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Os Cancioneiros primitivos
verso coligidas em Cancioneiros de fins do século XIII e do século XIV, que reúnem
textos desde fins do século XII. Mas devemos supor muito anterior a tal época o culto
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da poesia testemunhado por estes textos escritos. A literatura oral, com efeito, só se
fixa por escrito em época tardia da sua evolução quando as condições ambientes
Portanto seria errado pensar que a poesia portuguesa nasceu com os Cancioneiros;
estes não passam de colecções, mais ou menos tardias, de textos que de início
longo passado e uma tradição oral que nos levam a épocas muito mais remotas do
datados, como vimos, de fins do século Xll. Adiante aludiremos às carjas (kllarajat), que
muçulmano, de uma poesia popular muito provavelmente precursora daquela que tais
cancioneiros conservaram.
de D. Dinis; e porque o seu coleccionador deixou de fora os géneros mais vulgares, isto
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tem o interesse especial de o seu manuscrito pertencer à própria época da maioria dos
maior, isto é, não só os poetas contemporâneos de D. Afonso III e anteriores, mas ainda
Biblioteca Nacional é o mais completo, pois inclui quase todo o material recolhido no
que qualquer dos cancioneiros se encontra hoje mutilado. É bem possível que estejamos
encorpando pouco a pouco; e a fase mais importante da compilação deve ter sido a de
filho de D. Dinis (1350). O conjunto abarca 1679 poesias de 153 autores identificados,
Paiva, nascido cerca de 1140, dois anos após a batalha de Ourique, pertencente,
cantiga, afinal de Afonso X). Isto situa o início da literatura escrita portuguesa
conhecida cerca de começos do século XII. É plausível relegar para depois dos dois
Rodrigues Lapa e G. Tavani aceitam 1196 e outros 1213 como data da mais antiga
cantiga (de escárnio) de Soares de Paiva: Ora faz ost' o senhor de Navarra. O trovador
mais recente é o mencionado conde de Barcelos, falecido em 1354. (Há três autores
rei de Leão e Castela: tal é o caso do rei Afonso X, o Sábio, e dos poetas da sua
corte literária, muitos deles portugueses e galegos, que ocupam uma parte
imaginar todos, nem talvez mesmo a maior parte dos poetas dos Cancioneiros, no
ambiente da corte de D, Afonso III, de D. Dinis, ou da roda de seu filho, D. Pedro, conde
com o apogeu em Afonso X, o Sábio (1252-1284), O mais antigo jogral conhecido desta
corte é referenciado em l 136, sob Afonso VII, e tem o nome de Palha. Na realidade, os
como acontecera com a literatura grega clássica, Devemos acrescentar aos Cancioneiros
conhecidos, alternando séries de poesias narrativas sobre milagres da Virgem com loas
Vaticana e da Biblioteca Nacional. Este último inclui também um tratado poético truncado,
tardio, e com certa influência francesa, que pretende classificar aqueles géneros e dar as
suas regras. Distingue este tratado três géneros: as cantigas de amigo, as cantigas
mesmo tratado, em que nestas se supõe que fala uma mulher, ao passo que
naquelas o trovador fala em seu próprio nome. As cantigas de amigo são, portanto,
quanto ao tema, cantigas de mulher, e o nome por que são conhecidas designa o
seu objecto, o amigo ou amado geralmente referido logo no primeiro verso. Nas
classificação corresponde à prática da poesia de corte, tal como aparecia aos poetas
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palacianos do século XIV. Mas estes géneros tinham sofrido uma longa evolução,
partindo de origens diferentes, antes que viessem a alinhar lado a lado na poesia da
corte, como modalidades diversas de uma mesma arte. A história da cantiga de amor é
As cantigas de amigo
se distinguem dos de amor unicamente por aparecerem ali «elas» e aqui «eles» a
muito simples esquema. A unidade rítmica não é a estrofe, mas o par de estrofes, ou,
dizer o mesmo, diferindo só, ou quase só, nas palavras da rima, que são de vogal
tónica a num dos dísticos de cada par, e i ou ê no outro; o último verso de cada estrofe é
o primeiro verso da estrofe correspondente no par seguinte. Cada estrofe vem seguida de
refrão.
