Sie sind auf Seite 1von 19

1938 – Aluísio de Almeida

a) O Ipanema.
O morro do Ipanema, que tirou esse nome do pequeno ri-
beiro que lhe corre do lado do nascente, até cair no rio Sorocaba
próximo, e cujas aguas ruins (segundo a etimologia tupí) fo-
ram sempre empregadas na industria do ferro, teve outrora, e
devia ser conservado, o apelido mais genésico de Araçoiaba, por
a!guns transformado em Biraçoiaba. Vindos do leste, os indí-
genas, logo mais os bandeirantes (e hoje qualquer um de nós),
notaram que o sol se punha' atrás dessa montanha. Daí o chama-
rem-lhe "coberta do dia", Ara-çoiaba, ou Biraçoiaba, esconderijo
do sol nos bosques. Prevaleceu o nome Aragoiaba, ainda exis-
tente para significar o morro e tambem para um bairro próximo.
Com três leguas de sul a norte e a metade de leste a oeste,
mais ou menos. e uma abertura de 900 metros acima do nivel do
mar, ergue-se, numa vasta planicie, cerca de quatro leguas adian-
te da serra de São Francisco, entre esta e o rio Tietê. Três gran-
des vieiros de ferro a Dercorrem de norte a sul. e dizia Var-
nhagen pai que apenas o minerio colhido na flor da terra sus-
tentaria, por mais de cem anos, uma importante fábrica de ferro.
Ora, contornando-a a sudoeste, passava', próximo do Ara-
çoiaba, uma trilha de bugres chamada peabirh, ligação preco-
lonial do Atlântico e planalto com o Guairá e Paraguai. Nos ex-
tremos e em varios trechos dessa estrada, moravam tribus da
raça guaraní. Procurava, descendo de São Paulo pelo vale do
Tietê, os grandes campos do Sul, donde se dividia em dois ra-
Ilios: um à direita, para o Paraguai, atravessando o Paranap-
nema, e outro à esquerda, para o Rio Grande do Sul, e do qual,
nas alturas de Curitiba, provavelmente um ramal demandava as
cabeceiras do Tibají alcançando o primeiro, do Paraguai.
Grandes viajores, os guaranís frequentavam esse caminho,
balizando-o com as montanhas, pontos de referencia muito no-
taveis. Descendo a serra' de São Francisco, mais à sua direita,
quasi à beira do Tietê, avistavam logo o Araçoiaba. Mais duas
jornadas, e tinham diante de si a pequena serra hoje chamada do
Angatuba e os morros isolados de Guarei e do Bofete, adiante
dos quais se estende, em gracioso semicírculo, a serra de Botu-
catú (ibitz'cutú, bons ares). A esquerda: atravessavam o Parana-
panema, deixando os campos e entrando nas densas florestas
onde mais tarde os jesuitas fundaram as Reduções do Guairá.
Alem das Sete Quedas, o Paraguai.
No século da descoberta houve mais de um viajante europeu
através destes sertões. E' muito conhecida a historia de Ulrico
Schrnidel, que veio do +raguai a São Vicente, passando por
Santo André, a vila de João Ramalho, em 1552. E a alfândega
de São Vicente rendeu 100 cruzados mais nesse ano de 1552,
por causa do comercio dos "castelhanos". Talvez por este ca-
minho tenha vindo o padre Nóbrega até estas plagas, aknçoan-
do-a's. Dado o caso que a aldeia de Maniçoba corresponda ao
local onde é ItÚ, ele não esteve longe daquí e seu olhar de após-
tolo deve ter pousado sobre o Ipanema, adivinhando, além, al-
mas a converter, povos numerosos e doceis.
Que povo habitava esta planicie e as vertentes destes morros ?
Isto já é prehistoria. Uma pergunta curiosa. Pelo menos
no século 16, eram da raça' tupi-guaraní os habitantes destas re-
giões, a julgar pelos vestigios deixados nas denominações geo-
gráficas.
Provavelmente começava por estas imediações o habitat da
grande tribu dos carijós, que se estendia desde o Itanhaem 5-té
o Guairá e o Rio Grande do Sul. Pobres criaturas, foram os
primeiros escravos e em proporção tão grande que, até no sé-
culo 18, se chamavam carijós os escravos da raça vermelha de
um modo geral.
Haveria uma ou mais aldeias por aquí, ou apenas passavam
em tropel para a caça e a' pesca?
A Phori, pode-se responder que muitas vezes os povoados
brasileiros nasceram de aldeias indígenas, mesmo porque os se!-
vagens tinham, como um sexto sentido, a boa localização, a geo-
grafia. Os primeiros documentos, já do século 17, falam em
< I paragem" de Sorocaba. Note-se tambem que, nos fins do sé-
culo passado, foram descobertos sinais de provavel aldeia, ossos,
igaçabas, instrumentos de barro, etc., e que, no bairro da Apa-
recida, existiu até há pouco um "capão de bugres".
Afonso Sardinha, o moço, e talvez tambem "o velho", che-
garam a Ipanema cerca de 1590. Vinham do Jaraguá e passaram.
por Ibituruna, procurando ouro. O primeiro faleceu em 1592
no Jaraguá, onde ficaram as ruinas de sua fazenda. O segundo
morreu no sertão em 1604, possuindo, para testar, uma boa quan-
tidade de ouro em pó.
Ora, em 1591, começava a governar na Baía o sr. Dom
Francisco de Sousa, ou melhor, o Dom Francisco das "minas".
Sua vida toda tivera um fito: alcançar o Eldorado misterioso-.
e o título sonoro de Marquês das Minas. Este, ao menos, o apro-
veitaram os netos. Ele morreria pobre, em São Paulo, a 10
de junho de 1611.
A historia do Ipanema e de Sorocaba consagrou um capí-
tulo interessante a esta personalidade. E' um benemérito de So-
rocaba. Em 1598, partiu da Baía, parando em Vitoria do Es-
pírito Santo. Em 1599, estava em Sáo Vicente. A 23 de maio
desse ano, partiu de São Paulo para o Araçoiaba. Trazia os
mineiros Jaques de Unhalte e Geraldo Betim, o florentino Bac-
cio de Filicaia, o fundidor Cornelio de Arzão, soldados e povo.
As despesas eram grandes, tendo os mineiros a anuidade de
200$000. Da alfândega de Santos vieram 6:000$000 em novem-
bro.
Dom Francisco de Sousa levantou pelourinho num daque-
les dias de 1599, chamando à nova povoação Nossa Senhora de
Monte Serrate, de quem foi muito devoto. Parece que o gover-
nador não encontrou nem ouro nem prata, mas fundou um en-
genho de ferro. Em novembro, retirou-se.
Em 1605, está em Madrid o grande sonhador, batendo a to-
das as portas. Só em janeiro de 1608 é que obteve passagem
gratis para os aventureiros que o acompanhassem, um bom nú-
. mero de degredados, o direito de conceder os títulos de cavalei-
ros fidalgos e moços de câmara a 100 pessoas, respectivamente,
12 hábitos de Cristo de 20$000 e 6 de 50$000, eic.
E, em 19 de fevereiro de 1609, parte de São Paulo a gran-
de leva de povoadores, acrescida com um bom número de pau-
listas. Não consta de grandes resultados a respeito de oaro e
prata. Si algum ferro se obteve, não enriqueceu a ninguem, e o
pobre Dom Francisco, ao morrer, lhe deu de esmola um jesuita
a' vela com que, cristão e devoto da Virgem, ingressou na ver-
dadeira Gloria, como é licito esperar.
Os povoadores, estes, dividiram-se: a maior parte deve ter
