Sie sind auf Seite 1von 24

A Juventude Revolução - IRJ é uma organização de jovens con-

tra a exploração, a opressão e a guerra e na luta pelo socialismo


no Brasil e no mundo. Nós surgimos da necessidade que todos os

Revolucionária da
jovens tem de lutar pelos nossos direitos. Somos aderentes da Inter-
nacional Revolucionária da Juventude (IRJ) organização que reúne

Internacional
jovens de vários países.

aderente da

Juventude
Lutamos pelo direito da juventude ter um futuro de verdade
sem guerras, drogas e violência. Queremos educação, trabalho di-
versão e arte! Por isso rejeitamos o capitalismo, sistema baseado na
propriedade privada dos meios de produção, que explora e oprime
os trabalhadores e a juventude.
Os definimos os objetivos da JR-IRJ:
1 - lutar pela união da juventude na luta por suas reivindicações;
2 - lutar contra as guerras e a exploração;
3 - lutar contra as drogas e o narcotráfico;
4 - combater pela independência das entidades estudantis;
5 - defender a educação publica e lutar pelo acesso a diversão e arte;
6 - lutar contra a destruição do meio ambiente;
7 - lutar pelo fim da propriedade privada dos meios de produção.

Conheça a Juventude Revolução - IRJ!


Organize-se num núcleo da
Marxismo
Juventude Revolução - IRJ! e
ADERENTE da
Internacional
Revolucionária da
darwinismo
Anton Pannekoek
Juventude

www.juventuderevolucao.org
Preço: R$6,00 • Solidário: r$10,00

48 1
Coleção Cadernos da
Juventude Revolução - IRJ

Maio de 2009

Marxismo e darwinismo
Texto: Anton Pannekoek

Produzida pelo Conselho Nacional da Juventude Revolução - IRJ

JUVENTUDE REVOLUÇÃO - IRJ


Aderente da Internacional Revolucionária da Juventude

ENTRE EM CONTATO:

www.juventuderevolucao.org

© Copyleft – É permitida a reprodução parcial ou total


desta obra desde que mantida os créditos e esta nota.

2 47
Quem foi
Marxismo e darwinismo
Anton Pannekoek?

I. DARWINISMO
Anton Pannekoek (2 de mais radicais do movimento Dificilmente dois cientistas poderiam ser mencionados, na
janeiro de 1873 – 28 de abril socialista mundial (Lênin, Rosa segunda metade do século XIX, que tenham dominado a mente
de 1960), foi um astrônomo e Luxemburgo) e forma um grupo humana em um grau maior do que Darwin e Marx. Seus ensina-
teórico marxista holandês. socialista internacionalista nos mentos revolucionaram a concepção que as grandes massas tinham
Era, já no início do século Países Baixos, juntamente com sobre o mundo. Por décadas seus nomes estiveram na boca de todo
XX, um renomado astrônomo. o poeta e militante Hermann o mundo e seus ensinamentos se tornaram o ponto central das lu-
Ele iniciou sua militância políti- Gorter. tas intelectuais que acompanham as lutas sociais de hoje. O motivo
ca na social-democracia holan- Com o desenvolvimento disso reside primeiramente no alto conteúdo científico de seus en-
desa e sempre manteve contato da Revolução Russa, Pannekoek sinamentos.
com a social-democracia alemã, irá romper também com o Lênin A importância científica do Marxismo assim como do Darwin-
escrevendo em vários periódicos e, junto com grupos em outros ismo consiste em sua filiação à teoria da evolução, pertencendo o
social-democratas, ministrando países, irá se opor tanto à social- Darwinismo ao campo de análise do mundo orgânico, das coisas ani-
cursos, principalmente na Ale- democracia e ao bolchevismo.
madas, vivas, da natureza; e o Marxismo ao campo da sociedade.
manha, onde exercerá bastante Assim, Pannekoek se torna o
influência política. teórico dos conselhos operários Esta teoria da evolução, entretanto, de modo algum era nova
e um dos principais represent- , pois já tinha sido defendida antes de Darwin e Marx. Hegel, o
Com o desenvolvimento do
antes do chamado comunismo filósofo, a fez mesmo o ponto central de sua filosofia. É, portanto,
oportunismo na social-democ-
de conselhos. necessário observar mais de perto quais as realizações de Darwin e
racia, ele se alia às tendências
de Marx neste campo.

46 3
A teoria que diz que plantas e animais se desenvolveram uns sará e prosseguirá contra o mundo exterior. Não será mais uma
a partir dos outros foi primeiramente conhecida no século XIX. Em luta contra nossa própria espécie, mas uma luta para subsistência,
tempos passados a questão “de onde vem todas estas milhares e uma luta contra a natureza.
centenas de milhares de diferentes espécies de plantas e animais
Mas devido ao desenvolvimento da técnica e da ciência, di-
que conhecemos?” era respondida : “no momento da criação Deus
ficilmente poderá ser chamado de luta. A natureza submete-se ao
as criou todas conforme sua espécie”.
homem e com muito pouco esforço de sua parte ela o abastece com
A teoria primitiva estava em conformidade com as experiên- abundância.
cias realizadas e com as mais velhas informações que poderiam ser
Aqui um novo curso se abre para o homem: o homem ascend-
obtidas. De acordo com a informação corrente, todas as plantas e
endo do mundo animal e prosseguindo sua luta pela existência pelo
animais conhecidos sempre foram os mesmos. Cientificamente, essa
uso das ferramentas, cessa e um novo capítulo na história da hu-
experiência foi assim expressa: “todas as espécies são invariáveis
manidade se inicia.
porque os pais transmitem suas características aos seus filhos”.
Havia, entretanto, algumas peculiaridades entre plantas e ani-
mais que gradualmente forçaram uma diferente concepção a se apre-
sentar. Então elas ficaram bem dispostas dentro de um sistema que
foi primeiramente fundado pelo cientista sueco Lineu. De acordo
com esse sistema, os animais estão distribuídos em divisões princi-
pais; estas divisões em classes; as classes em ordens; as ordens em
famílias, as famílias em espécies, cada qual contendo umas poucos
tipos. Quanto mais aparência há em suas características, mais próxi-
mos estão relacionados entre si no sistema e menor é o grupo ao qual
eles pertencem. Todos os animais classificados como mamíferos ap-
resentam as mesmas características gerais em sua estrutura corpó-
rea. Os animais herbívoros, animais carnívoros, macacos, cada qual
pertence a uma ordem diferente e são novamente diferenciados. Ur-
sos, cachorros e gatos, todos animais predadores, têm muito mais em
comum na forma corporal do que têm com cavalos ou macacos. Esta
concordância é ainda mais óbvia quando examinamos variedades
das mesmas espécies; o gato, o tigre e o leão parecem-se mais entre
si em muitos aspectos onde eles se diferem dos cachorros e ursos. Se
nós sairmos da classe dos mamíferos para outras classes, tais como
os pássaros ou os peixes, encontraremos maiores diferenças do que
encontramos na outra classe.
Há ainda, entretanto, uma leve semelhança na formação do
corpo; o esqueleto e o sistema nervoso ainda estão lá. Estas cara-
cterísticas primeiro desaparecem quando nos afastamos desta di-

4 45
Ao mesmo tempo a luta é uma corrida do capital. O grande capital visão principal, a qual abarca todos os vertebrados e vamos até os
é melhor equipado; o grande capital está ficando cada vez maior. moluscos (animais de corpo mole) e os pólipos.
Essa concentração de capital mina o próprio capital , pois diminui a O mundo animal inteiro pode assim ser organizado dentro de
burguesia cujo interesse é manter o capitalismo e aumenta a massa divisões e subdivisões. Tendo todas as diferentes espécies de ani-
que procura aboli-lo. mais sido criadas inteiramente independentes de todas as outras,
Nesse desenvolvimento, uma das características do capital- não haveria razão para tais ordens existirem.
ismo é gradualmente abolida. No mundo onde cada um luta contra Não haveria nenhuma razão em não poder haver mamíferos
todos e todos contra um, uma nova associação se desenvolve entre possuindo seis patas. Teríamos de assumir, então, que no momento
a classe operária, a organização de classe. As organizações da classe da criação Deus tomou o sistema de Lineu como um plano e criou
operária começam com o término da competição existente entre op- todas as coisas de acordo com esse plano. Felizmente nós temos
erários e combinando seus poderes separados em um grande poder uma outra maneira de considerar isso. A semelhança na construção
em sua luta com o mundo externo. Tudo que se aplica aos grupos do corpo pode ser devida a um real relacionamento familiar. De
sociais também se aplica a essa organização de classe, trazida por acordo com essa concepção, a conformidade de peculiaridades
condições naturais. Nas fileiras dessa organização de classe, cau- demonstra qual a proximidade ou distância do relacionamento;
sas sociais, sentimentos morais, auto sacrifício e devoção do corpo assim como a semelhança de irmãos e irmãs é maior do que de
inteiro se desenvolvem de uma maneira mais esplêndida. Essa or- parentes distantes. As classes animais não foram, portanto, criadas
ganização sólida dá à classe trabalhadora a grande força que ela individualmente, mas se desenvolveram umas a partir das outras.
necessita para derrotar a classe capitalista. A luta da classe, que Elas formam um tronco que se iniciou de uma base simples e que
não é uma luta com ferramentas mas para a posse de ferramentas, se desenvolveu continuamente; os últimos e mais finos galhos são
uma luta pelo direito de comandar a indústria, será determinada nossos parentes do presente. Todas as espécies de gatos descendem
pela força da organização de classe. de um gato primitivo, o qual juntamente com o cachorro e o urso
Vamos agora olhar para o sistema de produção futuro levado primitivos, é um descendente de algum tipo primitivo de animal
adiante sob o socialismo. A luta que leva à perfeição das ferramen- predador. O animal predador primitivo, o animal primitivo que
tas não cessa. Como antes no capitalismo, a máquina inferior será tem cascos, ou o macaco primitivo descenderam de um mamífero
distanciada e substituída pela superior. Como antes, esse proces- também primitivo etc.
so levará à maior produtividade do trabalho. Mas a propriedade Esta teoria da descendência foi defendida por Lamarck e por
privada tendo sido abolida, não haverá mais um homem detrás de Geoffrey St. Hilaire. Não foi, entretanto, recebida com aprovação
cada máquina dizendo que ela lhe pertence e compartilhando do geral. Estes naturalistas não puderam provar a correção desta teo-
seu destino ria e, portanto, ela permaneceu somente como uma hipótese, uma
As máquinas serão propriedade comum e a substituição da mera suposição. Quando Darwin apareceu, entretanto, com seu
menos desenvolvida pela maquinaria mais desenvolvida será con- principal livro, A Origem das Espécies, caiu como um raio; sua teo-
duzida com cuidadosa consideração. ria foi imediatamente aceita como uma verdade fortemente pro-
vada. A teoria da evolução, desde então, tornou-se inseparável do
Com a abolição das classes todo o mundo civilizado se tornará
nome de Darwin. Por quê?
uma grande comunidade produtiva.
Isto ocorreu particularmente devido ao fato de que através da
Dentro dessa comunidade a luta mútua entre membros ces-
experiência uma quantidade maior de material foi acumulado e deu
44 5
suporte a esta teoria. Animais foram encontrados que não podiam É por essa razão que, sob o capitalismo, o mundo humano
ser facilmente encaixados na classificação, tais como os mamíferos muito se assemelha ao mundo dos animais vorazes e é por esse exa-
ovíparos, peixes que têm pulmões e animais invertebrados. to motivo que os darwinistas burgueses procuraram pelo protótipo
A teoria da ascendência reivindicava que estes são simples- dos homens entre os animais que vivem isolados. A isso eles foram
mente os remanescentes da transição entre os principais grupos. levados por sua própria experiência. Seu erro, no entanto, consis-
Escavações revelaram restos fósseis que pareciam ser diferentes tiu em considerar as condições capitalistas como eternas. A relação
dos animais existentes atualmente. Estes restos, mostraram-se, em existente entre nosso sistema capitalista competitivo e os animais
parte, como sendo as formas primitivas dos nossos animais e que os vivendo isolados, foi desta forma expressa por Engels em seu livro
animais primitivos desenvolveram-se gradualmente até os atuais. “Anti-Duhring” (trecho que também pode ser encontrado no livro
Então a teoria das células foi formada: cada planta, cada animal, “Do socialismo utópico ao socialismo científico) como segue:
consiste de milhões de células e tem se desenvolvido pela inces- “Finalmente, a indústria moderna e a abertura
sante divisão e diferenciação de células individuais. Tendo chegado do mercado mundial fizeram a luta universal e ao
a este ponto, o pensamento de que os organismos superiores são mesmo tempo deram a ele virulência inaudita. As
descendentes dos seres primitivos que possuem uma só célula, não vantagens em condições naturais ou artificiais de
poderia parecer estranho. produção agora decidem a existência ou não existên-
Todas estas novas experiências não puderam, entretanto, el- cia de capitalistas individuais bem como indústrias
evar a teoria à condição de verdade solidamente provada. A mel- e países inteiros. Ele, que cai é sem nenhum remorso
hor prova da correção desta teoria seria a transformação real de jogado a parte. É a luta darwinista da existência in-
uma espécie animal para outra ter acontecido ante nossos olhos, de dividual transferida da natureza para a sociedade
modo que pudéssemos observá-la. Mas isso é impossível. Como en- com intensificada violência. As condições de existên-
tão é possível provar de algum modo que formas animais estão real- cia natural para o animal aparece como o termo fi-
mente mudando para novas formas? Isto pode ser feito mostrando nal do desenvolvimento humano.”
a causa, a força propulsora de tal desenvolvimento. Isto Darwin fez. O que é isso que leva adiante a luta na competição capitalista,
Darwin descobriu o mecanismo do desenvolvimento animal e ao a perfeição da qual decide a vitória?
fazê-lo mostrou que sob certas condições algumas espécies animais Primeiro vem as ferramentas técnicas, máquinas. Aqui de
necessariamente se desenvolverão e se transformarão em outras. novo se aplica a lei de que a luta conduz à perfeição. A máquina que
Iremos agora esclarecer este mecanismo. é mais aperfeiçoada exclui as menos aperfeiçoadas, as máquinas
Seu principal fundamento é a natureza da transmissão, o fato que não podem realizar muito e as ferramentas simples são exter-
de que os pais transmitem suas peculiaridades aos filhos, mas que minadas e a técnica da máquina se desenvolve com passos gigantes
ao mesmo tempo os filhos diferem de seus pais em alguns aspectos para uma sempre crescente produtividade. Essa é a aplicação real
e também diferem entre si. do darwinismo na sociedade humana. A particularidade disto é
É por essa razão que os animais da mesma espécie não são to- que sob o capitalismo há a propriedade privada e detrás de toda
dos parecidos, mas diferem em todas as direções do tipo médio. Sem máquina há um homem. Detrás da máquina gigante há um grande
a assim chamada variação seria totalmente impossível para uma capitalista e detrás da pequena máquina há um pequeno capi-
espécie animal se desenvolver em outra. Tudo o que é necessário talista. Com a derrota da pequena máquina, o pequeno capitalista,
para a formação de novas espécies é que as diferenças do tipo cen- como capitalista, perece com todas suas esperanças e felicidade.

