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RAFAEL AUGUSTAITIZ:
PIXA TUDO RAPÁ!
Gustavo Coelho
Apesar de minha pesquisa de mestrado ter se dado em sua maior
parte com a galera do Xarpi2carioca, e este artigo ser parte integrante
dela, aqui, meu alvo de interesse está na piXação3 paulista, ou melhor
dizendo, em alguns fatos envolvendo a piXação na cidade de São Paulo
que, por terem ocupado espaços inesperados, espaços onde tais corpos
periferizados não ‘deveriam estar’, muito menos, artistar, ganharam
grande destaque, não só entre os que vivem esta cultura, mas também,
graças à amplitude dos acontecimentos, entre espaços importantes
da mídia hegemônica. ‘Se meteram onde não foram chamados’, ou
seja, em alguns lugares com odores artísticos e educativos. De todo
modo, não foi apenas este grande alcance que me fez amplificar minha
atuação como pesquisador para além do Rio de Janeiro, mas sim, minha
incapacidade de me manter afastado. Acabei, mesmo sem saber direito
se isso se tornaria, de fato, material de pesquisa, me envolvendo de uma
maneira tão intensa que, não raro, me via pensando se aquilo que eu
estava fazendo poderia ser considerado crime. Não que esta possível
consciência inibiria ou diminuiria minha atuação, muito pelo contrário,
ao mesmo tempo em que me preocupava, percebia, claramente, que,
quanto maior minha coragem, quanto maior a dificuldade em diferenciar
as ações de um pesquisador das ações de um criminoso, mais densa e
interessante seria a pesquisa. Até porque, tal indistinção entre o fazer
epistemológico e o fazer criminoso, garante, a meu ver, ao estudo
feito, um prolongamento a mais, uma extensão de seu alcance, uma
vitalidade mais durável durante os séculos que virão. Vamos então ao
que aconteceu, ou melhor, ao que eu vou contar sobre o que aconteceu.
O primeiro episódio que me fez me envolver, portanto,
aconteceu especialmente com Rafael Augustaitiz, um rapaz que, desde
seus 12 anos de idade frequentava a cultura da piXação com toda
dedicação. Sempre tendo sido morador da periferia paulista, e, com
isso, segundo ele, testemunha de uma série de violências, inclusive
sobre membros de sua família e amigos, conseguiu, via PROUNI4, uma
bolsa de 100% para frequentar o curso aparentemente mais simpatico à
atividade sobre a qual mais se interessava dedicava, mais tinha amor.
Começou, então, o curso de Artes Visuais no Centro
Universitário Belas Artes de São Paulo, localizado em uma área super
nobre da cidade.
Influenciado a prestar o vestibular, me questionei como iria pagar.
Uma luz no meio do nada!
Meteremos os pés na porta e o resto Deus prepara!
Mete o pé não, mas como é minha casa, vou escorar e me debruçar!
É tudo nosso!!!
(Rafael Augustaitiz – em texto enviado a mim)
De todo modo, sua obra mais relevante ainda estava por vir,
mais ou menos, 6 meses depois, quando do seu TCC – Trabalho de
Conclusão de Curso, um grand finale! E foi! Nada mais óbvio que se
tratar, mais uma vez, de algum trabalho vinculado à piXação, e como
em todo bom trabalho final, a complexificação, um ir mais a fundo no
que é estudado, é crucial para a qualidade do trabalho. Com ele não
seria diferente, a diferença, na verdade, estava nas Belas Artes. Ela até
suporta um piXador em sua instituição, contanto que ele não vá tão
a fundo, que não se torne estudioso demais, artista tão denso, aluno
tão bom quanto Rafael. Como bem diz um trecho de Hakim Bey, o
chamado profeta do caos, que estampa a primeira página do perfil de
Rafael no orkut8 e do qual fiz questão de copiar e colar no meu:
“As instituições tem oprimido a imaginação e desonrado
o intelecto, degradando as artes a fim de estupidificá-las e
promover a escravidão espiritual, a propaganda para o Estado
e o Capital, reações puritanas, lucros injustos, mentiras e
arruinamentos estéticos”. (BEY, Hakim. http://catarse.110mb.
com/hakimbey/caos/caos.pdf Acesso em 04/07/2009)
“Fui conversar com um professor que admirava. Malokeiro eu, expus essa
questão que tinha feito, o que tava sentindo [aqui ele se refere àquela obra já
dita acima, feita e exposta no Memorial da América Latina]9, achava que me
daria uma luz. Tinha quase certeza que ele sabia do que estava acontecendo,
o que eu estava fazendo. Me falou que eu estava à deriva. Louco! Ai eu falei,
isso é bom, fico lado a lado com a loucura, administro ela, ai sim faço arte.
