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Introdução
“Todo texto é produto de uma criação coletiva: a voz de seu produtor se manifesta ao
lado de um coro de outra vozes que já trataram do mesmo tema e com as quais se põe
em acordo ou em desacordo.” Platão e Fiorin – Lições de texto
Noções como sujeito, autor e leitor são importantes para a construção ou compreensão
de qualquer obra.
Elas auxiliam, também, na forma como entendemos e nos relacionamos com a lingua-
gem.
Depoimento de André
Eu penso que a situação foi a seguinte: começou a correr a história dentro da empresa
de que o Luis estava querendo “ pedir a cabeça” do Anselmo. E aí, sabe como é, aquela
especulação toda, o Anselmo se sentido sem autoridade, sem autonomia pra trabalhar.
Até que tudo chegou no andar de cima e resolveram colocar o Luis na parede. Parece até
que havia alguma coisa escrita, não teve como negar.
Depoimento de Patrícia
Essa história do Luis com o Anselmo, eu acho que foi só uma gota d’água. Nunca fui com
a cara do Luis; ele era inconveniente, veio com umas gracinhas pro meu lado, mais de
uma vez, até por escrito. Ouvi dizer que, no dia da reunião, essa história até veio à tona.
No fundo, dizem que foi isso que levou o diretor a mandar o Luis embora. Achou que a
coisa estava grande demais e ia dar processo.
Comparando as duas situações, pode-se perceber que foram construídas por duas
pessoas diferentes. Retomando o conceito de estilo, André fez suas escolhas signícas e
descreveu a situação de acordo com seu ponto de vista. Patrícia fez o mesmo, construin-
do uma outra visão sobre o acontecimento. Um outro ponto que deve ser destacado: foi
a linguagem que permitiu essa individualização. De um ponto de vista lingüístico, o “eu”
que fala é o mesmo termo nos dois textos. Portanto, ele só torna-se pessoal, só é atribuí-
do a um ser específico, em uma situação de comunicação qualquer quando um
indivíduo produz um texto ou discurso.
Além disso, para a mesma autora, essa noção de subjetividade “incorpora o Outro
como constitutivo do sujeito. Disso decorre uma concepção de linguagem também não
mais assentada na noção de homogeneidade. A linguagem, não é mais evidência,
transparência de sentido produzida por um uno, homogêneo, todo-poderoso. É um su-
jeito que divide o espaço discursivo com o outro.”
Assim, temos aí um outro aspecto: todo ato de linguagem, todo texto ou discurso resul-
tante dele, será constituído por uma combinação de outros textos e discursos que virão,
obrigatoriamente, do Outro. Se observarmos os textos de André e Patrícia, observamos
que eles foram construídos a partir de outras vozes, mais ou menos explícitas. André não
cita fontes, mas as insinua (“começou a correr a história”, “aquela especulação toda”, “
o Anselmo se sentido sem autoridade” etc.), da mesma forma que Patrícia.
“Em relação ao sujeito do discurso, de duas, uma: ou ele não está sozinho ou não exe-
cuta seu papel uniformemente. Em qualquer dos casos, definitivamente, ele não é uno.
Ou seja, o discurso que produz não é um produto exclusivo de um pretenso sujeito uno e
não submetido a condições exteriores.” (POSSENTI: 2004)
Nas falas de André e Patrícia, bem como qualquer outro texto ou discurso que obser-
varmos, há outras vozes ecoando, de forma mais ou menos explícita. A esse fenômeno,
dá-se o nome de “heterogeneidade”. Toda forma de linguagem está marcada por essa
característica.
Segundo Platão e Fiorin, “os textos têm a propriedade intrínseca de se constituir a partir
de outros textos. Por isso, todos eles são atravessados, ocupados, habitados pelo discur-
so do outro. Por isso, a linguagem é fundamentalmente, constitutivamente heterogênea.
Um texto remete a duas concepções diferentes: aquela que ele defende e aquela em
oposição a qual ele se constrói.”
Novamente segundo Platão e Fiorin, “essa heterogeneidade, isto é, esses dois pontos de
vista, não está marcada no fio do discurso, as duas perspectivas em oposição não estão
mostradas no interior do texto. (...)
Sintetizando
A heretogeneidade é uma característica da linguagem e pode ser entendida como a pluralidade
de vozes que organizam qualquer texto ou discurso, mesmo sendo ele atribuído a um único
indivíduo.
Ela pode ser mostrada ou constitutiva. No primeiro caso, é quando há marcas explícitas da pre-
sença do Outro nos usos de linguagem de um sujeito qualquer.
“Um discurso sobre traição só pode ser
concebido em uma sociedade que Já a heretogeneidade constitutiva é quando a presença de outras vozes dá-se pelo próprio con-
discute os valores da fidelidade” texto social de uma dada produção. Assim, só podemos entender um ponto de vista sobre um
dado assunto, se pensarmos nele em oposição a outras perspectivas existentes sobre o mesmo
tema.
Conforme foi visto na unidade 2, o conceito de texto pode ser definido de várias formas.
