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a) O Ipanema.
O morro do Ipanema, que tirou esse nome do pequeno ri-
beiro que lhe corre do lado do nascente, até cair no rio Sorocaba
próximo, e cujas aguas ruins (segundo a etimologia tupí) fo-
ram sempre empregadas na industria do ferro, teve outrora, e
devia ser conservado, o apelido mais genésico de Araçoiaba, por
a!guns transformado em Biraçoiaba. Vindos do leste, os indí-
genas, logo mais os bandeirantes (e hoje qualquer um de nós),
notaram que o sol se punha' atrás dessa montanha. Daí o chama-
rem-lhe "coberta do dia", Ara-çoiaba, ou Biraçoiaba, esconderijo
do sol nos bosques. Prevaleceu o nome Aragoiaba, ainda exis-
tente para significar o morro e tambem para um bairro próximo.
Com três leguas de sul a norte e a metade de leste a oeste,
mais ou menos. e uma abertura de 900 metros acima do nivel do
mar, ergue-se, numa vasta planicie, cerca de quatro leguas adian-
te da serra de São Francisco, entre esta e o rio Tietê. Três gran-
des vieiros de ferro a Dercorrem de norte a sul. e dizia Var-
nhagen pai que apenas o minerio colhido na flor da terra sus-
tentaria, por mais de cem anos, uma importante fábrica de ferro.
Ora, contornando-a a sudoeste, passava', próximo do Ara-
çoiaba, uma trilha de bugres chamada peabirh, ligação preco-
lonial do Atlântico e planalto com o Guairá e Paraguai. Nos ex-
tremos e em varios trechos dessa estrada, moravam tribus da
raça guaraní. Procurava, descendo de São Paulo pelo vale do
Tietê, os grandes campos do Sul, donde se dividia em dois ra-
Ilios: um à direita, para o Paraguai, atravessando o Paranap-
nema, e outro à esquerda, para o Rio Grande do Sul, e do qual,
nas alturas de Curitiba, provavelmente um ramal demandava as
cabeceiras do Tibají alcançando o primeiro, do Paraguai.
Grandes viajores, os guaranís frequentavam esse caminho,
balizando-o com as montanhas, pontos de referencia muito no-
taveis. Descendo a serra' de São Francisco, mais à sua direita,
quasi à beira do Tietê, avistavam logo o Araçoiaba. Mais duas
jornadas, e tinham diante de si a pequena serra hoje chamada do
Angatuba e os morros isolados de Guarei e do Bofete, adiante
dos quais se estende, em gracioso semicírculo, a serra de Botu-
catú (ibitz'cutú, bons ares). A esquerda: atravessavam o Parana-
panema, deixando os campos e entrando nas densas florestas
onde mais tarde os jesuitas fundaram as Reduções do Guairá.
Alem das Sete Quedas, o Paraguai.
No século da descoberta houve mais de um viajante europeu
através destes sertões. E' muito conhecida a historia de Ulrico
Schrnidel, que veio do +raguai a São Vicente, passando por
Santo André, a vila de João Ramalho, em 1552. E a alfândega
de São Vicente rendeu 100 cruzados mais nesse ano de 1552,
por causa do comercio dos "castelhanos". Talvez por este ca-
minho tenha vindo o padre Nóbrega até estas plagas, aknçoan-
do-a's. Dado o caso que a aldeia de Maniçoba corresponda ao
local onde é ItÚ, ele não esteve longe daquí e seu olhar de após-
tolo deve ter pousado sobre o Ipanema, adivinhando, além, al-
mas a converter, povos numerosos e doceis.
Que povo habitava esta planicie e as vertentes destes morros ?
Isto já é prehistoria. Uma pergunta curiosa. Pelo menos
no século 16, eram da raça' tupi-guaraní os habitantes destas re-
giões, a julgar pelos vestigios deixados nas denominações geo-
gráficas.
Provavelmente começava por estas imediações o habitat da
grande tribu dos carijós, que se estendia desde o Itanhaem 5-té
o Guairá e o Rio Grande do Sul. Pobres criaturas, foram os
primeiros escravos e em proporção tão grande que, até no sé-
culo 18, se chamavam carijós os escravos da raça vermelha de
um modo geral.