voltado para São Paulo; poucos se deixaram ficar junto ao en-
genho de ferro, nas Furnas, e outros se aglomeraram no Itape-
buçú (pedra chata grande), que se corrompeu em Itavovú, ar-
raial, ainda hoje existente à beira do Sorocaba.
Um dos dois povoados, o de Ipanema e o & Itavovú, ou
então ambos, se chamaram de São Filipe. Sempre lemos nas
historiadores, aliás sem documento escrito, mas baseados na tra-
dição, que o Itavovú atual é o São Filipe, fundado de 1600 a
1611. A conclusão muito simples é que o proprio governador
mudou o local de sua gente e o chamou de São Filipe em honra
do seu real senhor. Esta mudança em vida do nosso fundador,
ou mesmo depois, só tem uma ekplicação: ele ou os seus com-
panheiros. ou todos eles, desistiram de uma riqueza imediata das
minas, para cuidarem da agricultura, porquanto é impossive!,
ainda hoje, morar no Itavovú e ir a pé trabalhar no Ipanenema,
mais de uma legua. E, todavia, não será mais razoavel pensar
que a mudança foi, depois de 1611, sponfe sua dos povoadores?
Quanto a o nome, poderiam levá-lo consigo, pois nada impede que
na 2.* viagem, entusiasmados com os favores de Felipe 11, trou-
xessem-a idéia de mudar o nome do povoado das Furnas. Nós,
porem, para libertar-nos de tantas hipóteses, conservaremos uma,
que é verdadeira em grande parte, chamando de Nossa Senho-
ra do Monte Serrate à povoação logo extinta do Ipaneilia, e de
São Filipe S do Itavovú. (1)
(1) João de Laet esteve no Brasil em 1596, segundo Varnhagen, e
certamente antes de 1625, quando imprimiu O Novo Mundo o11 Des-
crigão das Indias Ocidentais, do qual dois livros pertencem R coisas
do Brasil e, nestes, dois capítulos à capitania de São Vicente.
Diz ele que havia ferro e tambem ouro, em Biraçoiaba montanha
onde "os portuguezes construiram presentemente uma villa denomi-
nada Sáo Felippe, mas que não tem muita importancía", a sudoeste
de S5o Paulo. A 30 leguas da capital e quasi às margens do rio
Tietê. põe o autor esta vila, e chama Nossa Senhora de Monte Ser-
rate outras minas, a 12 leguas da capital! A cinco leguas, no cami-
nho desta a Bessucaba, havia uma fazenda de açucar e marmelos:
com amhos se faziam marmeladas . .
Em cocclusão: no Ipanema ou no Itavovú existiu deveras a vila
de São Filipe, e já havia estrada de Piratininga para Sorocaba. O
.resto é embriilho de leituras apressadas; o homem não chegou até aquí.
Despedimo-nos, aqui, do grande benfeitor de Sorocaba, do
seu primeiro carregador de povos, desse nobre aventureiro por-
tuguês e cristão, digno representante do seu século.
O Itavovú vegetou de 1611 a 1661. A historia emudece a
seu respeito. Nunca foi vila nem paroquia. Tudo leva a crer que
nenhuma das duas povoações de Dom Francisco tivesse verea-
dores. Vigarios, nem se fala. O pelourinho, pois, foi apenas o
companheiro temeroso de um governador-geral, um símbplo de
sua autoridade.
Por isso, não é bem uma mudança de pelourinho que se
efetua em 1661. E' a criação de uma vila de Sorocaba, indepen-
dente das outras duas. E' a elevação oficial a vila de um povoa-
do que existia desde 1645, com a consequencia infalivel de apres-
sar, numa terceira transmigração, a vinda dos últimos povoa-
dores do Itavovú, que em 1700 e poucos é uma simples fazenda
onde mora o parnaibano Luiz Castanho de Almeida, neto do
homônimo explorador de Goiaz.
Ruinas do Itavovú, existem apenas uns vestigios de taipas
e paliçadas, alem da ponte, e quasi uma legua mais longe, da baii-
da de Porto Feliz. Chamam ainda os caipiras, a este bairro, dos
Quartéis. Seria, acaso, uma defesa contra os selvagens, no seio
da mata virgem, que aí começava e seguia os vales do Sorocaba
e Tietê. Nos 1700 e poucos havia um "gentio do rio abaixoJ',
cujos batizados se registravam com essa procedencia, no meio
de outros,muitos de quem se declara administrados da casa de
Fulano. Seriam habitantes quasi livres, velhos donos desses lu-
gares, ou, mais provavelmente, escravos de um senhor que não.
se designa. (2)
(2) Foi durante a vida efêmera de São Filipe que os tacóes das
botas dos bandeirantes bateram nestes campos, vindos de São Paulo
para o Guairá, cujas reduções arrasaram. A historia desses tempos
'está hoje completa, graças aos informes obtidos pelo ilustre dr. Afon-
so de Taunay nos arquivos de Espanha. Por aquí transitou o gado
humano trazido através das matas, pelo caminho primitivo do Pea-
birú, milhares de pobres guaranís acompanhados pelos heróicos pa-
dres Mazzetta e Mansilla que iam a Madrid e a Roma chorar os
males de suas ovelhas e solicitar remedios.
Estes escravos é que em parte foram os fundadores hum.ildes de
Sorocaba, ficando nas fazendas e sesmarias da redondeza, socando as
primeiras taipas, aumentando a população entre si e, aquí tambem,
servindo à sensualidade de brancos e mamelucos. Em 1628 acabava
o Guairá e os bandeirantes continuaram a perseguir jesuitas e
Guarai~ís no sul de Mato-Grosso e no Rio Grande do Sul. A
caça ao indio cedeu à ambição do ouro de Cuiabá, em 1718: c r-ra-n
Uma hipótese: a estrada do peabirú, acima referida, pare-
c e que atravessava o rio Sorocaba nesse ponto, vindo de Parnaiba
aos campos de Pirapitinguí. Daí, a mudança para um lugar mais
conhecido.
c ) Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba
Pelos anos de "corenta e seis", diz em 1747, no 1." Livro
do Tombo, o pároco Pedro Domingues, em 1654, preferem ou- *
tros, expatriaram-se de Parnaiba e do Itavovú os primeiros po-
voadores para junto da ponte do rio Sorocaba, em terreno per-
tencente a Baltasar Fernandes.
Este autêntico "calção-de-couro" era o segundo filho de
Manuel Fernandes Ramos, natural de Moura, Portugal, e de
Susana Dias, filha de Lopo Das e Beatriz Dias, e esta filha de
João Ramalho com Beatriz Dias.
Entre os seus 12 irmãos e irmãs, sobressaem o priinogênito
André, que com o pai fundou Parnaiba, e &mingoS, fundador
de Itú. A familia residia em Parnaiba, e em 1640 aparece Bal-
tasar representando esta vila numa reunião de representantes das
Câmaras de São Vicente, sobre a questão dos jesuitas e da li-
berdade dos indios. Susana Dias faleceu em 1634, já casada em
segundas nupcias.
André Fernandes, proprietario de grandes sesmarias na re-
gião de Parnaiba, Itú e Sorocaba, foi um grande bandeirante,
terrivel inimigo dos jesuitas do Guairá; e, no entanto, mandou
ao Paraguai, por terra, a ordenar-se de padre, o filho Francisco
Fernandes de Oliveira, que veio a ser vigario de sua terra.
- A sesmaria de Sorocaba ficou pertencendo a Baltasar. Em
1645, segundo Silva Leme, ou 1646, segundo o padre Domin-
gues, já citado, Baltasar Fernandes, seus filhos e genros, e pa-
