A história da civilização gira em torno de vários eixos, embora distintos, são
complementares. Da sociedade antiga herdamos, além das olimpíadas, a técnica do silogismo. Um silogismo famoso nos diz: todo homem é mortal, João é homem, logo, João é mortal. Outro eixo importante e complementar ao eixo do pensamento filosófico, para a polis, movimenta-se pelo circuito econômico. Muito de nossa civilização se sustentou, e ainda se sustenta, norteada principalmente pela variação do humor econômico. O modelo atual disso é, se a bolsa de valores sobe, a auto estima das pessoas acompanha, do contrário, desaba. Nessa balada, o dólar, de moeda internacional, virou metonímia do valor geral de troca, melhor dizendo, do dinheiro, e parece ter se tornado também o padrão que mede a capacidade de interação entre os indivíduos e seus deuses. Quanto mais o deus puder atender às preces financeiras dos devotos, mais poderoso será o deus. Existe um estigma de bolsa de valores e de religião que impregna também os bastidores do futebol. Quando o Palmeiras caiu para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro, houve muito estardalhaço. Obviamente, os adversários não perderam a chance e tiraram uma casquinha do fracasso do verdão. Agora, quando o timão viveu a ameaça de descer às profundezas do hades, devotos e dirigentes se movimentam. E, antes que voem farpas de ironia por aí, é bom que façamos algumas considerações. Alguns times têm grandes torcidas espalhadas pelo país todo e, quando são acometidos desse mau súbito – a segunda divisão -, arrastam consigo o ânimo de muita gente. Mas é aí que está o pulo do gato da nossa pretensa teoria e prática do milagre. Vamos imaginar aquelas situações nas quais, diante de uma derrota iminente, ou mesmo inevitável, as equipes, os exércitos, as torcidas, reúnem forças que brotam não se sabe de onde, e unem-se em torno da recuperação do totem do seu clã. Basta lembrarmo- nos do Japão atomicamente arrasado do século XX, ou do ataque terrorista ao complexo financeiro norte-americano. O que quero dizer com isso é que, se do ponto de vista do público, a queda de um time de futebol para a segunda divisão possa ser motivo de chacota ou tristeza, sob o ponto de vista dos dirigentes, a segunda divisão, assim como a reconstrução após as guerras, pode até ser um grande negócio. O repasse de verbas para os cofres do Estado, os salários de técnicos e jogadores, enfim, toda a planilha de custos do time sofre uma sensível minoração. Montar um time sem a pressão da imprensa e a cobrança dos torcedores, fica mais fácil na segunda divisão. Os dirigentes de futebol, sabendo da teoria do milagre, ou seja, que todo mundo se mobiliza para alcançá-lo – e essa é a parte prática -, enchendo os estádios de qualquer jeito, podem até estar pensando em promover o famigerado cartel da queda esporádica de seus clubes. É uma espécie oportunista de pit stop financeiro patrocinado pela inocência do público pagante. O que se conclui, é que estamos diante de um silogismo. A premissa maior é a seguinte: todo time de futebol tem tantos devotos quanto têm os deuses; é o milagre das recuperação econômica dos clubes que caíram. A premissa menor é: o dinheiro garante a santidade do pagante que expurga seus pecados nas filas das bilheterias. Logo, os estádios são os templos, os dirigentes os sacerdotes, o dinheiro o deus a ser devotado, e o público... é que acaba ficando na segunda divisão, isto é, vive operando milagres com o salário, tentando pagar as entradas cada vez mais caras nas cerimônias da penitência futebolística.