Haveria uma ou mais aldeias por aquí, ou apenas passavam
em tropel para a caça e a' pesca?
A Phori, pode-se responder que muitas vezes os povoados
brasileiros nasceram de aldeias indígenas, mesmo porque os se!-
vagens tinham, como um sexto sentido, a boa localização, a geo-
grafia. Os primeiros documentos, já do século 17, falam em
< I paragem" de Sorocaba. Note-se tambem que, nos fins do sé-
culo passado, foram descobertos sinais de provavel aldeia, ossos,
igaçabas, instrumentos de barro, etc., e que, no bairro da Apa-
recida, existiu até há pouco um "capão de bugres".
Afonso Sardinha, o moço, e talvez tambem "o velho", che-
garam a Ipanema cerca de 1590. Vinham do Jaraguá e passaram.
por Ibituruna, procurando ouro. O primeiro faleceu em 1592
no Jaraguá, onde ficaram as ruinas de sua fazenda. O segundo
morreu no sertão em 1604, possuindo, para testar, uma boa quan-
tidade de ouro em pó.
Ora, em 1591, começava a governar na Baía o sr. Dom
Francisco de Sousa, ou melhor, o Dom Francisco das "minas".
Sua vida toda tivera um fito: alcançar o Eldorado misterioso-.
e o título sonoro de Marquês das Minas. Este, ao menos, o apro-
veitaram os netos. Ele morreria pobre, em São Paulo, a 10
de junho de 1611.
A historia do Ipanema e de Sorocaba consagrou um capí-
tulo interessante a esta personalidade. E' um benemérito de So-
rocaba. Em 1598, partiu da Baía, parando em Vitoria do Es-
pírito Santo. Em 1599, estava em Sáo Vicente. A 23 de maio
desse ano, partiu de São Paulo para o Araçoiaba. Trazia os
mineiros Jaques de Unhalte e Geraldo Betim, o florentino Bac-
cio de Filicaia, o fundidor Cornelio de Arzão, soldados e povo.
As despesas eram grandes, tendo os mineiros a anuidade de
200$000. Da alfândega de Santos vieram 6:000$000 em novem-
bro.
Dom Francisco de Sousa levantou pelourinho num daque-
les dias de 1599, chamando à nova povoação Nossa Senhora de
Monte Serrate, de quem foi muito devoto. Parece que o gover-
nador não encontrou nem ouro nem prata, mas fundou um en-
genho de ferro. Em novembro, retirou-se.
Em 1605, está em Madrid o grande sonhador, batendo a to-
das as portas. Só em janeiro de 1608 é que obteve passagem
gratis para os aventureiros que o acompanhassem, um bom nú-
. mero de degredados, o direito de conceder os títulos de cavalei-
ros fidalgos e moços de câmara a 100 pessoas, respectivamente,
12 hábitos de Cristo de 20$000 e 6 de 50$000, eic.
E, em 19 de fevereiro de 1609, parte de São Paulo a gran-
de leva de povoadores, acrescida com um bom número de pau-
listas. Não consta de grandes resultados a respeito de oaro e
prata. Si algum ferro se obteve, não enriqueceu a ninguem, e o
pobre Dom Francisco, ao morrer, lhe deu de esmola um jesuita
a' vela com que, cristão e devoto da Virgem, ingressou na ver-
dadeira Gloria, como é licito esperar.
Os povoadores, estes, dividiram-se: a maior parte deve ter
voltado para São Paulo; poucos se deixaram ficar junto ao en-
genho de ferro, nas Furnas, e outros se aglomeraram no Itape-
buçú (pedra chata grande), que se corrompeu em Itavovú, ar-
raial, ainda hoje existente à beira do Sorocaba.