6 43
X. Capitalismo e Socialismo tral se tornem cada vez maiores e que prossigam na mesma direção
até que estas se tornem tão grandes que o novo animal não mais
A forma específica que a luta darwinista pela existência assume
se pareça com aquele do qual ele descendeu. Mas onde está aquela
no desenvolvimento é determinada pela sociabilidade do homem e
força que poderia empurrar para frente uma sempre crescente vari-
seu uso das ferramentas. A luta pela existência, enquanto ainda é
ação na mesma direção?
levada adiante entre membros de diferentes grupos, contudo cessa
entre membros do mesmo grupo e seu lugar é tomado pela ajuda Lamarck declarou que isto era devido ao uso e muito exercí-
mútua e o sentimento social. Na luta entre grupos, o equipamento cio de certos órgãos; que, devido ao exercício contínuo de certos
técnico decide quem deve ser o vencedor; isso resulta no progresso órgãos, estes tornam-se cada vez mais perfeitos. Assim como os
da técnica. Essas duas circunstâncias levam a diferentes efeitos sob músculos das pernas dos homens ficam mais fortes quando se corre
sistemas diferentes. Vamos ver de que maneira eles funcionam sob muito, do mesmo modo o leão adquiriu suas poderosas patas e a le-
o capitalismo. bre suas pernas velozes. Da mesma maneira as girafas conseguiram
ter seus pescoços compridos porque para alcançar as folhas das ár-
Quando a burguesia ganhou poder político e fez do sistema
vores, as quais elas comiam, seus pescoços esticavam tanto que um
capitalista o dominante, começou quebrando as algemas feudais
animal de pescoço curto se desenvolveu e se transformou na girafa
e libertando o povo de todos os laços feudais. Era essencial para o
de pescoço longo. Para muitos esta explicação era inacreditável e
capitalismo que todos estivessem aptos a tomar parte na luta com-
não dava conta do fato de que o sapo devesse ter uma cor verde a
petitiva; que o movimento de ninguém estivesse amarrado ou limi-
qual serve a ele como uma boa proteção.
tado por deveres corporativos ou dificultado por estatutos legais,
pois apenas desta maneira era possível para a produção desenvolv- Para resolver a mesma questão, Darwin voltou-se para uma
er sua capacidade total. Os trabalhadores devem ter livre comando outra linha de experiência. O criador de animais e o jardineiro são
de si mesmos e não estar amarrados por deveres feudais ou de guil- capazes de fazer crescer artificialmente novas raças e variedades.
das pois apenas como livres trabalhadores eles podem vender sua Quando um jardineiro quer cultivar uma certa variedade de planta
força de trabalho aos capitalistas como uma mercadoria inteira e com flores grandes, tudo o que ele tem de fazer é matar antes da ma-
somente como trabalhadores livres os capitalistas podem usá-los. turidade todas aquelas plantas que têm flores pequenas e preservar
É por essa razão que a burguesia varreu com todos os velhos laços e aquelas que têm flores grandes. Se repetir isto por alguns anos
deveres. Fez o povo completamente livre, mas ao mesmo tempo os sucessivamente, as flores serão sempre maiores, porque cada nova
deixou completamente isolados e sem proteção. geração se assemelha à sua predecessora e nosso jardineiro, tendo
sempre escolhido as maiores entre as grandes para o propósito de
Anteriormente o povo não estava isolado; eles pertenciam
propagação, obtém sucesso em criar uma planta com flores muito
a alguma corporação; eles estavam sob a proteção de algum sen-
grandes. Através desta ação, feita às vezes deliberadamente, às vezes
hor ou comunidade e nisso eles achavam força. Eles eram parte
acidentalmente, as pessoas criaram um grande número de raças de
de um grupo social para o qual eles tinham deveres e do qual eles
nossos animais domesticados os quais diferem de sua forma original
recebiam proteção. Esses deveres a burguesia aboliu; destruiu as
muito mais do que as espécies selvagens diferem entre si.
corporações e aboliu as relações feudais. A libertação do trabalho
significou ao mesmo tempo que todo amparo foi retirado dele e que Se questionássemos um criador de animais sobre a transfor-
ele não podia mais confiar nos outros. mação de um animal de pescoço curto em um animal de pescoço
longo, não pareceria a ele uma impossibilidade. Tudo o que ele teria
Todos tinham que confiar em si mesmos. Sozinhos, livres de
de fazer seria escolher aqueles que tivessem parcialmente pescoços
todos os laços e proteção, ele deve lutar contra tudo.
42 7
compridos, cruzá-los, matar os jovens que tivessem pescoços curtos
verdadeiro. As ferramentas lutam e isso conduz a uma ainda maior
e novamente cruzar os animais com pescoços longos. Se repetisse
perfeição de ferramentas. Aqueles grupos de tribos que usam mel-
essa operação a cada nova geração o resultado seria que o pescoço
hores ferramentas e armas podem melhor assegurar sua subsistên-
tornar-se-ia cada vez mais longo e teríamos conseguido um animal
cia e quando se torna uma luta direta com outra raça, a raça que é
parecido com a girafa.
melhor equipada com ferramentas artificiais irá ganhar. Aquelas
Este resultado foi encontrado porque há uma vontade definida raças cuja técnica é melhor desenvolvida podem expulsar ou subju-
com um objetivo definido, o qual, para criar uma certa variedade, gar aqueles cujos auxiliares artificiais não são desenvolvidas. A raça
escolhe certos animais. Na natureza não há tal vontade e todos os européia domina porque seus recursos externos são melhores.
desvios devem novamente ser ajustados através do cruzamento, de
Aqui vemos que o princípio da luta pela existência, formulada
modo que é impossível para um animal continuar partindo do tipo
por Darwin e enfatizada por Spencer, tem um efeito diferente nos
original e ir sempre na mesma direção até tornar-se uma espécie
homens e nos animais. O princípio de que a luta conduz à perfeição
complemente diferente. Onde então está o poder da natureza que
das armas usadas na guerra, leva a resultados diferentes entre ho-
escolhe os animais do mesmo jeito que faz um criador?
mens e animais. No animal, leva a um desenvolvimento contínuo
Darwin refletiu sobre este problema muito tempo antes que dos órgãos naturais; que é a base da teoria da descendência, a es-
encontrasse sua solução na “luta pela existência”. Nesta teoria te- sência do darwinismo. Nos homens, leva a um desenvolvimento
mos o reflexo do sistema produtivo do tempo em que Darwin viveu; contínuo das ferramentas, dos meios de produção.
por isso, foi a luta competitiva capitalista que serviu a ele como
Essa, no entanto, é a base do marxismo. Aqui vemos que marx-
retrato da luta pela existência prevalecendo na natureza. Não foi
ismo e darwinismo não são duas teorias independentes, cada qual
através de sua própria observação que esta solução se apresentou
aplicada ao seu domínio especial, sem ter nada em comum com a
a ele. Veio a ele pela leitura dos trabalhos do economista Malthus.
outra. Na realidade, o mesmo princípio subjaz ambas as teorias.
Malthus tentou explicar que em nosso mundo burguês há muita
Elas formam uma unidade. O novo curso tomado pelos homens,
fome, miséria e privação porque a população cresce muito mais
a substituição dos órgãos naturais pelas ferramentas, faz com que
rápido do que os meios de subsistência. Não há alimento suficiente
esse princípio fundamental se manifesta diferentemente nos dois
para todos; as pessoas precisam, portanto, lutar com cada um pela
domínios; aquele do mundo animal que se desenvolve de acordo
sua existência e muitos cairão nesta luta. De acordo com esta teoria
com o princípio de Darwin, enquanto entre o gênero humano o
capitalista a competição, bem como a miséria existente, foram de-
princípio de Marx é aplicado. Quando os homens se libertaram
claradas como uma inevitável lei natural.
do mundo animal, o desenvolvimento de ferramentas e métodos
Em sua autobiografia Darwin declara que foi o livro de Malthus produtivos, a divisão do trabalho e do conhecimento se tornam a
que o fez pensar sobre a luta pela existência: força propulsora do desenvolvimento social. São esses fatores que
originamos diferentes sistemas, tais como o comunismo primitivo,
o sistema camponês, o início da produção de mercadorias, o feudal-
“Em outubro de 1838, isto é, quinze meses depois ismo e agora o capitalismo moderno e o qual nos traz cada vez mais
que eu iniciei minha pesquisa sistemática, comecei a perto do socialismo.
ler, por entretenimento, Malthus, no que concerne à
população e estando bem preparado para apreciar a
luta pela existência, que ocorre em todas as partes,