rentes e escravos (ele tambem deve ter ido a caça dos indios),
sairam de Parnaiba para estabelecer-se em Sorocaba.
Maria de Torales foi a única filha que lhe ficou do casa-
mento com Maria de Zuniga, nascida em Vila Rica do Paraguai,
filha de Bartolomeu de Torales e Violante de Zuniga, e casada
fora com Gabriel Ponce de Leon, nascido em Guairá, filho de
Barnabé Contreras e Violante Gusman. Convolando a segundas
sorocabanos os novos bandeirantes. Destas guerras, resultou virern
primeiro a São Paulo e logo a Sorocaba, casando-se nas familias pau-
listas os Zuniga, Ponce de Leon, Torales, Peralta, etc.
nupcias, teve Baltasar, de Isabel de Proença, filha de João de
Abreu e de Isabel de Proença, mais 9 filhas e três filhos.
Potencia de Abreu foi casada com Manuel Bicudo Beza-
rano, em cuja fazenda de Apoterobí, hoje Apotribú, distrito en-
tão de Parnaiba, foi em 1660 passada a doação da igreja de
Nossa Senhora da Ponte e terras aos beneditinos; são os pais de
Isabel, mulher de João Sutil, irmão de Miguel SutiI de Oliveira.
Mariana casou com Diogo do Rego Mendonça.
Cecilia de Abreu foi mulher de seu tio André de Zuniga y
Leon, filho de Gabriel Ponce de Leon e Maria de Torales.
Verônica casou-se com Bartolomeu de Zuniga y Leon, ir-
mão do precedente. Os filhos Manuel e Luiz mudaram-se para
Itú. O primeiro é o pai de Antonio Fernandes de Abreu, a vi-
tima dos irmãos Leme ; o segundo é um dos ascendentes de Dom
José de Camargo Barros, bispo de São Paulo. O último filho
deixou terras em Sorocaba, por sua morte em 1655, a dois fi-
l h ~ s . A geração dos outros interessa menos ao nosso intento.
Aparecem mais, nos livros antigos da paroquia, os dois genros
André e Bartolomeu, bem como o segundo Gabriel Ponce de
Leon. Mahuel, porem, nos primeiros tempos, foi dono de casas
de taipa, que construiu no centro da vila. Baltasar era dono de
muita escravaria, a riqueza do tempo, indios carijós já batiza-
dos, provindos das reduções jesuíticas. Plantavam a mandioca.
o milho, o algodão, o trigo e a vinha. Criavam gado vacum. Sua
casa, um grande rancho feito de taipa e certamente coberto de
telha, devia de morar mais ou menos na altura de São Bento
atual. Podemos fantasiar o nosso fundador, no meio da campi-
na, olhando a leste a serra de São Francisco, a oeste o Ipinema.
ambos cobertos de matas, e, à sua frente, campos e cerrados
onde o mano Domingos estava fundando a vila do Outú e, um
pouco à direita, adivinhando-a através da mata impenetravel, a
terra natal: Parnaiba.
Estava-se em 1650 e tantos. Com o sossego e o vagar das
obras duradouras, vieram vindo outros habitantes do Ipanema,
do Itavovú e de alhures, congregando-se em volta do poderoso
senhor, em pobres casinhas de palha.
A ponte, lá embaixo, era um esforço notavel, naturalmente
iniciativa dele. Uma picada subia ao campo da Boa Vista, des-
cia entre a atual Aparecida e Brigadeiro Tobias, afundava-se no
Mato Dentro, deixava à direita São Roque, entrava no terreno
de Bezarano, em Apotubú, e surgia em Parnaiba. Muitos anos
depois, seria esta a estrada geral para São Paulo, evitando os
pontos mais altos de São Francisco e de São João.
A capelinha, onde se reuniam fundador e moradores, já não
bastava mais. Então, certo com a mira num projeto muito ele-
vado, quasi um sonho, localiza a igreja de Nossa Senhora, com
o tamanho atual de São Bento, frente para o nascer do sol, no
ponto que ele julgava seria sempre o mais alto da povoação.
Terra vermelha para a taipa estava quasi à mão. Os carijós le-
vantavam o grande soquete de cabreuva. Pumt Pum! Subiani
as paredes. Dos matos próximos, traziam as madeiras de lei.
A igreja ia se aprontando devagarinho. Estava coberta, sem
forro e sem soalho. Fizeram-lhe um retábulo decente. A iinn-
gem de Nossa Senhora, pequenina, acompanhava-o sempre. De-
via de ter um menino nos braços. Mas, qual seria o título IitUr-
gico? Talvez nem o soubesse o humilde artífice que a fizera. E
lá está, no altar novo, a imagem da Virgem. Os raros sitiantes
da redondeza vêm alí rezar o terço, ou talvez oiivir uma niissa
do vigario de Parnaiba, sobrinho do fazendeiro. Vão admirar a
ponte, o rio. Voltam para as roças: tinham estado na igreja de
Nossa Senhora da Ponte. Assim nasce um orago.
E no dia 21 de abril de 1660, após as negociações e vaivens
de tais negocios, estavam reunidos no Apotubú, em casa de
Manuel Bicudo Bezarano, o seu sogro, já velho, Baltasar Fer-
nandes, Claudio Furquim, Jacinto Moreira, André de Zuniga, e
mais o vigario parnaibano Francisco Fernandes de Oliveira e os
reverendos monges beneditinos da residencia e convento de Par-
naiba - o presidente frei Tomé Batista e frei Anselrno da
Anunciação. O tabeliãq Antonio Rodrigues de Matos, aparando
com solenidade a pena de pato, começou a escrever no livro pro-
prio: Saibam todos quantos este público instrumento de doação
virem.. . etc. na paragem chamada Apoterobí, termo da vila de
Santana de Parnaiba, da capitania de São Vicente, partes do
Brasil, etc. Em resumo, os beneditinos recebiam de Baltasar
Fernandes, para todo o sempre, a igreja de Nossa Senhora da
Ponte, com toda a sua fábrica, toda a terça que lhe cabia, por
sua morte, em terras e escravos, doze peças do gentio da terra
por conta da dita terqa, um moço gentio para a sacristia e uma
moça india para a cozinha. "E outrosim lhes dava dose vacôas e
um touro." Nomeava especialmente, na terça, o seu moinho e
a vinha, como quem diz: não faltará hostia ngn vinho para o
santo sacrificio. Em troca, comprometiam-se a levantar, por sua
conta, dormitorio com quatro celas, despensa, cozinha e refei-
torio, a assistirem na igreja, rezando pelo fundador, 12 missas
anuais, alem da festividade de Nossa Senhora da Ponte.
E, desde já, cabia aos padres, para o seu sustento, unia roça
onde se estava plantando mandioca, com os limites do rio, do
convento e das fazendas de Braz Esteves e Diogo do Rego e
Mendonça (outro genro do povoador). E, como o escrivão ga-
nhasse pelo trabalho, dobrou-o em tamanho com as fórmulas
cumpridas do costume.
Todos ouviram em silencio a leitura da doação. E assina-
ram os clérigos com toda a facilidade, os leigos com o vagar e
o escrúpulo de mãos habituadas a outros misteres. Depois, o es-
crivão deitou o pó de areia nas últimas linhas. Talvez só hou-
vesse a areia da parede. O certo é que estes nomes ficaram gra-
vados em versais douro na historia de Sorocaba.
Em plena renascenqa, a Ordem de São Bento ressurgia
aquem do Oceano, com as glorias de civilizadora, que sempre ti-
nha sido da Europa. Belos caminhos segue a Providencia!