Um dos dois povoados, o de Ipanema e o & Itavovú, ou
então ambos, se chamaram de São Filipe. Sempre lemos nas
historiadores, aliás sem documento escrito, mas baseados na tra-
dição, que o Itavovú atual é o São Filipe, fundado de 1600 a
1611. A conclusão muito simples é que o proprio governador
mudou o local de sua gente e o chamou de São Filipe em honra
do seu real senhor. Esta mudança em vida do nosso fundador,
ou mesmo depois, só tem uma ekplicação: ele ou os seus com-
panheiros. ou todos eles, desistiram de uma riqueza imediata das
minas, para cuidarem da agricultura, porquanto é impossive!,
ainda hoje, morar no Itavovú e ir a pé trabalhar no Ipanenema,
mais de uma legua. E, todavia, não será mais razoavel pensar
que a mudança foi, depois de 1611, sponfe sua dos povoadores?
Quanto a o nome, poderiam levá-lo consigo, pois nada impede que
na 2.* viagem, entusiasmados com os favores de Felipe 11, trou-
xessem-a idéia de mudar o nome do povoado das Furnas. Nós,
porem, para libertar-nos de tantas hipóteses, conservaremos uma,
que é verdadeira em grande parte, chamando de Nossa Senho-
ra do Monte Serrate à povoação logo extinta do Ipaneilia, e de
São Filipe S do Itavovú. (1)
(1) João de Laet esteve no Brasil em 1596, segundo Varnhagen, e
certamente antes de 1625, quando imprimiu O Novo Mundo o11 Des-
crigão das Indias Ocidentais, do qual dois livros pertencem R coisas
do Brasil e, nestes, dois capítulos à capitania de São Vicente.
Diz ele que havia ferro e tambem ouro, em Biraçoiaba montanha
onde "os portuguezes construiram presentemente uma villa denomi-
nada Sáo Felippe, mas que não tem muita importancía", a sudoeste
de S5o Paulo. A 30 leguas da capital e quasi às margens do rio
Tietê. põe o autor esta vila, e chama Nossa Senhora de Monte Ser-
rate outras minas, a 12 leguas da capital! A cinco leguas, no cami-
nho desta a Bessucaba, havia uma fazenda de açucar e marmelos:
com amhos se faziam marmeladas . .
Em cocclusão: no Ipanema ou no Itavovú existiu deveras a vila
de São Filipe, e já havia estrada de Piratininga para Sorocaba. O
.resto é embriilho de leituras apressadas; o homem não chegou até aquí.
Despedimo-nos, aqui, do grande benfeitor de Sorocaba, do
seu primeiro carregador de povos, desse nobre aventureiro por-
tuguês e cristão, digno representante do seu século.
O Itavovú vegetou de 1611 a 1661. A historia emudece a
seu respeito. Nunca foi vila nem paroquia. Tudo leva a crer que
nenhuma das duas povoações de Dom Francisco tivesse verea-
dores. Vigarios, nem se fala. O pelourinho, pois, foi apenas o
companheiro temeroso de um governador-geral, um símbplo de
sua autoridade.
Por isso, não é bem uma mudança de pelourinho que se
efetua em 1661. E' a criação de uma vila de Sorocaba, indepen-
dente das outras duas. E' a elevação oficial a vila de um povoa-
do que existia desde 1645, com a consequencia infalivel de apres-
sar, numa terceira transmigração, a vinda dos últimos povoa-
dores do Itavovú, que em 1700 e poucos é uma simples fazenda
onde mora o parnaibano Luiz Castanho de Almeida, neto do
homônimo explorador de Goiaz.
Ruinas do Itavovú, existem apenas uns vestigios de taipas
e paliçadas, alem da ponte, e quasi uma legua mais longe, da baii-
da de Porto Feliz. Chamam ainda os caipiras, a este bairro, dos
Quartéis. Seria, acaso, uma defesa contra os selvagens, no seio
da mata virgem, que aí começava e seguia os vales do Sorocaba
e Tietê. Nos 1700 e poucos havia um "gentio do rio abaixoJ',
cujos batizados se registravam com essa procedencia, no meio
de outros,muitos de quem se declara administrados da casa de
Fulano. Seriam habitantes quasi livres, velhos donos desses lu-
gares, ou, mais provavelmente, escravos de um senhor que não.
se designa. (2)
(2) Foi durante a vida efêmera de São Filipe que os tacóes das
botas dos bandeirantes bateram nestes campos, vindos de São Paulo
para o Guairá, cujas reduções arrasaram. A historia desses tempos
'está hoje completa, graças aos informes obtidos pelo ilustre dr. Afon-
so de Taunay nos arquivos de Espanha. Por aquí transitou o gado
humano trazido através das matas, pelo caminho primitivo do Pea-
birú, milhares de pobres guaranís acompanhados pelos heróicos pa-
dres Mazzetta e Mansilla que iam a Madrid e a Roma chorar os
males de suas ovelhas e solicitar remedios.