8 41
volver junto com as ferramentas; e, de fato, vemos que a diferença por uma longa observação contínua dos hábitos dos
entre a mais alta e a mais baixa raça do gênero humano consiste animais e plantas, iluminou-me o fato de que sob es-
principalmente no conteúdo de seus cérebros. Mas até mesmo o tas circunstâncias variações favoráveis tenderiam
desenvolvimento deste órgão tem de parar num certo estágio. a ser preservadas e variações desfavoráveis tende-
riam a ser destruídas. O resultado disto seria a for-
Desde o começo da civilização, as funções do cérebro são cada
mação de novas espécies. Aqui, então, eu encontrei
vez mais substituídas por meios artificiais; a ciência é entesourada
finalmente uma teoria pela qual trabalhar.”
em livros. Nossa faculdade do raciocínio de hoje não é muito mel-
hor do que a possuída pelos gregos, romanos ou até dos germâni- É um fato que o aumento do nascimento dos animais é maior
cos, mas nosso conhecimento tem crescido imensamente e isso é do que a comida existente permite sustentar. Não há exceção à re-
muito devido ao fato de que o órgão mental estava aliviado por seus gra de que todos os seres orgânicos tendem a aumentar numeri-
substitutos, os livros. camente tão rapidamente que nossa Terra seria coberta muito
brevemente pela descendência de um simples casal, se estes não
Tendo aprendido a diferença entre os homens e os animais,
fossem destruídos. É por essa razão que a luta pela existência deve
vamos agora considerar como eles são afetados pela luta pela ex-
se impor. Cada animal tenta viver, faz o possível para comer e evita
istência. Que essa luta é a causa da perfeição e da eliminação do
ser comido pelos outros. Com suas peculiaridades e armas ele luta
imperfeito, não pode ser negado. Nessa luta os animais se tornam
contra o mundo inteiro que lhe é antagônico, contra animais, frio,
cada vez mais perfeitos. Aqui, no entanto, é necessário ser mais
calor, aridez, inundações e outras ocorrências naturais que podem
preciso na expressão e na observação do que consiste a perfeição.
ameaçar destruí-lo.
Sendo assim, não podemos mais dizer que os animais como um
todo lutam e se tornam perfeitos. Os animais lutam e competem Acima de tudo, ele luta contra animais de sua própria espécie,
por meio de seus órgãos específicos. Os leões não travam a luta que vivem do mesmo modo que ele, tem as mesmas particulari-
por meio de suas caudas; as lebres não dependem dos seus olhos; dades, usam as mesmas armas e vivem do mesmo alimento. Esta
nem os falcões são bem sucedidos por meio de seus bicos. Os leões luta não é uma luta direta; a lebre não luta diretamente com a lebre,
levam adiante a luta por meio de seus músculos saltadores e seus nem o leão com o outro leão - a não ser a luta pela fêmea - mas esta
dentes; as lebres confiam em suas patas e ouvidos e falcões são bem é uma luta pela existência, uma corrida, uma luta competitiva. To-
sucedidos por causa de seus olhos e asas. dos eles não podem alcançar uma idade adulta; a maior parte deles
é destruída e somente aqueles que vencem a corrida permanecem.
Se agora perguntarmos o que são essas lutas e o que compete
a resposta é, a luta dos órgãos. Os músculos e dentes do leão, as Mas quais são aqueles que vencem a corrida? Aqueles que,
patas e ouvidos da lebre e os olhos e as asas do falcão conduzem a através de suas particularidades, através de suas estruturas corpo-
luta. É na luta que os órgãos se tornam perfeitos. O animal como rais, são mais capazes de encontrar alimento ou de escapar de um
um todo depende desses órgãos e compartilha do seu destino. inimigo; em outras palavras, aqueles que são mais adaptados às
condições existentes sobreviverão:
Vamos agora fazer a mesma questão sobre o mundo humano.
Os homens não lutam por meio de seus órgãos naturais, mas por
meio de órgãos artificiais, por meio de ferramentas (e por armas “Porque existem sempre mais indivíduos que
devemos entender ferramentas). Aqui, também, o princípio da per- nascem do que podem permanecer vivos, a luta que
feição e da eliminação do imperfeito, através da luta, permanece decide quem continuará vivo deve começar nova-

40 9
mente e aquela criatura que tem alguma vantagem e a pá na pradaria. Com suas ferramentas, pode forçar seu caminho
sobre os demais, sobreviverá, mas como estas difer- em todas as partes do mundo e se estabelecer por toda parte.
entes particularidades são transmitidas para as no- Enquanto quase todos os animais podem viver em regiões es-
vas gerações, a natureza por si mesma faz a escolha pecíficas, tais como suprem os seus desejos e se levado a diferentes
e uma nova geração aparecerá contendo peculiari- regiões não pode existir, o homem conquistou o mundo inteiro.
dades modificadas.” Todo animal tem, como um zoólogo expressou certa vez, sua força
Aqui temos uma outra explicação para a origem da girafa. pelo meio da qual se mantém na luta pela existência e sua fraqueza,
Quando a grama não mais cresceu em alguns lugares, os animais devido a qual cai presa de outros e não pode se multiplicar.
deviam se alimentar de folhas de árvores e todos aqueles cujos pes- Nesse sentido, o homem tem apenas força e não fraqueza.
coços eram muito curtos para alcançar as folhas deveriam perecer. Devido às suas ferramentas, o homem é igual a todos os animais.
Na própria natureza há seleção e ela seleciona somente aqueles que Enquanto essas ferramentas não permanecem estagnadas, mas mel-
tem pescoços longos. Do mesmo modo que a seleção feita pelo cria- horam continuamente, o homem cresce acima de todo animal. Suas
dor de animais, Darwin chamou este processo de “seleção natural.” ferramentas fazem dele mestre de toda criação, o rei da Terra.
Este processo deve necessariamente produzir novas espécies. No mundo animal há também um contínuo desenvolvimento e
Pelo fato de muitos nascerem oriundos de uma certa espécie, mais aperfeiçoamento de órgãos. Esse desenvolvimento, no entanto, está
do que a quantidade existente de alimentos pode suprir, eles estão ligado com as mudanças do corpo do animal, que faz o desenvolvimen-
sempre tentando se espalhar por uma grande área. to dos órgãos infinitamente lento, como ordenado por leis biológicas.
Para conseguir sua comida, aqueles que vivem nas florestas No desenvolvimento do mundo orgânico, milhares de anos eqüiva-
vão para as planícies, os que vivem na terra vão para a água e aque- lem a nada. O homem, no entanto, transferindo seu desenvolvimento
les que vivem no chão sobem nas árvores. Sob estas novas condições orgânico para objetos externos foi capaz de se libertar da cadeia da
diferenças são necessárias. Estas diferenças são aumentadas e das lei biológica. As ferramentas podem ser transformadas rapidamente
velhas espécies uma nova se desenvolve. Este contínuo movimento e a técnica faz progressos tão rápidos que, em comparação com o
existente das espécies se ramificando em novas relações resulta desenvolvimento dos órgãos animais, deve ser chamado maravilhoso.
nestes milhares de animais diferentes mudando ainda mais. Devido a esse novo curso, o homem tem sido capaz, dentro do curto
Enquanto a teoria darwinista assim explicava a descendência período de alguns milhares de anos, de elevar-se acima do mais alto
geral dos animais, sua transmutação e formação se originando de animal. Com a invenção desses instrumentos, o homem conseguiu ser
seres primitivos, ela explica, ao mesmo tempo a admirável conformi- um poder divino e toma posse da terra como seu domínio exclusivo.
dade em toda a natureza. Anteriormente esta admirável conformidade O calmo e até aqui livre desenvolvimento do mundo orgânico ces-
poderia somente ser explicada através da sábia e cuidadosa supervisão sa de desenvolver de acordo com a teoria darwinista. É o homem que
de Deus. Agora, entretanto, esta descendência natural é claramente age como criador, domador, cultivador; e é o homem que faz a limpeza.
entendida. Para isto conformidade é nada mais do que adaptação aos É o homem que muda todo o ambiente, fazendo as formas avançadas
meios de vida. Cada animal e planta está exatamente adaptado a cir- das plantas e animais se ajustarem ao seu objetivo e vontade.
cunstâncias existentes e aqueles cuja construção é menos adaptável Com a origem das ferramentas, mudanças maiores no corpo
serão exterminados na luta pela existência. O sapo verde, tendo de- humano cessaram. Os órgãos humanos permanecem o que eram,
scendido do sapo marrom, deve preservar sua cor protetora, porque com a exceção do cérebro. O cérebro humano teve que se desen-
todos aqueles que desviarem desta cor serão mais rapidamente desco-
10 39
desenvolveram em formas mais ricas e novas, enquanto o pensa- bertos por seus inimigos e destruídos ou encontrarão maiores dificul-
mento conduzia o homem para o uso das ferramentas de um modo dades de obter seu alimento e deverão perecer.
melhor, para aperfeiçoar o velho e inventar novas. Foi assim que Darwin nos mostrou, pela primeira vez, que novas
Então vemos que uma coisa traz a outra. A prática da socia- espécies continuamente formam-se originadas de velhas espécies.
bilidade e a aplicação ao trabalho são as molas nas quais a téc- A teoria da ascendência, que até então era meramente uma
nica, o pensamento, as ferramentas e a ciência têm sua origem e se inferência de muitos fenômenos que não podiam ser bem explica-
desenvolvem continuamente. Pelo seu trabalho, o homem-macaco dos de outra maneira, ganhou a certeza de uma dedução absoluta
ascendeu à humanidade real. O uso de ferramentas marca o grande de forças definidas que poderiam ser provadas. É nisto que reside
afastamento que é constantemente ampliado entre os homens e os a principal razão pela qual esta teoria dominou tão rapidamente as
animais. discussões científicas e a atenção pública.

