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Reflexões sobre o espaço da Psicossociologia

Muito se tem falado da Psicossociologia nos meios acadêmicos. No entanto, pouco


se tem refletido sobre a Psicossociologia, suas referências teóricas, sua
abrangência, seu objeto de estudo e aplicação. O que é mesmo a Psicossociologia?

Vamos estabelecer, em princípio, algumas suposições de ordem epistemológica


concernentes ao caráter dialético que comporta esta disciplina. Para isso, será
preciso nos referirmos brevemente ao sociale ao psicológico – e suas
conceptualizações –, para, em seguida, analisarmos a articulação possível que a
Psicossociologia procura realizar na constituição de seu corpo teórico e em sua
prática.

Na perspectiva da sociologia clássica, o indivíduo é visto como parte de uma


unidade maior que é a sociedade e ignorado em suas particularidades, e no que
dele próprio constitui o social. Ele é visto como um produto do determinismo social
e até mesmo colocado em oposição a esse social: [...] o grupo é constituído de
modo diferente do que os indivíduos, e o indivíduo e as coisas que o afetam são de
naturezas diferentes. Os sociólogos contemporâneos, afastando-se dessa tradição,
concebem a sociedade como sistemas de instituições e processos de socialização
onde o indivíduo ocupa um outro lugar, no qual se inclui a subjetividade – pelo
menos em algumas tendências teóricas – e a ação construtiva e modificadora do
homem sobre o meio.

O social é tudo aquilo que é de ordem do coletivo, que ultrapassa o indivíduo. Esse
coletivo ao qual me refiro é organizado política, econômica e culturalmente,
possuindo um sistema simbólico e atravessado pela ideologia. Esse coletivo é ainda
atravessado por um imaginário que ele próprio se constrói continuamente, através
do qual a sociedade designa sua identidade e se representa. O social não atua
simplesmente sobre o comportamento individual, mas faz parte dele, se inscreve
em seu corpo, no seu psiquismo mais profundo, na representação que o indivíduo
faz de si mesmo e dos outros, nas relações que ele mantém com o mundo que lhe
é exterior.

Porém, num processo especular, o social reflete em sua organização as


características pessoais mais profundas. Percebemos, então, que as relações
interpessoais não são apenas regidas pelo simbólico social, mas obedecem também
às exigências pulsionais individuais. Na verdade, os sistemas simbólicos sociais
existem por causa mesmo das pulsões, criados a fim de permitir ao homem o
acesso à ordem para que seja possível a vida com o outro, a co-existência de
pulsões diversas, como nos ensinou Freud. Em seus últimos trabalhos, Freud se
interessa pelo social e explica sua formação a partir de uma problemática interior
ao indivíduo: o medo da morte [e] da castração, a sexualidade e o desejo são os
elementos estruturantes da civilização. A cultura aparece então ligada a um
processo de sublimação apoiado na renúncia das pulsões agressivas e sexuais. A
identificação se manifesta na formação do coletivo, e podemos assim compreender
melhor o funcionamento social, se conseguirmos nele apreender a carga de
projeções psíquicas que comporta.

Entretanto, explicar os fatos sociais pelas causas psíquicas, socializar as


interpretações da ação individual, feitas num quadro psicanalítico, não significa que
os fenômenos em si mesmos sejam psíquicos. Mesmo se constatamos a presença
definitiva dos processos inconscientes na formação e organização do social, como
elementos do tecido que o constitui, este social é regulado, simbolizado e idealizado

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por processos psicossociais que ultrapassam a problemática psíquica do sujeito,
embora dela oriundos.

Vemos então a necessidade de se levar em conta as estruturas psíquicas e as


estruturas sociais se pretendemos compreender como se constitui o social e como
este atua sobre seus membros. Se os sociólogos têm tendência a esquecer que o
social, suas estruturas e mecanismos só fazem sentido porque se organizam em
função da vida individual e dos determinantes psicológicos, os psicólogos e
psicanalistas não podem ignorar que a organização da vida psíquica e o desenrolar
da história individual se edificam a partir de um social que pré-existe ao sujeito e
que contribui na construção de seus valores, seus modelos e mesmo sua vida
afetiva.

O social se apresenta então como constituído e constituinte de vínculos entre os


indivíduos, organizador das representações que dão sentido à vida comum, lugar de
mediação do que é de ordem do imaginário individual e do imaginário coletivo e
que se inscreve no real.

Por outro lado, o que chamo de psicológico neste trabalho, se refere aos níveis
consciente e inconsciente da vida psíquica do indivíduo, isto é, a uma entidade
psíquica global, incluindo o subjetivo, as estruturas psíquicas profundas, as
representações inconscientes, mecanismos de defesa, projeções, afetos, mas
também as manifestações conscientes, atitudes, comportamento real do indivíduo
como ator responsável pelo que faz e diz.