uma composição de seis estrofes e dezoito versos em que apenas há cinco versos
verso A
estrofe 1 verso B
refrão
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1º par
verso A' (variante de A)
estrofe 2 verso B' (variante de B)
refrão
verso B
estrofe 3 verso C
refrão
2º par
verso B'
estrofe 4 verso C'
refrão
verso C
estrofe 5 verso D
refrão
3º par
verso C'
estrofe 6 verso D'
refrão
(Fernando Esquio)
alternância das mesmas rimas ao longo de toda a composição deixam entrever que se
nova estrofe, do verso final duma estrofe anterior é talvez o vestígio de um primitivo
último verso do outro, para o qual devia achar sequência (leixa pren, processo que
ainda subsiste nas quadras ao desafio), O facto, enfim, de, em virtude deste sistema
conhecida a notação musical para seis (das sete) cantigas do jogral galego Martin Codax;
instrumentais, que incluem viola de arco, guitarra, saltério, sonalhas, pandeiro, etc, além
o poema não passa de um esboço, uma letra, para musicar, sem autonomia em relação
A estrutura rítmica que estudámos na sua forma mais corrente admite variantes ou
três, quatro ou mais versos; o paralelismo anafórico (ou seja, a repetição literal entre
estrofes pareadas, com excepção das palavras da rima, ou pouco mais) dá lugar a um
de cada estrofe, ora intercalando-se no texto, ora (o que é mais importante) admitindo
variação temática. Nos cantares de amigo pode supor-se, com efeito, mais de um
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factores vários, como influências recíprocas e contactos dos diversos meios sociais,
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Assim é que vemos assinadas por nomes da alta nobreza cantigas de tipo primitivo, de
composições de D. Dinis, grande apreciador da poesia folclórica. (Esta parece ter sido
reposta em moda na sua época, depois de passada uma fase em que prevaleceu nas
variar esquemas de origem rural já talvez reelaborada; assim se explicaria que variantes
das mesmas cantigas apareçam subscritas por mais de um nome, como sucede com as
duas tão próximas variantes da famosa bailada das «avelaneiras floridas», assinadas,
uma pelo poeta culto Airas Nunes, e outra pelo jogral João Zorro.
do século XI e o final do século XIII. Estas carjas são constituídas geralmente por um
arabismos, falada,como vimos, pela parte da população cristã sob o domínio árabe),
folclore que deixou outros vestígios, sobretudo nas áreas periféricas de influência
formas versificatórias mais simples coincidem grosso modo com os temas rurais e
civilizações agrícolas em que a mulher goza da maior importância social; e é assim que,
não apenas na Península ou na România, mas em povos tão distantes como o chinês, se
atracção para muitos leitores de hoje. Algo se evidencia nelas de muito diferente da
nem por terem sido recalcadas por aquisições posteriores deixaram de subsistir na
psicologia moderna, sempre prontas a despertar. Há, por exemplo, em alguns cantares
de amigo uma intimidade afectiva com a natureza que é muito diferente do gosto
Dir-se-ia existir uma afinidade mágica entre as pessoas e tudo o que parece mover-se ou
transformar-se por uma força interna: a água da fonte e do rio, as ondas do mar, as flores
da Primavera ou Verão, os cervos, a luz da alva, a dos olhos. Todas estas coisas
comportamento animal, os movimentos das coisas naturais, que o esquema repetitivo era
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sugerem os seus inesgotáveis nexos com a vida. Assim, na tão simples cantiga de
Fernando Esquio com que ficou atrás exemplificado o paralelismo típico, a imagem das
raparigas que, por sugestão de uma delas, entrevemos dispostas a dormir na margem de
um lago - só gradativamente se apaga perante a imagem das aves feridas pelo amigo de
arco em punho; dir-se-ia que as moças vão, incautas, substituir tais peças de caça. Mas,
em nova lenta gradação, a nota de crueza dissipa-se no amigo, pois o seu ferino arco
poupa as aves canoras e isso faz pressentir a ternura do seu trato amoroso perante a
doce fala da moça, depois de sentirmos a sua prévia e cruenta desenvoltura de caçador.
Não poderia traduzir-se melhor o enleio da donzela frente ao seu másculo e, todavia,
meigo namorado. Ora imagens como estas de uma altanaria extensiva ao amor eram
responsório eclesiásticos, - os quais por seu turno tiveram uma das origens em ritos
rurais antiquíssimos.
