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Setembro - 2001
A cada ano, cerca de 30 milhões de metros cúbicos de toras são extraídos das florestas da
Amazônia. Essa exploração, realizada por cerca de 3500 empresas 1 , causa danos severos ou
a total destruição de áreas imensas de florestas da região. Existem métodos para reduzir o
impacto da exploração e promover a regeneração florestal, o que poderia tornar a
exploração sustentável. Entretanto, as tentativas de estimular uma indústria madeireira
sustentável ainda estão longe de atingir o objetivo.
A partir da década de 80, os madeireiros passaram a ter um papel mais ativo na degradação
e destruição de florestas na Amazônia. O desmatamento e a exploração predatória
eliminaram os estoques de madeira próximos às estradas abertas pelo governo nas décadas
de 60 e 70. Assim, os madeireiros passaram a abrir estradas para extrair madeira de áreas
mais distantes. A abertura destas estradas tem estimulado a ocupação de novas fronteiras
por agricultores e fazendeiros em várias regiões da Amazônia. Portanto, a exploração de
madeira estimula o desmatamento.
1
Os números são contraditórios. Porém em 2000 haviam 7.595 serrarias e indústrias beneficiadoras de
madeira na Amazônia legal registradas no IBAMA. Estima-se que 50% delas não estejam operando.
MMA/IBAMA, 2000. Processamento e comercialização de madeira e produtos da madeira. Brasília, 37p.
O processo destrutivo ocorre gradativamente. Primeiro, os madeireiros exploram as
espécies mais valiosas como o mogno (Swietenia macrophyla), ipê (Tabebuia sp) e cedro
(Cedrela odorata). Para isso, eles abrem estradas, e então selecionam e derrubam as
melhores árvores. Tratores são usados para arrastar as toras do interior da floresta para
pátios de estocagem na margem das estradas. Nos pátios, as toras são embarcadas em
caminhões, que seguem para as fábricas (serrarias, fábricas de lâminas e compensados).
Essa primeira exploração causa danos diretos relativamente baixos porque a intensidade de
exploração é baixa – geralmente são extraídas uma ou duas árvores por hectare. Entretanto,
o dano sobre as espécies exploradas tende a ser severo já que não são tomados cuidados
para estimular a regeneração da espécie. Por exemplo, deixar árvores produtoras de
sementes na floresta.
Se a floresta não for queimada, ocorre uma abundante regeneração que pode enganar os
desavisados. A regeneração da cobertura vegetal é abundante, mas o impacto sobre algumas
espécies pode ser drástico. Um trabalho do IMAZON - Instituto do Homem e Meio
Ambiente da Amazônia datado de 1993 indicou, que 41 espécies comerciais da Amazônia
2
Veríssimo et al., 1992. Logging impacts and prospects for sustainable forest management in an old Amazon
frontier: the case of Paragominas. Forest Ecology and Management 55: 169-199.
3
Johns et al. 1996. Logging damage in planned and unplanned logging operations and its implications for
sustainable timber production in the eastern Amazon. Forest Ecology and Management, 89: 59-77.
são raras ou tendem a ter regeneração natural escassa após a exploração 4 . Entre elas estão o
mogno, o acapú (Vouacapua americana), a sucupira da várzea (Diplotropis martiussi) e a
copaíba (Copaífera reticulata). Outras espécies mais agressivas e sem valor comercial
podem ocupar o espaço destas espécies após a exploração predatória.
O Governo Federal tem tentado controlar a exploração predatória, mas está longe de atingir
o objetivo. A intenção de controle é antiga. O Código Florestal, editado em 1965, já
estabelecia que, exceto no caso de desmatamento autorizado, a exploração das florestas da
Amazônia deveria seguir técnicas de manejo. As normas sobre o manejo deveriam ter sido
estabelecidas dentro de um ano após a edição do código. Entretanto, 21 anos de descaso se
passaram antes da edição das primeiras regras sobre manejo florestal na Amazônia em
19865 . A edição destas regras ocorreu em um cenário de explosão do desmatamento,
queimadas e de exploração predatória. Somente em 1995, 30 anos depois, é que foram
estabelecidas as linhas gerais para o manejo florestal na Amazônia.