Com todo respeito, se vc tivesse crescido onde cresci, seria chamado de nerd e
tomaria tapa na cabeça. Ficamos um buscando no outro, olho no olho, comecei
a pegar fraquezas no cara. Sei lá, algo muito estranho, o mundo real e o mundo
das aparencias, e os cara são zicas também, são cultos, mas, ao mesmo tempo,
são atrasados. Tipo dois mundos. Enquando falam, eu ajo, mas as sensações
foram além. Ficam presos em fantasmas, só lêem, a realidade eles conhecem,
mas.................................... Eu tumultuo. ‘Viu como não é pira minha? Faço
acontecer.’ Tenho vontade de mandar esse salve pra ele, tirando um baratinho,
rsrsrs....” (Rafael Augustaitiz em conversa via MSN)
Quero dizer com isso que, mesmo nos redutos, nas galerias
que se dizem menos institucionalizadas, mais alternativas, basta pô-los,
justamente diante de produções estéticas eXtremamente alternativas,
ou melhor, inadaptáveis à moral vigente, para ver reagir a vontade
controladora de uma curadoria super descolada, mas muito bem
formada e educada.
Então, dias antes ao já marcado dia 6 de setembro, alguns
chamados foram espalhados tanto pela cidade de São Paulo, quanto
pela internet, especialmente pelo Orkut e fotologs12:
http://www.flickr.com/photos/choquephotos/2883619187/13
“Uma professora foi mandada embora, porque falou que são todos cuzões,
só falam o que já foi dito. Fiquei sabendo que ela falou num debate com os
alunos que eu coloquei a coisa pra funcionar. Os cara estão digerindo ainda.
Enquanto há discussão, há dúvida, enquanto há dúvida, não poderiam ter
me expulsado. Adorei mesmo, vou tumultuar mais. Como diz o Raul, eu sou a
mosca que pousou na sua sopa; prefiro ser uma metarmofose ambulante; não
adianta me detetizar, porque vc mata uma e vem outra em meu lugar, Raulzito.”
(Rafael Augustaitiz em conversa via MSN)
http://www.flickr.com/photos/choquephotos/sets/72157607397735248/
Notas:
1
Bacharel em Comunicação Social –UERJ. Mestrando em Educação – ProPEd
– UERJ. Bolsista nota 10 pela FAPERJ. Membro dos grupos de pesquisa
“Currículos, redes educativas e imagens”(UERJ) e “Estudos Culturais em
Educação e Arte” (UFRRJ)
2
Deixarei, durante todo o percurso textual, as palavras Xarpi e piXação com
“X” maiúsculo, em simpatia a mesma utilização de Canevacci em Culturas
eXtremas (2005). “Em suma, o X, pouco a pouco, tornou-se uma espécie de
ideograma que, em virtude da fonética inglesa (X = ecs), acabou por incorporar
otimbre sonoro do irregular.” (2005, p. 44).
3
Idem nota 2.
4
Programa do Governo Federal do Brasil que destina bolsas de estudo em
instituições de ensino superior privadas a alunos com poucas condições
financeiras.
5
Gíria paulista para periferia.
6
Gíria paulista que quer dizer, em certa medida, uma brincadeira. Em gíria
carioca seria como uma ‘onda’ou ‘tirar um sarro’.
7
Sempre que for essa Arte instituída, outorgada, ou seja, sempre que for o meu
alvo, virá com “A”maiúsculo, não achá-la mais importante, mas para que posta
assim grande, seja um alvo mais facilmente atingido!
8
Site de relacionamentos mais utilizado no Brasil.
9
Entre colchetes se dá uma intervenção minha em seu texto.
10
Faz todo sentido ler este artigo diante de um computador ligado à rede.
Sugiro sites com imagens que potencializarão a experiência da leitura, outras
interlocuções.
11
Aproveito para agradecer ao Choque Photos pela simpatia com o meu trabalho,
assim como uso estas linhas para parabenizá-lo pelo trabalho também corajoso
e inédito dele. Vale a pena a visita não só às fotos aqui sugeridas, mas a toda sua
galeria disponível neste “flickr”.
12
Site de publicação de fotos muito usado pela galera da piXação tanto paulista
quanto carioca.
13
“Atack Parte 2: evadiremos com nossa arte protesto uma bostade uma
galeria de arte “Choque Cultural”. Segundo sua ideologia, abriga artistas do
“underground”. Então é tudo nosso. Declararemos total protesto. Local de
encontro: Pça Benedito Calixto. Rua Cardial Arco Verde com Rua Lisboa,
próximos dos metros Clínicas e Sumaré. Horário: 15:00 Sábado 06-09-08
Resgatem frases: “VIVA A PIXAÇÃO”, “ARTE COMO CRIME, CRIME
COMO ARTE” “TODOS PELO MOVIMENTO PIXAÇÃO”.
Referências Bibliográficas: