, o juiz não pode, segundo seu puro arbítrio, deixar de aplica-lo. A expressão ‘pode’ empregada
pelo Código Penal nos dispositivos que disciplinam o perdão judicial, de acordo com a moderna doutrina penal,
perdeu a natureza de simples faculdade judicial, no sentido de o juiz poder, sem fundamentação, aplicar ou não o
privilégio. Satisfeitos os pressupostos exigidos pela norma, está o juiz obrigado a deixar de aplicar a pena”
(Direito Penal. Parte Geral. 19. ed. São Paulo: Saraiva. vol. I, p. 597).
16
MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. Apontamento sobre política criminal e a plea bargaining.
Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, n. 678, 1992, p. 301.
16

Para regulamentar – em parte, pois fala-se que a regulamentação foi apenas parcial,
porque o crime de terrorismo não foi até hoje tipificado, enquanto a previsão legal do crime
de tortura só se deu em 1997, por meio da Lei n. 9.455, de 7 de abril de 1997 – o dispositivo
na Lei Maior, surgiu a Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispôs sobre os crimes
hediondos. E, importando a previsão do direito italiano, estabeleceu, no art. 8º, parágrafo
único, que no crime de quadra ou bando, previsto no art. 288 do Código Penal, “o
participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando
seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terço”. Trata-se, segundo
DAMÁSIO E. DE JESUS, em sua obra Código Penal Anotado, de:
uma circunstância legal especial, de natureza objetiva e de caráter obrigatório,
incidindo somente em relação aos delitos indicados: quadrilha para fins de tráfico
de drogas, hediondos, tortura e terrorismo. A redução da pena só incide sobre o
crime de quadrilha e não sobre os delitos cometidos por ela. Não basta a simples
denunciação, exigindo-se, para a redução da pena, seu efetivo desmantelamento. Só
aproveita ao denunciante. O quantum da redução da pena varia de acordo com a
maior ou menor contribuição causal do sujeito no desmantelamento do bando.
Autoridades, para efeito da disposição, são o Delegado de Polícia, o Juiz de Direito,
o Promotor de Justiça etc. Norma benéfica, tem efeito retroativo, alcançando as
hipóteses de crimes cometidos antes da vigência da Lei n. 8.072, nos termos do
parágrafo único do art. 2º do Código Pena.l(2002, p. 885)

Estava, assim, introduzida em nosso direito a chamada “delação premiada”.


É certo que o art. 7º da Lei n. 8.072/90 também introduziu modificação no art. 159 do
Código Penal, que trata do crime de extorsão mediante seqüestro, acrescentando-lhe o
parágrafo 4º, para prever a redução de pena, de um a dois terços, do co-réu ou partícipe de tal
crime, praticado em quadrilha ou bando, que denunciasse o delito à autoridade, facilitando a
liberação do seqüestrado. A Lei n. 9.269/1996, contudo, deu nova redação ao dispositivo, mas
apenas para afastar a hipótese de quadrilha ou bando, passando a prever que “se o crime é
cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação
do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”. Nesse passo, cabe mencionar o
entendimento do ilustre DAMÁSIO E. DE JESUS, em seu Código Anotado:
De acordo com o § 4º, mandado acrescentar ao art. 159 pelo art. 7º da Lei n. 8.072,
de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os delitos hediondos, se a extorsão
mediante seqüestro for praticada em concurso de pessoas, o concorrente que
denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do sujeito passivo, terá sua pena
reduzida de um a dois terços. Exige-se que o crime tenha sido praticado em
concurso de pessoas (CP, art. 29). Assim, a delação aproveita ainda quando
cometido por apenas dois seqüestradores. A expressão “concorrente” refere-se a
qualquer participante da quadrilha (co-autor ou partícipe). A denunciação diz
respeito ao crime e não ao bando (a expressão “que o denunciar” está ligada ao
“crime”). Não se aplica o dispositivo na hipótese de o agente estar sendo
processado pelo crime A e delatar em relação ao delito B, sem conexão com o
primeiro, uma vez que o texto menciona “concorrente”. Não basta a simples
delação, exigindo o tipo a efetiva libertação da vítima. Trata-se de uma causa de
diminuição de pena de caráter obrigatório, variando a redução de acordo com a
17

maior ou menor contribuição do sujeito para a libertação do seqüestrado. De


natureza material, a norma que a prevê tem efeito retroativo, nos termos do art. 2º,
parágrafo único, do Código Penal.(2002, p. 597)

No entanto, com a entrada em vigor da Lei n.9.807/99, nos seus arts. 13 e 14 foi da
uma nova e mais abrangente descrição legal ao acusado-colaborador e, em conseqüência,
houve a revogação tácita do disposto no § 4º do art. 159 do CP.
Com a entrada em vigor da Lei de Lavagem de Capitais (Lei n. 9.613/98, art. 1º, § 5º),
também se introduziu modificação no Código Penal, quando o legislador permitiu a fixação
da pena no regime aberto, alterando em parte o artigo 33 do Código Penal.

4- Eficácia da Delação Premiada na Prática Judiciária Brasileira

O Brasil está atrasado no que tange o Instituto da delação premiada, visto que é
deficitária a proteção às testemunhas e vítimas, bem como a proteção aos próprios co-autores e
partícipes da ação criminosa. No Brasil, mesmo com um reclamo social efetivo e constante por
uma legislação; e agora com uma multiplicidade de Leis que disciplinam a matéria, ainda não
se percebe uma preocupação e uma sensibilidade para a importância dos programas protetivos
pelas autoridades competentes.17
Claro que já se tem um avanço fenomenal em um país mal acostumado com a
necessidade de uma base profissional para investigação criminal, merecendo elogios o trabalho
realizado pelo Programa Nacional de Direitos Humanos, responsável direto pela sensibilização
do Congresso Nacional para formulação e aprovação da referida Lei.
A delação premiada só veio a acrescer e auxiliar os meios de investigação na apuração
e, no tocante ao delito de extorsão mediante seqüestro, o resgate da vítima com vida e com
sua integridade física preservada.
Por conseguinte, poderá ainda ser preservado o patrimônio da vítima, que estaria
sendo resgatada sem o pagamento do exigido pelos criminosos e, no caso de já ter sido pago o
resgate, a devolução do valor ou de parte deste, ensejaria a valoração para maior da benesse.
Em matéria publicada na Revista Consultor Jurídico (05 de maio de 2006), CLÁUDIO
JÚLIO TOGNOLLI comenta:
Professor de direito da Fundação Getúlio Vargas à frente da conectas Direitos
Humanos, Oscar Vieira Vilhena, um estudioso de criminologia, acredita que a

17
CERQUEIRA, T. T. P. L. P. Delação premiada. In Consulex; Revista jurídica, v. 9, n. 208, p.24-33, set. 2005.
18

delação premiada gera a “máxima eficiência” da Justiça, porque “mostra resultados


quase sem que haja custos na investigação”.
Segundo Vilhena, a delação premiada funciona, mas “não pode ser usada de
maneira tão generalizada como vem sendo usada”. Vieira Vilhena vê a delação
premiada como única saída para casos em que “o Estado é o lesado e não temos
propriamente alguém, uma figura palpável, fazendo a denúncia. Chegamos no
beneficiário, e ele deve apontar quem o ajudou, em troca de redução de pena”. Ele
avalia que o ex-deputado Roberto Jefferson, por exemplo, “deu um tiro em seu
próprio pé ao abrir a boca achando que iria ser perdoado pelo que fez”.
“Defendo a delação premiada porque ela nos ajuda num mundo em que o crime
cada vez se torna mais complexo”, avalia Armando Rodrigues Coelho Neto,
presidente da Federação Nacional dos Delegados da Polícia Federal. “Sabemos de
histórias de policiais que, antes da delação, ofereciam benesses para que o
investigado abrisse a boca. A lei da delação acabou com isso e ajuda muito a
polícia”.

Neste diapasão, corrobora também EDUARDO ARAÚJO DA SILVA, em publicação


na Revista Consultor Jurídico (15 de setembro de 2005):
Urge, pois, adequar a realidade brasileira às leis de outros países, em tema de
delação ou colaboração premiada, ante os extraordinários benefícios que este
instituto pode trazer para as investigações criminais em relação ao crime
organizado, se previsto com lucidez necessária.
A propósito, tramita pelo Congresso Nacional o Projeto de Lei 3.731/97, relatado
pelo deputado Antônio Carlos Biscaia, que regula os meios de obtenção da prova
em relação às organizações criminosas, dentre eles a ‘Colaboração Premiada’ na
sua dimensão. Basta, portanto, vontade política para que o Brasil dê este salto de
qualidade na apuração do crime organizado.

Há uma outra corrente de críticos da delação premiada, que sustenta um debate


honesto. Eles têm uma implicância inicial com a expressão “delator”, por entender que este é
um traidor, pelo fato de ter colaborado com as investigações. Dizem, também, que a delação
premiada passa a idéia de que o ato de trair gera benefícios, um “ato social imoral”. O terceiro
argumento desse grupo é que o benefício a um criminoso de quadrilha “rompe com o
princípio da proporcionalidade da pena” – todos são parceiros de um mesmo crime, mas o
delator ganha uma punição menor. Por último, acreditam que a delação premiada não vem se
demonstrando eficaz em suas aplicações, visto que influencia no livre arbítrio, de modo a
transformar as delações dos colaboradores no coração do processo, sem demais empenho na
busca de novas modalidades probatórias.
Nesse sentido opina o Juiz Federal, IVAN LIRA DE CARVALHO:
A distância cultural que separa o nosso País da realidade italiana, aliada à timidez e
ao afogadilho que têm norteado as providências do Estado brasileiro com relação
ao combate ao crime organizado, são elementos que decerto podem ser apontados
como os principais responsáveis pelo insucesso, aqui, das medidas cover
apresentadas, geralmente apenas no âmbito legislativo. Assim, não raro são
constatadas críticas do tipo da que foi veiculada por TALES CASTELO BRANCO,
pouco antes da entrada em vigor da Lei 9.034: "Premiar a delação do co-réu,
complicaria, ainda mais, a investigação policial. No dia-a-dia da criminalidade, os
delatores - falsos ou verdadeiros-, e mesmo os co-autores confessos são
'gratificados', 'aliviados' e 'perdoados', ilegalmente, no curso das investigações
19

criminais. Com o amparo da lei, esses expedientes iriam multiplicar-se, sem que a
'prova apurada' transmitisse maior credibilidade aos órgãos julgadores."(...) "E os
trânsfugas? Seriam agraciados com 'emprego novo, nova identidade, mudança para
o exterior etc.', como querem alguns 'colaboradores da Justiça', conforme
denunciou o Magistrado Luiz Flávio Gomes? Receberiam, neste país de fome e de
miséria, o que a maioria trabalhadora de sua população não tem? Ou seriam
abandonados `a sua própria sorte: depois de usados e descartados, acabariam
condenados, sumariamente, à pena de morte, executada pelos traídos e ressentidos,
dentro ou fora dos presídios? Ou o Estado, financeiramente destroçado, deveria
construir 'prisões especiais' para alcoviteiros da criminalidade?".
Na mesma linha, ou seja, sem acreditar nos efeitos práticos da delação premiada, é
o pensamento de DAMÁSIO DE JESUS, que acidamente prega a ineficácia do
instituto: " A alteração da lei, na prática, destina-se ao nada. A delação premiada,
introduzida no art. 159 do Código Penal pela Lei dos Crimes Hediondos (art. 7º da
Lei n. 8.072/90), teve rara aplicação em quase seis anos de vida legal. Não é difícil
de ser encontrada a razão. Na Polícia, quando presos, os seqüestradores sempre
afirmam que jamais irão trair os comparsas: "ficaríamos com fama de alcagüetas e
não teríamos vida longa na cadeia" (depoimento do Delegado Maurício Soares,
Chefe da Delegacia Anti-Seqüestro da Polícia Civil de São Paulo, sobre a ineficácia
da delação premiada, Folha de S. Paulo, 4 de abril de 1996, Cidades, C7 ). Os
delinqüentes sabem que o prêmio para a traição é a certeza da morte e não a
eventual redução da pena.".
Não são, pois, muito alvissareiros os horizontes da delação premiada no contexto
penal brasileiro, a menos que o Estado busque soluções mais plurais para o
problema do que a simples inserção legislativa da medida. Ter o modelo italiano
como referência é recomendável; o errado é a tentativa de transplantá-lo
integralmente para cá, onde as peculiaridades do crime e dos criminosos são
diferentes. (1996)

São considerações aceitáveis, mas que afastam do debate a apreciação do resultado


final da investigação. A legislação é feita para que o combate ao crime seja objetivamente, e
não subjetivamente, mais efetivo. No jogo dos pesos e contrapesos, a sociedade sai mais
premiada do que o delator.18
Como por exemplo, no caso do processo do ex-deputado Hildebrando Paschoal,
acusado de chefiar um grupo de extermínio no Acre, onde os integrantes da quadrilha dele,
utilizado-se do instituto da delação premiada, deram informações que permitiram comprovar os
crimes e prendê-lo.
As leis e os códigos não jogam com a possibilidade da impunidade – pelo contrário,
partem do princípio de que, ao pedir um acordo de delação premiada, o investigado está se
auto-incriminando – mais do que já está.Um empresário como Marcos Valério, por exemplo,
sabe que foi pego no flagra, que não tem saída. É por se entender como réu confesso que ele
pede uma redução da punição para colaborar com as investigações. No entanto, cabe ao
Ministério Público avaliar as provas que tem em mãos e que a conclusões pode chegar com ou
sem a colaboração de Marcos Valério. Essa avaliação vale para os casos de Buratti e Toninho
da Barcelona ou qualquer caso de réu colaborador.

18
CALHAU, Lélio Braga. Delação premiada. Justilex, ano IV, n. 46, outubro de 2005.
20

5. A Delação no Direito Comparado

A delação premiada é amplamente utilizada nas legislações estrangeiras, como: Itália,


Inglaterra, EUA, etc, assim, embora seja uma experiência nova no Brasil, a delação premiada,
desde há muito está consolidada em outros países, merecendo, portanto, um breve comentário
sobre a existência do instituto no direito comparado.