1938 – Aluísio de Almeida


Braz Esteves Leme é um patriarca em Soro-
Braz Teves. caba, tal como João Ramalho em São Paulo,
ou mesmo o primeiro Braz Esteves Leme, que
se não casou, mas de quem foi ele um dos catorze filhos i,legí-
timos havidos com mulheres indígenas. São tambem catorze dos
filhos que lhe deram as pobres carijós de sua casa e seis os que
houve em legítimo matrimonio com dona Antonia Das. -
Chamá-lo-emos Braiz Teves, como aparece no documento
de 21 de abril de 1660, onde Baltasar Fernandes faz a doação,
aos beneditinos da Parnaiba, da igreja de Nossa' Senhora da
Ponte de Sorocaba e de um patrimonio cujas terras se limitavam
com "o campo onde está Braz Teves". E', pois, um dos primei-
ros povoadores de Sorocaba, já então sogro de Pascoal Morei-
ra Cabral, o 1.O, e avô do pequeno Pascoal Moreira, o 2.O funda-
dor de Cuiabá.
Grande escravagista conjecturamos que foi
O sitio Braz Teves, pelo número de filhos naturais e
no SarapuT por ter sido em carijós a sua fortuna, que em
parte permitiu afazendar-se o primeiro Pascoal
e, acaso, começar suas correrias o 2 . O . Confirmamos a nossa opi-
nião com encontrar o nome dele nas listas de brindeirantes que
fizeram a caça aos indios do sul e do Guairá, e publicados pelo
historiador das Bandeiras, dr. Afonso d'E. Taunay.
Os escravos, primeiro capturados numa longa . . . e os seus região que se estendia de
Itanhaem aos Patas,
carijós tomaram, em São Paulo, o nome da tribu
principal : carijós, e conservaram esse apelido
até à extinção da escravidão vermelha por Pombal, inclusive nos
arquivos paroquiais, posto que, ao depois, pertencessem a ou-
tras tribus e raças, até.
Escrevendo, em 1747, no Livro do Tombo, o vigario de
Sorocaba, Padre Pedro Domingues Pais, por informações dos
antigos, diz que Braz Teves "era homem rico do gentio da ter-
ra, que era o cabedal daquelle tempo", e tinha a sede da sua fa-
zenda a 7 leguas "desta villa", junto ao rio Sorocaba e próxima'
a barra do ribeirão Sarapuí.
Pela distancia de povoado e solidão do lugar,
A capeh. f2zia-se mister uma capela, não só para faci-
litar aos mamelucos e carijós a recepção dcm
sacramentos, como para amenizar o agreste do sitio com o sinal
da civilização cristã. Braz Teves levantou, pois, a sua capelinha
e deu-lhe por padroeira Nossa Senhora da Conceição, estabe-
lecendo-lhe o pequeno patrimonio em "folegos vivos", em nú-
mero ignorado, no valor de 225$00, que é quanto renderam em
praça.
Este devoto e pequeno templo foi, pois, si não
Transferida anterior, pelo menos contemporaneo a l.a ma-
para a Matriz. triz de Sorocaba - (pouquíssimo mais nova
que a igreja de São Bento, ainda existente).
Eis, porem, que a morte leva o fundador e se espalharam os
moradores, ficando deserto o sitio e a capela arruinada.
Foi quando o capitão-mor Martim Garcia Lumbria, que o
era de Itanhaem, capitania a que Sorocaba' pertenceu, mas aquí
morou e criou os filhos, por sua espontanea vontade, resolveu
transferir a capela para' a matriz, a capela, isto é: a imagem e os
carijós do testamento.
Fez abrir numa das duas paredes laterais (não
Um arco no se sabe qual) e mais ou menos pelo meio, um
corpo da i g r e b arco, sob o qual colocou num nicho a imageni
veneranda, onde ainda se achava em 1747. Ao
pé desse altarzinho fizeram-se enterramentos, por exemplo o do
inocente Tomé, filho de Pascoal Moreira Cobra1 (o 2.") e Isabel
de Godói Moreira, a 12 de julho de 1712 (bisneto de Braz Te-
ves). Varias vezes se nos deparou, nos assentos antigos, a pito-
resca e popular "capéllinha" de ,N." S." da Conceição. Confron-
tando varias informações, de visitadores canônicos e inventa-
rios, após maduro exame, chegamos à conclusão seguinte: tão
pequena era ela que se não dizia missa, e é duvidoso si tinha a:-
tar; e a expressão "contigua" parece indicar que foi construido
fora o minúsculo edificio e logo aberto o arco para comunicação
com o corpo da igreja, e isto junto se resume tia palavra certa:
capelinha. Daí a razão por que o mesmo padre &mingues, em
1747, sem contradizer-se, enumera apenas dois altares laterais
na sua matriz. A matriz de Sorocaba foi reformada quasi
toda, ou mesmo derrubada, cerca de 1760. Ai termina a existen-
cia da capelinha. A construção da 2.a matriz só em 1787 estava
terminada, mas, já em 1770, havia uma imagem de Nossa Se-
nhora da Conceição na sacristia. Isto é, a padroeira de bandei-
174 CÔNEGO LUIZ CASTANHO DE &MEIDA
rantes não tinha mais lugar proprio. Daí em diante, este 2 . O
templo andou sempre em obras. A torre e o frontispicio se aca-
baram já em 1818. Em 18'40, o Padre Francisco Teodosio de
Almeida Leme fez quasi uma 3." matriz. E a atual, de 1924, é
quasi a 4.". Dizemos quasi, porque cada reformador deixava um
pouco do antigo, a alma da velha matriz de 1661. As pequenas
r imagens antigas acham-se dispersas por igrejas e capelas varias,
hoje. Alem disso, pelos anos de 1760, se construiu outra capela
de Nossa Senhora da Conceição, alem-Ipanema, próxima a San-
to Antonio, e Bacaetava de hoje. E tambem ruiu. E imagens e
alfaias vieram para a matriz. De forma que é humanamente im-
possivel discernir entre tantas, hoje, a "Nossa Senhora" de
Braz Teves.
Nas ruinas da capelinha de Braz Teves se edi-
E no Sarapuí? ficou outra mais tarde e, antes de 1750, segun-
do hipótese de Monsenhor Vicente Hypnarows-
ki, consultando a tradição. Ainda em meados do século 19, eram
vistas, da estrada para Tatui, que alí atravessa o rio Sorocaba
(hoje a estrada-de-rodagem segue o mesmo traçado), as ruinas
desta 2." capelinha, que se chamou de Santa Cruz. Quando Cam-
po Largo era, apenas, um pouso de tropeiros, cerca de 1820 foi
trazidal esta cruz para uma nova capela, e existe, até hoje, e é
notavel pelas pinturas de emblemas nos seus braços, numa re-
cente capela à entrada da cidade.

