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sabres na academia, nas ciências e nas instituições, há um imaginário
específico sobre a infância popular. Um ponto para o nosso debate: qual o
olhar, o imaginário específico com que nossa sociedade e as ciências, até a
pedagogia, os projetos socioeducativos vem a infância-adolescência
populares?
Isso não tem nada de romântico. Vejam as infâncias morrendo, como na África.
Ou como no Nordeste brasileiro, nas favelas. Vejam a adolescência popular
exterminada nos fins de semana. O imaginário da infância popular participa
entre nós do imaginário do povo, do imaginário social brasileiro, um imaginário
nada positivo, pelo contrário, muito negativo.
"A escola tem uma visão muito A escola é um dos contextos produtores da
naturalista da infância, muito infância, mas também negadores da diversidade.
pouco histórica, e isso traz Ela é mais destrutiva da diversidade da infância do
conseqüências muito sérias. A
pergunta deve ser esta: em que que a família. A família é regida mais pelo carinho,
momento estamos na pelo respeito às diferenças. Se a mãe tem de
construção da infância?" quatro a seis filhos, sabe tratar cada um de
maneira diferente. A escola é incapaz disso. Tem trinta e tantos milhões de
crianças e adolescentes, todos têm de ser encaixados no mesmo molde. A
escola tem dificuldade em reconhecer a diversidade, classifica, hierarquiza em
um padrão único. Se essa criança não tem uma cabeça para as letras, se a
outra não tem uma cabeça para a matemática, se não tem uma cabeça para a
gramática, conseqüentemente é reprovada, defasada, desacelerada em função
do ritmo, padrão único de aprendizagem.
Precisamos rever radicalmente o trabalho que se faz com essa infância a partir
desses lugares. Normalmente o trabalho que se faz é o de samaritanos, de
cuidar de feridas, de curar o entortado, de cuidar de delinqüentes, de crianças
de rua, de cuidar também para que a escola não as prenda durante 24 horas e
as deixe algumas horas conosco? Somos uma espécie que trabalha com
infância como se fossemos – vou falar uma palavra um pouco dura –
recicladores de lixo humano, de lixo infantil? Diria que para trabalhar com essa
infância precisamos de habilidades e de artes de educar muito mais difíceis do
que para trabalhar na escola.
chegamos atrasados e o portão está fechado, nunca nos perguntam onde e o
que estávamos fazendo, porque chegamos atrasados. Estamos buscando
comida, estamos trabalhando, fazemos tudo para ir à escola, mas isso não
importa? Nos ensinam muitas coisas muito boas, mas não nos ensinam porque
nossos pais têm de sair de casa para buscar trabalho e não encontram
emprego. Porque nossas mães saem muito cedo a procura de comida para
nós, por que nossos colegas morrem a cada fim de semana, por que nossas
colegas se prostituem para sobreviver. Vocês não têm explicação para isso?
Lembro-me que uma professora disse: “Mas nós trabalhamos com a vida, com
as ciências, não trabalhamos com a morte”. Aquilo me chocou profundamente,
realmente a morte, a pobreza, o sofrimento não cabe em nenhuma
disciplina.não há lugar para infâncias que sofrem. Como formar educadores
capazes de trabalhar com crianças e adolescentes que vivem ameaçados de
morte, na miséria, na rua, na violência, cada hora, cada dia?
A figura da mãe é algo tão forte na construção da infância, da adolescência, da
juventude e da vida adulta, popular. Deve-se ter um pouco mais de atenção
ainda ao peso formador da família e de todo trabalho. Por que a figura da mãe
é tão forte? Porque representa a proteção em contextos sociais espaciais de
desproteção.
visão romântica da infância como anjinho, pura, flor se quebrou. De uma
imagem angelical passamos a uma imagem diabólica-imoral.
Isso leva a questões. Suspeito de que muitas das ações sobre a infância,
sejam da extensão, sejam de ONGs, no fundo caem na armadilha da
sociedade. Qual sua função social-educativa? Moralizar essa infância, a
infância popular tão quebrada moralmente? Vamos nos prestar a isso? Vamos
reforçar a imagem da infância quebrada moralmente? Vamos cair no moralismo
de nossas elites? Desde onde ver e comprometer-nos com a infância-
adolescência? Entramos na relação entre a esfera pública e a esfera privada.
O macho está na esfera pública, a mulher está na esfera privada, a
maternidade na esfera privada e não na pública, assim como o amor e o direito
ao corpo. O movimento feminista tenta colocar na esfera pública o corpo, a
maternidade, o cuidado, mas como? E a infância na esfera pública? Uma
alternativa podia ser como o ECA tentou fazer reconhecer a infância-
adolescência como tempos de direitos plenos.