5.1. Estados Unidos

O Instituto da Colaboração Premiada surgiu no Estados Unidos da América, cujo


sistema legal tem mais abertura para barganhas entre o criminoso e o Estado, visto que os
acordos entre acusação e acusado (plea bargaining) também estão incorporados na cultura
jurídica, o que facilita a obtenção de uma colaboração premiada. Essa sistemática é resultante
da tradição calvinista, na qual confessar publicamente a culpa, praticar um ato de contrição
revelam uma atitude cristã que deve ser valorizada pelo direito.
No sistema americano, repousa a idéia de que a verdade é fruto de uma decisão
consensual sistematicamente negociada. Isto vale para a barganha que se faz entre a
promotoria e a defesa, quando o réu se declara culpado (plea bargain ou plea guilty) (LIMA,
1999, p. 28).
Instituída como medida de política criminal a plea bargaining é amplamente utilizada
no direito norte-americano, sobretudo nos crimes contra o sistema financeiro, a ordem
tributária, a ordem econômica e os praticados com violência à pessoa, premiando aqueles que
colaboram com a Justiça, mormente nos casos de crimes complexos praticados por
organizações criminosas.
Nesse diapasão, cabe mencionar o entendimento de WÁLTER FANGANIELLO
MAIEROVICH sobre a plea bargaining:
[...] é largamente aplicada no Processo Penal norte-americano, com os mais
surpreendentes e espantosos acordos (agreement). Inúmeros são os casos de
21

avenças disparadas: admite-se trocar homicídio doloso típico por culposo; tráfico
por uso de drogas; roubo qualificado pelo emprego de arma de fogo por furto
simples. Para os críticos mais severos, trata-se de prática lúdica, quando se nota que
dez crimes variados são trocados pela declaração de culpabilidade (plea of guilty)
de apenas um, que pode ser até o menos grave. A plea bargaining visa,
fundamentalmente, a punição, ainda que branda e socialmente injusta. É justificada
como poderoso remédio contra a impunidade, diante do elevado número de crimes
a exigir colheita de prova induvidosa da autoria, coma conseqüente pletora de feitos
e insuportável carga de trabalho do judiciário. (1989, p. 15)
Como podemos observar, essas figuras do “plea bargaining” e “plea guilty” suscitam
uma controvérsia entre os juristas e os criminólogos americanos Os críticos apontam
insistentemente para a desigualdade e a injustiça que se refletem na “plea negotiation” e que
esta, por sua vez, potencia e amplia. Como negociação de fatos (e do direito) feitas no
gabinete do Ministério Público ou nos corredores do Tribunal, subtraída da publicidade.
Quanto ao alcance prático do “plea barganing” nos Estados Unidos, observam-se que através
dele são solucionados de 80% a 95% de todos os crimes, por outro lado, inquéritos feitos por
uma amostragem significativa de promotores revelaram que estes consideram cerca de 85%
dos casos da sua experiência como adequados a uma solução de “plea barganing”.
As vantagens das negociações e das declarações de culpabilidade reside no fato de
serem uma forma de administrar a justiça de forma muito mais flexível do que o modelo
tradicional. Como se assinala no caso Bordenkircher V. Hayes, “seja como for a situação em
um mundo ideal, o fato é que a guilty plea e a plea bargain são componentes importantes do
sistema judicial deste país. Properly administered, they can beneficit all concerned”. Entre
essas “mutuality advantages”, que sem dúvida alguma, são a base para que mais de três
quartos das condenações nos Estados Unidos da América sejam produto das “pleas” e as
quais são necessárias para que hoje, em dia, a administração funcione.1919
Vale ressaltar que, a experiência mais remota de proteção a colaboradores da justiça
iniciou-se em 1789, com a criação do US Marshall’s Service, nos Estados Unidos da América,
este órgão protegia membros do Poder Judiciário e testemunhas de acusação em crimes
federais. A partir de 1960, o US Marshall’s Service sofreu uma radical mudança e passou a
abranger outros tipos de crimes, em razão da necessidade de uma ação eficaz contra o crime
organizado.
Atualmente mais de 6.000 pessoas já receberam a proteção do US Marshall’s Service,
número mais do que suficiente para revelar a importância do programa, mas existem
problemas. E o maior deles é o seu alto custo, ora que o governo norte-americano gasta
aproximadamente 110 mil dólares por ano com uma família de 4 pessoas.

19
MAIA, Andréa Damiani. A delação premiada no sistema de defesa da concorrência. Disponível em :
http://www.amchamrio.com.br/publicaçoes/bb/2004/bb_08_04/legalalert.htm. Acesso em: 15 de abril de 2006.
22

Em casos especiais o beneficiado pelo programa tem direito a cirurgia plástica e troca
de documentos com a permissão da Justiça, que inclusive pode anistiar condenados.
HIGOR VINICIUS N. JORGE, ao falar sobre o assunto, cita o promotor Gilson
Roberto de Melo Barbosa, que afirma:
em seu artigo o Papel do Ministério Público na proteção à Testemunha, execução
desse programa nos Estados Unidos da América tem suas diretrizes reguladas pela
Lei Pública 97-291, e ocorre da seguinte forma: a agência de investigação informa
ao promotor público que há uma vítima ou testemunha ameaçada e interessada em
cooperar. Se o promotor entender que o depoimento dessa pessoa é relevante, a
mesma será encaminhada ao Departamento de Justiça para que seja analisada a sua
inclusão. Em caso de aprovação, o Departamento de Justiça encaminha
a testemunha para o US Marshall’s Service que investiga o interessado e sua
família, e decide se ela pode ser beneficiada pelo programa.20
Hoje nos USA, o sistema de colaboração e proteção de testemunhas, é conhecido por
witness, este protege além daqueles os delatores O Witness Security Program, criado em 1971,
protege atualmente 150 pessoas por ano a um custo de US$ 20 milhões ao governo. É o mais
caro programa per capita, mas também o mais aperfeiçoado do mundo. Aluga casas
mobiliadas para as testemunhas, paga aulas de inglês aos estrangeiros e muda o sobrenome
das crianças protegidas. Dos envolvidos, 90% são gângsteres e apenas 20% deles voltam ao
mundo do crime.

5.2. Itália

A técnica de relevância premial italiana foi exclusivamente direcionada ao


desmantelamento da Máfia, visando derrotar sua estrutura de atuação eficiente e sigilosa; e
restabelecer a punibilidade na Itália, para isso houve um endurecimento das leis, o que
provocou baixas na Máfia, estimulando a colaboração. A "Operação Mãos Limpas"
(Operazione Mani Puliti), com isto conseguiu diminuir a violência no país.
A Máfia surgiu no sul da Itália na época medieval. Seus membros eram lavradores
arrendatários de terras pertencentes a poderosos senhores feudais. Mas eles pretendiam dividir
essas terras e, para isso, começaram a depredar o gado e as plantações. Quem quisesse evitar
esse vandalismo deveria fazer um acordo com a Máfia. Da Itália, a indústria da “proteção
forçada” se espalhou para o mundo inteiro, especialmente para os Estados Unidos.

20
JORGE, Higor Vinicius Nogueira. Programa de proteção as testemunhas. Disponível em:
http://www.ufsm.br/direito/artigos/penal/testemunhas.htm>. Acesso em: 10 de maio de 2006.
23

Ocorre que, com o passar dos anos, a Máfia se consolidou. Em meados dos anos 80, a
Máfia atuava até mesmo na esfera pública italiana. Empresários, políticos de diversos cargos
e achacadores compunham um sistema sólido, que acabara por torna-la, desta forma, mais
séria e sólida do que o próprio Estado, com leis claras e rigorosos códigos de ética, ao qual
resistir implicaria sérios riscos.21
Na legislação penal italiana, máfia representa gênero de especial associação criminosa,
distinta das comuns quadrilhas e bandos. As associações de tipo mafioso, desde 1982, estão
previstas no artigo 416, bis, do Código Penal Italiano.
Como ficou destacado acima, a palavra "máfia" passou a ser considerada, na lei penal
material, como gênero de associação delinqüencial. Na Itália, como espécies do gênero máfia,
são conhecidas as seguintes associações delinqüenciais: Cosa Nostra (Sicília); N’Drangheta
(Calábria); Camorra (Campania);e Sacra Corona Unita (Puglia).
Associações criminosas que seguem o modelo mafioso são aquelas que objetivam o
controle social. Mantêm conexão com os poderes constituídos, mediante uma rede parasitária
de intermediação. Apresentam-se como de tipo gangsterística, ou seja, promovem, quando
convém, a eliminação física dos seus adversários22.
Entretanto, a partir dos anos 80 houve uma reação conjunta na Itália, sociedade
italiana não deixar-se-ia dominar pelo crime organizado por tanto tempo. O sistema Penal e
Judiciário foram modificados e dotados de instrumento mais duros de combate ao crime
organizado onde foi utilizado: a delação premiada, escutas telefônicas, a penalização dos
caixas-dois, punições à corrupção, dentre outros instrumentos para combater o crime
organizado, mas nada se comparou com a manifestação popular exigindo uma basta à
corrupção através do apoio às atividades investigatórias realizadas pelo parquet, mediante
envio de telegramas e cartas aos parlamentares, em conseqüência a estrutura das organizações
mafiosas começaram a ser desvendadas.
Em seu artigo MAIEROVITCH, ressalta:
Na Itália, por esforço do juiz Falcone, elaborou-se legislação consagrando o direito
premial, instituído pelo jurista alemão Ihering. Lembrava FALCONE: “como dizia
Ihering, um dia os juristas tornarão a ocupar-se do direito premial e o farão quando
pressionados pela necessidade prática. . . não tanto no aspirante ao prêmio, mas ao
superior interesse da comunidade”.23

21
LUPO, Salvatore. História da Máfia: das origens aos nossos dias. Unep: São Paulo, 2002. p. 20- 25.
22
LUPO,Op. cit., p. 32.
23
.MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. As associações mafiosas. Disponível em: http://www.cjf.gov.br/
revista/ número2/artigo18.htm. Acesso em: 05 de junho de 2006.
24

O Juiz Giovanni Falcone, vítima da Máfia, foi um dos que mais estimulava a delação
premiada, criando projetos de lei italianos contra associações criminosas. Somente a após a
sua morte é que foi dado prosseguimento ao instituto, por ironia do destino o seu próprio
assassino Giovanni Brusca tornou-se um “colaborador da Justiça”.
Em 29 de maio de 1982, foi criada a Lei misure per la difesa dell´´ordinamento
constituzionale, visando conseguir o arrependimento, a confissão e a delação como
instrumento neutralizador do crime organizado que dominava na Itália naquele período.
A colaboração premiada nos moldes italiano apresenta-se de duas formas: os pentiti
(arrependidos) e os dissociati (dissociados). Os primeiros tratam-se de criminosos que, antes
da sentença condenatória, retiram-se da associação e fornecem informações acerca da
estrutura da organização à Justiça. Quando a veracidade de suas denúncias é comprovada,
logram a extinção da punibilidade e, tanto o colaborador quanto seus parentes próximos,
passam a receber salário, moradia e plano de saúde do Estado, que se torna responsável por
sua integridade física (SILVA, 1999, p. 04).
Os dissociati, de maneira diversa, esforçam-se para, antes da sentença, impedir ou
diminuir as conseqüências danosas ou perigosas de crimes, obtendo a diminuição de um terço
da pena (idem).
MAIEROVITCH, em seu artigo, assevera:
Graças a alguns colaboradores da Justiça, na fase de instrução preliminar ao
maxiprocesso, desvendou-se a misteriosa e planetária organização chamada, pelos
seus membros, de Cosa Nostra. De se consignar que no maxiprocesso os
colaboradores mais famosos, Tommaso Buscetta – primeiro mafioso a romper com
a “Lei do Silêncio(omertá)”- e Salvatore Contorno foram condenados,
respectivamente, às penas de três anos e seis meses (Buscetta cumpriu a pena nos
USA, por acordo) e seis anos.24
Na Itália a figura do colaborador é privilegiada, a eles são concedidos benefícios
principalmente aos colaboradores que ajudam a impedir ou diminuir os crimes cometidos
contra a segurança interior do Estado, por exemplo, crime de seqüestro por motivo de
terrorismo ou subversão, e contra a liberdade individual.
Assim, o artigo 289, §3o, do Código Penal italiano, prevê a redução da pena ao
colaborador que possibilita a liberdade da vítima. Além disso, mesmo que tenha ocorrido a
morte da vítima em decorrência do seqüestro, há redução em menor patamar, óbvio, se houve
colaboração.
A previsão da colaboração premiada também encontra-se presente no artigo 630, §5o,
do mesmo Código, que substitui a pena de prisão perpétua pela de reclusão de 12 a 20 anos,
24
MAIEROVITCH, Walter Fanganiello.Blindagem do crime organizado: delação premiada. Disponível em :
http://www.ibgf.org.br/index.php?data[id_seção]=3&data[id_matéria]=598. Acesso em: 15 de abril de 2006.
25

bem como diminui de um a dois terços as demais penas ao partícipe que evitar que se
produzam as conseqüências do delito ou ajudar na colheita de provas decisivas para a
individuação ou captura dos demais co-autores ou partícipes. Portanto, é o concorrente que,
antes da sentença condenatória, ajuda as autoridades policiais e judiciárias na colheita das
provas decisivas para a individuação e captura de um ou mais autores dos crimes ou fornece
elementos de prova relevantes para a exata reconstituição dos fatos e a descoberta dos autores.
Existem ainda a previsão da colaboração premial para aqueles que corroboram com a
ação repressiva do narcotráfico, evitando que venham graves conseqüências da atividade
delituosa ou ajudando a impedir o cometimento de delitos.
Deve-se ressaltar, que durante a Operação “Mãos Limpas”, centenas de mafiosos
foram presos, levados a julgamento e condenados. E que a Máfia embora não tenha
desaparecido por completo, perdeu muito poder. Seu declínio é uma prova categórica da teoria
defendida por muitos – a de que o crime organizado só é neutralizado mediante enérgicas
ações do Estado e da sociedade.