Estes escravos é que em parte foram os fundadores hum.ildes de
Sorocaba, ficando nas fazendas e sesmarias da redondeza, socando as
primeiras taipas, aumentando a população entre si e, aquí tambem,
servindo à sensualidade de brancos e mamelucos. Em 1628 acabava
o Guairá e os bandeirantes continuaram a perseguir jesuitas e
Guarai~ís no sul de Mato-Grosso e no Rio Grande do Sul. A
caça ao indio cedeu à ambição do ouro de Cuiabá, em 1718: c r-ra-n
Uma hipótese: a estrada do peabirú, acima referida, pare-
c e que atravessava o rio Sorocaba nesse ponto, vindo de Parnaiba
aos campos de Pirapitinguí. Daí, a mudança para um lugar mais
conhecido.
c ) Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba
Pelos anos de "corenta e seis", diz em 1747, no 1." Livro
do Tombo, o pároco Pedro Domingues, em 1654, preferem ou- *
tros, expatriaram-se de Parnaiba e do Itavovú os primeiros po-
voadores para junto da ponte do rio Sorocaba, em terreno per-
tencente a Baltasar Fernandes.
Este autêntico "calção-de-couro" era o segundo filho de
Manuel Fernandes Ramos, natural de Moura, Portugal, e de
Susana Dias, filha de Lopo Das e Beatriz Dias, e esta filha de
João Ramalho com Beatriz Dias.
Entre os seus 12 irmãos e irmãs, sobressaem o priinogênito
André, que com o pai fundou Parnaiba, e &mingoS, fundador
de Itú. A familia residia em Parnaiba, e em 1640 aparece Bal-
tasar representando esta vila numa reunião de representantes das
Câmaras de São Vicente, sobre a questão dos jesuitas e da li-
berdade dos indios. Susana Dias faleceu em 1634, já casada em
segundas nupcias.
André Fernandes, proprietario de grandes sesmarias na re-
gião de Parnaiba, Itú e Sorocaba, foi um grande bandeirante,
terrivel inimigo dos jesuitas do Guairá; e, no entanto, mandou
ao Paraguai, por terra, a ordenar-se de padre, o filho Francisco
Fernandes de Oliveira, que veio a ser vigario de sua terra.
- A sesmaria de Sorocaba ficou pertencendo a Baltasar. Em
1645, segundo Silva Leme, ou 1646, segundo o padre Domin-
gues, já citado, Baltasar Fernandes, seus filhos e genros, e pa-
rentes e escravos (ele tambem deve ter ido a caça dos indios),
sairam de Parnaiba para estabelecer-se em Sorocaba.
Maria de Torales foi a única filha que lhe ficou do casa-
mento com Maria de Zuniga, nascida em Vila Rica do Paraguai,
filha de Bartolomeu de Torales e Violante de Zuniga, e casada
fora com Gabriel Ponce de Leon, nascido em Guairá, filho de
Barnabé Contreras e Violante Gusman. Convolando a segundas
sorocabanos os novos bandeirantes. Destas guerras, resultou virern
primeiro a São Paulo e logo a Sorocaba, casando-se nas familias pau-
listas os Zuniga, Ponce de Leon, Torales, Peralta, etc.
nupcias, teve Baltasar, de Isabel de Proença, filha de João de
Abreu e de Isabel de Proença, mais 9 filhas e três filhos.
Potencia de Abreu foi casada com Manuel Bicudo Beza-
rano, em cuja fazenda de Apoterobí, hoje Apotribú, distrito en-
tão de Parnaiba, foi em 1660 passada a doação da igreja de
Nossa Senhora da Ponte e terras aos beneditinos; são os pais de
Isabel, mulher de João Sutil, irmão de Miguel SutiI de Oliveira.