IX. Órgãos animais e ferramentas humanas II. MARXISMO


Nos órgãos animais e nas ferramentas humanas temos a prin- Se nos voltarmos para o marxismo imediatamente veremos
cipal diferença entre os homens e os animais. O animal obtém sua uma grande conformidade com o darwinismo. Como com Darwin,
comida e subjuga seus inimigos com seus próprios órgãos corporais; a importância científica da obra de Marx consiste em que ele desco-
o homem faz a mesma coisa com a ajuda de ferramentas. Órgão (or- briu a força propulsora, a causa do desenvolvimento social. Não
ganon) é uma palavra grega que também significa ferramentas. Os teve que provar que tal desenvolvimento ocorria; todos sabiam que
órgãos são ferramentas naturais, adnatas, (um crescimento próp- desde os tempos mais primitivos, novas ordens sociais sempre su-
rio) do animal. As ferramentas são os órgãos artificiais dos homens. plantaram as velhas formas, mas as causas e objetivos deste desen-
Melhor ainda, o que o órgão é para o animal, a mão e a ferramenta volvimento eram desconhecidos.
são para o homem. As mãos e as ferramentas realizam as funções
que o animal deve realizar com seus próprios órgãos. Devido à con- Esta teoria Marx iniciou com as informações que tinha à mão
strução da mão para segurar várias ferramentas, torna-se um órgão em sua época. A grande revolução política que deu à Europa o as-
geral adaptado a todos os tipos de trabalho; torna-se portanto um pecto que ela tomou, a revolução francesa, era conhecida por todos
órgão que pode realizar uma variedade de funções. por ter sido uma luta pela supremacia, conduzida pela burguesia
contra a nobreza e a realeza. Depois dessa luta, novas lutas de class-
Com a divisão dessas funções, um amplo campo de desenvolvi- es surgiram. A luta levada adiante na Inglaterra pelos capitalistas
mento é aberto para os homens que os animais não têm conheci- manufatureiros contra a dominação política dos latifundiários; ao
mento. Pelo fato de a mão humana poder usar várias ferramentas, mesmo tempo a classe operária revoltou-se contra a burguesia. O
pode combinar as funções de todos os órgãos possíveis possuídos que foram todas essas classes? De que maneira elas se diferenc-
pelos animais. Todo animal é construído e adaptado para um certo iavam umas das outras? Marx provou que estas distinções eram
ambiente. O homem com suas ferramentas, está adaptado a todas devidas a várias funções que cada uma cumpria no processo produ-
circunstâncias e equipado para todos ambientes. O cavalo é feito tivo. É no processo produtivo que as classes têm sua origem e é este
para a pradaria e o macaco é feito para a floresta. Na floresta o processo que determina a que classe cada um pertence.
cavalo estaria tão desamparado quanto o macaco estaria se trazido
para a pradaria. O homem por outro lado, usa o machado na floresta Produção é nada mais do que o processo de trabalho social pelo qual
os homens obtêm seus meios de subsistência da natureza. É a produção
38 11
das necessidades materiais da vida que forma a estrutura principal da ter se desenvolvido ao mesmo tempo. Como esse desenvolvimento
sociedade e que determina as relações políticas e as lutas sociais. aconteceu podemos apenas supor. Sem dúvida foi uma mudança
Os métodos de produção mudaram continuamente com a pas- nas circunstâncias da vida que mudou os homens de seus anteces-
sagem do tempo. De onde vêm essas mudanças? O modo de trabalho sores macacos. Tendo migrado das florestas, o habitat original dos
e as relações de produção dependem das ferramentas com as quais macacos, para as planícies, o homem teve de atravessar uma mu-
as pessoas trabalham; do desenvolvimento da técnica e dos meios de dança completa de vida. A diferença entre os pés e as mãos devem
produção em geral. Pelo fato de as pessoas na Idade Média trabal- ter-se desenvolvido então.
harem com ferramentas rudes enquanto agora elas trabalham com A sociabilidade e a mão como a do macaco, bem adaptada para
maquinarias gigantes, tivemos naquele tempo um pequeno comércio agarrar, tiveram uma porção adequada no novo desenvolvimento.
e o feudalismo, enquanto agora temos o capitalismo; é também por Os primeiros objetos rudes, tais como pedras ou paus, vieram às
essa razão que naquela época a nobreza feudal e a pequena-burguesia mãos sem que fossem procurados e foram jogados fora. Isso deve
formavam as classes mais importantes e atualmente é a burguesia e o ter se repetido tão freqüentemente que deve ter deixado uma im-
proletariado que são as classes fundamentais. pressão nas mentes daqueles homens primitivos.
É o desenvolvimento das ferramentas, destes auxiliares téc- Para o animal, a natureza circundante é uma unidade singular
nicos, que o homem conduz, que é a principal causa, a força pro- de cujos detalhes é inconsciente. Ele não pode distinguir entre os
pulsora de todo desenvolvimento social. Está subentendido que vários objetos. Nosso homem primitivo, no seu mais baixo estágio,
as pessoas estão sempre tentando aperfeiçoar estas ferramentas deve ter estado no mesmo nível de consciência. Da grande massa de
para que seu trabalho seja mais fácil e mais produtivo e a práti- objetos que o cercava, alguns (ferramentas) vieram às suas mãos,
ca que elas adquirem no seu uso, leva seus pensamentos a outros os quais ele usou para assegurar sua existência. A essas ferramen-
e maiores aperfeiçoamentos. Devido a este desenvolvimento, um tas, sendo objetos muito importantes, logo foram dadas algumas
progresso técnico lento ou rápido ocorre, o que ao mesmo tempo designações, foram designadas por um som que ao mesmo tempo
muda as formas sociais do trabalho. Isto leva a novas relações de nomeava a atividade específica. Devido ao seu som ou designação,
classe, novas instituições sociais e novas classes. Ao mesmo tempo a ferramenta e o tipo específico de atividade sobressaiu ao resto dos
lutas sociais, isto é, políticas, surgem. Aquelas classes predomi- objetos da natureza circundante. O homem começou a analisar o
nantes sob o velho processo de produção tentam preservar artifi- mundo por conceitos e nomes, a auto consciência fez sua aparição,
cialmente suas instituições, enquanto que as classes ascendentes objetos artificiais foram intencionalmente procurados e usados
tentam promover o novo processo de produção; e pelas lutas contra com conhecimento no trabalho.
a classe dominante e pela sua derrota pavimentam o caminho para
Esse processo – pois é um processo muito lento – marca o
um ainda mais desembaraçado desenvolvimento da técnica.
início de nossa transformação em homem. Assim que os homens
Assim a teoria marxista descobriu a força propulsora do desen- deliberadamente procuraram e aplicaram certas ferramentas, nós
volvimento social. Desta forma, a teoria provou que a história não é algo podemos dizer que estes se desenvolveram; desse estágio para a
irregular e que os vários sistemas sociais não são o resultado do acaso fabricação de ferramentas, há apenas um passo. As primeiras fer-
ou eventos acidentais, mas o desenvolvimento regular em uma direção ramentas brutas diferiam de acordo com o uso; da pedra cortante
definida. Foi também provado que o desenvolvimento social não cessa temos a faca, o dardo, a broca e a lança; do pau nós temos a mach-
com o nosso sistema, porque a técnica continua a se desenvolver. adinha. Com a diferenciação posterior das ferramentas, servindo
Assim, ambos ensinamentos, os de Darwin e os de Marx, um mais tarde para a divisão do trabalho, linguagem e pensamento se

12 37
é como o animal. O animal nunca avança além das ferramentas e no campo do mundo orgânico e o outro sobre a esfera da sociedade
armas com as quais nasceu, enquanto o homem faz suas ferramen- humana, elevaram a teoria da evolução para uma ciência positiva.
tas e as modifica de acordo com a sua vontade. O homem, sendo um Agindo dessa maneira, eles tornaram a teoria da evolução
animal que usa diferentes ferramentas, deve possuir a capacidade aceitável para as massas como uma concepção básica do desen-
mental de as escolher. Em sua cabeça vários pensamentos vêm e volvimento biológico e social.
vão, sua mente considera todas as ferramentas e as conseqüências
de sua aplicação e suas ações dependem dessas considerações. Ele
também combina um pensamento com outro e aferra-se à idéia que III. MARXISMO E LUTA DE CLASSES
encaixa com seus propósitos.
Enquanto é verdade que para uma certa teoria ter uma in-
Os animais não tem essa capacidade; seria desnecessário para fluência duradoura, estável, na mente humana, é necessário ter um
eles em razão de que não saberiam o que fazer com ela. Devido à alto valor científico, isso, por si só não é suficiente.
sua forma corporal, suas ações são definidas dentro de estreitas
É certo que na maioria das vezes aconteceu que a teoria
fronteiras. O leão pode apenas pular sobre sua presa, mas não pode
científica tinha a maior importância para a ciência, todavia, com
pensar em pegá-la correndo atrás dela. A lebre é formada de tal
a provável exceção de uns poucos homens letrados, não produziu
modo que possa correr; não tem outros meios de defesa embora é
qualquer interesse. Como por exemplo foi a Lei da Gravidade, de
possível que gostasse de ter. Esses animais não têm nada a consid-
Newton. Esta teoria é a fundação da astronomia e é devido a ela
erar exceto o momento de correr ou pular. Todo animal é formado
que temos o conhecimento dos corpos celestes e podemos prever a
de tal modo a se adaptar a algum lugar definido. Suas ações devem
chegada de certos planetas e eclipses. Mesmo assim, quando a Lei
se tornar fortes hábitos. Esses hábitos não são imutáveis. Os ani-
da Gravidade de Newton apareceu, somente uns poucos cientistas
mais não são máquinas, quando trazidos a diferentes circunstân-
ingleses foram seus adeptos. As amplas massas não prestaram at-
cias eles podem adquirir hábitos diferentes. Não é na qualidade de
enção a esta teoria. Ela se tornou conhecida da massa através de
seus cérebros, mas na má formação de seus corpos que residem
um livro popular escrito por Voltaire meio século mais tarde. Não
as restrições do animal. As ações do animal são limitadas por sua
há nada de surpreendente nisto. A ciência tornou-se uma especiali-
forma corpórea e pelo ambiente e consequentemente têm pouca
dade para um certo grupo de homens letrados e seu progresso diz
necessidade de reflexão. Raciocinar seria portanto desnecessário
respeito somente a eles, como a fundição é a especialidade do fer-
para ele e apenas conduziria a um dano, antes que a um benefício.
reiro e um desenvolvimento na fundição de ferro diz respeito a ele
O homem, por outro lado, deve possuir essa habilidade porque também. Somente aquilo que a massa do povo pode fazer uso e aq-
exercita um critério no uso de armas e ferramentas, as quais es- uilo que é visto por todos como uma necessidade vital, pode ganhar
colhe de acordo com exigências específicas. Se deseja matar a veloz adeptos entre as grandes massas. Quando, então, vemos que uma
lebre, ele pega o arco e flecha; se encontra o urso, usa o machado e certa teoria científica causa entusiasmo e paixão nas amplas mas-
se deseja abrir certa fruta pega um martelo. Quando ameaçado pelo sas, isto pode ser atribuído ao fato de que esta teoria serve a elas
perigo, o homem tem que considerar se deve correr ou se defender como uma arma na luta de classes.
lutando com armas. Essa habilidade de pensar e considerar é indis-
Pois é a luta de classes que envolve quase todo o povo.
pensável ao homem no uso de ferramentas artificiais.
Isto pode ser visto mais claramente no marxismo. Se os ensi-
Essa forte conexão entre pensamentos, linguagem e ferra-
namentos econômicos do marxismo não tivessem importância na
mentas, cada qual impossível sem a outra, mostra que elas devem
moderna luta de classes, apenas poucos economistas profissionais
36 13
gastariam tempo os estudando. No entanto, devido ao fato de que o De onde vem essa diferença? Não é difícil ver que está estrei-
marxismo serve como arma aos proletários na luta contra o capital- tamente associado com o uso de ferramentas. Da mesma maneira
ismo, é que as lutas científicas estão centradas nesta teoria. É devi- que o pensamento origina-se das ações e impressões do homem, a
do ao serviço que Marx presta que seu nome é honrado por milhões ferramenta é o meio entre o homem e o que ele procura alcançar.
de pessoas que conhecem muito pouco de seus ensinamentos e, por Além disso, desde que a ferramenta fica entre o homem e os objetos
outro lado, é desprezado por milhares que não entendem nada de externos, o pensamento deve surgir entre a impressão e a execução.
sua teoria. É pelo grande papel que cumpre a teoria marxista na O homem não parte de mãos vazias contra seu inimigo ou arranca
luta de classes que é diligentemente estudada pelas amplas massas o fruto, mas avança sobre ele de uma maneira indireta, pega uma
e domina a mente humana. ferramenta, uma arma (armas também são ferramentas) a qual usa
contra o animal hostil; portanto sua mente também deve fazer o
A luta de classe proletária existe antes de Marx pois é o re-
mesmo percurso, não seguir as primeiras impressões, mas deve
sultado da exploração capitalista. Nada mais natural que os trabal-
pensar nas ferramentas e então seguir para o objeto. Esse percurso
hadores, sendo explorados, pensassem sobre a necessidade de um
material causa o percurso mental; os pensamentos guiados para
outro sistema social onde a exploração fosse abolida e o reivindi-
um certo ato são o resultado das ferramentas necessárias para a
cassem. Mas tudo o que podiam fazer era ter esperança e sonhar
execução do ato.
com isso. Eles não estavam certos de como isso se passaria . Marx
deu ao movimento operário e ao socialismo uma fundamentação Aqui tomamos o caso bem simples de ferramentas primitivas
teórica. Sua teoria social mostrou que os sistemas sociais estavam e os primeiros estágios de desenvolvimento mental. Quanto mais
num fluxo contínuo onde o capitalismo era apenas uma forma tem- complicada se torna a técnica maior é o percurso material e como
porária. Seus estudos sobre o capitalismo mostraram que devido ao resultado a mente tem de fazer percursos maiores.
desenvolvimento contínuo do aperfeiçoamento da técnica, o capi- Quando cada um faz suas próprias ferramentas, a idéia de
talismo deve necessariamente se desenvolver até chegar ao social- fome ou luta deve ter dirigido a mente humana para a fabricação de
ismo. Este novo modo de produção pode ser estabelecido somente ferramentas. Aqui temos uma mais longa cadeia de pensamentos
pelos proletários em luta contra os capitalistas, os quais tem o in- entre as impressões e a satisfação final das necessidades do homem.
teresse em manter o velho sistema de produção. O socialismo é, Quando voltamos para nossa própria época, vemos que essa cadeia
portanto, o fruto e o objetivo da luta de classe proletária. é muito longa e complicada. O trabalhador que é demitido prevê
Graças a Marx, a luta do proletariado adquiriu uma forma in- a fome que está destinada a chegar; ele compra um jornal diário
teiramente diferente. O marxismo se tornou uma arma nas mãos para ver se há alguma vaga para operários; ele vai à ferrovia, se
do proletariado; no lugar de vagas esperanças ele deu um objetivo oferece por um salário que apenas receberá mais tarde, de modo
positivo e ao ensinar um claro reconhecimento do desenvolvimento que ele possa estar em condições de comprar comida e se proteger
social Marx deu força ao proletariado e ao mesmo tempo criou os da fome. Que longa cadeia de percursos a mente deve fazer antes
fundamentos para as táticas corretas a perseguir. É do marxismo de alcançar seu destino. Mas está de acordo com nossa técnica al-
que os trabalhadores podem provar a transitoriedade do capital- tamente desenvolvida, pelo meio da qual o homem pode satisfazer
ismo e a necessidade e certeza da sua vitória. suas necessidades.
Ao mesmo tempo o marxismo destruiu as visões utópicas de que O homem, no entanto, não administra apenas uma ferramen-
o socialismo seria conquistado pela inteligência e boa vontade de al- ta e sim muitas, as quais aplica para diferentes propósitos e das
guns homens sensatos; como se o socialismo fosse uma exigência por quais pode escolher. O homem, por causa dessas ferramentas, não