6. Valor Ético do Instituto

Historicamente, a delação no Brasil é entendida como sinônimo de “traição”, por isso


a delação premiada vem sofrendo ataques éticos, além de ser suscitado a sua eficácia.
Por ter a delação premiada se originado no Brasil de forma diferente da que se
originou em outros países, não significa dizer que ela não traga benefícios na investigação dos
ilícitos. O ato da delação tem que insistir necessariamente em efeitos concretos, como:
desmantelamento da quadrilha, prisão de seus integrantes, apreensão de drogas, libertação da
pessoa seqüestrada, etc. No entanto, o grande dilema da delação tem sido a controvérsia a
respeito do seu aspecto ético-moral, existindo duas correntes que se posiciona de maneiras
divergentes.
A respeito cabe destacar o importante comentário do ilustre professor FLÁVIO
BRAGA:
Ponto relevante é destacar a renhida controvérsia doutrinária no tocante à
efetividade do instituto premial e ao inafastável aspecto ético-moral que o envolve.
A corrente favorável argumenta que a relevância do bem jurídico tutelado pela
delação (a segurança pública) justifica a sua utilização como recurso eficaz para
arrostar o crime organizado. Enfatizam, ainda, a inexistência e/ou ineficácia de
outros meios para tornar possível o desmonte das poderosas organizações
26

criminosas. A posição divergente refuta com veemência a delação premiada,


asseverando que a sua aplicação é contrária à moral e ao princípio da dignidade da
pessoa humana, porquanto ensina que a adoção de uma atitude infame (trair) pode
ser vantajosa para quem a pratica. O Direito deve prescrever posturas decentes e
leais, não podendo premiar a falta de caráter de quem comete uma ação torpe e
aética, convertendo-se num incentivador de antivalores. Quanto à sua
aplicabilidade, o instituto se revelaria inócuo, porque os "preceitos" que regem o
submundo do crime não toleram alcagüetes, sendo certa a execução sumária de
quem viesse a transgredi-los. Assim, nenhum delinqüente se sentiria encorajado a
"entregar" os comparsas ante a certeza da desforra mortal. Em remate, os próceres
desta tese sustentam que os infratores não confiam em que o Estado cumpra a sua
parte, uma vez que não dispõe de condições materiais para garantir a integridade
física do delator e de sua família. De nossa parte, sem embargo das opiniões
contrárias, entendemos ser juridicamente sustentável o emprego do favor legal em
análise, máxime em razão dos alarmantes índices de criminalidade que assombram
os lares brasileiros e da flagrante deficiência do aparelho estatal para, mediante
outros expedientes, fazer o enfrentamento às estruturas criminosas cada dia mais
articuladas, engenhosas e sofisticadas25.

Sobre o assunto diz, ainda, RENATO FLÁVIO MARCÃO:

Com suas vantagens e desvantagens, a delação premiada vem sendo usada


largamente, e muitas vezes com pouco ou nenhum critério técnico, tanto que se tem
notícia de vários casos em houve delação premiada, porém, nada ficou
documentado visando a “segurança do delator”, e exatamente por isso nada foi
comunicado nos autos do processo criminal a que se vê submetido, apesar do êxito
da investigações realizadas a partir da delação. Em conseqüência, muitos delatores
acabam colaborando com as investigações e depois não recebem os benefícios
inicialmente apresentados na barganha que envolve a pretensão punitiva, a revelar,
mais uma vez, condenável violação ética patrocinada pelo Estado; verdadeiro
estelionato. De tal situação também decorre a necessidade de se pensar sobre a
incidência dos efeitos da delação em sede de execução penal.26

O que se deve ter em mente a respeito do instituto da delação premiada é a eficácia da


investigação criminal, onde prevaleça o interesse social. Portanto, não se pode desprezar uma
arma valiosa que é a colaboração de criminosos com a Justiça, visto que atualmente os
esquemas de fraude se tornaram mais requintados. Embora a simples perspectiva de o poder
público estimular a delação cause ojeriza, deve-se lembrar que nenhuma teoria geral do
Estado reza que é dever das autoridades zelar pela observância da ética entre meliantes, por
isso não se deve tratar a delação premiada como uma verdadeira traição. Nesse sentido, opina
LÉLIO BRAGA CALHAU:
Como tudo que é novo e desconhecido gera desconfiança, a delação premiada passa
por essa crítica por ter sido introduzida muito recentemente no ordenamento
jurídico brasileiro. Ela realmente não faz parte da nossa tradição jurídica, que
sempre foi avessa á possibilidade de acordos entre o Poder Público e infratores, nos
quais a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações
penais e de sua autoria, poderia ter como conseqüência a redução de um a dois
terços da pena, como por exemplo, no enfrentamento das organizações criminosas.
25
BRAGA, Flávio. Delação premiada o que é?. 03 out. 2005. Disponível em:
http://www.mhariolincoln.jor.Br/index.php?itemid=511. Acesso em: 04 dez. 2005.
26
MARCÃO, Renato Flávio. Delação premiada. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 843, 24 out. 2005. Disponível
em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7463. Acesso em: 01 dez. 2005.
27

Todavia, acredito que uma grande parte das críticas é injusta, escoimadas em
discursos políticos disfarçados de “pensamento científico penal”, fruto, em parte, da
arrogância de uma ala de pensamento que no Brasil se julga o “suposto saber” em
termos de ciências criminais, a qual prega a tolerância no sistema penal, mas é
incapaz de tratar com a mesma tolerância as idéias, que por uma razão ou outra,
discordem do seu falso “discurso científico”. Esse tipo de situação só serviu para
dificultar o entendimento, a interpretação e a colocação de limites na aplicação do
Direito Penal, e nesse momento, dificulta também a colocação de um objetivo e
limite definido para esse instituto.27

Conforme o professor Dr. DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO, “o agente que se


dispõe a colaborar com as investigações assume uma diferenciada postura ética de marcado
respeito aos valores sociais imperantes, pondo-se debaixo da constelação axiológica que
ilumina o ordenamento jurídico e o meio social”28.
Como vemos a delação premiada vem sendo severamente criticada. “Dentro da
corrente doutrinária que critica a delação premiada, encontram-se presentes os que acreditam
estar menosprezando valores fundamentais como os princípios da “eqüidade” e da
proporcionalidade”.
Muitos juristas discutem se a conduta do criminoso delator seria de acordo com a
ética, sendo que alguns entendem que o instituto da delação premiada veio para estimular a
amoralidade, podendo levar a ordem jurídica à corrupção e à promiscuidade.
LUIZ FLÁVIO GOMES, corroborando com os demais doutrinadores que criticam o
instituto, revela que “ao se chegar ao ponto de estabelecer em ‘lei’ prêmios a um criminoso
traidor só existe uma explicação: é a prova mais contundente da pública e notória
ineficiência do Estado atual para investigar e punir os crimes e os criminosos” .
Pelo visto a delação é uma expressão que encontra muitos opositores, eis que adquiriu
conotação pejorativa, tomando o sentido de acusação feita a outrem, com traição da confiança
recebida, em razão de função ou amizade, todavia, em nome do Direito Penal funcionalista,
utilitário e pragmático, vem ganhando a simpatia do legislador pátrio, inspirado na ordem
jurídica de outros países, como forma de fazer frente ao crime organizado.
No mais, o temor dos críticos da delação premiada só teria sentido se a concessão do
prêmio acontecesse mediante colaboração mentirosa. Todos os “estímulos à verdade
processual”, previstos em leis específicas e no Código Penal – “confissão espontânea”,
“delação premiada”, “réu colaborador”- exigem que as informações dos
delatores/colaboradores sejam efetivamente úteis nas investigações. O acordo prévio para que
uma testemunha deponha na condição de delator premiado não embute a premiação prévia –
27
CALHAU, Lélio Braga. Delação premiada. Justilex, ano IV, n. 46, outubro de 2005.
28
AZEVEDO, David Teixeira de. “A colaboração premiada num direito ético”. Revista dos Tribunais. São
Paulo: RT, n. 771, 2000, p. 452.
28

se procuradores e Judiciário chegarem à conclusão de que as informações são mentirosas, o


que o delator pode ganhar é a manutenção ou até agravamento da pena por ter mentido –
quase sempre, nesses casos, o falso colaborador recebe entre cinco e oito anos de cadeia extra.
Como visto, há algo mais além da questão moral. Existem também problemas de
organização e problemas processuais. Não basta a palavra do arrependido para condenar quem
quer que seja. Sem provas, palavras são e palavras continuam sendo. Mas a questão moral
existe. A partir daí surge um cálculo de custos e benefícios. Custos no plano moral,
obviamente. Diga-se que o arrependimento é tão antigo quanto o mundo. Um tratamento
especial em relação aos arrependidos é previsto em todos os países modernos que queiram
atuar eficazmente contra a criminalidade.
Portanto, não se vê coerência nas afirmações de que não poderá se valer do instituto,
pois estaremos enfrentando um problema ético. Não se vislumbra ética quando o bem
protegido é a vida. Ainda mais nas circunstâncias apresentadas por parte da doutrina que
entende a delação premiada como instituto que insita a sociedade a trair.
Na verdade, a delação premiada destina-se, também, a trazer o criminoso novamente
para comungar dos valores do Estado Democrático de Direito.
DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO, ao discorrer sobre o assunto, cita Jorge Alberto
Romeiro, para quem:
o sentimento reflexo de bondade, pois salvo raras exceções, e a indulgências
determinam, também, na generalidade dos indivíduos, por uma espécie de
mimetismo psicológico, sentimentos reflexos de altruísmo. Assim, o perdoado de
um mal pretérito poderia sentir o dever de compensa-lo com um futuro bom
comportamento (2000, p. 453).

O certo é que com a delação o criminoso rompe com os elos da cumplicidade e com os
vínculos do solidarismo espúrio, sendo a sua conduta menos reprovável socialmente, por isso
merecedor do benefício do perdão judicial ou da redução de sua pena.
Como salientou AKAOWI:
Talvez não devamos entrar no mérito acerca dos motivos que estão levando essas
pessoas a delatarem. Não deveríamos tentar entender se realmente estão
arrependidos, ou se estão apenas tentando obter com isso benefícios, mas sim,
verificarmos o bem que tais denúncias podem trazer para a sociedade. E trazem
(1994, p. 430).
29

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o presente trabalho, ficou demonstrado que o instituto da delação premiada no


Direito Pátrio, revela-se um instrumento vantajoso no combate à criminalidade organizada.
Verifica-se, pelas hipóteses legais tratadas, que embora as leis que previram a delação
premiada tenham utilizado diferentes termos para a denominar (denúncia, colaboração
espontânea; confissão espontânea: colaboração efetiva e voluntária; colaboração voluntária;
revelação espontânea; revelação eficaz), as hipóteses em muito se assemelham em seu
âmago, qual seja, a de premiar o delator que, como autor, co-autor ou partícipe, tenha
colaborado com a autoridade policial ou judiciária, na coleta de provas que levem, de forma
eficaz, à apuração da infração penal e de sua autoria.
De qualquer forma, as legislações vigentes que tratam do tema, constitui um avanço
inegável no combate ao crime. Afinal, busca-se atingir a estrutura do crime organizado, ainda
que seja explorando a infidelidade criminal, para que haja a elucidação do crime e uma efetiva
punição à criminalidade.
Seguindo a tendência do processo penal moderno na apuração da criminalidade
organizada, a delação premiada foi introduzida no nosso ordenamento jurídico, trazendo
consigo as melhores intenções, que bem atende aos anseios e necessidades reivindicados pela
sociedade, buscando verdade material com maior efetividade, através da colaboração.
Não se pode negar que existem obstáculos por falta de harmonia em seu regramento,
que geram dificuldades na sua aplicação, necessitando da elaboração de uma legislação
específica acerca do tema, dirimindo, assim, questões como a incidência do benefício quando
a “delação” é sugerida por autoridades públicas, a viabilidade de sua aplicação em sede de
revisão criminal, entre outras, mereciam um tratamento expresso em nosso ordenamento
jurídico.
Constatou-se assim, que a colaboração premial não é imoral, pelo fato de se utilizar de
relevante propósito, não induz o indiciado, acusado ou sentenciado à traição, mas sim a se
engajar na restauração da ordem pertubada. Pois, permite ao Estado quebrar licitamente a lei
do silêncio que envolve as organizações criminosas, assim como colaborar para o espontâneo
arrependimento do investigado ou acusado. Além de fazer com criminoso venha participar
dos valores do Estado Democrático de Direito.Deve, no entanto, existir um severo controle
30

judicial para a aplicação da delação premiada, visando evitar qualquer abuso pelos agentes
estatais, o que é moralmente reprovável.
Observa-se que alguns autores criticam a delação premiadas por entender que é um
estímulo a falta de ética e indica a falência do Estado. São posições extremadas. Ademais, o
criminoso não pode ser considerado um ser virtuoso e cheio de pudores e éticas, se a lei
possibilita “a traição”, que esta aconteça em benefício da sociedade como um todo. O objetivo
da norma deve ser à busca de um bem maior, da paz social. O Estado só tem a fortalecer-se
quanto mais rápido conseguir acabar com o crime, a utilização da delação premiada nestes
casos é de extrema relevância, não demonstrando, portanto, fraqueza estatal, visto que
constitui uma tendência atual em matéria complexa apresentada pelas organizações
criminosas, por muitas vezes somente com a ajuda de integrantes dessas organizações é que se
consegue o desmantelamento das associações delituosas com efetiva prestação do aparelho
estatal.
É inegável que, para a efetiva utilização do instituto da delação premiada previsto no
nosso ordenamento, exige-se que se faça um trabalho político, com destinação de verbas e
com uma disponibilidade orçamentária, principalmente para a reestruturação do sistema
penitenciário nacional que se encontra em condições precárias, sem nenhuma atenção séria,
de modo geral, do Poder Executivo, fazendo com que essa realidade se intensifique perante
aos réus colaboradores que receberam apenas o benefício da redução da pena, pois, sabe-se
que dentro da prisão o delator não terá do Estado a garantia de proteção para a sua integridade
física, o que vem sendo o calcanhar de Aquiles da delação premiada.
É mister implantar, também, o programa que garanta a segurança do delator que foi
agraciado com o perdão judicial, para que o mesmo possa viver em liberdade e ter a sua
integridade física preservada, visto que existe a possibilidade de vingança de seus
companheiros, e Estado continua omisso quanto a proteção deste colaborador.
Verifica-se, ainda, que a falta de estrutura, obviamente, impede a realização da
intenção da Lei, o que é lamentável, mas com a previsão legal, os operadores jurídicos, com
criatividade e até com muita sabedoria, saberão manter afastados os colaboradores dos demais
presos (certamente taxados de "traidores", o que para o "Código Penal Informal" dos presos
merece até a morte), até mesmo porque interessará à autoridade policial e à judicial a
preservação do colaborador, para desvendar o crime. Além disso, o Governo já vem por meio
de convênios celebrados, implementando o Programa de Assistência as Vítimas, através de
um plano estratégico de segurança pública, visando a sua eficácia.
31