Mariana casou com Diogo do Rego Mendonça.
Cecilia de Abreu foi mulher de seu tio André de Zuniga y
Leon, filho de Gabriel Ponce de Leon e Maria de Torales.
Verônica casou-se com Bartolomeu de Zuniga y Leon, ir-
mão do precedente. Os filhos Manuel e Luiz mudaram-se para
Itú. O primeiro é o pai de Antonio Fernandes de Abreu, a vi-
tima dos irmãos Leme ; o segundo é um dos ascendentes de Dom
José de Camargo Barros, bispo de São Paulo. O último filho
deixou terras em Sorocaba, por sua morte em 1655, a dois fi-
l h ~ s . A geração dos outros interessa menos ao nosso intento.
Aparecem mais, nos livros antigos da paroquia, os dois genros
André e Bartolomeu, bem como o segundo Gabriel Ponce de
Leon. Mahuel, porem, nos primeiros tempos, foi dono de casas
de taipa, que construiu no centro da vila. Baltasar era dono de
muita escravaria, a riqueza do tempo, indios carijós já batiza-
dos, provindos das reduções jesuíticas. Plantavam a mandioca.
o milho, o algodão, o trigo e a vinha. Criavam gado vacum. Sua
casa, um grande rancho feito de taipa e certamente coberto de
telha, devia de morar mais ou menos na altura de São Bento
atual. Podemos fantasiar o nosso fundador, no meio da campi-
na, olhando a leste a serra de São Francisco, a oeste o Ipinema.
ambos cobertos de matas, e, à sua frente, campos e cerrados
onde o mano Domingos estava fundando a vila do Outú e, um
pouco à direita, adivinhando-a através da mata impenetravel, a
terra natal: Parnaiba.
Estava-se em 1650 e tantos. Com o sossego e o vagar das
obras duradouras, vieram vindo outros habitantes do Ipanema,
do Itavovú e de alhures, congregando-se em volta do poderoso
senhor, em pobres casinhas de palha.
A ponte, lá embaixo, era um esforço notavel, naturalmente
iniciativa dele. Uma picada subia ao campo da Boa Vista, des-
cia entre a atual Aparecida e Brigadeiro Tobias, afundava-se no
Mato Dentro, deixava à direita São Roque, entrava no terreno
de Bezarano, em Apotubú, e surgia em Parnaiba. Muitos anos
depois, seria esta a estrada geral para São Paulo, evitando os
pontos mais altos de São Francisco e de São João.
A capelinha, onde se reuniam fundador e moradores, já não
bastava mais. Então, certo com a mira num projeto muito ele-
vado, quasi um sonho, localiza a igreja de Nossa Senhora, com
o tamanho atual de São Bento, frente para o nascer do sol, no
ponto que ele julgava seria sempre o mais alto da povoação.
Terra vermelha para a taipa estava quasi à mão. Os carijós le-
vantavam o grande soquete de cabreuva. Pumt Pum! Subiani
as paredes. Dos matos próximos, traziam as madeiras de lei.
A igreja ia se aprontando devagarinho. Estava coberta, sem
forro e sem soalho. Fizeram-lhe um retábulo decente. A iinn-
gem de Nossa Senhora, pequenina, acompanhava-o sempre. De-
via de ter um menino nos braços. Mas, qual seria o título IitUr-
gico? Talvez nem o soubesse o humilde artífice que a fizera. E
lá está, no altar novo, a imagem da Virgem. Os raros sitiantes
da redondeza vêm alí rezar o terço, ou talvez oiivir uma niissa
do vigario de Parnaiba, sobrinho do fazendeiro. Vão admirar a
ponte, o rio. Voltam para as roças: tinham estado na igreja de
Nossa Senhora da Ponte. Assim nasce um orago.