14 35
cado mais preciso. A linguagem é o corpo da mente, o material pelo justiça e moral; como se o objetivo fosse estabelecer uma sociedade
qual toda a ciência humana pode ser construída. infalível e perfeita. Justiça e moralidade mudam de acordo com o sis-
A diferença entre a mente humana e a do animal foi muito tema produtivo; e cada classe tem diferentes concepções delas.
adequadamente mostrada por Schopenhauer. O socialismo só pode ser conquistado pela classe cujo inter-
Essa citação é feita por Kautsky no seu livro “Ética e Con- esse reside no socialismo e não é uma questão de um sistema social
cepção Materialista da Historia”. As ações dos animais dependem perfeito, mas de uma mudança nos métodos de produção, que leve
de percepções e motivações visuais. É apenas desta forma que eles a um degrau mais elevado, isto é, à produção social.
vêem, ouvem ou observam de todas as maneiras. Pelo fato da teoria marxista do desenvolvimento social ser in-
Podemos sempre dizer que o que induziu o animal a fazer esse dispensável ao proletariado em sua luta, eles os proletários tentam
ou aquele ato, pois nós também podemos ver se olharmos. fazer dela parte do seu ser interior, ela domina seus pensamentos,
sentimentos, toda sua concepção do mundo. Porque o marxismo
Com os homens, no entanto, é completamente diferente. Não é a teoria do desenvolvimento social, no centro do qual estamos,
podemos prever o que ele irá fazer, pois não sabemos as causas que ele se coloca como o ponto central das grandes lutas mentais que
o induzem ao ato; estas são pensamentos em sua cabeça. O homem acompanham nossa revolução econômica.
considera e ao fazê-lo, todo seu conhecimento, o resultado de ex-
periência anterior entra em ação e é então que decide como agir. As
ações de um animal dependem de impressões imediatas, enquanto IV. Darwinismo e luta de classes
as do homem dependem de concepções abstratas, a partir de seu
Que o marxismo deve sua importância e posição somente
pensamento e observações. O homem é ao mesmo tempo influen-
pelo papel que cumpre na luta do proletariado, todos sabem. Com
ciado por delicadas causas invisíveis. Dessa maneira todos os seus
o darwinismo, entretanto, as coisas parecem diferentes para o ob-
movimentos dão a impressão de serem guiados por princípios e
servador superficial, pelo fato de o darwinismo lidar com uma nova
intenções que dão a eles a aparência de independência e evidente-
verdade científica, que luta contra os preconceitos religiosos e a ig-
mente os distinguem daqueles princípios dos animais.
norância. Todavia não é difícil ver que, na realidade, o darwinismo
Devido às suas necessidades físicas, homens e animais são se submeteu às mesmas experiências que o marxismo.
forçados a procurar satisfaze-las nos objetos naturais que os ro-
O darwinismo não é uma mera teoria abstrata que foi adotada
deiam. A impressão na mente é o impulso imediato e inicial; a sat-
pelo mundo científico depois de discutida e testada de uma manei-
isfação dos desejos é o objetivo e fim do ato. Com o animal, a ação
ra puramente objetiva. Não, imediatamente depois de seu apareci-
acontece imediatamente após a impressão. Ele vê sua presa ou co-
mento, houve entusiastas defensores e apaixonados oponentes; o
mida e imediatamente salta, agarra, come ou faz o que é necessário
nome de Darwin, também, foi altamente honrado pelas pessoas que
para agarrar e isso é herdado como instinto. O animal ouve algum
entenderam alguma coisa de sua teoria, ou desprezado por aqueles
som hostil e imediatamente foge se suas pernas são desenvolvidas
que não conheciam nada mais de sua teoria do que “o homem de-
para correr rapidamente ou deita como morto para não ser visto se
scendeu do macaco” e que eram certamente desqualificados para
suas cores servem como um protetor. Entre as impressões e atos
julgar de um ponto de vista científico a correção ou falsidade da
do homem, no entanto, vem à sua cabeça uma longa cadeia de pen-
teoria de Darwin. O darwinismo, também, teve um papel na luta de
samentos e considerações. Suas ações irão depender do resultado
classes e é devido a esse papel que a teoria se espalhou tão rapida-
dessas considerações.
mente e teve entusiastas defensores e venenosos oponentes.