É evidente que, a qualidade da proteção oferecida pelo Estado aos delatores é que
determinará aos mesmos se é viável colaborar e, só assim é que veremos a amplitude da
aplicação do instituto no Brasil.
Assim como, caberá ao Poder Judiciário fazer o instituto ter aplicação efetiva, pois são
os operadores do direito, e particularmente os juízes, os responsáveis pelas transformações
sociais através da interpretação e aplicação das leis, motivo pelo qual terão que ter coragem
suficiente para assumirem esta responsabilidade, dignificando o seu papel na sociedade.
No entanto, apesar de ter sido implementada há quinze anos, o instituto merece ainda
alguns reparos, não há como dizer que o sistema de proteção encontra-se implantado da
melhor maneira possível, sendo necessário ajustes no que se refere a proteção do colaborador,
principalmente se considerarmos alguns fatores que foram essenciais para o sucesso do
instituto nas normas de outros países.
Como se nota, o sistema legal de proteção a colaboradores da Justiça, usada a
expressão em sentido amplo a abranger proteção a arrependidos, testemunhas e peritos,
representa arma potente de combate às associações criminosas. Há, no entanto, riscos de se
cair no assistencialismo e de delações e relatos falsos. Bem elaborada a lei, com programas
eficientes e administradores competentes, trata-se de importante mecanismo.
O fato preponderante é que tais instituições nacionais que combatem as organizações
criminosas não se encontram estruturadas ao ponto de combatê-las de frente. É preciso, pois,
que os campos universitários, a sociedade como o todo e os segmentos sociais do país se
engajem nesta luta que é de todos nós.
Ao concluir, o presente trabalho, constatou-se que a utilização da delação premiada é
um instrumento eficaz no combate ao crime organizado. Contudo, a utilização do instituto no
combate ao crime organizado só poderá obter as proporções desejadas, quando forem
oferecidas pelos órgãos de defesas da sociedade a realização de um trabalho eficaz, que
garanta que os delatores e os seus familiares sobrevivam e tenham assegurados a sua
integridade, posto isto, ressalta-se a importância de retificações e aprimoramentos nas leis já
existentes.
32

8. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

1. AKAOWI, Fernando R. Vidal. "Apontamentos sobre a Delação", in RT, vol. 707, setembro
de 1994, p. 430.
2. AZEVEDO, David Teixeira de. “A colaboração premiada num direito ético”. Revista dos
Tribunais. São Paulo: RT, n. 771, 2000, p. 449, 452 e 453.
3. BARROS, Marcos Antônio. Lavagem de dinheiro. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p.
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http://www.mhariolincoln.jor.Br/index.php?itemid=511. Acesso em: 04 dez. 2005.
5. CALLEGARI, A. L. Direito penal econômico e lavagem de dinheiro: aspectos
criminológicos. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2003.
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8. CARVALHO, Ivan Lira de. A atividade policial em face da Lei de combate ao crime
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2006.
9. CERQUEIRA, T. T. P. L. P. Delação premiada. In Consulex; Revista jurídica, v. 9, n. 208,
p.24-33, set. 2005.
10. Código Penal Anotado. 13ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 597 e 885.
11.Código de Processo Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. vol. I, p. 404.
12. Fonseca, Tiago Dutra. Delação Premiada: metástase política. IN: Boletim Ibccrim, v. 13,
n. 156, p. 9, nov. 2005;
13.FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
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14. GOMES, Luiz Flávio. Corrupção política e delação premiada. Revista Jurista. Ano III-
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15. JESUS, Damásio E. de. “Perdão judicial, colaboração premiada, análise do art. 13 da Lei
9.807/99, primeiras idéias”. Boletim do IBCCRIM. Ano 7. n. 82, setembro de 1999, p. 4.
16. JESUS, Damásio E. de. Estágio atual da “delação premiada” no Direito Penal brasileiro,
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17. JESUS, Damásio E. de. “Perdão judicial, colaboração premiada”. Boletim do IBCCRIM
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direito ético”. Boletim IBCCRIM 83. outubro/1999, p. 6.
18. JESUS, Damásio E. de. Direito penal. Parte geral. 19. ed. São Paulo:Saraiva. vol. I, p.
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33

19. JORGE, Higor Vinicius Nogueira. Programa de proteção as testemunhas. Disponível em:
http://www.ufsm.br/direito/artigos/penal/testemunhas.htm>. Acesso em: 10 de maio de 2006.
20. Leal, João José. A Lei n. 10.409/02 e o Instituto da Delação Premiada. IN: Boletim
Ibccrim, v. 10, n. 118, p. 2-4, Set. 2002;
21. LEAL, João José. Crimes hediondos: aspectos político-jurídicos da Lei nº 8.072/90. São
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22. LIMA, Roberto Kant de. Polícia, justiça e sociedade no Brasil: uma abordagem
comparativa dos modelos de administração de conflitos no espaço público. São Paulo. In:
Revista de Sociologia Política no 13, novembro de 1999.
23. LUPO, Salvatore. História da Máfia: das origens aos nossos dias. Unep: São Paulo, 2002.
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24. MAIA, Andréa Damiani. A delação premiada no sistema de defesa da concorrência.
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25. MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. As associações mafiosas. Disponível em:
http://www.cjf.gov.br/revista/número2/artigo18.htm. Acesso em: 05 de junho de 2006.
26. MAIEROVITCH, Walter Fanganiello.Blindagem do crime organizado: delação premiada.
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27. MAIEROVITCH, Walter Fanganiello.Política criminal e plea bargaining. São Paulo. In:
Revista de Julgados e Doutrina do Tribunal de Justiça de São Paulo no 04, out./nov./dez. de
1989.
28. MARCÃO, Renato Flávio. Delação premiada. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 843, 24
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29. Marcão, Renato Flávio. Extorsão mediante seqüestro. IN: Revista síntese de direito penal
e processual penal, v.5, n. 28, p. 47-49, out/nov. 2004;
30. MIGUEL, Alexandre; PEQUENO, Sandra Maria N. de Souza. “Comentários à lei de
proteção às vítimas, testemunhas e réus colaboradores”. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT,
n. 773, 2000, p. 438 e 439.
31. MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes hediondos: texto, comentários e aspectos
polêmicos. 7. ed. ver. atual. e ampl.São Paulo: Saraiva, 2002.
32. MORAIS, Neydja Maria Dias de. O crime de lavagem de dinheiro no Brasil e em diversos
países. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 834, 15 out. 2005. Disponível em :
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7424. Acesso em: 30 abr.2006.
33. SANTOS, Abraão Soares dos. A delação premiada no contexto de uma sociedade
complexa: riscos e condições de possibilidades na democracia brasileira. Jus Navigandi,
Teresina, a. 9, n. 818, 29 set. 2005. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7353. Acesso em: 12 de novembro de 2005.
34. SILVA, Eduardo Araújo. Da moralidade da proteção aos réus colaboradores. São Paulo. In:
Boletim IBCCrim no 85, dezembro de 1999.
34

35. SILVA, Eduardo Araújo da. Delação premiada é arma poderosa contra o crime
organizado. Revista Consultor Jurídico, 15 de setembro de 2005.
36. SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley de. Crimes Praticados por Organizações Criminosas
– Inovações da Lei n. 9.034/95 – in RJ nº 217 – nov/95, p. 43.
37. TOGNOLLI, Cláudio Júlio. Aprendendo a jogar Delação Premiada é útil , mas deve ser
usada com cautela. Revista Consultor Jurídico, 05 de maio de 2006.
SUMÁRIO

1. Introdução---------------------------------------------------------------------------------------- 03

2. O Instituto da Delação Premiada-------------------------------------------------------------04

2.1. Conceito e Natureza Jurídica------------------------------------------------------------------04

3. Análise do Direito Positivo--------------------------------------------------------------------- 07

3.1. Lei dos Crimes Hediondos – Lei n. 8.072/90----------------------------------------------- 07

3.2. Lei do Crime Organizado – Lei n. 9.034/95------------------------------------------------ 08

3.3. Lei da Lavagem de Dinheiro – Lei n. 9.613/98---------------------------------------------09

3.4. Lei de Proteção as Vítimas e Testemunhas – Lei n. 9.807/99---------------------------- 10

3.5. Lei de Tóxicos – Lei 10.409/02---------------------------------------------------------------12

3.6. Código Penal------------------------------------------------------------------------------------ 14

4. Eficácia da Delação Premiada na Prática Judiciária Brasileira----------------------- 16

5. A Delação no Direito Comparado------------------------------------------------------------ 19

5.1. Estados Unidos----------------------------------------------------------------------------------19

5.2. Itália--------------------------------------------------------------------------------------
-------- 21

6. O Valor Ético do Instituto--------------------------------------------------------------------- 24

7. Considerações Finais----------------------------------------------------------------------------27

8. Referência Bibliográfica------------------------------------------------------------------------
31
35
36

1 – INTRODUÇÃO

O Direito Penal, Direito Processual Penal, assim como seus institutos, sempre estiveram ao
centro de alguns dos pontos mais controvertidos da ciência jurídica, bem como dos embates
judiciais e das discussões doutrinárias mais acirradas, certamente em virtude de serem os
ramos do direito a tutelarem os valores mais caros ao ordenamento jurídico como um todo,
valores tais como a vida, a liberdade, a integridade física, dentre tantos outros.
O presente Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), traz como objeto de estudo a
figura da delação premiada, que é a confissão feita pelo participante de um delito à
autoridade, na qual , além de confessar sua participação, atribui a outros agentes participação
no delito. E como prêmio, poderá ser beneficiado com a diminuição de pena ou o perdão
judicial, contanto exige-se que se cumpram alguns requisitos.
A escolha deste tema se deu em função da sua importância no contexto jurídico
nacional atual, tendo em vista o benefício que a verdade plena contribuirá com a justiça e o
desmantelamento de organizações criminosas com braços no poder público, além de provocar
uma limpeza nas instituições políticas.
Objetivando compreender a viabilidade do instituto da delação premiada como
importante mecanismo de ajuda ao combate à criminalidade, primeiramente foi demonstrado
seu conceito e sua natureza jurídica.
Em seguida, foi analisado as previsões no direito positivo, nas leis diversas existentes
que prevêem a aplicação da delação premiada, dentre as questões que advêm a vigência de
todas elas, estão a forma de aplicação e o seu alcance, visto que cada uma destas leis tem sede
própria de aplicação, com âmbito definido, cada uma para determinada situação.
Demonstrar-se-ão, a seguir, alguns aspecto polêmicos em torno de sua eficácia, visto
que, apesar de entendimentos favoráveis, ainda surgem críticas com a introdução do instituto
da delação premiado no nosso ordenamento jurídico, onde se alega que o mesmo espelha um
sistema penal falido, incapaz de desmantelar organizações criminosas ou até mesmo
solucionar pequenos delitos, e de que significa “barganha com a criminalidade”.
Sob o prisma do direito comparado, observa-se que a delação premiada, também,
encontra-se presente em outros países que, assim, como o Brasil esbarra-se no desafio de
combater o crime organizado, por isso, foi feito uma breve análise dos dois países onde há
37

uma maior eficácia do instituto, que são os Estados Unidos (plea bargain) e a Itália
(pattegiamento).
Por último foi abordado, o assunto mais polêmico a cerca do instituto o seu valor
ético, onde encontra grande rejeição na doutrina, sendo comparado a um ato de traição.
Portanto, foi evidenciado que não se pode vislumbrar tão somente a ética dentro de um
instituto criado com a finalidade de combater a criminalidade, mas sim, os benefícios trazidos
a sociedade, como importante arma no combate ao crime organizado, que apresenta alto grau
de ousadia e sofisticação.
Partindo do pressuposto que o Estado possui dificuldades para iniciar uma
investigação precisa e eficiente, em decorrência da falta de recursos financeiros e estruturais,
e também em virtude da forte influência que bandidos que praticam esse tipo de crime
possuem sob a população, onde impera a "lei do silêncio", fica humanamente impossível
desvendar os crimes das organizações criminosas sem a ajuda dos próprios integrantes das
instituições criminosas.
Pelo exposto, mister consignar que todo direito insere-se numa dialética, que lhe é
inerente, gerada, certamente, por sua própria natureza de instrumento de pacificação social,
tendo como pressuposto o conflito de interesses que lhe é subjacente.
É necessário recomendar que este trabalho não tem por objetivo esgotar toda a
matéria, destinando-se, tão somente, a oferecer uma singela contribuição teórica, valendo-se
dos pontos de vista de renomados estudiosos do Direito, evidenciando alguns aspectos
polêmicos a acerca do tema, visto que se trata de um tópico de alto teor de inflamabilidade e
são incapazes de produzir unanimidade. Portanto, não almejamos a pacificação do tema,
apenas uma reflexão a respeito do mesmo.

2 – O INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA

2.1- Conceito e Natureza Jurídica

O instituto da delação premiada ocorre quando o criminoso colabora com as


autoridades, confessando a prática do crime e denunciando terceiros, com o intuito de facilitar
a elucidação de ações de criminosas e a descoberta de seus autores. Trata-se de um poderoso
instituto no combate à criminalidade, visto que ainda na fase de investigação criminal, o
38

colaborador, além de confessar seus crimes para as autoridades, evita que outras infrações
venham a se consumar (colaboração preventiva), assim como auxilia concretamente a polícia
e o Ministério Público nas suas atividades de colheitas de provas contra os demais co-autores,
possibilitando suas prisões (colaboração repressiva).29
Segundo DAMÁSIO E. DE JESUS:
Delação é a incriminação de terceiro, realizada por um suspeito, investigado,
indiciado ou réu, no bojo de seu interrogatório (ou em outro ato). ‘Delação
premiada’ configura aquela incentivada pelo legislador, que premia o delator,
concedendo-lhe benefícios (redução de pena, perdão judicial, aplicação de regime
penitenciário brando etc.).30
De acordo com o Dicionário Aurélio, delatar significa “denunciar, revelar (crime ou
delito); acusar como autor de crime ou delito; deixar perceber; denunciar como culpado;
denunciar-se com culpado; acusar-se”. Premiar, por seu turno, é “dar prêmio ou galardão a;
laurear, galardoar; pagar, recompensar; remunerar”.
FERNANDO CAPEZ (2003, p. 298) define a delação premiada como sendo “a
afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido na polícia. Além de
confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação
como comparsa”.
Dessa forma, tem-se que a delação premiada é a atribuição da prática de um crime a
terceiro, realizada pelo acusado, em seu interrogatório, ao mesmo tempo em que confessa a
sua participação no delito.
Semelhante à previsão da confissão espontânea como circunstância atenuante no
Código Penal (art. 65, III, “d”, do CP), trata-se de um estímulo à verdade processual, sendo,
pois, instrumento que auxilia a investigação e repressão de certas formas de crimes,
principalmente os cometidos por organizações criminosas.
Quanto a natureza jurídica, existe divergência na doutrina a quanto a ser a delação
premiada direito subjetivo público do autor da infração penal que preencher os requisitos
legais objetivos e subjetivos.