1939 – Aluísio de Almeida


Mais um argumento: a fazenda' de Braz Teves (Esteves
Leme) que uma nota do 1.O livro do Tombo de Sorocaba coloca
na foz do Sarapuí com o Sorocaba, estava' nesse caminho e
tiilha escravos carijós em quantidade esse povoador, natural-
mente trazidos do Guairá, onde Af. Taunay assinala a' sua
presença. Mais outro: & nomes típicamente indígenas da re-
gião. Bandeirantes e jesuitas sabiam a lingua geral e a fa'-
lavam; nos lugares onde passavam, conservavam ou davam o
nome guaraní aos rios e pousos.

1919 – Ezequiel Freire


Vista da estação, a Fábrica apresenta o aspecto de uma
vila, administrada por uma boa câmara municipal; pois há or-
dem nos armamentos e bela arborização nas praças.
As casas de moradia dos empregados, de construção uni-
forme, alvejam na encosta da montanha, tendo por fundo da
paisagem as verdes matas do Araçoiaba.
O rio Ipanema, reprêso, dilata-se em grande lago de mar-
gens sinuosas, com manchas, aqui e ali, à superfície d'água de
nenúfares e d'outras plantas aquáticas.
A um lado, as casarias das oficinas, de fundição, de refino,
de máquinas; a vasta galeria avarandada onde residem os ope-
rários, sombreando-a um belo renque de frondentes paineiras,
que também vicejam nas outras ruas e praças, ao lado dos gua-
pirubus e das palmeiras.