Nada disto (nem os processos formais repetitivos, nem o erotismo feminino como
palavras-chave como fontana, louçana, etc., permitem suspeitar neste género uma
referidas fazem supor uma tradição românica peninsular suficientemente antiga e pujante
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para ser comum, quer a uma lírica moçárabe meridional do século XI pelo menos, quer a
uma lírica do Noroeste peninsular, onde pouco se fez sentir a influência árabe. É mesmo
litúrgico, quer o strambotto italiano, Sobre esta comum tradição se teria elaborado a
na vida local, como atestam certos traços regionais bem distintivos de flora (pinheiro,
ritos e festas pagãs, cuja persistência mais ou menos ingénua sob a liturgia cristã
mulheres dentro dos próprios templos, por ocasião de romarias ou das festas pascais que
cristianizaram as festas gentílicas das Maias sob a forma de júbilo da Ressurreição. Há,
lado, certas coisas naturais e, por outro lado, uma coita feminina sem
olhos» a luzirem numa situação vaga - na presença ou ausência do amigo, que todo
ele se reduz também à carga amorosa de sinal contrário. Cada verso vale por si,
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(como as da rima final e do refrão, a intervalos fixos), delimitado por uma nítida pausa de
pontuação. A imprecisão dos sinónimos e do uso dos tempos verbais, nos lugares das
rimas alternantes, afrouxa a já lassa ligação lógica, que poucas e monótonas conjunções
de uma tal simplicidade estilística, algumas das melhores poesias que jamais se flzeram
(Nuno Fernández Torneol) e «Levantou-s' a velida» (D, Dinis), cujo esquema repetitivo
modernas tendem a ocultar. Já, evidentemente, nos encontramos, com estas poesias,
perante elaborações cultas de uma tradição; o próprio D, Dinis, e ainda Pêro da Ponte,
de interacção das origens pagas rurais com a cultura do clero e da nobreza. Mas não há
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dUvida de que tais pequenas obras-primas são a consumação de uma arte paralelística
amiga e mãe, de amiga e amigas (às vezes designadas como irmanas), de despedida,
etc.. O que, realmente, mais interessa apontar é a grande quantidade (cerca de 60) das
cerca de uma vintena de outras respeitantes a um ambiente marítimo (mar, ondas. ria,
Europa, se não em todo o mais velho mundo agrário (cerca de meio cento de espécimes).
história da poesia, podem interessar sob estes aspectos alguns leitores modernos, os de
deixam também de ter interesse, embora diverso. Não é uma sugestão encantatória (e,
nos melhores casos, extraordinariamente moderna) a que fica da sua leitura. Os poetas
resultado duma experiência ampla da vida sentimental, com a qual seria possível
imaginar um romance precursor da Menina e Moça. É de notar, por outro lado, a simpatia
com que alguns destes poetas sabem colocar-se dentro do ponto de vista da mulher e
dos interesses femininos, com uma candura que ainda ressoará na poetisa galega
Outro caminho temos de seguir se quisermos estudar, nas suas origens, a cantiga
de amor.
a seguir.
Com efeito, foi nas cortes feudais como costuma dizer-se) que floresceu a
occitânicas (e não restritamente provençais, primeira grande escola da poesia românica,
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elaborada numa língua (Langue d'oc) que relações com o paralelismo galaico-português
seria mais tarde eclipsada pelo Francês do já apontámos. A novação dos tropos fora
Norte (Langue d'oïl mas que entaã exprimia aliás precedida pela da sequência
uma civilização mais adiantada, ligada a uma (textualmente pro sequentia, que, por
já antiga dinâmica comercial mediterrânica, breviatura, refez e prestigiou a palavra prosa),
Ainda hoje se investiga e se discute quais adaptação de textos ao melisma (neste
fossem as tradições literárias que permitiram caso,jubilus) da vogal final da palavra
uma tao rápida evoluçao do lirismo Aleluia, que se sustentava originariamente
provençal. Não há dúvida, porém, de que uma sobre sucessivas notas musicais.
parte da cultura latina clássica deve ter sido Os Provençais foram depois os
transmitida até aos trovadores por intermédio mestres e iniciadores da poesia europeia
da literatura eclesiástica medieval, sobretudo moderna, sem os quais se não
através de certas formas ainda em latim mas compreenderiam nem Dante nem Petrarca. Os
já impregnadas de espírito profano jograis occitânicos levaram a sua arte
(epistolografia amorosa espiritualizada entre apuradíssima a todas as cortes da Europa.