29
BRAGA, Flávio. Delação premiada o que é?. 03 out. 2005. Disponível em:
http://www.mhariolincoln.jor.Br/index.php?itemid=511. Acesso em: 04 dez. 2005.
30
JESUS, Damásio E. de. Estágio atual da “delação premiada” no Direito Penal brasileiro, Jus Navigandi,
Teresina, a. 10, n. 854, 4 nov. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7551. Acesso
em: 01 dez.2005.
39

Para DAMÁSIO E. DE JESUS31, ALEXANDRE MIGUEL e SANDRA PEQUENO324,


trata-se de direito público subjetivo do acusado e, satisfeitos os requisitos legais, o juiz está
obrigado a conceder o benefício correspondente, podendo o réu exigir do Estado tal
cumprimento.
Já para DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO (2000, p.449):
“...não se cuida de puro direito subjetivo público do acusado, como se tem
apregoado, porquanto não há por parte deste a possibilidade de pretender exigir
garantidamente aquilo que a norma lhe atribui, com um correspondente dever por
parte do Estado. Ao contrário, preenchidos os requisitos de ordem objetiva, postos
expressamente em lei, há dados de natureza subjetiva a serem apreciados
judicialmente, consoante o prudente arbítrio do Magistrado. Destarte, não
reconhece singelamente o Magistrado, ao conceder o perdão, o “direito ao perdão”,
mas bem antes o que a decisão jurisdicional ajuíza é o merecimento do perdão
judicial em face, inclusive, do atendimento dos requisitos legais...”
O instituto da delação premiada diferencia-se do instituto da confissão espontânea,
pois, enquanto este trata-se de uma confissão restrita ao limite de participação do agente, na
delação premiada o agente vai além de informar a sua participação, dando detalhes do crime
e da participação dos demais co-autores, tratando-se, desta forma, de uma confissão ampla.
Em qualquer caso, tanto no benefício do perdão judicial, como na redução de pena ao
agente, é necessário que o agente tenha participado do delito juntamente, com, no mínimo,
mais dois co-autores ou partícipes.
Assim, temos que os requisitos comuns para quaisquer dos benefícios sejam: a
participação do acusado em crime doloso (pois só assim o colaborador poderá identificar os
demais co-autores ou partícipes)335; praticado por três ou mais sujeitos, tendo o acusado
efetuado a delação premiada voluntária (confissão ampla), circunstância incomunicável aos
demais agentes. Saliente-se que a colaboração, em quaisquer das hipóteses deve ser
voluntária, porém não se exige que seja espontânea o que não se admite é que seja conseguida
mediante coação.
Conforme a presença dos demais requisitos a delação poderá ser causa de extinção da
punibilidade do agente, ou de redução de sua pena.

31
JESUS, Damásio E. de. “Perdão judicial, colaboração premiada, análise do art. 13 da Lei 9.807/99, primeiras
idéias”. Boletim do IBCCRIM. Ano 7. n. 82, setembro de 1999, p. 4.
32
MIGUEL, Alexandre; PEQUENO, Sandra Maria N. de Souza. “Comentários à lei de proteção às vítimas,
testemunhas e réus colaboradores”. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, n. 773, 2000, p. 439.

33
. MIGUEL, Alexandre; PEQUENO, Sandra Maria N. de Souza, Op. cit. p. 439.
40

Também o instituto diferencia-se da desistência voluntária, do arrependimento eficaz e


do arrependimento posterior (artigos 15 e 16 do CP). No dizer de ALEXANDRE MIGUEL e
SANDRA PEQUENO(2000, p. 439):
“na desistência voluntária e no arrependimento eficaz (art. 15), opera-se a
atipicidade do fato, que não pode subsistir típico para os outros participantes,
enquanto, no arrependimento posterior (art. 16), o sujeito, pessoalmente, repara o
dano ou restitui o objeto material, circunstâncias objetivas e comunicáveis. “
As hipóteses de delação premiada referem-se a crime consumado, exigindo-se, por
parte do agente, voluntária colaboração na identificação dos demais agentes, na localização da
vítima (se houver) e na recuperação total ou parcial do produto do crime.

3 - Análise do Direito Positivo

No ordenamento jurídico atual há previsão de delação premiada em várias leis: lei do


crimes contra ordem tributárias (Lei 8.137/90), lei dos crimes hediondos (Lei 8.072/1990), lei
do crime organizado (Lei 9.034/1995), lei de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998), lei de
proteção das vítimas e testemunhas (Lei 9.807/1999), nova lei de tóxicos (Lei 10.409/2002) e
Código Penal. Cada uma com suas peculiaridades. Não existe um regramento único e
coerente34. É chegado o momento de se cuidar desse tema com atenção, pondo em pauta
questões relevantes como: prêmios proporcionais, veracidade nas informações prestadas,
exigência de checagem minuciosa dessa veracidade, eficácia prática da delação, segurança e
proteção para o delator e, eventualmente, sua família, possibilidade da delação inclusive após
a sentença de primeiro grau, aliás, até mesmo após o trânsito em julgado, envolvimento do
Ministério Público e da Magistratura no acordo, transformação do instituto da delação em
espécie de plea bargaining etc.

3.1- Lei dos Crimes Hediondos – Lei n. 8.072/90

O legislador influenciado principalmente pela legislação italiana, criou uma causa de


diminuição da pena para o associado ou partícipe que entregar seus companheiros, batizada
pela doutrina de “delação premiada”. Esta introduzida em nosso ordenamento jurídico pela
Lei n. 8.072/90, aplicou a redução ao crime de extorsão mediante seqüestro, através da adição
do § 4º ao art. 159 do Código Penal, acrescido pelo seu art. 7º (Lei n. 8.072/90), assim
34
CERQUEIRA, T. T. P. L. P. Delação premiada. In Consulex; Revista jurídica, v. 9, n. 208, p.24-33, set. 2005.
41

redigido: “se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade,


facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”.
A delação deve ser dirigida à autoridade, e a pena só será abrandada se o seqüestrado
for liberado graças a essa “colaboração” do delator.
Redução análoga foi prevista pelo legislador, no Parágrafo Único do art. 8º da Lei
8.072/90, que reza: “o participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou
quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois
terços)”.
Neste caso, a delação deverá ser feita por pessoa envolvida com quadrilha ou bando.
Mas a diminuição da pena só é aplicável quando se trate de crimes hediondos e a denúncia
possibilite o desmantelamento do bando.
A Lei n. 9.269/96 modificou o art. 7º a Lei n. 8.072/90, que passou a vigorar com a
seguinte redação: “Art. 7º - Ao art. 159 do Código Penal fica acrescido o seguinte:
Art. 159.
(...) § 4º Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o
denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá
sua pena reduzida de um a dois terço”.
Foi unânime, entre os doutrinadores, a aprovação da alteração do texto, porquanto a
nova redação propiciou a mitigação da pena também na hipótese de o crime haver sido
praticado por apenas duas ou três pessoas.35
Não basta, entretanto, a mera delação para que o criminoso se beneficie, deve resultar
na efetiva libertação do seqüestrado, ou nos casos de quadrilha, associação criminosa ou
concurso de agentes, na prisão ou desmantelamento do grupo. Conforme revelação de
ALBERTO SILVA FRANCO36, conduta deve ser objetivamente relevante e subjetivamente
voluntária .

3.2- Lei Crime Organizado – Lei n. 9.034/95

35
7. LEAL, João José. Crimes hediondos: aspectos político-jurídicos da Lei nº 8.072/90. São Paulo: Atlas, 1996.
8. FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.
36
42

Embora a legislação brasileira não definir o que seja organização criminosa, prevê o
art. 6º da Lei 9.034 que “nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será
reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao
esclarecimento de infrações penais e sua autoria". Trata-se do instituto da colaboração
espontânea e eficaz, também conhecido em doutrina por delação premiada, ensejando a
redução da pena do co-partícipe que colaborar para o esclarecimento da infração penal e da
autoria desta.
Vale ressaltar comentários do juiz federal ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA
FILHO sobre esta lei:
A delação é uma figura jurídica que, caso bem empregada, muito auxiliará na busca
da verdade material acerca das infrações penais, devendo o legislador procurar
disciplinar a adoção de tal expediente em outras hipóteses, além das acima
consignadas. De qualquer maneira, deve-se reconhecer que, para que possa ser
plenamente utilizada, é fundamental que se garanta a própria segurança do delator,
já que, pela sua estrutura, em regra, as organizações criminosas conseguem, sem
maiores obstáculos, eliminar os eventuais "traidores´´, praticando a "queima de
arquivo´´. Nesta situação, caso detido o colaborador, tal eliminação seria ainda mais
fácil, diante dos tentáculos que estas organizações mantêm no interior dos
estabelecimentos prisionais. Aliás, na prática, tem-se constatado que uma das
principais dificuldades em se combater a criminalidade reside no temor das pessoas
que presenciaram os fatos delituosos em testemunhar.
Talvez, caso se assegurasse o anonimato, a delação fosse viabilizada como um
instrumento mais eficaz para a instrução criminal. Mas tanto a legislação
antecedente como a Lei 9.034/95 nada trazem no sentido de se garantir dito
anonimato. Eis um ponto a reclamar um disciplinamento detalhado, sob pena de se
tornar letra morta a regra e sem conseqüências práticas positivas a modificação
introduzida no ordenamento jurídico pátrio. 37
Na previsão do artigo acima citado, só há a figura da delação eficaz após o
oferecimento da denúncia, portanto, não existe a possibilidade de acordo com o Ministério
Público. No caso, há apenas redução da pena (sem perdão judicial) e esta é obrigatória, visto
que no crime de organização criminosa somente receberá essa redução de pena , no caso de
condenação, não se fazendo nenhuma distinção entre o réu primário e o reincidente para a
concessão do benefício.

37
SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley de. Crimes Praticados por Organizações Criminosas – Inovações
da Lei n. 9.034/95 – in RJ nº 217 – nov/95, p. 43.
43

3.3 Lei da Lavagem de Dinheiro – Lei n. 9.613/98

A introdução desta lei em nosso ordenamento jurídico se deu seguindo o


direcionamento internacional, com a finalidade de implementar um mecanismo eficaz de
repressão e prevenção do crime de “lavagem de dinheiro”.
A expressão “lavagem de dinheiro”, nos termos da nossa legislação (art. 1º da Lei n.
9.613/98), é uma forma genérica de referir-se, à operação financeira ou à transação comercial
que objetiva ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação
ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente de crime.
O Brasil, percebendo o significado das mudanças macroeconômicas que estão sendo
levadas adiante pelas nações no final desse século, e de acordo com a tônica internacional,
vem presenciando nos últimos anos profundas e gradativas modificações, fruto de um
protagonismo adquirido por esse ramo do Direito Penal. Tanto a produção legislativa em
matéria penal quanto a própria postura estatal estão sofrendo acentuada tendência de
mudança, determinando o surgimento de um novo tratamento jurídico de problemas até o
momento pouco explorados pelo sistema jurídico e dogmática tradicionais.
O crime organizado, a lavagem de dinheiro e a corrupção em diferentes níveis são
elementos de grande atualidade, pautando as políticas públicas da maioria das nações e
inserindo-se entre temas grande destaque na construção da dogmática e da política criminal do
futuro.
No caso específico da lavagem de dinheiro, a moderna realidade social (com suas
demandas e problemas característicos) novamente surge como um importante fator de
produção legislativa, ao determinar formação de uma política criminal em relação ao
problema da criminalidade organizada, e a conseqüente construção de um sistema de normas
para seu controle.38
Ao tratar dos crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, a Lei n.
9.613, de 3 de março de 1998, estabeleceu, no art. 1º, § 5º, que “ a pena será reduzida de um
a dois terços e começará a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplica-
la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar
38
MORAIS, Neydja Maria Dias de. O crime de lavagem de dinheiro no Brasil e em diversos países. Jus
Navigandi, Teresina, ano 9, n. 834, 15 out. 2005. Disponível em :
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7424. Acesso em: 30 abr.2006.
44

espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimento que conduzam à apuração


das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do
crime”.
Como vimos a referida lei trouxe consigo inovações a respeito do instituto da delação
premiada onde foi introduzida a redução da pena, e sua fixação no regime aberto (alterando
em parte o artigo 33 do CP), bem como sua conversão em pena restritiva de direitos ou até
mesmo o perdão judicial.39

3.4 Lei de Proteção as Vítimas e Testemunhas – Lei n. 9.807/99

Com o objetivo de combater a criminalidade, foi criada, em 1999, a lei de proteção às


vítimas e às testemunhas (lei nº 9.807), que, entre outras previsões legais, estabelece alguns
benefícios judiciais a quem voluntariamente prestar "efetiva colaboração à investigação
policial e ao processo criminal". Conhecida como delação premiada e prevista em outros
dispositivos legais (como a lei dos crimes hediondos e a lei do crime organizado), essa
colaboração prestada pelo acusado ou condenado pode resultar na diminuição da pena ou até
mesmo no perdão judicial. A redução da pena, que varia de um terço a dois terços, é aplicada
em caso de condenação do delator.
Até o advento da Lei 9.807/99, a figura do prêmio a delação consistia numa causa
especial de redução da pena somente aplicável ao participante de um crime de extorsão
mediante seqüestro que tivesse prestado relevante colaboração à justiça criminal.
Com a publicação e vigência imediata da Lei n. 9.807, de 13.7.99, foram estabelecidas
"normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a
testemunhas ameaçadas", instituiu-se "o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a
Testemunhas Ameaçadas" e dispôs-se "sobre a proteção de acusados ou condenados que
tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo
criminal". E, ao tratar da proteção aos réus colaboradores, estabeleceu duas hipóteses
diversas, a saber:
Perdão judicial, com a conseqüente extinção da punibilidade, ao acusado que, sendo
primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo

39
BARROS, Marcos Antônio. Lavagem de dinheiro. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p. 68.
45

criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I- a identificação dos demais co-
autores ou partícipes da ação criminosa; II- a localização da vítima com a sua integridade
física preservada; III- a recuperação total ou parcial do produto do crime ( art. 13). Dispõe a
lei, ainda, que a concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado
e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso (art. 13,
parágrafo único);
Redução de um terço a dois terços da pena ao indiciado ou acusado que colaborar
voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais
co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou
parcial do produto do crime (art. 14).
Como visto os arts. 13 e 14 da Lei n. 9.807/99 deram nova e mais abrangente
descrição legal à figura fática do acusado-colaborador da justiça criminal e, em conseqüência,
revogaram tacitamente o disposto no § 4º do art. 159 do CP. Com a vigência desta Lei, a
voluntária e efetiva colaboração à justiça criminal poderá favorecer o acusado com a
concessão do perdão judicial previsto no art. 13 e seus incisos, ou da redução da pena prevista
no art. 14. Portanto, para concessão dos referidos benefícios não deve ser obrigatoriamente
exigido o cumprimento das condições previstas nos incisos I a III do art. 13. Em
conseqüência, o benefício poderá ser concedido ao acusado-colaborador que tenha
contribuído para identificação dos demais participantes, ou a localização da vítima, ou a
recuperação do produto do crime. O importante é a voluntariedade e o grau de efetividade da
contribuição prestada.40
O perdão judicial, como nova causa geral de extinção da punibilidade, deve ser
considerado como um direito subjetivo sujeito a determinadas cláusulas resolutiva, que, uma
vez satisfeita, vinculam o juiz a conceder o benefício.
Quanto a exigência do pressuposto de primariedade do acusado-colaborador para a
concessão do perdão judicial apresenta-se como uma exigência de valor jurídico discutível,
pois é sabido que reincidência não significa necessariamente maior periculosidade do agente,
nem maior grau de censurabilidade da conduta. A restrição legal, no entanto, é amenizada pela
possibilidade de favorecer o acusado-colaborador reincidente, se for o caso, com a redução da
pena aplicada.