Tudo aquilo respira um ar de tranqüilidade, de ordem e de


paz; parecendo mais uma estação termal desabitada, do que
um estabelecimento do govêrno.
A horas de trabalho, ninguém se vê desocupado, cruzando
as ruas, "sem ter que fazer". A atividade está toda concentrada
nas oficinas, junto dos fornos, das forjas, das máquinas de tra-
balhar o ferro. A hora de começar ou largar o trabalho é mar-
cada pelo apito de um vapor que move o martelo de bater o ferro
refinado.
Tem-se na Fábrica todos os recursos e regalos de uma ci-
,dade : hotel, padaria, açougue, hospital, médico, farmácia, ban-
da de música de operários. O comércio de gêneros alimentícios,
frutas e outros artigos de consumo doméstico, é feito pelos cai-
piras das circunvizinhanças, que para aí convergem, aos domin-
gos, com os seus cargueiros de provisões.
O corpo, vê-se, goza de todos os bens terrenos; quanto à
alma, o capelão do estabelecimento, reverendo padre Gottone,
encaminha-a na direção do céu com uma missa diária, às 6 da
manhã. perante um número de fiéis relativamente restrito, cons-
tando dêle celebrante, do seu acólito e da imagem de S. João,
o padroeiro da Fábrica.
No Sr. padre Gottone contrastam singularmente a robustez
moral com a fragilidade corpjrea; não que S. revma. maltrate a
jejuns e cilícios o terceiro inimigo da alma; antes, é a carne do
vigário de \Cristo que se mostra de uma rebeldia inexplicável
contra os cuidados culinários de que é rodeada. Daí vem que o
sr. capelão, possuindo um corpo alentado, julga-se débil, e, pro-
cedendo de acordo com as suas suspeitas, não raro ingere. à ceia,
uma dúzia de ovos com algumas chávenas de chá e muita com-
punção.
No mais, um sacerdote às direitas. de moralidade intemera-
ta, de profunda fé religiosa, assíduo aos ofícios, bom e carinhoso
para as crianças, mui temente de que o pecado não venha a gafar
a s ovelhas confiadas à sua guarda.
Como administração oficial, a Fábrica do Ipanema é uma
longa história engraçadíssima, cjue vem vindo desde meados do
século atrasado até agora cheia de episódios, de surprêsas e de
tolices administrativas singulares. Como riqueza, porém, a Fá-
brica é um Eldorado.
A Natureza foi assombrosamente pródiga naquele recanto
de terra brasileira e as riquezas minerais do Araçoiaba realizam
a fábula da perdiz cjue voava assada, já com o respectivo molho.
O minério do Ipanema é o mais rico do mundo; informam- '
me que contém 72% de ferro. Quanto à sua abundância, assim
se exprime o coronel Frederico Guilherme de Varnhagen, que
foi diretor daquele estabelecimento de 1815 a 1821, referindo-se
ao grupo de montanhas de formação metalúrgica que a fábrica
explora, ou melhor, devera explorar :
"Este grupo de montanhas tem cêrca de 3 léguas de coni- -
primelito e proporcionada largura. O trecho do morro é1 de gra-
nito; e de Morte a Sul, isto é, no sentido longitudinal, é cortado
por três grossos veeiros de ferro, já magnético, já especular
(pròximamente de 7 d e t r o s de pujança). Há porém aos lados e
pelo cimo bancos de chistos de várias grés, de pedra calcárea es-
cura, de miármores, de azul da Prússia, de pederneira, de grus-
tein e até de formações auríferas. O mineral "solto à super-
fície" do morro é t h t o e tão rico, que creio dêle se poderia por
< I mais de cem anos" alimentar a "maior fábrica do mundo", sem
recorrer a trabalho algum de mineração".
Isto, se é milito como riqueza nacional, ainda inexplorada,
importa, contudo, grande desencanto para o turista que visita
a Fábrica.
Eu, como todos os visitantes, tive curiosidade de ver as mi-
nas; lá fui, e, em vez das grandes escavaqões que pensava en-
contrar, vi apenas o minério acumulado à flor da terra, consis-
tindo todo o trabalho de mineração em carregar com êle as car-
roças de transporte.
Acima disse que a Natureza usou de assombrosa prodiga-
lidade no Ipanema; de fato: não só se acumula aí o minério de
ferro, mas tudo quanto pode facilitar a exploração dessas enor-
mes riquezas: grandes jazidas de calcáreo (do qual possuo um
iragmento, colhido atoa na pedreira: é um mármore lindíssimo,
prêto, listado de veias brancas, e por certo, em scompetência es-
trangeira, mui próprio para quaisquer trabalhos de marmoraria).
Há ainda a grés refratária, para a construção dos fornos altos;
o minério pobre, usado como fundente, etc. Tudo isso está qua-
se à superfície do solo, no recanto da montanha conhecido com
o nome de Capuava. Para carrear esses materiais, fácil tra-
balho: descem êles como que naturalmente pelo morro abaixo
até ás bocas dos fornos-altos, que os absorvem e digerem no
seu ventre de fogo, vomitando-os depois, em ondas de ferro 1í-
quido, sobre as formas modeladas no chão em que assentam
aquêles fornos, no interior da oficina de fundição.
e s t e primeiro trabalho produz a guza, que, ou é vendida
nesse estado, ou passa para o forno de refino, na oficina con-
tígua, sendo depois batida por um grande martelo movido a
água e outro a vapor, transformando-se em barras de ferro
refinado.
Confio da perspicácia do leitor que estará vendo claro na
arte metalúrgica, depois dessas explicaçóes tão lúcidas; se as-
sim, porém, não é, passemos adiante, a informações mais com-
preensíveis.
Fora o martelo a vapor para bater o ferro refinado, todos
os demais maquinismos da Fábrica são movidos pelas águas do
rio Ipanema, que, represado à altura conveniente, fornece uma
poderosa força motriz gratuita, força que pode ser utilizada pa-
r a mover outros maquinismos que se estabeleçam além dos já
existentes, prestando-se a isso a declividade do terreno.
Desde já trata-se de dar um maior desenvolvimento à %-
brica, elevando assim a produção atual que é de 3.000 kil. por
dia, a 32.000 kil., sendo 12 de ferro batido e aço. Tal é o pro-
grama do govêrno desde o ministério Sinimbu.
O ferro do Ipanema, confrontado com o melhor dos Esta-
dos Unidos, leva vantagem sobre êste. Na Exposição Indus-
trial realizada o ano passado no Rio de Janeiro, estiveram ex-
postas rodas de um e outro ferro, que havia servido nos vagões
da Estrada D. Pedro 11; a experiência provou a superioridade
das rodas de ferro fundido resfriadas na Fábrica do Ipanema.
A companhia Carris Urbanos de S. Paulo já começou também
a adotá-las.
A excelência do ferro do Ipanema resulta não só da quali-
dade do minério, como do emprêgo do carvão vegetal na fun-
dição. O combustível é fornecido pelas matas da Fábrica, cuja
área florestal abrange atualmente duas léguas quadradas. SÔ-
bre esta superfície está espalhada uma população de 500 a 600
almas, compreendendo, a!ém do pessoal das oficinas, os carvoei-
ros, os caieiros, que vivem nas matas, onde se ocupam na fa-
bricação de cal e do carvão.
Grande número de operários é de antigos escravos da na-
ção, libertos pela lei de 28 de Setembro; alguns dêles, nascidos
e educados na Fábrica, hoje ganham 6$000 diários como mes-
tres de oficina.