clérigos e freiras, poesia dos goliardos, Diversas notícias documentam as suas
estudantes medievais); e é ainda mais estadias na Península Ibérica, e a corte de
evidente que entre o canto, a poesia, o drama Afonso X, o Sábio, foi um dos refúgios dos
litúrgico com que o clero fomentava a trovadores dispersos pela matança dos
participação do povo na celebração do culto Albigenses. A moda de trovar à maneira
e, por outro lado, o folclore rural, de origens provençal introduziu-se, pois, nas cortes
mais antigas que o Cristianismo, se exerceu, peninsulares, incluindo a corte portuguesa,
durante toda a Idade Média, uma intensa onde já se manifestava sob o reinado de
influência recíproca a cujos progressos muito Sancho I. Havia de resto entre as cortes de
deveu essa nascente literatura aristocrática de além-Pirenéus e o novo reino do Ocidente da
corte. Península relações estreitas que facilitavam a
Com efeito, após longa polémica, os influência transpirenaica: o conde D,
filólogos apuraram a etimologia do verbo Henrique trouxe consigo numerosos senhores
trovar, que afinal vem de tropare; isso reforça franceses; são bem conhecidas as influências
as ligações hist6ricas já conhecidas entre a do clero, nomeadamente através das reformas
lírica profana medieval e os tropos, monacais de Cluny e Cister, que se
desenvolvimentos musicais e depois também relacionam com as origens francesas da
versificados (estróficos e rimados) que desde dinastia portuguesa e que impuseram o ritual
os séculos VIII e IX se inseriram na liturgia. de Roma e a adopção da escrita carolíngia em
Essa inovação, mais tarde condenada no substituição da anterior escrita visigótica;
século XVI e que tanta importância teve no muitos portugueses frequentavam a
desenvolvimento da poesia, da música e até peregrinação a Santa Maria de Rocamador,
do teatro religioso e laico, é o resultado de no Sul da França, e muitos trovadores
uma tendência do clero romano para melhor occitânicos vieram peregrinar a Santiago de
atrair os fiéis populares e os trazer à Compostela; e diversas vagas de exílio, como
participação do culto, tendência evidente a provocada pelas lutas civis do tempo de D,
desde a adopção do canto litúrgico no século Afonso II, levaram senhores portugueses a
1V até ao incremento da salmodia França, destacando-se entre elas, pelas
responsarial (solista e coro, como na influências literárias bem conhecidas que
ladainha) e antifonal (dois semicoros), cujas trouxe, a que acompanhou na sua juventude o
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Quando a poesia provençal, através dos seus trovadores e jograis ou dos seus
imitadores peninsulares, chegou à Península, existia já aqui (é difícil duvidar) uma escola
mesma que recolheu, adaptou e divulgou nas vilas e nas cortes a poesia folclórica a que
O Galego, falado aquém e além do Douro, era a língua materna dos jograis
Europa. O mais antigo jogral galego de que há notícia (Palha) pertenceu à corte de
dos poetas ficou embutida de provençalismos, como sen, senso (em vez da palavra
indígena seso, donde provém o actual siso); cor (em vez de coraçon); prez (em vez
de preço); gréu (em vez de grave, com o sentido de pesado, difícil). Com estas e
diferente do idílio rudimentar nas margens dos rios ou à beira das fontes que os cantares
de amigo nos deixam entrever. Não se trata agora de uma experiência sentimental a
estado de tensão que, para permanecer, nunca pode chegar ao fim do desejo.
Manter este estado de tensão parece ser o ideal do verdadeiro amador e do verdadeiro
poeta, como se o movesse o amor do amor, mais do que o amor a uma mulher. E não só
a esta dirigem os poetas as suas implorações, queixas ou graças, mas o próprio Amor
personificado, figura de retórica muito comum entre os trovadores provençais e por eles
transmitida aos galego-portugueses. O Amor reina, até, numa Vila ideal, com as suas
submissa de vassalo, confiando o seu destino ao «bon sen» da «senhor». «Je soy votre
por exemplo, devia guardar segredo sobre a identidade da dama, coibindo toda a
suprema), e que não podia ausentar-se sem sua autorização. O apaixonado deveria
A este ideal de amor corresponde certo tipo idealizado de mulher, que atingiu mais
cantigas de amor oferecem-nos existem uma cópia simplificada e fruste do retrato original
Primavera, do cantar malicioso dos rouxinóis são motivos obrigatórios dessa lírica cortês.