40
JESUS, Damásio E. de. “Perdão judicial, colaboração premiada”. Boletim do IBCCRIM 82, setembro de 1999,
p. 5. AZEVEDO, David Teixeira de. “A colaboração premiada num direito ético”. Boletim IBCCRIM 83.
outubro/1999, p. 6.
46

A lei está imbuída de nobre propósito, qual seja de proteger vítimas e testemunhas
ameaçadas por sua colaboração na elucidação de fatos criminosos; de outro lado, todavia,
representa falência do Estado no cumprimento de um de seus objetivos básicos (segurança
pública), mormente quando pressionado pela opinião pública a dar respostas rápidas e
eficazes no tratamento desta questão, na busca substituir os meios normais de investigação e
suprindo o "déficit" estrutural investigatório do Estado, criando mais um remendo normativo
em nosso sistema penal, que se torna cada vez mais intensamente pontuado por leis de
ocasião ou de paixão. Com isso, nosso sistema penal, embora tenha incorporado dois
benefícios penais necessários e úteis, perdeu ainda mais em equilíbrio, em coerência e em
harmonia sistêmica.

3.5 Lei de Tóxicos – Lei 10.409/02

A Lei n. 10.409, de 11 de janeiro de 2002, trouxe como novidade a tentativa de


disciplina da colaboração processual na sua real dimensão no direito brasileiro, na qual dispõe
apenas e tão-somente acerca da possibilidade de sobrestamento do processo – na verdade
inquérito policial – ou a redução da pena, após acordo entre o Ministério Público e o indiciado
( artigo 32, § 2º), o que é incompatível com a magnitude do instituto da colaboração
processual.
Vejamos, ao tratar do procedimento relativos aos processos por crimes definidos na
referida lei, prevê duas medidas no art. 32, cujo caput foi vetado:
“O sobrestamento do processo ou a redução de pena, decorrente de acordo firmado
entre o Ministério Público e o indiciado que, espontaneamente, revelar a existência de
organização criminosa, permitindo a prisão de um ou mais de seus integrantes, ou a apreensão
do produto, da substância ou da droga ilícita, ou que, de qualquer modo, justificado no
acordo, contribuir para os interesses da justiça” ( art. 32, § 2º);
“A não aplicação da pena ou a sua redução, de um sexto a dois terços, mediante
proposta do Ministério Público, se o oferecimento da denúncia tiver sido anterior à revelação,
eficaz, dos demais integrantes da quadrilha, grupo, organização ou bando, ou da localização
do produto, substância ou droga ilícita”(art. 32, § 3º).
47

Vejamos, então, o que fazer para simplesmente não ignorarmos estes dispositivos
legais ou torna-los inaplicáveis ( visto que são parágrafos sem caput), até porque são, afinal de
contas, disposições que podem vir a favorecer o réu.Como ensinava Carlos Maximiliano: “no
direito criminal se não tolera a retificação efetuada pelo intérprete, quando prejudicial ao
acusado; por outro lado, é de rigor faze-la, quando aproveite ao réu”41.
No entanto, há quem entenda inaplicável estes dois parágrafos, em virtude da falta do
caput do art. 32, achando que deve-se aplicar a respeito os arts. 13 e 14 da Lei n. 9.807/1999
(Lei às Testemunhas).
Pois bem, temos, então, três disposições diferentes contidas nestes parágrafos
sobreviventes a este naufrágio legislativo:
1. O sobrestamento do inquérito policial;
2. O perdão judicial;
3. A redução da pena.
Apesar do § 2º referir-se a processo, evidentemente não se trata de sobrestamento da
ação penal, por dois motivos: primeiro porque este parágrafo encontra-se no capítulo atinente
à disciplina do inquérito policial e segundo porque o próprio parágrafo refere-se a indiciado.
Segundo o entendimento de EDUARDO ARAÚJO DA SILVA,“o emprego do vocábulo
‘processo’ pelo legislador foi equivocado, pois o dispositivo trata da colaboração na faze processual. O correto
seria o emprego da expressão ‘sobrestamento o inquérito ou da investigação’, pois a colaboração na fase
processual está disciplinada no § 3º do mesmo dispositivo”.42
Nas três hipóteses antes indicadas o acordo é feito com o Ministério Público, que, no
caso de sobrestamento, agirá autonomamente, sem necessidade de se dirigir ao Juiz de Direito
para requerer a homologação do acordo. Esta atividade lhe é privativa, mesmo porque
privativo também é o exercício da ação penal pública.
Já o perdão judicial e a redução da pena serão requeridos pelo Promotor de Justiça ao
Juiz do processo. O perdão judicial e a redução da pena são obrigatórios, configurando-se
direitos subjetivos do acusado, acaso estejam presentes, efetivamente, os pressupostos
previstos no referido parágrafo, ou seja, se com a revelação da existência da organização
criminosa permitiu-se “a prisão de um ou mais dos seus integrantes, ou a apreensão do
produto, da substância ou da droga ilícita, ou que, de qualquer modo, justificado no acordo,

41
Código de Processo Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. vol. I, p. 404.

42
Entende Eduardo Araújo da Silva, que “caberá ao Ministério Público, no plano interno, disciplinar através de
ato normativo, regras básicas de como devem proceder seus membros para a lavratura do acordo a que se refere a
lei”.(“Da moralidade da proteção aos réus colaboradores”. São Paulo. In: Boletim IBCCrim no 85, dezembro de
1999)
48

contribuir para os interesses da Justiça”(alternativamente). A redução será feita dentro dos


parâmetros estabelecidos pelo próprio parágrafo.43
Portanto, verifica-se que esta lei disciplinou, para a fase judicial, uma delação
premiada vinculada, facultando ao juiz aplicar o perdão judicial ou diminuir a pena do
acusado colaborador, desde que haja prévia proposta do Ministério Público.

3.6- Código Penal

A delação premiada criada como um mecanismo de política criminal que visa


combater a criminalidade crescente e organizada e diminuir a impunidade.
Considerando que as regras da política criminal acompanham as mudanças sociais,
temos que a escala da violência e da criminalidade de há muito reclamava por novos
instrumentos para aumentar a eficácia da persecução penal.4416
Oportuno é o comentário dos juízes ALEXANDRE MIGUEL e SANDRA
PEQUENO (2000, p. 438) sobre a normatização da delação premiada:
a evolução social das idéias e das Leis intensifica fórmulas de combate à
criminalidade. A normatividade busca alcançar seu fim maior, que é a paz social.
Cuida-se de opção legislativa, em que se colocou na linha de frente da política
criminal, seguindo modelo mundial, a proteção dos direitos da vítima e a
efetividade da persecução social na prevenção e repressão de delitos penais.

A delação premiada consiste numa dessas técnicas processuais que busca abreviar a
solução do processo, não havendo descaracterização da natureza retributiva da pena nem
rompimento com os dogmas de direito penal.
No Brasil, a Constituição da República de 05 de outubro de 1988, ao tratar dos direitos
e garantias fundamentais, estabeleceu, no art. 5º, inciso XLIII, como norte ao legislador
ordinário, serem crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes hediondos definidos
em lei.

43
. Comentando a respeito do perdão judicial, Damásio de Jesus entende tratar-se de um “direito penal público
subjetivo de liberdade. Não é um favor concedido pelo juiz. É um direito do réu. Se presentes as circunstâncias
exigidas pelo tipo, o juiz não pode, segundo seu puro arbítrio, deixar de aplica-lo. A expressão ‘pode’ empregada
pelo Código Penal nos dispositivos que disciplinam o perdão judicial, de acordo com a moderna doutrina penal,
perdeu a natureza de simples faculdade judicial, no sentido de o juiz poder, sem fundamentação, aplicar ou não o
privilégio. Satisfeitos os pressupostos exigidos pela norma, está o juiz obrigado a deixar de aplicar a pena”
(Direito Penal. Parte Geral. 19. ed. São Paulo: Saraiva. vol. I, p. 597).
44
MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. Apontamento sobre política criminal e a plea bargaining.
Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, n. 678, 1992, p. 301.
49

Para regulamentar – em parte, pois fala-se que a regulamentação foi apenas parcial,
porque o crime de terrorismo não foi até hoje tipificado, enquanto a previsão legal do crime
de tortura só se deu em 1997, por meio da Lei n. 9.455, de 7 de abril de 1997 – o dispositivo
na Lei Maior, surgiu a Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispôs sobre os crimes
hediondos. E, importando a previsão do direito italiano, estabeleceu, no art. 8º, parágrafo
único, que no crime de quadra ou bando, previsto no art. 288 do Código Penal, “o
participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando
seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terço”. Trata-se, segundo
DAMÁSIO E. DE JESUS, em sua obra Código Penal Anotado, de:
uma circunstância legal especial, de natureza objetiva e de caráter obrigatório,
incidindo somente em relação aos delitos indicados: quadrilha para fins de tráfico
de drogas, hediondos, tortura e terrorismo. A redução da pena só incide sobre o
crime de quadrilha e não sobre os delitos cometidos por ela. Não basta a simples
denunciação, exigindo-se, para a redução da pena, seu efetivo desmantelamento. Só
aproveita ao denunciante. O quantum da redução da pena varia de acordo com a
maior ou menor contribuição causal do sujeito no desmantelamento do bando.
Autoridades, para efeito da disposição, são o Delegado de Polícia, o Juiz de Direito,
o Promotor de Justiça etc. Norma benéfica, tem efeito retroativo, alcançando as
hipóteses de crimes cometidos antes da vigência da Lei n. 8.072, nos termos do
parágrafo único do art. 2º do Código Pena.l(2002, p. 885)

Estava, assim, introduzida em nosso direito a chamada “delação premiada”.


É certo que o art. 7º da Lei n. 8.072/90 também introduziu modificação no art. 159 do
Código Penal, que trata do crime de extorsão mediante seqüestro, acrescentando-lhe o
parágrafo 4º, para prever a redução de pena, de um a dois terços, do co-réu ou partícipe de tal
crime, praticado em quadrilha ou bando, que denunciasse o delito à autoridade, facilitando a
liberação do seqüestrado. A Lei n. 9.269/1996, contudo, deu nova redação ao dispositivo, mas
apenas para afastar a hipótese de quadrilha ou bando, passando a prever que “se o crime é
cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação
do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”. Nesse passo, cabe mencionar o
entendimento do ilustre DAMÁSIO E. DE JESUS, em seu Código Anotado:
De acordo com o § 4º, mandado acrescentar ao art. 159 pelo art. 7º da Lei n. 8.072,
de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os delitos hediondos, se a extorsão
mediante seqüestro for praticada em concurso de pessoas, o concorrente que
denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do sujeito passivo, terá sua pena
reduzida de um a dois terços. Exige-se que o crime tenha sido praticado em
concurso de pessoas (CP, art. 29). Assim, a delação aproveita ainda quando
cometido por apenas dois seqüestradores. A expressão “concorrente” refere-se a
qualquer participante da quadrilha (co-autor ou partícipe). A denunciação diz
respeito ao crime e não ao bando (a expressão “que o denunciar” está ligada ao
“crime”). Não se aplica o dispositivo na hipótese de o agente estar sendo
processado pelo crime A e delatar em relação ao delito B, sem conexão com o
primeiro, uma vez que o texto menciona “concorrente”. Não basta a simples
delação, exigindo o tipo a efetiva libertação da vítima. Trata-se de uma causa de
diminuição de pena de caráter obrigatório, variando a redução de acordo com a
50

maior ou menor contribuição do sujeito para a libertação do seqüestrado. De


natureza material, a norma que a prevê tem efeito retroativo, nos termos do art. 2º,
parágrafo único, do Código Penal.(2002, p. 597)

No entanto, com a entrada em vigor da Lei n.9.807/99, nos seus arts. 13 e 14 foi da
uma nova e mais abrangente descrição legal ao acusado-colaborador e, em conseqüência,
houve a revogação tácita do disposto no § 4º do art. 159 do CP.
Com a entrada em vigor da Lei de Lavagem de Capitais (Lei n. 9.613/98, art. 1º, § 5º),
também se introduziu modificação no Código Penal, quando o legislador permitiu a fixação
da pena no regime aberto, alterando em parte o artigo 33 do Código Penal.