A Fábrica de Ferro
A verdadeira existência da Fábrica de Ferro do Ipanema
deve contar-se de 1816 para cá, quando foi nomeado diretor do
estabelecimento o coronel Frederico Guilherme de Var-
nhagen.
Em breves traços, eis o que se passou até êsse tempo:
Em 1589, o paulista Afonso Sardinha, andando a bater ma-
tos à procura de ouro, fora ter ao morro do Araçoiaba, onde lhe
constara haver jazidas auríferas. Em vez de encontrar um
filete de ouro, Sardinha descobriu uma m~ontanha de ferro, pró-
diga do minério mais rico e mais puro que possa haver.
Sardinha contentou-se com o gato, visto não ter apanhado
a lebre, e construiu um forno catalão para preparar o ferro. Essa
I
indústria estava na sua idade de pedra; Sardinha, acabrui~!la~lo
de diiiculdades, abandonou os tral~alhos que iniciara.
Divergentes das informações, de Azevedo hlarclues. tenlio
as seguintes: Cêrca do ano de 16CO um indivíduo tornou a eii-
coiitrar as jazidas de ferro do -Araçoial~a, já ent.50 abai~donadas
e esq~iecidas. A descoberta transpirou, chegando aos ouvidos do
ouvidor da comarca de Itanhaém, a qual abrangia deiltro do s e ~ i
perímetro as minas em questão Êste ouvidor, cujo nome não
lembra, veio pessoalmente verificar a existência das jazidas meta-
Iíieras, achou-as de agrado, e para dar um ar de sua graqa, pu-
hlicoii alvará proibindo, sob pena de morte, que alguém se esta-
belecesse nas terras do Aracoiaba, mandando, concomitantemente,
< < , levantar um pelourinho".
Eram uns magníficos hotneils os ouvidores; êste sobretudo,
previdente, sabendo que a fuiidição do ferro necessitava de car-
vão vegetal, queria poupar as matas que haviam de, no futuro,
fornecer o indispensável combustível.
Nesta segunda fase a Fábrica nenhum desenvolvimeiito te-
ve e foi de novo abandonada.
Em 1808, o Conde de Linhares, ministro de D. João VI, tendo
em vista libertar o país da dependência em que se achava perante
a indíistria estrangeira, mandou fundar duas fábricas de ferro,
uma em Minas Gerais, outra nesta província, no Ipanema.
Para êste fim veio da Europa o coronel Frederico Guilher-
me de Varnliagen, que servia no exército português com o pôs-
t o de capitão. O velho conselheiro Martim Francisco, então
inspetor das minas e bosclues, foi encarregado de demarcar a
área florestal precisa para os trabalhos da mineração, e
de fazer outros ~iecessários estudos. Inaugurou-se de novo a
Fábrica, constituída por emprêsa entre particulares e o príncipe
D. João, dirigida por uma junta diretora da qual fazia tambérn
parte Varnhagen, como representante dos acionistas particulares.
Dirigia o serviço, como técnico, o sueco Hadberg. Demarcou-jz
o distrito florestal, compreendendo 3741 hectares de matas, c
mandou-se pagar as benfeitorias aos intrusos que, apesar do pe-
lourinho do ouvidor de Itanhaém, tinham-se estabelecido no morro
Araçoiaba, lavrando as terras.
Essas benfeitorias importam em 826$360. Hadberg com a sua
colônia de operários estabeleceu as forjas suecas para o "tra-
tamento direto" do ferro, sistema precário que só preparava o
metal para a fabricação de pequenos instrumentos de lavoura.
mas imprestável para a fundição de peças que exigissem gran-
de resistência.
Por êsse tempo veio ao Brasil o. Barão Eschwege, diretor
geral das minas de Brunswick, hom'em mui proficiente em me-
talurgia, o qual escreveu posteriormente, lêmo-10 em Larousse,
muitas obras sóbre o reino mineral do Brasil. Conversando
i Eschwege com Varnhagen, combinaram, à vista da imperfeição
do sistema de mineração usado pelos suecos, que indispensável
era adotar-se sistema mais aperfeiçoado. O rei D. João VI man-
dou rescindir o contrato com o sueco Hadberg, chamou a si tò-
da a fábrica 'e nomeou seu diretor a Varnhagen em 1816. Varnha-
gen constituiu os fornos altos (que hoje ainda funcionam) e
pela primeira vez no Ipanema correu o ferro fundido, mode-
lando-se com êle, no dia 1.' de novembro de 1818, três grandes
cruzes, uma das qqais vê-se ainfia erecta à entrada da estabeleci-
mento, no terrapleno que forma a reprêsa c10 riacho Ipanema, e
cujas águas são, como já dissemos, a força motriz dos ,maquinis-
mas da fábrica.
Para recompensar êstes serviços, o rei elevou Varnhagen a o
pósto de coronel e deu-lhe a Comenda de Cristo.
Varnhagen reconheceu desde logo a insuficiência da área
florestal demarcada pelo coronel Martim Francisco. em 1810, e
mandou demarcar nova área em 1820.
Sobreveio então a crise política, depois o juramento da Cons-
tituição, criando-se os Conselhos Administrativos.
O Conselho ordena que Varnhagen jure a Constituição; re-
plica êste que não é português, mas alemão. Insiste o Conse-
lho, mandando que Varnhagen ao menos faça jurar a dita Cons-
tituição pelos empregados da Fábrica; responde êste que comu-
nicara aos seus subordinados a ordem do Conselho. Disto pro-
veio algum azedume de parte a parte e o coronel Varnhagen pe-
diu demissão c10 cargo de diretor da Fálbrica, à qual tantos servi-
ços prestara, pretextanto ter necessidade de voltar à Europa
para educar seus filhos.
O Conselho Administrativo pediu então a Varnhagen que,
visto retirar-se, indicasse um oficial hábil para o substituir na
direção do estabelecimento; Varnhagen indicou dois.
Que fez o Conselho?
- Nomeou um terceiro!
Retirou-se Varnhagen para a Europa, levando em sua com-
panhia seu filho o jovem Francisco Adolfo de Varnhagen, o ilus-
tre brasileiro que depois se chamou o Visconde de Pórto Se-
guro, com o qual teremos de nos ocupar mais tarde.
Pela retirada de Varnhagen deixou de realizar-se a aqui-
siqão da área que só mais tarde, sob a atual administração d o
sr. dr. Mursa, foi adquirida, quando já a proximidade da fer-
rovia Sorocabana muito elevara o valor venal daquelas terras,
que, oportunamente compradas, teriam custado ao govêrno so-
ma insignificante.
A Fábrica estava progressiva e ràpidamente decaindo, pela
incapacidade dos seus diretores, de modo que em 1834, sendo pre-
sidente desta província o brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar,
foi nomeado diretor daquele estabelecin~ento o alemão MBjor
Bloem, que no Pará prestara serviços à Independência, tendo
anteriormente sentado praça no exército, brasileiro.
Bloèm trouxe da Europa uma colônia alemã que prestou
serviços i Fábrica, até que em 1842, quando ela parecia dever
entrar em nova era de prosperidade, uma nova crise política
veio de novo paralisá-la. O Major Bloem, envolvido na luta ci-
vil, 'foi prêso por ordem do ulteriormente Marquês de Caxias.
Caiu de novo a Fábrica em abandono.
Em 1860 foi dissolvida, ordenando o govêrno que, em vez
dela se fundasse uma otitra na província de Mato Grosso. Pa-
ra lá foram remetidos o pessoal técnico e os oficiais de ofício,
escravos da nação, ficando no Ipanema alguns velhos e inválidos,
indo o resto para a colônia do Itapura.
Este caso da peregrinação a Mato Grosso é de !grande pi-
lhéria. Para lá seguiu tudo, pessoal e maquinismos, ao mando
de um ilustre desconheci90 - o engenheiro alemão Rodolfo,
que tempos antes havia sido contratado na Eu~opia para vir
dirigi? o laboratório pirotécnico do Rio de Janeiro, direção na
qval revelou extraordinária incapacidade.
Ora, para recompensar o fiasco dêste inhábil fogueteiro.
foi que o govêrno lhe confiou o encargo de fundar em Mato
Grosso uma fábrica de pólvora e outra de ferro; quando nin-
guém dava notícia de haver naquela província minério de qua-
lidade alguma.
Depois de cinco anos de infrutíferas pescluisas, o grande
metalurgista voltou ao Rio, sem haver descoberto ou fundado
coisa alguma; tendo ganho 10.Q- anuais de ordenado, fora
uma diária de 1O$lKl para cavalgadura.
Ora, se um burro ganhava aquela soma. quanto deveriam
ganhar os inventores & acoroçoadores dessa excursão de táo
grande pilhéria ?
O transporte dos materiais, do Ipanema a Mato Gross3,
custou 22.W3XXXl; parte deles ficou em caminho, e alguns a t é
hoje enferrujam-se ao sol, atirados sôbre a praia da cidade de
Santos, perto da Alfândega.
Esteve a fábrica em abandono até 1865, ai10 em que lhe foi
nomeado diretor na pessoa do major de eilgenheiros, clr. Jon-
quim de Sousa Mursa, a cuja inteligente direçáo.deve-se a pros-
peridade relativa em que se acha hoje aquêle estabeleci~nei~t~.
lSa.