Nos anos seguintes, depois do decreto que estabeleceu as diretrizes para o manejo em 1995,
foi criada uma grande farsa sobre manejo florestal na Amazônia. Milhares de planos de
manejo foram aprovados pelo Ibama, levando os leigos a acreditar que a exploração estava
seguindo técnicas que promoveriam a regeneração da floresta. No entanto, ambientalistas e
pesquisadores revelavam que a exploração continuava a ser predatória. Estudos conduzidos
pelo Imazon mostraram que a exploração causava danos significativos6 . Em 1996, um
relatório da Embrapa de Belém (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), em
colaboração com o próprio Ibama, mostrava que os madeireiros não cumpriam a maioria
das atividades prometidas nos planos de manejo na região de Paragominas no Pará 7 . Por
exemplo, 93% dos planos amostrados não planejavam as trilhas de arraste das toras. O
planejamento destas trilhas seria essencial para a redução dos danos da extração.
4
Martini et al. 1993. Espécies madeireiras: primeira tentativa de avaliar a resistência aos impactos da
exploração. Ciência Hoje, 16 (93): 11-13.
5
Lei 7511/1986 regulamentada pela Portaria 486/86-P.
6
Por exemplo: Barros e Uhl,1995. Logging along the Amazon river and estuary: patterns, problems and
potential. Forest Ecology and Management 77: 87-105. Uhl et al. 1991. Social economic and ecological
consequences of logging in the Amazon frontier: the case of Tailândia. Forest Ecology and Management 46:
243-273. Veríssimo et al., 1992. Logging impacts and prospects for sustainable forest management in an old
Amazon frontier: the case of Paragominas. Forest Ecology and Management 55: 169-199.
7
Embrapa. 1996. Diagnóstico dos projetos de manejo florestal no Estado do Pará – Fase Paragominas.
Relatório Preliminar. Embrapa/Cpatu. Belém-Pará.
O próprio Ibama começou a desmontar a farsa a partir de 1996. Todos os planos de manejo
florestal aprovados passaram a ser revistos. Um relatório do Ibama de 1998 começou a
mostrar o tamanho da farsa 8 . Apenas 31% (866) de um total de 2806 planos aprovados
foram considerados aptos pelo próprio Ibama. Quarenta por cento dos planos (1128) foram
suspensos e 22,6% (633 planos) foram cancelados. Um relatório do Ibama de 2000 mostra
que a farsa continuou9 . Somente 405 ou 49% dos 822 planos restantes foram considerados
aptos ou em manutenção. Em suma, somente 14% dos planos existentes em 1998 resistiram
à avaliação do próprio Ibama.
Por que tantos planos medíocres ou fraudulentos foram aprovados pelo Ibama? Isso se
deveu à combinação de escassez de recursos, falta de transparência e impunidade. O
número de funcionários e o orçamento do órgão têm sido historicamente insuficientes para
atender as demandas. O Ibama reportou em 2000 um déficit de 66 pessoas, de 38 veículos e
de 90 horas de avião/helicóptero para a realização da campanha de vistoria dos planos de
manejo 11 .
A impunidade foi facilitada em parte pela falta de mecanismos legais robustos. Até 1998, as
infrações eram punidas apenas com multas administrativas que eram facilmente
questionadas legalmente. A Lei de Crimes Ambientais, regulamentada em 1999, permitiu a
correção dessa falha. Entretanto, a punição depende da capacidade de processar que é
limitada, devido ao pequeno número de Procuradores do Ibama. Além disso, a punição
depende da atuação de outros órgãos como, por exemplo, as associações profissionais.
8
Ibama. 1998. Situação atual dos planos de manejo florestal sustentável na Amazônia Legal. Brasília, DF.