4- Eficácia da Delação Premiada na Prática Judiciária Brasileira

O Brasil está atrasado no que tange o Instituto da delação premiada, visto que é
deficitária a proteção às testemunhas e vítimas, bem como a proteção aos próprios co-autores e
partícipes da ação criminosa. No Brasil, mesmo com um reclamo social efetivo e constante por
uma legislação; e agora com uma multiplicidade de Leis que disciplinam a matéria, ainda não
se percebe uma preocupação e uma sensibilidade para a importância dos programas protetivos
pelas autoridades competentes.45
Claro que já se tem um avanço fenomenal em um país mal acostumado com a
necessidade de uma base profissional para investigação criminal, merecendo elogios o trabalho
realizado pelo Programa Nacional de Direitos Humanos, responsável direto pela sensibilização
do Congresso Nacional para formulação e aprovação da referida Lei.
A delação premiada só veio a acrescer e auxiliar os meios de investigação na apuração
e, no tocante ao delito de extorsão mediante seqüestro, o resgate da vítima com vida e com
sua integridade física preservada.
Por conseguinte, poderá ainda ser preservado o patrimônio da vítima, que estaria
sendo resgatada sem o pagamento do exigido pelos criminosos e, no caso de já ter sido pago o
resgate, a devolução do valor ou de parte deste, ensejaria a valoração para maior da benesse.
Em matéria publicada na Revista Consultor Jurídico (05 de maio de 2006), CLÁUDIO
JÚLIO TOGNOLLI comenta:
Professor de direito da Fundação Getúlio Vargas à frente da conectas Direitos
Humanos, Oscar Vieira Vilhena, um estudioso de criminologia, acredita que a

45
CERQUEIRA, T. T. P. L. P. Delação premiada. In Consulex; Revista jurídica, v. 9, n. 208, p.24-33, set. 2005.
51

delação premiada gera a “máxima eficiência” da Justiça, porque “mostra resultados


quase sem que haja custos na investigação”.
Segundo Vilhena, a delação premiada funciona, mas “não pode ser usada de
maneira tão generalizada como vem sendo usada”. Vieira Vilhena vê a delação
premiada como única saída para casos em que “o Estado é o lesado e não temos
propriamente alguém, uma figura palpável, fazendo a denúncia. Chegamos no
beneficiário, e ele deve apontar quem o ajudou, em troca de redução de pena”. Ele
avalia que o ex-deputado Roberto Jefferson, por exemplo, “deu um tiro em seu
próprio pé ao abrir a boca achando que iria ser perdoado pelo que fez”.
“Defendo a delação premiada porque ela nos ajuda num mundo em que o crime
cada vez se torna mais complexo”, avalia Armando Rodrigues Coelho Neto,
presidente da Federação Nacional dos Delegados da Polícia Federal. “Sabemos de
histórias de policiais que, antes da delação, ofereciam benesses para que o
investigado abrisse a boca. A lei da delação acabou com isso e ajuda muito a
polícia”.

Neste diapasão, corrobora também EDUARDO ARAÚJO DA SILVA, em publicação


na Revista Consultor Jurídico (15 de setembro de 2005):
Urge, pois, adequar a realidade brasileira às leis de outros países, em tema de
delação ou colaboração premiada, ante os extraordinários benefícios que este
instituto pode trazer para as investigações criminais em relação ao crime
organizado, se previsto com lucidez necessária.
A propósito, tramita pelo Congresso Nacional o Projeto de Lei 3.731/97, relatado
pelo deputado Antônio Carlos Biscaia, que regula os meios de obtenção da prova
em relação às organizações criminosas, dentre eles a ‘Colaboração Premiada’ na
sua dimensão. Basta, portanto, vontade política para que o Brasil dê este salto de
qualidade na apuração do crime organizado.

Há uma outra corrente de críticos da delação premiada, que sustenta um debate


honesto. Eles têm uma implicância inicial com a expressão “delator”, por entender que este é
um traidor, pelo fato de ter colaborado com as investigações. Dizem, também, que a delação
premiada passa a idéia de que o ato de trair gera benefícios, um “ato social imoral”. O terceiro
argumento desse grupo é que o benefício a um criminoso de quadrilha “rompe com o
princípio da proporcionalidade da pena” – todos são parceiros de um mesmo crime, mas o
delator ganha uma punição menor. Por último, acreditam que a delação premiada não vem se
demonstrando eficaz em suas aplicações, visto que influencia no livre arbítrio, de modo a
transformar as delações dos colaboradores no coração do processo, sem demais empenho na
busca de novas modalidades probatórias.
Nesse sentido opina o Juiz Federal, IVAN LIRA DE CARVALHO:
A distância cultural que separa o nosso País da realidade italiana, aliada à timidez e
ao afogadilho que têm norteado as providências do Estado brasileiro com relação
ao combate ao crime organizado, são elementos que decerto podem ser apontados
como os principais responsáveis pelo insucesso, aqui, das medidas cover
apresentadas, geralmente apenas no âmbito legislativo. Assim, não raro são
constatadas críticas do tipo da que foi veiculada por TALES CASTELO BRANCO,
pouco antes da entrada em vigor da Lei 9.034: "Premiar a delação do co-réu,
complicaria, ainda mais, a investigação policial. No dia-a-dia da criminalidade, os
delatores - falsos ou verdadeiros-, e mesmo os co-autores confessos são
'gratificados', 'aliviados' e 'perdoados', ilegalmente, no curso das investigações
52

criminais. Com o amparo da lei, esses expedientes iriam multiplicar-se, sem que a
'prova apurada' transmitisse maior credibilidade aos órgãos julgadores."(...) "E os
trânsfugas? Seriam agraciados com 'emprego novo, nova identidade, mudança para
o exterior etc.', como querem alguns 'colaboradores da Justiça', conforme
denunciou o Magistrado Luiz Flávio Gomes? Receberiam, neste país de fome e de
miséria, o que a maioria trabalhadora de sua população não tem? Ou seriam
abandonados `a sua própria sorte: depois de usados e descartados, acabariam
condenados, sumariamente, à pena de morte, executada pelos traídos e ressentidos,
dentro ou fora dos presídios? Ou o Estado, financeiramente destroçado, deveria
construir 'prisões especiais' para alcoviteiros da criminalidade?".
Na mesma linha, ou seja, sem acreditar nos efeitos práticos da delação premiada, é
o pensamento de DAMÁSIO DE JESUS, que acidamente prega a ineficácia do
instituto: " A alteração da lei, na prática, destina-se ao nada. A delação premiada,
introduzida no art. 159 do Código Penal pela Lei dos Crimes Hediondos (art. 7º da
Lei n. 8.072/90), teve rara aplicação em quase seis anos de vida legal. Não é difícil
de ser encontrada a razão. Na Polícia, quando presos, os seqüestradores sempre
afirmam que jamais irão trair os comparsas: "ficaríamos com fama de alcagüetas e
não teríamos vida longa na cadeia" (depoimento do Delegado Maurício Soares,
Chefe da Delegacia Anti-Seqüestro da Polícia Civil de São Paulo, sobre a ineficácia
da delação premiada, Folha de S. Paulo, 4 de abril de 1996, Cidades, C7 ). Os
delinqüentes sabem que o prêmio para a traição é a certeza da morte e não a
eventual redução da pena.".
Não são, pois, muito alvissareiros os horizontes da delação premiada no contexto
penal brasileiro, a menos que o Estado busque soluções mais plurais para o
problema do que a simples inserção legislativa da medida. Ter o modelo italiano
como referência é recomendável; o errado é a tentativa de transplantá-lo
integralmente para cá, onde as peculiaridades do crime e dos criminosos são
diferentes. (1996)

São considerações aceitáveis, mas que afastam do debate a apreciação do resultado


final da investigação. A legislação é feita para que o combate ao crime seja objetivamente, e
não subjetivamente, mais efetivo. No jogo dos pesos e contrapesos, a sociedade sai mais
premiada do que o delator.46
Como por exemplo, no caso do processo do ex-deputado Hildebrando Paschoal,
acusado de chefiar um grupo de extermínio no Acre, onde os integrantes da quadrilha dele,
utilizado-se do instituto da delação premiada, deram informações que permitiram comprovar os
crimes e prendê-lo.
As leis e os códigos não jogam com a possibilidade da impunidade – pelo contrário,
partem do princípio de que, ao pedir um acordo de delação premiada, o investigado está se
auto-incriminando – mais do que já está.Um empresário como Marcos Valério, por exemplo,
sabe que foi pego no flagra, que não tem saída. É por se entender como réu confesso que ele
pede uma redução da punição para colaborar com as investigações. No entanto, cabe ao
Ministério Público avaliar as provas que tem em mãos e que a conclusões pode chegar com ou
sem a colaboração de Marcos Valério. Essa avaliação vale para os casos de Buratti e Toninho
da Barcelona ou qualquer caso de réu colaborador.

46
CALHAU, Lélio Braga. Delação premiada. Justilex, ano IV, n. 46, outubro de 2005.
53

5. A Delação no Direito Comparado

A delação premiada é amplamente utilizada nas legislações estrangeiras, como: Itália,


Inglaterra, EUA, etc, assim, embora seja uma experiência nova no Brasil, a delação premiada,
desde há muito está consolidada em outros países, merecendo, portanto, um breve comentário
sobre a existência do instituto no direito comparado.

5.1. Estados Unidos

O Instituto da Colaboração Premiada surgiu no Estados Unidos da América, cujo


sistema legal tem mais abertura para barganhas entre o criminoso e o Estado, visto que os
acordos entre acusação e acusado (plea bargaining) também estão incorporados na cultura
jurídica, o que facilita a obtenção de uma colaboração premiada. Essa sistemática é resultante
da tradição calvinista, na qual confessar publicamente a culpa, praticar um ato de contrição
revelam uma atitude cristã que deve ser valorizada pelo direito.
No sistema americano, repousa a idéia de que a verdade é fruto de uma decisão
consensual sistematicamente negociada. Isto vale para a barganha que se faz entre a
promotoria e a defesa, quando o réu se declara culpado (plea bargain ou plea guilty) (LIMA,
1999, p. 28).
Instituída como medida de política criminal a plea bargaining é amplamente utilizada
no direito norte-americano, sobretudo nos crimes contra o sistema financeiro, a ordem
tributária, a ordem econômica e os praticados com violência à pessoa, premiando aqueles que
colaboram com a Justiça, mormente nos casos de crimes complexos praticados por
organizações criminosas.
Nesse diapasão, cabe mencionar o entendimento de WÁLTER FANGANIELLO
MAIEROVICH sobre a plea bargaining:
[...] é largamente aplicada no Processo Penal norte-americano, com os mais
surpreendentes e espantosos acordos (agreement). Inúmeros são os casos de
54

avenças disparadas: admite-se trocar homicídio doloso típico por culposo; tráfico
por uso de drogas; roubo qualificado pelo emprego de arma de fogo por furto
simples. Para os críticos mais severos, trata-se de prática lúdica, quando se nota que
dez crimes variados são trocados pela declaração de culpabilidade (plea of guilty)
de apenas um, que pode ser até o menos grave. A plea bargaining visa,
fundamentalmente, a punição, ainda que branda e socialmente injusta. É justificada
como poderoso remédio contra a impunidade, diante do elevado número de crimes
a exigir colheita de prova induvidosa da autoria, coma conseqüente pletora de feitos
e insuportável carga de trabalho do judiciário. (1989, p. 15)
Como podemos observar, essas figuras do “plea bargaining” e “plea guilty” suscitam
uma controvérsia entre os juristas e os criminólogos americanos Os críticos apontam
insistentemente para a desigualdade e a injustiça que se refletem na “plea negotiation” e que
esta, por sua vez, potencia e amplia. Como negociação de fatos (e do direito) feitas no
gabinete do Ministério Público ou nos corredores do Tribunal, subtraída da publicidade.
Quanto ao alcance prático do “plea barganing” nos Estados Unidos, observam-se que através
dele são solucionados de 80% a 95% de todos os crimes, por outro lado, inquéritos feitos por
uma amostragem significativa de promotores revelaram que estes consideram cerca de 85%
dos casos da sua experiência como adequados a uma solução de “plea barganing”.
As vantagens das negociações e das declarações de culpabilidade reside no fato de
serem uma forma de administrar a justiça de forma muito mais flexível do que o modelo
tradicional. Como se assinala no caso Bordenkircher V. Hayes, “seja como for a situação em
um mundo ideal, o fato é que a guilty plea e a plea bargain são componentes importantes do
sistema judicial deste país. Properly administered, they can beneficit all concerned”. Entre
essas “mutuality advantages”, que sem dúvida alguma, são a base para que mais de três
quartos das condenações nos Estados Unidos da América sejam produto das “pleas” e as
quais são necessárias para que hoje, em dia, a administração funcione.4719
Vale ressaltar que, a experiência mais remota de proteção a colaboradores da justiça
iniciou-se em 1789, com a criação do US Marshall’s Service, nos Estados Unidos da América,
este órgão protegia membros do Poder Judiciário e testemunhas de acusação em crimes
federais. A partir de 1960, o US Marshall’s Service sofreu uma radical mudança e passou a
abranger outros tipos de crimes, em razão da necessidade de uma ação eficaz contra o crime
organizado.
Atualmente mais de 6.000 pessoas já receberam a proteção do US Marshall’s Service,
número mais do que suficiente para revelar a importância do programa, mas existem
problemas. E o maior deles é o seu alto custo, ora que o governo norte-americano gasta
aproximadamente 110 mil dólares por ano com uma família de 4 pessoas.

47
MAIA, Andréa Damiani. A delação premiada no sistema de defesa da concorrência. Disponível em :
http://www.amchamrio.com.br/publicaçoes/bb/2004/bb_08_04/legalalert.htm. Acesso em: 15 de abril de 2006.
55

Em casos especiais o beneficiado pelo programa tem direito a cirurgia plástica e troca
de documentos com a permissão da Justiça, que inclusive pode anistiar condenados.
HIGOR VINICIUS N. JORGE, ao falar sobre o assunto, cita o promotor Gilson
Roberto de Melo Barbosa, que afirma:
em seu artigo o Papel do Ministério Público na proteção à Testemunha, execução
desse programa nos Estados Unidos da América tem suas diretrizes reguladas pela
Lei Pública 97-291, e ocorre da seguinte forma: a agência de investigação informa
ao promotor público que há uma vítima ou testemunha ameaçada e interessada em
cooperar. Se o promotor entender que o depoimento dessa pessoa é relevante, a
mesma será encaminhada ao Departamento de Justiça para que seja analisada a sua
inclusão. Em caso de aprovação, o Departamento de Justiça encaminha
a testemunha para o US Marshall’s Service que investiga o interessado e sua
família, e decide se ela pode ser beneficiada pelo programa.48
Hoje nos USA, o sistema de colaboração e proteção de testemunhas, é conhecido por
witness, este protege além daqueles os delatores O Witness Security Program, criado em 1971,
protege atualmente 150 pessoas por ano a um custo de US$ 20 milhões ao governo. É o mais
caro programa per capita, mas também o mais aperfeiçoado do mundo. Aluga casas
mobiliadas para as testemunhas, paga aulas de inglês aos estrangeiros e muda o sobrenome
das crianças protegidas. Dos envolvidos, 90% são gângsteres e apenas 20% deles voltam ao
mundo do crime.