O sociólogo francês, de influência psicanalítica, Eugène Enriquez, formula


interessantes hipóteses sobre os processos de identificação, de idealização, sobre a
importância do outro na formação da personalidade, baseando-se nas obras ditas
sociológicas de Freud. A psicanalista Piera Aulagnier nos lembra ainda que a
formação do Eu passa pelo desejo do desejo do outro, isto é, desejo de
reconhecimento. Ela analisa a importância fundamental do processo de
identificação e do projeto identificatório para a existência do Eu, fazendo dele seu
próprio referente, unidade, indivíduo. Nesse processo, é de fundamental
importância a confrontação do Eu com os limites impostos pelo princípio da
realidade e pela categoria da interdição como determinantes na estrutura psíquica.
Se a formação do Eu se faz pela identificação à imagem do outro, a identidade se
forma então sobre bases psíquicas que são alicerçadas sobre um outro exterior,
sobre identificações, processo que permite o estabelecimento de vínculos sociais
grupais e das instituições.

Ainda um belo texto de Hélio Pellegrino – Pacto Edipiano e Pacto Social: Da


gramática do desejo à falta de vergonha – salienta, através da análise da
concepção freudiana do Complexo de Édipo, a relação que o ser estabelece com a
Lei - o salto em direção à cultura, através da aceitação da interdição do incesto. Ele
nos lembra que a Lei existe para estruturar e integrar o desejo no circuito da troca
cultural. O pacto decorrente da solução edipiana implica na renúncia à manifestação
direta das pulsões e tem como contrapartida: a identidade, o lugar na estrutura de
parentesco, o acesso à ordem simbólica, a possibilidade de se desenvolver e de
sobreviver - a socialização.

Vemos, nessas três análises, como os limites entre o social e o psíquico se


confundem, se fundem e nos confundem, lembrando-nos da importância – científica
e ética – de desviarmos um pouco nossa mente e nosso olhar das especificidades
teóricas que nos formaram e pelas quais optamos, e de ampliarmos nossos

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horizontes, tanto na análise das questões sociais quanto na interpretação da
problemática psíquica do sujeito.

Se tentei aqui brevemente mostrar essas diferentes conceptualizações, foi no


intuito de salientar a complexidade do sujeito-objeto ser humano e o modo como os
diferentes determinismos se integram. Além disso, pretendo ainda evidenciar o
dogmatismo que caracteriza certos teóricos de um domínio ou de outro. Esse
dogmatismo marca uma ruptura na rede de ciências do homem, fragmentando o
que não pode ser fragmentado. A complexidade do sujeito em seu meio não
permite que ele seja estudado sob um único ângulo e é essa convicção que me
conduziu a uma posição interdisciplinar, onde vejo o lugar da Psicossociologia,
cujas bases são as relações que o indivíduo mantém com o social, os
determinismos sociais e psíquicos que atuam nessas relações, o modo como estas
se estruturam e os efeitos da interação desses determinantes sobre o indivíduo.
Indivíduo visto não apenas como resultado de determinantes de diferentes ordens
mas como ator social, relativamente autônomo, dotado de liberdade de ação face a
um contexto social que o precede e que lhe designa um lugar; indivíduo membro de
uma cultura, mas também sujeito psíquico, dotado de pulsões, de afetos, defesas,
projeções, identificações e desejos, constituinte do social que o constitui.

Se, como dizia Freud, o inconsciente determina o presente sem se preocupar com a
realidade, deve-se considerar que os fatores sociais, também determinantes do
presente, impõem a realidade ao indivíduo que a ela deve se conformar, para que
possa, no mínimo, sobreviver. Se existem processos inconscientes primários que
levam o indivíduo a agir socialmente de um certo modo, por outro lado, há todo um
dispositivo institucional para lhe oferecer – ou não – a possibilidade de satisfazer,
de canalisar, de sublimar suas necessidades pulsionais, assim como outros
indivíduos existem, com suas problemáticas individuais, seus conflitos, suas
pulsões, suas dependências, que buscam, eles também, a satisfação e com os quais
o indivíduo deve se confrontar. Além disso, há todo um aparelho socioeconômico e
político que estabelece suas exigências, suas proibições, seus limites, suas leis.
Todos esses elementos, de ordem pessoal, interpessoal e social, presentes na
realidade, faz com que consideremos o objeto de estudo da Psicossociologia como
um objeto complexo.

Não se trata aqui de propor uma psicologização do social ou vice-versa, entretanto,


ultrapassar a hegemonia e o sectarismo das capelinhas detentoras do saber
absoluto, sem anexar ou reduzir um campo teórico a outro, é possível e desejável,
através das relações entre processos pertinentes a disciplinas diferentes,
reconhecendo suas especificidades, mas procurando uma articulação entre
elementos teóricos, já que a realidade é indivisível.

As contribuições das reflexões que fazem avançar os estudos e sedimentar a


Psicossociologia se fazem sentir atualmente, em diferentes áreas da psicologia, da
psicanálise e da sociologia, tanto no que se refere às questões teóricas quanto às
metodológicas. Seja qual for a denominação que se atribuem os diferentes
estudiosos e reservando-se suas características, estes demonstram a preocupação
comum com a evidência da complexidade do sujeito psicossocial e o conseqüente
reconhecimento da importância da interdisciplinariedade no estudo do ser humano
em situação social.