Tendo, no entanto, os estudos de Lingüística Textual e Análise do Discurso como referên-
cia, áreas que procuram pensar o texto sob múltiplos aspectos, pode-se, com Ingedore
Koch, concebê-lo da seguinte forma:
Uma definição de autor pode ser encontrada em Roland Barthes. Ele diz: “lingüistica-
mente, o autor nunca é mais do que aquele que escreve, assim como ‘eu’ outra coisa
não é senão aquele que diz ‘eu’: a linguagem conhece um ‘sujeito’ não uma pessoa, e
esse sujeito, vazio fora da enunciação que o define, basta para ‘sustentar’ a linguagem,
isto é, exauri-la.”
Nesse ponto de vista, o autor é o sujeito da enunciação. Não a pessoa real, mas aquele
“eu” que se instaura no texto ou discurso. O autor só vive dentro do texto, não fora dele.
Na exterioridade está o indivíduo, o sujeito. Já de acordo com Orlandi (2004) “O sujei-
to só se faz autor se o que ele produz for interpretável. Ele inscreve sua formulação no
interdiscurso, ele historiciza seu dizer. Porque assume sua posição de autor (se representa
nesse lugar), ele produz assim um evento interpretativo. O que só repete não o faz.”
Se conseguiu ser interpretado, de alguma forma, ele construiu algo situado dentro de
uma perspectiva institucional. Se, por exemplo, um indivíduo produz um e-mail de recla-
mação para uma empresa e recebe resposta é porque ele coseguiu produzir algo dentro
de uma certa expectativa, que pôde ser compreendido pelo Outro dentro de um contexto.
Essa forma de compreender não é de uma única pessoa, mas, sim, de toda a instituição,
bem como de outras empresas semelhantes. Ela é histórica, pois apresenta-se como
coletiva e datada. Certamente a maneira como um indivíduo compõem um e-mail de
reclamação hoje segue parâmetros que não eram os esperados há quarenta anos, bem
como não serão os mesmos daqui mais quatro décadas.
De outro ponto de vista, Michel Foucault formula a seguinte definição de autor: “um
nome de autor não é simplesmente um elemento de um discurso (...); ele exerce relati-
vamente aos discursos um certo papel: assegura uma função classificativa; um tal nome
permite reagrupar um certo número de textos, delimitá-los, selecioná-los, opô-los a ou-
tros textos. Além disso, o nome de autor faz com que os textos se relacionem entre si.”
Foucault ainda complementa: “poderíamos dizer, por conseguinte, que, numa civilização
como a nossa, uma certa quantidade de discursos são providos da função ‘autor’, ao
passo que outros são dela desprovidos. Uma carta privada pode bem ter um signatário,
mas não tem um autor; um contrato pode bem ter um fiador, mas não tem um autor
Michel Foucault (...). A função autor é, assim, característica do modo de existência, de circulação e de
funcionamento de alguns discursos no interior de uma sociedade.”
Sintetizando
Em Barthes, o autor é visto como o sujeito que existe dentro dos textos e discursos e não fora
deles. É, portanto, um ser lingüístico. Para Orlandi, o autor é o sujeito capaz de fazer um discur-
so interpretável e histórico. Nesse sentido, seus textos e discursos conformam-se a uma dada
expectativa social e historicamente colocada. Já para Foucault, um autor é uma função em torno
da qual uma dada sociedade organiza textos e discursos de um dado sujeito. É um “modo de
existência, de circulação e de funcionamento de alguns discursos.”
Nesse sentido, são os leitores, a sociedade, seus valores, crenças que constituem a
função “autoral”. Reitera-se, portanto, a visão do texto como “zona de interação”. Os
produtores, pela materialidade textual e discursiva que constroem, tornam-se autores se
forem reconhecidos enquanto tal pela sociedade.
Fique Atento!
Um aspecto importante da discussão sobre os conceitos de “sujeito” e “autor” diz respeito à no-
ção de criatividade. Em geral, muitas pessoas associam o conceito de “ser criativo” apenas com
elementos psicológicos, como a inspiração, o talento, a genialidade de alguns seres. Procurando
limitar essa discussão a um âmbito meramente lingüístico, podemos afirmar que a “criativida-
de”, nesse sentido, parece estar baseada na capacidade humana de reorganizar elementos
já conhecidos, dando-lhes novos sentidos. Assim, o ser humano reinventa conceitos, objetos,
teorias etc. Tendo por base esse pressuposto, o ato criativo não precisa ser visto como o resulta-
do de uma capacidade psíquica de um pequeno grupo de seres provilegiados; mas, sim, como
diz Sírio Possenti (2004), o ato de “um sujeito que intervém ativamente e produz algo novo – e,
ouso dizer, que sabe o que está fazendo.” Além disso, esse sujeito só possuirá o status de autor
dentro da própria materialidade de suas produções; se for capaz de produzir textos e discursos a
partir de um certo horizonte social e histórico de expectativas e se suas produções forem reco-
nhecidas enquanto tal pela sociedade.
Materiais Complementares