34 15
O darwinismo serviu como uma ferramenta para a burguesia mente. Os sons que foram necessários como meio de comunicação
em sua luta contra a classe feudal, contra a nobreza, os direitos do para o homem primitivo na concretização de suas tarefas devem
clero e dos senhores feudais. Esta luta foi inteiramente diferente ter se desenvolvido na invenção de nomes de atividades e depois
da luta que agora os proletários travam. A burguesia não era uma nomes de coisas.
classe explorada se esforçando para abolir a exploração. Não!
O uso de ferramentas também pressupõe uma sociedade, por
O que a burguesia queria era livrar-se do poder da velha classe isso é somente nela que o material obtido, acumulado, pode ser
dominante que estava em seu caminho. preservado. Num estado de vida isolada cada um tem que fazer desco-
A burguesia queria ela própria dominar, baseando suas ex- bertas por si mesmo e, com a morte do descobridor, morre também a
igências no fato de que ela era a classe mais importante, os líderes descoberta e cada um tem de começar tudo de novo do zero.
da indústria. É somente através da sociedade que a experiência e o con-
Que argumento poderia a velha classe, a classe que havia se hecimento de gerações anteriores podem ser preservados, perpetu-
tornado nada mais do que inútil parasita, apresentar contra a bur- ados e desenvolvidos. Em um grupo ou corpo alguns poucos podem
guesia? Eles se apoiaram na tradição, nos seus antigos “direitos di- morrer, mas o grupo, tal qual ele é, não. Ele permanece. O conheci-
vinos”. Estes foram seus pilares. Com a ajuda da religião os padres mento no uso de ferramentas não nasceu com o homem, mas foi
mantiveram a grande massa na sujeição e pronta para se opor às adquirido depois.
exigências da burguesia. Tradição mental, que só é possível em sociedade, é, portanto,
Foi, portanto, por seu próprio interesse que a burguesia tra- necessária.
balhou para minar o direito “divino” dos governantes. A ciência Enquanto essas características especiais do homem são in-
natural tornou-se uma arma na oposição à crença e à tradição; a separáveis da sua vida social, elas também mantêm fortes relações
ciência e as recentes descobertas de leis naturais foram promovidas. mútuas. Essas características não se desenvolveram isoladamente,
Foi com estas armas que a burguesia lutou. Se as novas descobertas mas todas progrediram em conjunto. Que pensamento e linguagem
pudessem provar que o que os padres estavam ensinando era falso, possam existir e se desenvolver apenas em comum é sabido por
a autoridade “divina” destes padres se esfarelaria e os “direitos di- todo aquele que tenta pensar a natureza com sua própria cabeça.
vinos” gozados pela classe feudal seriam destruídos. É claro que a Quando pensamos ou consideramos, nós, na verdade, falamos con-
classe feudal não foi derrotada por isso somente; como um poder osco mesmos; observamos então que nos é impossível pensar clara-
material só pôde ser derrubada por um poder também material, mente sem usar palavras. Onde não pensamos com palavras nos-
mas as armas mentais se tornaram ferramentas materiais. Foi por sos pensamentos permanecem confusos e não podemos associar os
essa razão que a burguesia apoiou-se tanto na ciência material. vários pensamentos.
O darwinismo veio no tempo desejado. A teoria de Darwin de Qualquer um pode perceber isso por experiência própria. Isso
que o homem descendeu de um animal mais primitivo destruiu todo se dá porque a assim chamada razão abstrata é o pensamento per-
o fundamento do dogma cristão. É por essa razão que tão logo o dar- ceptivo e pode acontecer apenas por meio de percepções. Percepções
winismo apareceu, a burguesia o agarrou com grande entusiasmo. nós podemos designar e sustentar apenas por meio de nomes.
Não foi o caso da Inglaterra. Aqui vemos novamente como foi Toda tentativa de estender nossas mentes, toda tentativa de
importante a luta de classes para a expansão da teoria de Darwin. avançar nosso conhecimento tem de começar por distinguir e clas-
Na Inglaterra a burguesia já dominava havia alguns séculos e, em sificar através de nomes ou por dar aos velhos nomes um signifi-
16 33
mudam na sociedade. Estas mudanças são trazidas por transfor- massa, eles não tinham interesse em atacar ou destruir a religião. É
mações econômicas e quanto mais elevado o estágio de desenvolvi- por essa razão que embora esta teoria tenha sido amplamente lida
mento econômico, mais elevados e nobres os sentimentos sociais. na Inglaterra, mesmo assim não causou alvoroço em ninguém; ela
simplesmente permaneceu como uma teoria científica sem grande
importância prática.
VIII. FERRAMENTAS, PENSAMENTO E LINGUAGEM
Darwin considerou-a como tal e por medo que sua teoria
A sociabilidade, com suas conseqüências, os sentimentos mo- pudesse chocar os preconceitos religiosos vigentes, ele proposital-
rais, é uma peculiaridade que diferencia o homem de alguns mas mente evitou aplicá-la imediatamente ao homem. Foi somente de-
não de todos animais. Existem, entretanto, algumas peculiaridades pois de numerosos adiamentos e depois de outros fazerem antes
que pertencem só ao homem e que o separam do restante do mundo dele, que decidiu dar esse passo. Em uma carta a Haeckel ele de-
animal. Estas, em primeiro lugar, são a linguagem, isto é, a razão. plorou o fato de que sua teoria deveria bater de frente com muitos
O homem é também o único animal que faz uso de ferramentas por preconceitos e tanta indiferença e que não tinha a perspectiva de
ele mesmo criadas. viver o suficiente para vê-la transpor estes obstáculos.
Para todas estas coisas os animais têm uma leve propensão, mas Mas na Alemanha as coisas eram inteiramente diferentes e
entre os homens elas desenvolveram características essencialmente Haeckel corretamente respondeu a Darwin que sua teoria teve uma
novas. Muitos animais têm algum tipo de voz e por meio de sons eles recepção entusiasmada na Alemanha. Isso aconteceu porque no
podem chegar a algum entendimento, mas somente o homem tem momento em que apareceu naquele país a teoria de Darwin, a bur-
sons que servem como um meio de nomear coisas e ações. guesia estava se preparando para levar adiante um novo ataque ao
Animais também têm cérebros com os quais eles pensam, mas absolutismo e ao junkerismo. A burguesia liberal era encabeçada
a mente humana mostra, como veremos mais tarde, um fato intei- pelos intelectuais. Ernest Haeckel, um grande cientista e de ainda
ramente novo, que chamamos de razão ou pensamento abstrato. maior ousadia, imediatamente esboçou em seu livro, “Criação Nat-
Animais também fazem uso de coisas inanimadas que servem para ural”, conclusões mais ousadas contra a religião. Então, enquanto
certos fins; por exemplo, a construção de ninhos. Macacos as vezes o darwinismo conhecia a recepção mais entusiasmada por parte
usam paus ou pedras, mas somente o homem usa ferramentas cujo da burguesia progressista, era amargamente rejeitado pelos rea-
fim é deliberado por ele mesmo. Estas tendências primitivas en- cionários.
tre os animais nos mostram que as peculiaridades possuídas pelo A mesma luta também aconteceu em outros países europeus.
homem lhes foram conseguidas, não por meio de alguma criação Em todo lugar a burguesia liberal progressista tinha que lutar con-
maravilhosa, mas por um contínuo desenvolvimento. tra os poderes reacionários. Esses reacionários possuíam ou ten-
Animais vivendo isoladamente não podem chegar a tal está- tavam obter, através dos seguidores religiosos o poder cobiçado.
gio de desenvolvimento. É só como ser social que o homem atinge Sob estas circunstâncias mesmo as discussões científicas eram im-
este estágio. Fora do âmbito da sociedade, a linguagem é tão inútil buídas de entusiasmo e paixão da luta de classes. Os escritos que
quanto um olho na escuridão e está fadada a morrer. A linguagem aparecem a favor ou contra Darwin tinham, portanto, a marca de
só é possível em sociedade e só existe como meio pelo qual os mem- polêmicas sociais, a despeito do fato de que eles levavam os nomes
bros desta sociedade podem se entender. Todos os animais sociais de autores científicos. A litania dos escritos populares de Haeckel,
possuem alguns meios de entendimento entre si, pois de outra ma- quando olhada de um ponto de vista científico, é muito superfi-
neira, eles não seriam capazes de executar certas planos conjunta- cial, enquanto os argumentos e demonstrações de seus oponentes

32 17
mostram tolices inacreditáveis que só podem ser encontradas nos É na natureza da origem destes sentimentos morais que eles
argumentos usados contra Marx. não vão além do grupo social que o animal ou o homem pertence.
A luta travada pela burguesia liberal contra o feudalismo não Estes sentimentos servem ao objetivo prático de manter o
foi levada até o fim, foi particularmente devido ao fato de que em grupo unido; fora disso são inúteis. No mundo animal, a extensão
todo lugar os proletários socialistas faziam sua aparição, ameaçan- e natureza do grupo social é determinada pelas circunstâncias da
do todos os poderes dominantes, incluindo o da burguesia. vida e, portanto, o grupo quase sempre permanece o mesmo.
A burguesia liberal se afrouxou, enquanto as tendências rea- Entre os homens, entretanto, os grupos, estas unidades so-
cionárias ganharam força. O entusiasmo anterior em combater a ciais, estão sempre mudando de acordo com o desenvolvimento
religião desapareceu inteiramente e enquanto é verdade que os lib- econômico e isto também muda os instintos sociais.
erais e os reacionários se mantiveram lutando entre si, na realidade,
Os grupos originais, os troncos dos selvagens e bárbaros,
entretanto, eles se aproximaram. O interesse anteriormente mani-
eram mais fortemente unidos do que os grupos animais. Relacion-
festado na ciência como uma arma na luta de classes, desapareceu
amento familiar e uma língua em comum fortaleceram esta união
totalmente, enquanto que a tendência reacionária de que as massas
ainda mais. Cada indivíduo tem o apoio da tribo inteira. Sob tais
deveriam assimilar a religião tornou-se cada vez mais acentuada.
condições, as motivações sociais, os sentimentos morais, a subordi-
A estima pela ciência também sofreu uma mudança. Antes, a nação do individual ao coletivo, devem se desenvolver ao máximo.
educação burguesa era fundada sobre uma concepção materialista
Com um desenvolvimento cada vez maior da sociedade, as
do universo, de onde eles viam a solução para o enigma universal.
tribos são dissolvidas e seu lugar tomado por novas uniões, por
Agora o misticismo se fortaleceu; tudo o que foi explicado aparece
cidades e povoados.
como trivial, enquanto todas as coisas que permanecem sem ex-
plicação, aparecem como sendo muito grandes, abarcando a mais Formações antigas são substituídas por novas e os membros
importante questão vital. Um estado de espírito cético, crítico ou desses grupos travam a luta pela existência em comum contra out-
de dúvida tomou o lugar do júbilo anterior em favor da ciência. ros povos. Na mesma proporção do desenvolvimento econômico, o
tamanho desta uniões aumenta, a luta de cada um contra o outro
Isto poderia também ser visto na posição tomada contra Dar-
diminui e os sentimentos sociais se ampliam. Ao final dos tem-
win. “O que demonstra esta teoria? Ela deixa sem resolução o enig-
pos antigos, encontramos todos os povos formando uma união, o
ma universal! De onde vem esta maravilhosa natureza da transmis-
Império Romano e nessa época surgiu a teoria – os sentimentos
são; De onde vem a habilidade dos seres animados de se modificar
morais tendo sua influência em quase todo o povo – que lançou a
tão adequadamente?” Aqui reside o misterioso enigma da vida, que
máxima de que todos os homens são irmãos.
não podia ser superado com princípios mecânicos. Então, o que
restou do darwinismo à luz da crítica posterior? Quando consideramos nossos tempos atuais, vemos que eco-
nomicamente todos os povos formam uma unidade, embora muito
É claro, o avanço da ciência começou a fazer um rápido pro-
frágil; no entanto os sentimentos abstratos de irmandade tornam-
gresso. A solução de um problema sempre traz novos problemas à
se cada vez mais populares. Os sentimentos sociais são mais fortes
superfície para serem resolvidos, os quais estavam escondidos sob
entre membros de uma mesma classe, isto é, unidades essenciais
a teoria da transmissão que Darwin teve que aceitar como uma base
que incorporam interesses particulares e incluem certos membros.
de investigação, que foi cada vez mais investigada; uma calorosa
discussão se colocou sobre os fatores individuais do desenvolvi- Assim vemos que as unidades sociais e os sentimentos sociais
mento e a luta pela existência.
18 31
Aqui podemos ver completamente como são míopes, estreitos e Enquanto alguns cientistas dirigiram sua atenção à variação,
anticientíficos os clamores e argumentos dos darwinistas burgueses. a qual eles consideravam devida ao exercício e adaptação à vida (de
acordo com o princípio posto por Lamarck), esta idéia foi expres-
Suas leis naturais e suas concepções do que é natural são deri-
samente negada por cientistas como Weissman e outros. Enquanto
vadas de uma parte do mundo animal, aquela parte com a qual o
Darwin somente supôs graduais e lentas mudanças, De Vries en-
homem se assemelha menos, enquanto que os animais que prati-
controu repentinos e abruptos casos de variação resultantes de sú-
camente vivem de modo parecido com o homem, nas mesmas cir-
bitos aparecimentos de novas espécies.
cunstâncias, são deixados sem qualquer observação. A razão para
isto pode ser encontrada nas próprias circunstâncias da existência Tudo isto, enquanto fortalecia e desenvolvia a teoria da de-
da burguesia; eles pertencem a uma classe onde cada um compete scendência, em alguns casos deram a impressão de que as novas
individualmente contra o outro, portanto, eles vêem entre os ani- descobertas despedaçavam a teoria darwinista e, portanto, cada
mais somente esta forma de luta pela existência. É por esta razão nova descoberta que causasse esta impressão era saudada pelos
que eles deixam passar sem análise aquelas formas de luta que são reacionários como uma falência do darwinismo. Esta concepção
de enorme importância para os homens. social teve sua influência na ciência. Cientistas reacionários cla-
maram que um elemento espiritual é necessário. O sobrenatural
É verdade que estes darwinistas burgueses estão cientes do
e o insolúvel tomaram o lugar do darwinismo e aquela classe que
fato de que o homem não é regido por mero egoísmo, sem a preo-
no início usou a bandeira do darwinismo se tornou cada vez mais
cupação com seus próximos. Os cientistas burgueses dizem muito
reacionária.
freqüentemente que todo homem é possuidor de dois sentimentos,
o egoísta, ou amor-próprio e o altruísta, ou amor aos outros. Mas
como eles não sabem a origem social deste altruísmo, não podem V. Darwinismo versus socialismo
entender suas limitações e condições. Altruísmo em suas bocas se
transforma em uma idéia muito abstrata que eles não conseguem O darwinismo prestou um serviço inestimável à burguesia na
devidamente tratar. Tudo o que se aplica aos animais sociais tam- sua luta contra os velhos poderes. Foi, portanto, apenas natural
bém se aplica ao homem. Nossos ancestrais macacos e os homens que os burgueses devessem aplicá–lo contra seus futuros inimigos,
primitivos desenvolvidos destes eram todos indefesos, animais fra- os proletários ; não porque os proletários tivessem uma disposição
cos que, como quase todos os macacos fazem, viviam em tribos. contrária ao darwinismo, mas exatamente o oposto.