5.2. Itália

A técnica de relevância premial italiana foi exclusivamente direcionada ao


desmantelamento da Máfia, visando derrotar sua estrutura de atuação eficiente e sigilosa; e
restabelecer a punibilidade na Itália, para isso houve um endurecimento das leis, o que
provocou baixas na Máfia, estimulando a colaboração. A "Operação Mãos Limpas"
(Operazione Mani Puliti), com isto conseguiu diminuir a violência no país.
A Máfia surgiu no sul da Itália na época medieval. Seus membros eram lavradores
arrendatários de terras pertencentes a poderosos senhores feudais. Mas eles pretendiam dividir
essas terras e, para isso, começaram a depredar o gado e as plantações. Quem quisesse evitar
esse vandalismo deveria fazer um acordo com a Máfia. Da Itália, a indústria da “proteção
forçada” se espalhou para o mundo inteiro, especialmente para os Estados Unidos.

48
JORGE, Higor Vinicius Nogueira. Programa de proteção as testemunhas. Disponível em:
http://www.ufsm.br/direito/artigos/penal/testemunhas.htm>. Acesso em: 10 de maio de 2006.
56

Ocorre que, com o passar dos anos, a Máfia se consolidou. Em meados dos anos 80, a
Máfia atuava até mesmo na esfera pública italiana. Empresários, políticos de diversos cargos
e achacadores compunham um sistema sólido, que acabara por torna-la, desta forma, mais
séria e sólida do que o próprio Estado, com leis claras e rigorosos códigos de ética, ao qual
resistir implicaria sérios riscos.49
Na legislação penal italiana, máfia representa gênero de especial associação criminosa,
distinta das comuns quadrilhas e bandos. As associações de tipo mafioso, desde 1982, estão
previstas no artigo 416, bis, do Código Penal Italiano.
Como ficou destacado acima, a palavra "máfia" passou a ser considerada, na lei penal
material, como gênero de associação delinqüencial. Na Itália, como espécies do gênero máfia,
são conhecidas as seguintes associações delinqüenciais: Cosa Nostra (Sicília); N’Drangheta
(Calábria); Camorra (Campania);e Sacra Corona Unita (Puglia).
Associações criminosas que seguem o modelo mafioso são aquelas que objetivam o
controle social. Mantêm conexão com os poderes constituídos, mediante uma rede parasitária
de intermediação. Apresentam-se como de tipo gangsterística, ou seja, promovem, quando
convém, a eliminação física dos seus adversários50.
Entretanto, a partir dos anos 80 houve uma reação conjunta na Itália, sociedade
italiana não deixar-se-ia dominar pelo crime organizado por tanto tempo. O sistema Penal e
Judiciário foram modificados e dotados de instrumento mais duros de combate ao crime
organizado onde foi utilizado: a delação premiada, escutas telefônicas, a penalização dos
caixas-dois, punições à corrupção, dentre outros instrumentos para combater o crime
organizado, mas nada se comparou com a manifestação popular exigindo uma basta à
corrupção através do apoio às atividades investigatórias realizadas pelo parquet, mediante
envio de telegramas e cartas aos parlamentares, em conseqüência a estrutura das organizações
mafiosas começaram a ser desvendadas.
Em seu artigo MAIEROVITCH, ressalta:
Na Itália, por esforço do juiz Falcone, elaborou-se legislação consagrando o direito
premial, instituído pelo jurista alemão Ihering. Lembrava FALCONE: “como dizia
Ihering, um dia os juristas tornarão a ocupar-se do direito premial e o farão quando
pressionados pela necessidade prática. . . não tanto no aspirante ao prêmio, mas ao
superior interesse da comunidade”.51

49
LUPO, Salvatore. História da Máfia: das origens aos nossos dias. Unep: São Paulo, 2002. p. 20- 25.
50
LUPO,Op. cit., p. 32.
51
.MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. As associações mafiosas. Disponível em: http://www.cjf.gov.br/
revista/ número2/artigo18.htm. Acesso em: 05 de junho de 2006.
57

O Juiz Giovanni Falcone, vítima da Máfia, foi um dos que mais estimulava a delação
premiada, criando projetos de lei italianos contra associações criminosas. Somente a após a
sua morte é que foi dado prosseguimento ao instituto, por ironia do destino o seu próprio
assassino Giovanni Brusca tornou-se um “colaborador da Justiça”.
Em 29 de maio de 1982, foi criada a Lei misure per la difesa dell´´ordinamento
constituzionale, visando conseguir o arrependimento, a confissão e a delação como
instrumento neutralizador do crime organizado que dominava na Itália naquele período.
A colaboração premiada nos moldes italiano apresenta-se de duas formas: os pentiti
(arrependidos) e os dissociati (dissociados). Os primeiros tratam-se de criminosos que, antes
da sentença condenatória, retiram-se da associação e fornecem informações acerca da
estrutura da organização à Justiça. Quando a veracidade de suas denúncias é comprovada,
logram a extinção da punibilidade e, tanto o colaborador quanto seus parentes próximos,
passam a receber salário, moradia e plano de saúde do Estado, que se torna responsável por
sua integridade física (SILVA, 1999, p. 04).
Os dissociati, de maneira diversa, esforçam-se para, antes da sentença, impedir ou
diminuir as conseqüências danosas ou perigosas de crimes, obtendo a diminuição de um terço
da pena (idem).
MAIEROVITCH, em seu artigo, assevera:
Graças a alguns colaboradores da Justiça, na fase de instrução preliminar ao
maxiprocesso, desvendou-se a misteriosa e planetária organização chamada, pelos
seus membros, de Cosa Nostra. De se consignar que no maxiprocesso os
colaboradores mais famosos, Tommaso Buscetta – primeiro mafioso a romper com
a “Lei do Silêncio(omertá)”- e Salvatore Contorno foram condenados,
respectivamente, às penas de três anos e seis meses (Buscetta cumpriu a pena nos
USA, por acordo) e seis anos.52
Na Itália a figura do colaborador é privilegiada, a eles são concedidos benefícios
principalmente aos colaboradores que ajudam a impedir ou diminuir os crimes cometidos
contra a segurança interior do Estado, por exemplo, crime de seqüestro por motivo de
terrorismo ou subversão, e contra a liberdade individual.
Assim, o artigo 289, §3o, do Código Penal italiano, prevê a redução da pena ao
colaborador que possibilita a liberdade da vítima. Além disso, mesmo que tenha ocorrido a
morte da vítima em decorrência do seqüestro, há redução em menor patamar, óbvio, se houve
colaboração.
A previsão da colaboração premiada também encontra-se presente no artigo 630, §5o,
do mesmo Código, que substitui a pena de prisão perpétua pela de reclusão de 12 a 20 anos,
52
MAIEROVITCH, Walter Fanganiello.Blindagem do crime organizado: delação premiada. Disponível em :
http://www.ibgf.org.br/index.php?data[id_seção]=3&data[id_matéria]=598. Acesso em: 15 de abril de 2006.
58

bem como diminui de um a dois terços as demais penas ao partícipe que evitar que se
produzam as conseqüências do delito ou ajudar na colheita de provas decisivas para a
individuação ou captura dos demais co-autores ou partícipes. Portanto, é o concorrente que,
antes da sentença condenatória, ajuda as autoridades policiais e judiciárias na colheita das
provas decisivas para a individuação e captura de um ou mais autores dos crimes ou fornece
elementos de prova relevantes para a exata reconstituição dos fatos e a descoberta dos autores.
Existem ainda a previsão da colaboração premial para aqueles que corroboram com a
ação repressiva do narcotráfico, evitando que venham graves conseqüências da atividade
delituosa ou ajudando a impedir o cometimento de delitos.
Deve-se ressaltar, que durante a Operação “Mãos Limpas”, centenas de mafiosos
foram presos, levados a julgamento e condenados. E que a Máfia embora não tenha
desaparecido por completo, perdeu muito poder. Seu declínio é uma prova categórica da teoria
defendida por muitos – a de que o crime organizado só é neutralizado mediante enérgicas
ações do Estado e da sociedade.

6. Valor Ético do Instituto

Historicamente, a delação no Brasil é entendida como sinônimo de “traição”, por isso


a delação premiada vem sofrendo ataques éticos, além de ser suscitado a sua eficácia.
Por ter a delação premiada se originado no Brasil de forma diferente da que se
originou em outros países, não significa dizer que ela não traga benefícios na investigação dos
ilícitos. O ato da delação tem que insistir necessariamente em efeitos concretos, como:
desmantelamento da quadrilha, prisão de seus integrantes, apreensão de drogas, libertação da
pessoa seqüestrada, etc. No entanto, o grande dilema da delação tem sido a controvérsia a
respeito do seu aspecto ético-moral, existindo duas correntes que se posiciona de maneiras
divergentes.
A respeito cabe destacar o importante comentário do ilustre professor FLÁVIO
BRAGA:
Ponto relevante é destacar a renhida controvérsia doutrinária no tocante à
efetividade do instituto premial e ao inafastável aspecto ético-moral que o envolve.
A corrente favorável argumenta que a relevância do bem jurídico tutelado pela
delação (a segurança pública) justifica a sua utilização como recurso eficaz para
arrostar o crime organizado. Enfatizam, ainda, a inexistência e/ou ineficácia de
outros meios para tornar possível o desmonte das poderosas organizações
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criminosas. A posição divergente refuta com veemência a delação premiada,


asseverando que a sua aplicação é contrária à moral e ao princípio da dignidade da
pessoa humana, porquanto ensina que a adoção de uma atitude infame (trair) pode
ser vantajosa para quem a pratica. O Direito deve prescrever posturas decentes e
leais, não podendo premiar a falta de caráter de quem comete uma ação torpe e
aética, convertendo-se num incentivador de antivalores. Quanto à sua
aplicabilidade, o instituto se revelaria inócuo, porque os "preceitos" que regem o
submundo do crime não toleram alcagüetes, sendo certa a execução sumária de
quem viesse a transgredi-los. Assim, nenhum delinqüente se sentiria encorajado a
"entregar" os comparsas ante a certeza da desforra mortal. Em remate, os próceres
desta tese sustentam que os infratores não confiam em que o Estado cumpra a sua
parte, uma vez que não dispõe de condições materiais para garantir a integridade
física do delator e de sua família. De nossa parte, sem embargo das opiniões
contrárias, entendemos ser juridicamente sustentável o emprego do favor legal em
análise, máxime em razão dos alarmantes índices de criminalidade que assombram
os lares brasileiros e da flagrante deficiência do aparelho estatal para, mediante
outros expedientes, fazer o enfrentamento às estruturas criminosas cada dia mais
articuladas, engenhosas e sofisticadas53.

Sobre o assunto diz, ainda, RENATO FLÁVIO MARCÃO:

Com suas vantagens e desvantagens, a delação premiada vem sendo usada


largamente, e muitas vezes com pouco ou nenhum critério técnico, tanto que se tem
notícia de vários casos em houve delação premiada, porém, nada ficou
documentado visando a “segurança do delator”, e exatamente por isso nada foi
comunicado nos autos do processo criminal a que se vê submetido, apesar do êxito
da investigações realizadas a partir da delação. Em conseqüência, muitos delatores
acabam colaborando com as investigações e depois não recebem os benefícios
inicialmente apresentados na barganha que envolve a pretensão punitiva, a revelar,
mais uma vez, condenável violação ética patrocinada pelo Estado; verdadeiro
estelionato. De tal situação também decorre a necessidade de se pensar sobre a
incidência dos efeitos da delação em sede de execução penal.54

O que se deve ter em mente a respeito do instituto da delação premiada é a eficácia da


investigação criminal, onde prevaleça o interesse social. Portanto, não se pode desprezar uma
arma valiosa que é a colaboração de criminosos com a Justiça, visto que atualmente os
esquemas de fraude se tornaram mais requintados. Embora a simples perspectiva de o poder
público estimular a delação cause ojeriza, deve-se lembrar que nenhuma teoria geral do
Estado reza que é dever das autoridades zelar pela observância da ética entre meliantes, por
isso não se deve tratar a delação premiada como uma verdadeira traição. Nesse sentido, opina
LÉLIO BRAGA CALHAU:
Como tudo que é novo e desconhecido gera desconfiança, a delação premiada passa
por essa crítica por ter sido introduzida muito recentemente no ordenamento
jurídico brasileiro. Ela realmente não faz parte da nossa tradição jurídica, que
sempre foi avessa á possibilidade de acordos entre o Poder Público e infratores, nos
quais a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações
penais e de sua autoria, poderia ter como conseqüência a redução de um a dois
terços da pena, como por exemplo, no enfrentamento das organizações criminosas.
53
BRAGA, Flávio. Delação premiada o que é?. 03 out. 2005. Disponível em:
http://www.mhariolincoln.jor.Br/index.php?itemid=511. Acesso em: 04 dez. 2005.
54
MARCÃO, Renato Flávio. Delação premiada. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 843, 24 out. 2005. Disponível
em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7463. Acesso em: 01 dez. 2005.
60

Todavia, acredito que uma grande parte das críticas é injusta, escoimadas em
discursos políticos disfarçados de “pensamento científico penal”, fruto, em parte, da
arrogância de uma ala de pensamento que no Brasil se julga o “suposto saber” em
termos de ciências criminais, a qual prega a tolerância no sistema penal, mas é
incapaz de tratar com a mesma tolerância as idéias, que por uma razão ou outra,
discordem do seu falso “discurso científico”. Esse tipo de situação só serviu para
dificultar o entendimento, a interpretação e a colocação de limites na aplicação do
Direito Penal, e nesse momento, dificulta também a colocação de um objetivo e
limite definido para esse instituto.55

55
CALHAU, Lélio Braga. Delação premiada. Justilex, ano IV, n. 46, outubro de 2005.

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