O campo da Psicossociologia é o dos grupos, das instituições, dos conjuntos


concretos – conforme Enriquez –, nos quais o indivíduo se encontra e que mediatiza
sua vida pessoal e a coletividade. Trata-se do estudo do desejo do sujeito e da
vontade dos atores sociais modificando – agindo sobre – um mundo que os

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modifica e sobre eles age; trata-se ainda da reconstrução de uma realidade
psíquica e histórica, cuja consciência, questionamento e interpretação podem
produzir um sentido novo. Perceber as dimensões essenciais dos problemas, dos
conflitos, dos processos de idealização e de alienação, dos investimentos pessoais,
pode ser um caminho para a transformação da ação individual e coletiva, da
vontade de inovar e de buscar um prazer mais legítimo para cada um.

A análise psicossocial em um grupo, seja este qual for, dirige-se a seus próprios
membros, seus papéis, seus poderes, suas identidades – individuais e sociais –,
suas histórias, o contexto no qual se incluem, os determinismos que sobre eles –
considerados individualmente – e sobre o grupo atuam. A análise visa permitir –
através da pesquisa-ação ou outra forma de pesquisa apropriada – a interrogação,
a localização dos controles, a identificação dos mecanismos de alienação e de
desalienação dos quais participam – mesmo que inconscientemente – os indivíduos,
a tomada de consciência da coletividade e do ser histórico que cada um é. A
principal característica da pesquisa-ação, neste caso, não se limita à implicação do
pesquisador, mas principalmente envolve a implicação de todos os atores sociais,
que, engajados na busca de um sentido para suas práticas sociais, procuram tratar
os problemas coletivamente, mas interiormente, confrontando-se a si próprios,
trabalhando suas próprias relações com os problemas e com a realidade social que
vivem, objetos e sujeitos ao mesmo tempo, entrevendo assim um pouco mais da
verdade. Trabalho fragmentário e difícil, às vezes, espinhoso e doloroso, modesto,
mas que auxilia a cada um a se definir com relação a si próprio e ao outro,
compreender seu lugar, suas possibilidades, seus limites, seus vínculos, entrever
mudanças, refletir, se afirmar, buscar o lugar do seu desejo, no respeito ao desejo
do outro.

Num nível institucional, a análise psicossocial procura, além disso, apreender o real
em sua globalidade. Dessa forma, ela se dirige aos elementos instituídos que se
situam em um nível de exterioridade e de anterioridade ao fenômeno que se
pretende estudar – contexto ideológico-cultural-político-histórico, territorialidade,
realidade do contexto econômico. A análise psicossocial institucional se dirige
também aos seus aspectos formais, funcionais e organizacionais – papéis, status,
relações de poder instituídas, modos de decisão, questões sindicais, etc.
Finalmente, ela se dirige ao nível relacional, aos comportamentos e discursos
manifestos e aos processos inconscientes individuais, ao que é da ordem do
instituinte. Todos esses elementos, então, são analisados conjuntamente,
buscando-se entrever as relações que mantém entre si, como se entrelaçam. J.
Barus-Michel propõe uma grille de lecture bastante abrangente para a Análise
Psicossocial Institucional, como descrita suscintamente acima.

A análise não esgota o real, no entanto podemos dele isolar elementos e estudar as
relações que eventualmente possam ter entre si. Buscamos apoio teórico na
compreensão de uma certa realidade. Encontramos vias de acesso à dinâmica da
experiência individual em sua inscrição social. Seguimos os meandros dessa
dinâmica em seus diferentes nívels, sua extensão, suas ligações e des-ligações,
seus nós – nos dois sentidos da palavra –, suas falas e falhas. Podemos então falar
de uma análise possível, limitada, mas, no entanto, preciosa, pois permite o acesso
a um saber e mesmo à ação – para todos os sujeitos-objetos participantes –, e
enriquece o debate científico.

A carência de publicações na área e as dificuldades com as quais nos confrontamos,


em nosso país, todos os que se interessam pelo coletivo, deveriam servir como
analisadores, como sinais da necessidade de intensificarmos ainda mais nossos
esforços, conhecedores que somos da complexidade de nossa sociedade, da riqueza

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de nossa cultura tupiniquim, da profundidade dos conflitos psicossociais e
ideológicos que nos caracteriza e do desinteresse dos detentores do poder no
aprofundamento do estudo dessas questões tão ameaçadoras.

Se foi a partir do individual, da escuta do inconsciente, que a Psicanálise construiu


seu corpo teórico, se foi a partir da observação da sociedade e das ações coletivas
que a Sociologia se fundou, é a partir da escuta do ator social e sujeito – do Eu – e
da busca dos imaginários do coletivo e de suas estruturas simbólicas – do Nós –,
que a Psicossociologia, através da pesquisa sobre o campo, a partir do campo e
com o campo, pode edificar um corpo teórico sólido e contribuir pela sua prática
para a redução do mal-estar na civilização.

Fonte
NASCIUTTI, Jacyara C. Rochael. Reflexões sobre o espaço da Psicossociologia. In:
Documenta Eicos, 1996, nº 7.

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