E no dia 21 de abril de 1660, após as negociações e vaivens
de tais negocios, estavam reunidos no Apotubú, em casa de
Manuel Bicudo Bezarano, o seu sogro, já velho, Baltasar Fer-
nandes, Claudio Furquim, Jacinto Moreira, André de Zuniga, e
mais o vigario parnaibano Francisco Fernandes de Oliveira e os
reverendos monges beneditinos da residencia e convento de Par-
naiba - o presidente frei Tomé Batista e frei Anselrno da
Anunciação. O tabeliãq Antonio Rodrigues de Matos, aparando
com solenidade a pena de pato, começou a escrever no livro pro-
prio: Saibam todos quantos este público instrumento de doação
virem.. . etc. na paragem chamada Apoterobí, termo da vila de
Santana de Parnaiba, da capitania de São Vicente, partes do
Brasil, etc. Em resumo, os beneditinos recebiam de Baltasar
Fernandes, para todo o sempre, a igreja de Nossa Senhora da
Ponte, com toda a sua fábrica, toda a terça que lhe cabia, por
sua morte, em terras e escravos, doze peças do gentio da terra
por conta da dita terqa, um moço gentio para a sacristia e uma
moça india para a cozinha. "E outrosim lhes dava dose vacôas e
um touro." Nomeava especialmente, na terça, o seu moinho e
a vinha, como quem diz: não faltará hostia ngn vinho para o
santo sacrificio. Em troca, comprometiam-se a levantar, por sua
conta, dormitorio com quatro celas, despensa, cozinha e refei-
torio, a assistirem na igreja, rezando pelo fundador, 12 missas
anuais, alem da festividade de Nossa Senhora da Ponte.
E, desde já, cabia aos padres, para o seu sustento, unia roça
onde se estava plantando mandioca, com os limites do rio, do
convento e das fazendas de Braz Esteves e Diogo do Rego e
Mendonça (outro genro do povoador). E, como o escrivão ga-
nhasse pelo trabalho, dobrou-o em tamanho com as fórmulas
cumpridas do costume.
Todos ouviram em silencio a leitura da doação. E assina-
ram os clérigos com toda a facilidade, os leigos com o vagar e
o escrúpulo de mãos habituadas a outros misteres. Depois, o es-
crivão deitou o pó de areia nas últimas linhas. Talvez só hou-
vesse a areia da parede. O certo é que estes nomes ficaram gra-
vados em versais douro na historia de Sorocaba.
Em plena renascenqa, a Ordem de São Bento ressurgia
aquem do Oceano, com as glorias de civilizadora, que sempre ti-
nha sido da Europa. Belos caminhos segue a Providencia!
A Fábrica de Ferro
A verdadeira existência da Fábrica de Ferro do Ipanema
deve contar-se de 1816 para cá, quando foi nomeado diretor do
estabelecimento o coronel Frederico Guilherme de Var-
nhagen.
Em breves traços, eis o que se passou até êsse tempo:
Em 1589, o paulista Afonso Sardinha, andando a bater ma-
tos à procura de ouro, fora ter ao morro do Araçoiaba, onde lhe
constara haver jazidas auríferas. Em vez de encontrar um
filete de ouro, Sardinha descobriu uma m~ontanha de ferro, pró-
diga do minério mais rico e mais puro que possa haver.
Sardinha contentou-se com o gato, visto não ter apanhado
a lebre, e construiu um forno catalão para preparar o ferro. Essa
I
indústria estava na sua idade de pedra; Sardinha, acabrui~!la~lo
de diiiculdades, abandonou os tral~alhos que iniciara.
Divergentes das informações, de Azevedo hlarclues. tenlio
as seguintes: Cêrca do ano de 16CO um indivíduo tornou a eii-
coiitrar as jazidas de ferro do -Araçoial~a, já ent.50 abai~donadas
e esq~iecidas. A descoberta transpirou, chegando aos ouvidos do
ouvidor da comarca de Itanhaém, a qual abrangia deiltro do s e ~ i
perímetro as minas em questão Êste ouvidor, cujo nome não
lembra, veio pessoalmente verificar a existência das jazidas meta-
Iíieras, achou-as de agrado, e para dar um ar de sua graqa, pu-
hlicoii alvará proibindo, sob pena de morte, que alguém se esta-
belecesse nas terras do Aracoiaba, mandando, concomitantemente,
< < , levantar um pelourinho".