A MEMÓRIA
DE VARMHAGEN, VISCONDE DE
PORTO SEGURO,
NASCIDO NA TERRA FECUNDA DESCOBERTA
POR COLOMBO.
INICIADO POR SEU PAI NAS COISAS
GRANDES E ÚTEIS, AMOU SUA PATRIA
E ESCREVEU-LHE A HISTÓRIA.
SUA ALMA IMORTAL REÚNE AQUI TODAS
AS SUAS RECORDAÇÕES

Criada nesse tempo a paróquia de S. João do Ipanema.


para a quai foi nomeado o padre Gaspar Antonio mlhei-
ros, Varnhagen se opõe a essa criação, alegando que ali só
deviam residir os empregados do estabelecimento e que Estes
já tinham a sua capelania. Intransigente no seu ponto-de-
vista, dificulta de todo o modo a entrada de novos mora-
dores. Proíbe-lhes o corte de madeiras para construça0, a
derrubada de matas para lenha ou lavoura e todo e qual-
quer gênero de neg6cio.
Nessa emergência, náo tinhwn os habitantes outra me-
dida a tomar senão escolher novo local pam se estabelece-
rem. A maior parte dirigiu-se para a povoaçb de Taiuhu,
cuja capela foi elevada, em 1818, a categoria de partjquia,
sob o padroado de S. Joáo do Benfica.
Invadindo terras alheias, aí se foram acomodaniio os
sertanejos. Mas não tardou que alguns dêles tivessem a
idéia de mudar a povoação. E, a uma légua de distãiicia
do Benfica, levantaram outra capela, "coberta de folhas de
indaiá", no dizer do Dr. Laurindo Dias Minhoto. Foi ésse
o núcleo de que se originou a atual cidade de Tatui, c;ija
fundação é comemorada a 11 de agosto porque foi a 11 de
agosto de 1826 que a Câmara de Itapetininga féz n mediçio
e demarcação de seus terrenos.
Outros retirantes encaminharam-se para o bairro de
Campo Largo, onde foi criada, em 1826, a freguesia de Nossa
Senhora das Dores, que veio a constituir o município de
Campo Lar50 de Sorocaba, atualmente denominado Ara-
çoiaba da Serra.
Com R. saída dos moradores do Ipanema, houve f a l h
de gente no distrito da fábrica. Os gêneros subiram de pre-
ço e o carvão escasseou. Durante algum tempo, Va:rnha-
gen ficou só com escravos na oficina e apesar disso. escre-
veu ele, os trabalhos "iam tão bem que todos se admiravani''.
Em setembro de 1820, chegaram finalmente os artífices
alemães há tanto tempo esperados. É de pasmar que, tendo
Varnhagen feito o pedido dêsses operários logo no :inicio
de sua gestáo, só 5 anos deoois. em maio de 1820, é que D.
.Joaquim Lobo da Silveira, Conde de Oriola, tenha assi.nado
os contratosem Berlim. Por isso, comentou o diretor: "Há
tres anos veria esta noticia com muito agrado, porém agora,
me vejo quase indiferente".
Ao deflagrar, em maio de 1842, a Revolução Liberal de
Sorocaba, Bloem forma ao dado
dos rebeldes, que eram chefiados pelo brigadeiro Tobias. E
por isso é preso e destituido do cargo.
Logo depois, a 30 de agósto, era nomeado diretor inte-
rino o capitão Antônio Ribeiro de Escobar e a 2 de no-
vembro, o diretor efetivo tenente-coronel Antônio Manuel
de Melo
Três anos estêve na administração o tenente-coronel
Me10 que, apesar de esforçado, não póde impedir a deca-
dência, que caminhava a passos largos.
Os 20 anos que vão de 1845 a 1865 foram, não só de
completa esterilidade, mas de franco declinio. Cinco dire
t0res efetivos se contam nesse período.
O l? foi o Barão de Itapicurú-Mirim, nomeado a 12 de
âbril de 1845 e logo no mês seguinte substituido pelo major
Jacinto Vieira do Couto Soares, vice-diretor, que assumiu o
exercício em caráter interino, a 13 de maio do mesmo ano.
Foi durante o seu mandato que se realizou, em 1846, a visita
de n. Pedro, conforme já expusemos. O major Soares, por
sua vez, foi substituido pelo vice-diretor tenente João Pedro
de Lima e Fonseca Gutierrez, nomeado a 23 de março de
1847.
O 20 diretor foi o major Dr. Joaquim José de Oliveira
que, nomeado a 19 de agósto de 1847, deixou o cargo a 6
de maio de 1848, sendo substituido, em caráter interino,
pelo tenente Gutierrez.
O 30 foi o general Ricardo José Gomes Jardim que, no-
meado a 2 de junho de 1848, obteve logo em seguida uma
licença e foi substituido, a partir de 30 de abril de 1849, pelo
tenente Gutierrez.
O 40 foi o major Francisco Antônio Raposo, nomeado a
19 de novembro de 1849. Retirando-se para a côrte foi
substituido pelo tenente Gutierrez.
Em 50 lugar, foi nomeado, em setembro de 1860, o te-
nente Francisco Antônio Dias.
Nada tendo que fazer na fábrica, então desmantelada,
o tenente Francisco Antônio Dias a i fica durante 5 anos,
fortnando invernzdas e mantendo uma turma de ociosos.
Sobrevindo em 1865 a guerra do Paraguai, foi aban-
donado o plano da mudançn, não só por tornar-se imposisivel
a navegação fluvial, como pela necessidade que havia de
pôr o maquinário a funcionar, com toda a urgência, a fim
de produzir material bélico.
Dessa.missão foi encrirreqado o canitão de en~enheiros
Dr. Joaquim de Sousa Mursa, nomeado para o cargo de
diretor a 6 de setembro de 1865. Pondo mãos a obra com
esforço e tenacidade, consegue recompor o estabelecimento,
aue se a-hsva em minas, fazendo-o atingir notável estado de
prosperidade.
Como pormenor interessante e que bem mostra o presti-
pio de Que aassou a gozar a fábrica nessa ocasião, basta no-
tar aue, realizando-se a 10 de julho de IR75 n inauguração da
Estradu de Ferro Sorocabana, a primeira locomotiva rece-
beu o nome de Ipanema.

Das könnte Ihnen auch gefallen