Aqui as mesmas motivações sociais e instintos tiveram que sur- Tão logo o darwinismo apareceu, a vanguarda do proletariado,
gir e mais tarde se transformaram em sentimentos morais. Que nossos os socialistas, saudaram a teoria darwinista, porque viam no dar-
costumes e morais não são mais do que sentimentos sociais, sentimen- winismo uma confirmação que completava sua própria teoria; não
tos que encontramos nos animais, é sabido de todos; mesmo Darwin como alguns oponentes superficiais acreditavam, que queriam ba-
falou sobre “os hábitos dos animais que seriam chamados moral entre sear o socialismo no darwinismo, mas no sentido em que a descober-
os homens”. A diferença está somente na medida da consciência; tão ta darwinista - de que mesmo no aparentemente estagnante mundo
logo estes sentimentos sociais se tornem claros aos homens, eles as- orgânico há um contínuo desenvolvimento - é uma gloriosa confir-
sumem o caráter de sentimentos morais. Aqui vemos que a concepção mação que completa a teoria marxista do desenvolvimento social.
moral – que os autores burgueses consideram como a principal dis- Mesmo assim era natural para a burguesia fazer uso do dar-
tinção entre homens e animais – não é comum aos homens, mas é um winismo contra o proletariado. A burguesia teve que lutar com dois
produto direto das condições existentes no mundo animal. exércitos e as classes reacionárias sabiam disso muito bem.