9
Ibama. 2001. Avaliação dos planos de manejo florestal sustentável da Amazônia. Brasília, DF.
10
Em 1997 o Greenpeace investigou 15 planos de manejo na região de Santarém/PA. 14 deles não cumpriam
o que era descrito nos projetos e muitos inventários florestais eram falsos.
11
Ibama. 2001. Avaliação dos planos de manejo florestal sustentável da Amazônia. Brasília, DF.
Estas associações são responsáveis pela avaliação do desempenho dos Engenheiros
Florestais que assinam os projetos de manejo florestal. Porém, é estranho que não haja
grande número destes profissionais penalizados diante de tantas fraudes envolvendo planos
de manejo florestal.
Mesmo com o esforço das autoridades, a impunidade continua ser regra. O jornal a “Folha
de S. Paulo” publicou em abril de 2000 dados de um relatório interno do Ibama relatando
que das 20 maiores multas aplicadas em crimes ambientais em todo país, 19 envolviam
exploração de madeira, queimadas e comercialização de madeira ilegal na Amazônia.
Nenhuma dessas 19 multas havia sido paga.
O problema permanece
O esforço do Ibama para desmontar a farsa dos planos de manejo é importante, mas é
insuficiente para resolver o problema. A exploração que aparentava ser legal passa a ser
realmente ilegal e continua predatória. O relatório do Ibama da situação em 2000 permite
calcular com razoável precisão quanto da madeira é explorada ilegalmente. O volume de
madeira a ser explorado dos projetos considerados aptos em 2000 chegou à cerca de 4,5
milhões de metros cúbicos 12 . O volume de madeira explorado anualmente é em torno de 28
a 30 milhões de metros cúbicos 13 . Desta forma, cerca de 24 milhões de metros cúbicos
teriam sido explorados ilegalmente em 2000 14 . Isso equivaleria a cerca de 82% do total.
Assim, se o controle sobre a exploração fosse eficiente, grande parte das empresas
madeireiras teriam fechado no ano de 2001. Não há evidências de que isto venha
ocorrendo.
12
Ibama. 2001. Avaliação dos planos de manejo florestal sustentável da Amazônia. Brasília, DF.
13
Imazon, Amigos da Terra & Imaflora. Acertando o alvo II. Belém (em elaboração)
14
O volume de madeira de desmatamentos legalizados é ínfimo já que as autorizações para desmatamentos
correspondem a percentuais irrisórios do total. Por exemplo, o desmatamento autorizado no Mato Grosso,
Estado campeão em desmatamento, é de menos de 1% do total da área desmatada.
15
Idem referência 2 e Holmes, et al. 2001. Financial and ecological indicators of reduced impact logging
performance in the eastern Amazon. Forest Ecology and Management. 55(83): 1-18.
16
Idem referência 2.
17
Edson Vidal, comunicação pessoal.
duas colheitas de madeira em ciclos de 30 anos considerando as árvores já existentes na
floresta 18 .
A colheita de madeira no longo prazo – por exemplo, a partir do segundo corte de madeira -
dependeria muito da qualidade do manejo aplicado. Por exemplo, a regeneração de espécies
raras como o mogno deveria ser feita com plantios nas clareiras após a exploração.
Entretanto, isto raramente é feito. Como o manejo tem sido pouco aplicado e é recente,
restam muitas dúvidas sobre o desenvolvimento das florestas manejadas no longo prazo.
Por isso, o manejo correto da floresta no longo prazo dependerá de investimentos
consistentes em pesquisa florestal. Atualmente, há um ciclo vicioso em que a falta de
interesse em manejo emperra o desenvolvimento destas pesquisas. A escassez de pesquisas
dificulta a ampliação do uso e o aperfeiçoamento das técnicas de manejo.
18
Barreto et al. 1998. Custos e benefícios do manejo florestal para produção de madeireira na Amazônia
oriental. Série Amazônia 10. Imazon, Belém – Pa.