Eram uns magníficos hotneils os ouvidores; êste sobretudo,
previdente, sabendo que a fuiidição do ferro necessitava de car-
vão vegetal, queria poupar as matas que haviam de, no futuro,
fornecer o indispensável combustível.
Nesta segunda fase a Fábrica nenhum desenvolvimeiito te-
ve e foi de novo abandonada.
Em 1808, o Conde de Linhares, ministro de D. João VI, tendo
em vista libertar o país da dependência em que se achava perante
a indíistria estrangeira, mandou fundar duas fábricas de ferro,
uma em Minas Gerais, outra nesta província, no Ipanema.
Para êste fim veio da Europa o coronel Frederico Guilher-
me de Varnliagen, que servia no exército português com o pôs-
t o de capitão. O velho conselheiro Martim Francisco, então
inspetor das minas e bosclues, foi encarregado de demarcar a
área florestal precisa para os trabalhos da mineração, e
de fazer outros ~iecessários estudos. Inaugurou-se de novo a
Fábrica, constituída por emprêsa entre particulares e o príncipe
D. João, dirigida por uma junta diretora da qual fazia tambérn
parte Varnhagen, como representante dos acionistas particulares.
Dirigia o serviço, como técnico, o sueco Hadberg. Demarcou-jz
o distrito florestal, compreendendo 3741 hectares de matas, c
mandou-se pagar as benfeitorias aos intrusos que, apesar do pe-
lourinho do ouvidor de Itanhaém, tinham-se estabelecido no morro
Araçoiaba, lavrando as terras.
Essas benfeitorias importam em 826$360. Hadberg com a sua
colônia de operários estabeleceu as forjas suecas para o "tra-
tamento direto" do ferro, sistema precário que só preparava o
metal para a fabricação de pequenos instrumentos de lavoura.
mas imprestável para a fundição de peças que exigissem gran-
de resistência.
Por êsse tempo veio ao Brasil o. Barão Eschwege, diretor
geral das minas de Brunswick, hom'em mui proficiente em me-
talurgia, o qual escreveu posteriormente, lêmo-10 em Larousse,
muitas obras sóbre o reino mineral do Brasil. Conversando
i Eschwege com Varnhagen, combinaram, à vista da imperfeição
do sistema de mineração usado pelos suecos, que indispensável
era adotar-se sistema mais aperfeiçoado. O rei D. João VI man-
dou rescindir o contrato com o sueco Hadberg, chamou a si tò-
da a fábrica 'e nomeou seu diretor a Varnhagen em 1816. Varnha-
gen constituiu os fornos altos (que hoje ainda funcionam) e
pela primeira vez no Ipanema correu o ferro fundido, mode-
lando-se com êle, no dia 1.' de novembro de 1818, três grandes
cruzes, uma das qqais vê-se ainfia erecta à entrada da estabeleci-
mento, no terrapleno que forma a reprêsa c10 riacho Ipanema, e
cujas águas são, como já dissemos, a força motriz dos ,maquinis-
mas da fábrica.
Para recompensar êstes serviços, o rei elevou Varnhagen a o
pósto de coronel e deu-lhe a Comenda de Cristo.
Varnhagen reconheceu desde logo a insuficiência da área
florestal demarcada pelo coronel Martim Francisco. em 1810, e
mandou demarcar nova área em 1820.
Sobreveio então a crise política, depois o juramento da Cons-
tituição, criando-se os Conselhos Administrativos.
O Conselho ordena que Varnhagen jure a Constituição; re-
plica êste que não é português, mas alemão. Insiste o Conse-
lho, mandando que Varnhagen ao menos faça jurar a dita Cons-
tituição pelos empregados da Fábrica; responde êste que comu-
nicara aos seus subordinados a ordem do Conselho. Disto pro-
veio algum azedume de parte a parte e o coronel Varnhagen pe-
diu demissão c10 cargo de diretor da Fálbrica, à qual tantos servi-
ços prestara, pretextanto ter necessidade de voltar à Europa
para educar seus filhos.