30 19
Quando a burguesia ataca sua autoridade eles apontam o pro- rece. Somente quando um forte sentimento de auto-preservação é
letariado e previnem-na do desmoronamento da autoridade. Agin- suprimido por um motivo mais forte de união e cada animal arrisca
do assim, os reacionários tentam assustar os burgueses de tal modo sua vida para a proteção de todos, então o rebanho permanece e
que eles desistam de qualquer atividade revolucionária. É claro, os aproveita as vantagens de se manter unido. Em tais casos, auto-
representantes burgueses respondem que não há nada a temer ; sacrifício, bravura, devoção, disciplina e consciência devem surgir,
que sua ciência apenas refuta a infundada autoridade da nobreza e pois onde essas qualidades não existem, a sociedade se dissolve; só
a sustenta em sua luta contra os inimigos da ordem. pode haver sociedade com estas qualidades.
No congresso dos naturalistas , o cientista e político rea- Estes instintos, enquanto têm sua origem no hábito e na ne-
cionário Virchow atacou a teoria darwinista sobre a base que esta cessidade, são fortalecidos pela sobrevivência. Cada animal de um
dava suporte ao socialismo. “Cuidado com esta teoria”, disse aos rebanho ainda permanece em uma luta competitiva com os mesmos
darwinistas, “pois esta teoria está intimamente relacionada com animais de uma outra manada; aqueles que são melhor adaptados
aquela que causou muito pavor no país vizinho”. para resistir ao inimigo sobreviverão, enquanto aqueles mais po-
bremente equipados perecerão.
Esta alusão à Comuna de Paris, feita no famoso ano da caça aos
socialistas, deve ter tido um grande efeito. O que deveria ser dito, Aquele grupo no qual o instinto social é mais desenvolvido
entretanto, sobre a ciência de um professor que ataca o darwinismo será capaz de se afirmar, enquanto o grupo cujo instinto social
com o argumento de que não é correto porque é perigoso! é menor, cairá como presa fácil dos seus inimigos ou não estará
em condições de encontrar lugares favoráveis para a alimentação.
Esta censura, a de estar coligada com os revolucionários ver-
Estes instintos sociais se tornam, portanto, os mais importantes e
melhos, causou um grande aborrecimento em Haeckel, seu de-
decisivos fatores que determinam quem sobreviverá na luta pela
fensor. Ele não podia suportá-la. Imediatamente depois tentou
existência. É devido a isto que os instintos sociais elevaram-se à
demonstrar que é precisamente a teoria darwinista que mostra a
posição de fatores predominantes.
insustentabilidade das reivindicações socialistas e que darwinismo
e marxismo “relacionam-se um ao outro como água e fogo”. Estas relações lançam uma luz inteiramente nova sobre as
visões dos darwinistas burgueses. Sua posição é que o extermínio
Vejamos a alegação de Haeckel, cujos principais pensamentos
do fraco é natural e necessário para prevenir a corrupção da raça,
reaparecem na maior parte dos autores que baseiam seus argumen-
pois a proteção dada ao fraco serve para deteriorá-la. Mas o que
tos contra o socialismo no darwinismo.
vemos ? Na natureza, no mundo animal, observamos que os fracos
O socialismo é a teoria que pressupõe a igualdade natural en- são protegidos; que não é pela sua própria força pessoal que eles se
tre as pessoas e se esforça para realizar a igualdade social; direitos mantêm e que eles não são postos de lado por causa de sua fraque-
e deveres iguais, iguais posses e gozo. O darwinismo, ao contrário, za pessoal. Esta combinação não enfraquece o grupo, mas dá a ele
é a prova científica da desigualdade. nova força. O grupo animal no qual a ajuda mútua é melhor desen-
volvida é melhor adaptado para se manter na luta. Aquilo que, de
A teoria da descendência estabeleceu o fato de que o desen-
acordo com a concepção mais estreita, aparece como uma causa da
volvimento animal caminha sempre na direção de uma maior dif-
fraqueza, torna-se o contrário, a causa da força.
erenciação ou divisão do trabalho; quanto mais complexo ou per-
feito o animal, maior a desigualdade existente. O mesmo vale para Os animais sociáveis estão em condições de vencer aqueles que
a sociedade. Aqui também vemos a grande divisão do trabalho en- travam a luta individualmente. Esta suposta raça em degeneração
tre vocações, classes etc. e quanto mais alto estivermos no desen- e deterioração leva à vitória e prova na prática serem os mais habi-
lidosos e melhores.
20 29
A melhor representação dos efeitos da sociabilidade é dada no volvimento social, maiores as desigualdades de força, habilidade
livro de Kautski “Ética e concepção materialista da história”. e capacidade. A teoria da descendência é, portanto, recomendável
Quando um número de animais vive em um grupo, rebanho como “o melhor antídoto às aspirações do socialismo de transfor-
ou manada, travam a luta pela sobrevivência em comum contra o mar tudo em igualdade”.
mundo exterior; dentro do grupo a luta pela existência cessa. Os O mesmo vale, mas numa extensão maior, para a teoria dar-
animais que vivem socialmente não travam uma luta uns contra os winista da sobrevivência. O socialismo quer abolir a competição e
outros, na qual o fraco sucumbe; pelo contrário, o fraco aproveita a luta pela existência mas o darwinismo nos ensina que esta luta é
as mesmas vantagens que o forte. Quando alguns animais têm uma inevitável e é uma lei natural para o mundo orgânico inteiro. Não
vantagem devida à maior força, faro mais fino, apurado ou exper- apenas esta luta é natural, como é útil e benéfica. Esta luta pela
iência em encontrar a melhor pastagem ou em despistar o inimigo, sobrevivência traz uma perfeição cada vez maior e essa perfeição
esta vantagem não é revertida somente para o melhor adaptado, consiste numa maior exterminação dos inaptos.
mas também para o grupo inteiro. Esta combinação de forças ani- Somente a minoria escolhida, aquela que é qualificada para
mais separadas em uma unidade dá ao grupo uma nova e muito suportar a competição, pode sobreviver; a grande maioria deve
maior força do que qualquer potencialidade individual, mesmo a perecer. Muitos são chamados, mas poucos escolhidos. A luta pela
mais forte. É devido a esta forte união que os herbívoros indefesos existência resulta ao mesmo tempo na vitória do melhor, enquanto
podem repelir animais predadores. É só por meio desta união que os piores e inaptos devem perecer.
alguns animais são capazes de proteger seus filhotes.
Isto pode ser lamentável, como é lamentável que todos de-
Uma segunda vantagem advém do fato de que onde os animais verão morrer, mas o fato não pode ser negado nem mudado.
vivem em sociedade, existe a possibilidade de divisão do trabalho.
Tais animais mandam vigias ou colocam sentinelas cujo objetivo é Gostaríamos de observar aqui como uma pequena mudança
velar pela segurança de todos enquanto outros passam o tempo ou de palavras quase similares serve como defesa do capitalismo. Dar-
comendo ou recolhendo alimentos, contando com sua defesa para win falou da sobrevivência do mais apto, daqueles que são mel-
preveni-los do perigo. hores adaptados às condições. Vendo que nesta luta aqueles que
estão melhor organizados vencem os outros, os vencedores foram
Tal sociedade animal se torna, em alguns aspectos, uma uni-
chamados de vigilantes e depois os “melhores”.
dade, um organismo único. Naturalmente, a relação permanece
mais debilitada do que as células do corpo de um animal individual. Esta expressão foi cunhada por Hebert Spencer. Vencendo em
Porém, o grupo se torna um corpo coeso e deve haver alguma força seu campo, os vencedores na luta social, os grandes capitalistas fo-
que unifica os membros individuais. ram proclamados a melhor gente.
Esta força é encontrada nas motivações sociais, o instinto que Haeckel tomou para si e ainda mantém esta concepção. Em
os põe juntos e gera a continuidade do grupo. Cada animal deve 1892 ele disse:
colocar o interesse do grupo como um todo acima dos seus; deve “O darwinismo, ou a teoria da seleção, é completamente aris-
sempre agir instintivamente para o sucesso e a manutenção do tocrática; ela é baseada na sobrevivência dos melhores. A divisão
grupo sem pensar em si mesmo. do trabalho gerou, por causas de desenvolvimento, uma variação
Enquanto os fracos herbívoros pensam só em si mesmos e cada vez maior nas características e sempre uma maior desigual-
fogem quando atacados por um animal predador, cada um se im- dade entre indivíduos, em sua atividade, educação e condição.
portando apenas com sua própria vida, a manada inteira desapa- Quanto maior o avanço da cultura humana, maior a diferença e o
28 21
fosso entre as várias classes existentes. O comunismo e as deman- Aqui nós chegamos em outro grave problema. Os darwinistas
das apresentadas pelos socialistas ao reivindicar uma igualdade de burgueses não vêem como um problema; eles simplesmente declar-
condições e atividades é sinônimo de uma volta aos estágios primi- am que o homem é um animal e sem maiores cerimônias lançam-se
tivos da barbárie”. a aplicar princípios darwinistas aos homens. Vimos em quais con-
O filósofo inglês Hebert Spencer já tinha uma teoria do desen- clusões errôneas eles chegam. Para nós esta questão não é tão sim-
volvimento social antes de Darwin. Esta era a teoria burguesa do ples; devemos primeiro estar esclarecidos sobre as diferenças entre
individualismo, baseada na luta pela existência. homens e animais e então poderemos ver porque, no mundo dos
homens, os princípios darwinistas se transformam em princípios
Mais tarde ele trouxe esta teoria para uma relação mais es- diferentes, quer dizer, se transformam em marxismo.
treita com o darwinismo. “No mundo animal”, ele disse, “os velhos,
fracos e doentes perecem sempre e somente os fortes e saudáveis
sobrevivem. A luta pela existência serve, portanto, como uma pu- VII. A SOCIABILIDADE DO HOMEM
rificação da raça, protegendo-a da deterioração. A primeira peculiaridade que vemos no homem é que ele é um
Este é o feliz efeito desta luta, pois, se por acaso a luta ces- ser social. Nisto ele não difere de todos os animais, pois mesmo nestes
sasse e cada um tivesse a certeza de encontrar sua subsistência sem últimos há muitas espécies que vivem socialmente. Mas o homem
nenhuma luta, a raça necessariamente deterioraria. difere de todos os animais que observamos até agora ao lidar com a
A ajuda dada ao doente, fraco e inapto causa uma degener- teoria darwinista; ele difere daqueles animais que não vivem social-
ação geral na raça. Se a simpatia, encontrando suas expressões na mente, mas que lutam uns contra os outros pela sobrevivência.
caridade, vai além de limites razoáveis, ela frustra seus objetivos; Não é com os animais predadores, os quais vivem isolada-
ao invés de diminuir, aumenta o sofrimento para as novas gerações. mente, que o homem deve ser comparado, mas com aqueles que
O bom efeito da luta pela existência pode melhor ser visto nos ani- vivem socialmente. A sociabilidade dos animais é uma força de que
mais selvagens. Todos eles são fortes e saudáveis porque sofreram não falamos até aqui; uma força que resulta em novas qualidades
milhares de perigos, nos quais aqueles que não estavam qualifica- entre os animais.
dos tiveram que perecer. É um erro considerarmos a luta pela sobrevivência como a
Entre os homens e animais domésticos, a doença e a fraqueza são única força que dá forma ao mundo orgânico. A luta pela existên-
tão comuns devido ao fato de o fraco e o doente serem preservados. cia é a principal força que causa a origem de novas espécies, mas
O socialismo, tendo como objetivo a abolição da luta pela ex- Darwin sabia muito bem que outros fatores cooperavam para dar
istência no mundo humano, trará necessariamente um crescimento a configuração às formas, hábitos e peculiaridades das coisas ani-
da deterioração física e mental”. madas. Em seu livro Ascendência do Homem, Darwin, de forma
elaborada, tratou da seleção sexual e mostrou que a competição de
Estas são as principais posições daqueles que usam o dar- machos por fêmeas aumentava e desenvolvia as cores alegres dos
winismo como uma defesa do sistema burguês. Fortes como estes pássaros e borboletas, bem como o canto dos pássaros. Ele também
argumentos podem parecer à primeira vista, não são difíceis de dedicou um capítulo à vida em sociedade.
ser superados pelos socialistas. Em grande medida, são os velhos
argumentos usados contra o socialismo, mas desta vez com uma Muitas ilustrações nesta direção são também encontradas no
roupagem terminológica nova darwinista e mostram uma completa livro de Kropotkin “Ajuda mútua como um fator na evolução”.
ignorância do socialismo bem como do capitalismo.
22 27
va de colocar um certo sistema como o único natural e permanente Aqueles que comparam o organismo social com o corpo animal deix-
é uma futilidade similar a de tomar um animal qualquer e afirmar am desconsiderado o fato de que os homens não diferem entre si como as
que este animal é o melhor e o mais perfeito entre todos os animais. várias células ou órgãos, mas somente em graus de sua capacidade.
O darwinismo nos ensina que todo animal é igualmente adaptado
Na sociedade a divisão do trabalho não pode ir tão longe a pon-
e igualmente perfeito na forma em que se ajusta ao seu ambiente
to de que todas as capacidades devam perecer a custa de uma única e
especial e o marxismo nos ensina que todo sistema social é particu-
mais, qualquer um que conheça algum coisa de socialismo sabe que
larmente adaptado às suas condições e que neste sentido, pode ser
a eficiente divisão do trabalho não acabará com o socialismo; que
chamado de bom e perfeito.
sob o socialismo divisões reais serão possíveis. A diferença entre os
Aqui reside a principal razão de porque os esforços dos dar- trabalhadores, suas habilidades e os empregos não acabarão; o que
winistas burgueses em defender os fundamentos do sistema capi- terminará é a diferença entre trabalhadores e exploradores.
talista estão fadados ao fracasso. Argumentos baseados na ciência
Enquanto é verdadeiro que na luta pela existência aqueles
natural, quando aplicados a questão sociais, devem quase sempre
animais fortes, saudáveis e bem preparados sobrevivem, isto não
levar a conclusões inversas. Isto acontece porque, enquanto a natu-
acontece sob a competição capitalista. Aqui a vitória não depende
reza é muito lenta em seu desenvolvimento e mudanças no marco
da perfeição daqueles que estão na disputa, mas em algo que está
da história humana são imperceptíveis, podendo ser caracterizada
fora de seu corpo. Enquanto esta luta pode ser válida para a peque-
como estável, a sociedade humana, não obstante, é submetida a
na burguesia, onde o sucesso depende de habilidades e qualifi-
rápidas e constantes mudanças. Para entender a força propulsora
cações pessoais, com o desenvolvimento cada vez maior do capital,
e a causa do desenvolvimento social, devemos estudar a sociedade
o sucesso não depende mais de habilidades pessoais, mas sim da
como tal. É só aí que encontramos a razão do desenvolvimento so-
posse de capital.
cial. O marxismo e o darwinismo devem permanecer em seus próp-
rios campos; eles são independentes um do outro e não há ligação Aquele que tem um capital maior em seu comando, mas é
direta entre eles. doente, vencerá um que tenha um capital menor à sua disposição,
mesmo sendo o último mais habilidoso. Não são as qualidades pes-
Aqui surge uma questão muito importante. Podemos parar
soais, mas a posse de dinheiro, que decide quem será o vencedor
na conclusão de que o marxismo se aplica somente à sociedade e
da luta. Os pequenos capitalistas perecerão, não como homens, mas
o darwinismo somente ao mundo orgânico e que nenhuma destas
como capitalistas, eles não são varridos da existência física, mas da
teorias é aplicável ao campo da outra?
classe burguesa. Eles ainda existem, mas não mais como capitalistas.
Na prática é muito conveniente ter um princípio para o mundo A competição existente no sistema capitalista é, portanto, algo difer-
dos homens e um outro para o mundo animal. Ao fazê-lo, entretan- ente em requisitos e resultados da luta animal pela existência.
to, esquecemos que o homem também é um animal. O homem se
As pessoas que perecem como pessoas são membros de uma
desenvolveu do animal e as leis que regem o mundo animal não
classe inteiramente diferente, uma classe que não participa da luta
podem, de repente, perder sua aplicabilidade para o homem. É ver-
competitiva. Os trabalhadores não competem com os capitalistas,
dade que o homem é um animal muito peculiar, mas se esse é o caso,
apenas vendem sua força de trabalho a eles. Não tendo proprie-
é necessário encontrar nessas particularidades o porquê daqueles
dade alguma, eles não têm a oportunidade de medir suas grandes
princípios aplicáveis a todos animais não servirem aos homens e
qualidades e entrar numa corrida com os capitalistas. Sua pobre-
porque eles assumem uma forma diferente.
za e miséria não podem ser atribuídas ao fato de que eles caíram
na luta competitiva devido à sua fraqueza, mas porque eles foram
26 23
muito mal pagos pela sua força de trabalho e é por essa razão que, argumentação, houve alguns socialistas que desejaram provar que,
embora seus filhos nasçam fortes e saudáveis, eles perecem em segundo Darwin, o sistema socialista é o sistema natural.
massa, enquanto as crianças nascidas de pais ricos, mesmo nas-
cendo doentes, permanecerão vivas por meio de alimentação e Estes socialistas disseram:
grande cuidado dispensado a elas. Estas crianças pobres não mor- “Sob o capitalismo os homens não levam adi-
rem porque são doentes ou fracas, mas devido a causas externas. É ante a luta pela existência com ferramentas iguais,
o capitalismo quem cria todas as condições desfavoráveis por meio mas sim com ferramentas desiguais, fabricadas ar-
da exploração, redução de salários, crises de desemprego, péssimas tificialmente. A superioridade natural daqueles que
moradias, longas jornadas de trabalho. É o sistema capitalista que são mais saudáveis, mais fortes, mais inteligentes ou
causa a destruição de muitos fortes e saudáveis. moralmente melhores não tem utilidade, enquanto
Assim os socialistas provam que diferentemente do mundo ani- que o nascimento, a classe ou a posse de dinheiro
mal, a luta competitiva entre os homens não conduz ao melhor e ao controla esta luta. O socialismo, abolidas todas estas
mais qualificado, mas destrói muitos fortes e saudáveis devido à sua dessemelhanças artificiais, dará provisões iguais a
pobreza, enquanto aqueles que são ricos, mesmo fracos e doentes, so- todos e então somente a luta pela existência preva-
brevivem. Os socialistas provam que a força pessoal não é o fator de- lecerá, onde as superioridades pessoais reais serão
terminante, mas que este é algo exterior ao homem, isto é, a posse de os fatores determinantes”.
dinheiro que determina quem deve sobreviver e quem deve morrer. Estes argumentos críticos, enquanto não são ruins quando
usados como refutação contra os darwinistas burgueses, são falhos.
Ambos os argumentos, aqueles usados pelos darwinistas burgueses
VI. LEI NATURAL E TEORIA SOCIAL a favor do capitalismo e aqueles dos socialistas, que baseiam seu
As falsas conclusões tiradas por Haeckel e Spencer sobre o socialismo em Darwin , são fundamentalmente falsos. Ambos os ar-
socialismo não surpreendem. O darwinismo e o marxismo são duas gumentos, embora chegando a conclusões opostas, são igualmente
teorias distintas, uma que se aplica ao mundo animal, enquanto a falsos porque eles procedem de premissas erradas, ou seja, as da
outra é aplicada à sociedade. existência de um natural e permanente sistema de sociedade.
Elas se completam na medida que, de acordo com a teoria da O marxismo nos ensinou que não há, não existe um sistema
evolução de Darwin, o mundo animal se desenvolve até o estágio do social natural, permanente e que nenhum, ou, dito de outra forma,
homem e a partir daí, depois de o animal se tornar homem, já é um todo sistema social é natural, ou seja, é natural e necessário sob
campo de análise da teoria marxista. Quando, entretanto, alguém dadas condições. Não há um simples e definido sistema social que
deseja levar a teoria de um ao domínio do outro, onde diferentes pode ser aceito como natural; os vários sistemas sociais ocupam o
leis são aplicáveis, deve extrair deduções erradas. lugar de outros como resultado de desenvolvimentos nos meios de
produção. Cada sistema é, portanto, o natural para seu tempo par-
Tal é o caso quando queremos verificar através da lei natural ticular de existência. O capitalismo não é a única ordem natural,
qual forma social é natural e aplicável e isso é exatamente o que os como a burguesia acredita e nem o socialismo é o único sistema
darwinistas burgueses fizeram. Eles deduziram que as leis que gov- natural, como alguns socialistas tentam provar. O capitalismo foi
ernam o mundo animal, onde a teoria darwinista se aplica, valem natural sob as condições do século XIX, como o feudalismo foi na
com igual força no sistema capitalista e que, portanto, o capitalismo idade média e como o socialismo será na época vindoura. A tentati-
é uma ordem natural e deve durar para sempre. Na outra ponta da

24 25

Das könnte Ihnen auch gefallen