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O social é tudo aquilo que é de ordem do coletivo, que ultrapassa o indivíduo. Esse
coletivo ao qual me refiro é organizado política, econômica e culturalmente,
possuindo um sistema simbólico e atravessado pela ideologia. Esse coletivo é ainda
atravessado por um imaginário que ele próprio se constrói continuamente, através
do qual a sociedade designa sua identidade e se representa. O social não atua
simplesmente sobre o comportamento individual, mas faz parte dele, se inscreve
em seu corpo, no seu psiquismo mais profundo, na representação que o indivíduo
faz de si mesmo e dos outros, nas relações que ele mantém com o mundo que lhe
é exterior.
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por processos psicossociais que ultrapassam a problemática psíquica do sujeito,
embora dela oriundos.
Por outro lado, o que chamo de psicológico neste trabalho, se refere aos níveis
consciente e inconsciente da vida psíquica do indivíduo, isto é, a uma entidade
psíquica global, incluindo o subjetivo, as estruturas psíquicas profundas, as
representações inconscientes, mecanismos de defesa, projeções, afetos, mas
também as manifestações conscientes, atitudes, comportamento real do indivíduo
como ator responsável pelo que faz e diz.
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horizontes, tanto na análise das questões sociais quanto na interpretação da
problemática psíquica do sujeito.
Se, como dizia Freud, o inconsciente determina o presente sem se preocupar com a
realidade, deve-se considerar que os fatores sociais, também determinantes do
presente, impõem a realidade ao indivíduo que a ela deve se conformar, para que
possa, no mínimo, sobreviver. Se existem processos inconscientes primários que
levam o indivíduo a agir socialmente de um certo modo, por outro lado, há todo um
dispositivo institucional para lhe oferecer – ou não – a possibilidade de satisfazer,
de canalisar, de sublimar suas necessidades pulsionais, assim como outros
indivíduos existem, com suas problemáticas individuais, seus conflitos, suas
pulsões, suas dependências, que buscam, eles também, a satisfação e com os quais
o indivíduo deve se confrontar. Além disso, há todo um aparelho socioeconômico e
político que estabelece suas exigências, suas proibições, seus limites, suas leis.
Todos esses elementos, de ordem pessoal, interpessoal e social, presentes na
realidade, faz com que consideremos o objeto de estudo da Psicossociologia como
um objeto complexo.
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modifica e sobre eles age; trata-se ainda da reconstrução de uma realidade
psíquica e histórica, cuja consciência, questionamento e interpretação podem
produzir um sentido novo. Perceber as dimensões essenciais dos problemas, dos
conflitos, dos processos de idealização e de alienação, dos investimentos pessoais,
pode ser um caminho para a transformação da ação individual e coletiva, da
vontade de inovar e de buscar um prazer mais legítimo para cada um.
A análise psicossocial em um grupo, seja este qual for, dirige-se a seus próprios
membros, seus papéis, seus poderes, suas identidades – individuais e sociais –,
suas histórias, o contexto no qual se incluem, os determinismos que sobre eles –
considerados individualmente – e sobre o grupo atuam. A análise visa permitir –
através da pesquisa-ação ou outra forma de pesquisa apropriada – a interrogação,
a localização dos controles, a identificação dos mecanismos de alienação e de
desalienação dos quais participam – mesmo que inconscientemente – os indivíduos,
a tomada de consciência da coletividade e do ser histórico que cada um é. A
principal característica da pesquisa-ação, neste caso, não se limita à implicação do
pesquisador, mas principalmente envolve a implicação de todos os atores sociais,
que, engajados na busca de um sentido para suas práticas sociais, procuram tratar
os problemas coletivamente, mas interiormente, confrontando-se a si próprios,
trabalhando suas próprias relações com os problemas e com a realidade social que
vivem, objetos e sujeitos ao mesmo tempo, entrevendo assim um pouco mais da
verdade. Trabalho fragmentário e difícil, às vezes, espinhoso e doloroso, modesto,
mas que auxilia a cada um a se definir com relação a si próprio e ao outro,
compreender seu lugar, suas possibilidades, seus limites, seus vínculos, entrever
mudanças, refletir, se afirmar, buscar o lugar do seu desejo, no respeito ao desejo
do outro.
Num nível institucional, a análise psicossocial procura, além disso, apreender o real
em sua globalidade. Dessa forma, ela se dirige aos elementos instituídos que se
situam em um nível de exterioridade e de anterioridade ao fenômeno que se
pretende estudar – contexto ideológico-cultural-político-histórico, territorialidade,
realidade do contexto econômico. A análise psicossocial institucional se dirige
também aos seus aspectos formais, funcionais e organizacionais – papéis, status,
relações de poder instituídas, modos de decisão, questões sindicais, etc.
Finalmente, ela se dirige ao nível relacional, aos comportamentos e discursos
manifestos e aos processos inconscientes individuais, ao que é da ordem do
instituinte. Todos esses elementos, então, são analisados conjuntamente,
buscando-se entrever as relações que mantém entre si, como se entrelaçam. J.
Barus-Michel propõe uma grille de lecture bastante abrangente para a Análise
Psicossocial Institucional, como descrita suscintamente acima.
A análise não esgota o real, no entanto podemos dele isolar elementos e estudar as
relações que eventualmente possam ter entre si. Buscamos apoio teórico na
compreensão de uma certa realidade. Encontramos vias de acesso à dinâmica da
experiência individual em sua inscrição social. Seguimos os meandros dessa
dinâmica em seus diferentes nívels, sua extensão, suas ligações e des-ligações,
seus nós – nos dois sentidos da palavra –, suas falas e falhas. Podemos então falar
de uma análise possível, limitada, mas, no entanto, preciosa, pois permite o acesso
a um saber e mesmo à ação – para todos os sujeitos-objetos participantes –, e
enriquece o debate científico.
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de nossa cultura tupiniquim, da profundidade dos conflitos psicossociais e
ideológicos que nos caracteriza e do desinteresse dos detentores do poder no
aprofundamento do estudo dessas questões tão ameaçadoras.
Fonte
NASCIUTTI, Jacyara C. Rochael. Reflexões sobre o espaço da Psicossociologia. In:
Documenta Eicos, 1996, nº 7.