O Conselho Administrativo pediu então a Varnhagen que,
visto retirar-se, indicasse um oficial hábil para o substituir na
direção do estabelecimento; Varnhagen indicou dois.
Que fez o Conselho?
- Nomeou um terceiro!
Retirou-se Varnhagen para a Europa, levando em sua com-
panhia seu filho o jovem Francisco Adolfo de Varnhagen, o ilus-
tre brasileiro que depois se chamou o Visconde de Pórto Se-
guro, com o qual teremos de nos ocupar mais tarde.
Pela retirada de Varnhagen deixou de realizar-se a aqui-
siqão da área que só mais tarde, sob a atual administração d o
sr. dr. Mursa, foi adquirida, quando já a proximidade da fer-
rovia Sorocabana muito elevara o valor venal daquelas terras,
que, oportunamente compradas, teriam custado ao govêrno so-
ma insignificante.
A Fábrica estava progressiva e ràpidamente decaindo, pela
incapacidade dos seus diretores, de modo que em 1834, sendo pre-
sidente desta província o brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar,
foi nomeado diretor daquele estabelecin~ento o alemão MBjor
Bloem, que no Pará prestara serviços à Independência, tendo
anteriormente sentado praça no exército, brasileiro.
Bloèm trouxe da Europa uma colônia alemã que prestou
serviços i Fábrica, até que em 1842, quando ela parecia dever
entrar em nova era de prosperidade, uma nova crise política
veio de novo paralisá-la. O Major Bloem, envolvido na luta ci-
vil, 'foi prêso por ordem do ulteriormente Marquês de Caxias.
Caiu de novo a Fábrica em abandono.
Em 1860 foi dissolvida, ordenando o govêrno que, em vez
dela se fundasse uma otitra na província de Mato Grosso. Pa-
ra lá foram remetidos o pessoal técnico e os oficiais de ofício,
escravos da nação, ficando no Ipanema alguns velhos e inválidos,
indo o resto para a colônia do Itapura.
Este caso da peregrinação a Mato Grosso é de !grande pi-
lhéria. Para lá seguiu tudo, pessoal e maquinismos, ao mando
de um ilustre desconheci90 - o engenheiro alemão Rodolfo,
que tempos antes havia sido contratado na Eu~opia para vir
dirigi? o laboratório pirotécnico do Rio de Janeiro, direção na
qval revelou extraordinária incapacidade.
Ora, para recompensar o fiasco dêste inhábil fogueteiro.
foi que o govêrno lhe confiou o encargo de fundar em Mato
Grosso uma fábrica de pólvora e outra de ferro; quando nin-
guém dava notícia de haver naquela província minério de qua-
lidade alguma.
Depois de cinco anos de infrutíferas pescluisas, o grande
metalurgista voltou ao Rio, sem haver descoberto ou fundado
coisa alguma; tendo ganho 10.Q- anuais de ordenado, fora
uma diária de 1O$lKl para cavalgadura.
Ora, se um burro ganhava aquela soma. quanto deveriam
ganhar os inventores & acoroçoadores dessa excursão de táo
grande pilhéria ?
O transporte dos materiais, do Ipanema a Mato Gross3,
custou 22.W3XXXl; parte deles ficou em caminho, e alguns a t é
hoje enferrujam-se ao sol, atirados sôbre a praia da cidade de
Santos, perto da Alfândega.
Esteve a fábrica em abandono até 1865, ai10 em que lhe foi
nomeado diretor na pessoa do major de eilgenheiros, clr. Jon-
quim de Sousa Mursa, a cuja inteligente direçáo.deve-se a pros-
peridade relativa em que se acha hoje aquêle estabeleci~nei~t~.
lSa.
A MEMÓRIA
DE VARMHAGEN, VISCONDE DE
PORTO SEGURO,
NASCIDO NA TERRA FECUNDA DESCOBERTA
POR COLOMBO.
INICIADO POR SEU PAI NAS COISAS
GRANDES E ÚTEIS, AMOU SUA PATRIA
E ESCREVEU-LHE A HISTÓRIA.
SUA ALMA IMORTAL REÚNE AQUI TODAS
AS SUAS RECORDAÇÕES