D, Dinis, discípulo confesso dos occitânicos, mas, como vimos, também fiel às tradições
regionais, critica mesmo Airas Nunes, que descreve o convencionalismo deste quadro
primaveril obrigatório do amor provençal. Teve entre os Provençais grande voga o tema
do cavaleiro que, seguindo por um caminho florido, encontra e requesta de amores uma
pastora. Este género, denominado entre nós pastorela, é imitado por alguns poetas
mais cultos dos Cancioneiros com certa nitidez formular e descritiva que fica já longe do
ambiente paisagístico sugestivo mas vago das cantigas de amigo. (Veja-se a célebre
pastorela: Pelo souto do Crexente de João Airas de Santiago.) De um para outro caso
segundo uma ordem retórica precisa, como um cenário, ao passo que maior parte das
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cantigas nas cantigas de amigo em que se vazam há antes, como vimos, e para usar
transmitiriam a Petrarca, em quem por sua vez irão aprendê-los Bernardim Ribeiro e
analogias e imagens, tudo isto se embacia nas páginas dos nossos Cancioneiros. As
poeta que diz ser a sua dama como um rubi entre as pedras; o retrato da dama é
sentimentos estereotipa-se. Por outro lado, a poesia occitânica caracteriza-se por uma
grande variedade de temas, mas a monotonia domina o conjunto dos cantares de amor
Nunes, que descreve a Primavera, e que nota o contraste entre a constância dos
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sentimentos e a mudança das estações, ou como João Garcia de Guilhade, que encara
ser muito mais tarde, no século XVI, por influência de Petrarca. As cantigas de amor
sem refrão nem repetições - conhecidas pelo nome de «cantigas de meestria» por serem
variando palavras e rimas, a mesma ideia. Esta construção dá à maior parte das
bailias. Há quem considere isto como o produto de uma sensibilidade étnica, mas há
que ter em conta que faltava aos poetas peninsulares ocidentais (portugueses, galegos,
leoneses, castelhanos) uma experiência literária que lhes permitisse acompanhar o largo
dos moldes praticados pela escola jogralesca local, isto é, dentro do paralelismo e do
peninsular, de origem folclórica, difundida por jograis galegos, cujas formas originárias
influência provençal, adaptando-a às formas poéticas já existentes no seu país, não deve
uma arte ainda primitiva. Numerosos poetas se dedicam a inventar sentidos novos com
repetir uma mesma palavra por cada estrofe, sempre nos mesmos lugares de
estrofe e verso (por exemplo, no final do primeiro e do último verso), jogando por
repetindo este vocábulo, ora para significar a cidade conquistada, seu valor ou
dobre por se não fazer com uma forma única, mas com flexões da mesma palavra
pouco vulgar entre os provençais: cada estrofe termina no meio de uma frase, de modo
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seguindo sem parar até a um remate de dois ou três versos, onde finalmente o período se
pelo qual as palavras indispensáveis ao sentido de um verso são atiradas para o verso
discurso, porque cada estrofe exprime afinal o mesmo pensamento, segundo o processo
repetitivo tradicional. É um mero jogo rítmico (não coincidência da pausa frásica com a
pausa estrófica); espertina a atenção do leitor, e cria nele um estado de expectativa que
pode ser utilizado para pôr em relevo a conclusão ou «fiinda». O uso regular , estrofe a
(número certo de sílabas), Todos estes processos, quebrando a coincidência das pausas
sobre a escrita ainda mais acentuava a importância do ritmo do verso), constituem, sem
dúvida, manifestações de uma mestria versificadora superior àquela que era exigida
trabalho laborioso de poetas, em muitos casos profissionais, como Pêro da Ponte, que
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estranhos. O conjunto dos cantares de amor ressente-se destes tenteios, deste esforço
dos poetas para ascenderem a uma expressão culta a partir de formas primitivas, Daqui
resulta uma forma por vezes inacabada, uma série de tentativas malogradas, uma
este género, onde é difícil seleccionar uma obra-prima, Merecem todavia salientar-se
algumas realizações de D, Dinis, pêro da Ponte, João Garcia de Guilhade, Airas Nunes e
alguns mais.
Romeu e Julieta), de que indevidamente já foi aproximada a bela cantiga atrás referida de
Estêvão Coelho), que revela a influência da chanson de toile dos trouveres da França do
(descort), que pretende traduzir um abalo emocional por várias mudanças de estrutura
simplificação já apontada, pelo recato da notação sensual, pela imaturidade das suas
tentativas doutrinais e, na sua maioria, por uma tendência para a expressão paralelística
da subjectividade feminina, o que permite classificá-las, por vezes (como com maior ou
A sátira
Vaticana e da Biblioteca Nacional de Lisboa, mal se distinguindo entre si. Têm por
explica que os vícios mais íntimos, as aventuras mais pícaras destes heróis truanescos
enrouquecida pelos abusos do álcool, etc. não faltando mesmo uma abadessa elogiada
ou satirizada por um segrel quanto à sua experiência sexual. Mas estes marginais
Raro se encontram nas cantigas de escárnio temas de alcance geral. Mas, nos
típicos da vida jogralesca. Numerosas cantigas, por exemplo, ocupam-se da sovinice dos
são, naturalmente, muito sensíveis os jograis que, em paga do seu trabalho artístico,
também a compor versos; estes porque defendiam a jerarquia, que limitava o papel do
trovador. Patenteia-se nestes conflitos que o jogral era um vilão, e o trovador, na maior
parte dos casos, um indivíduo da classe nobre. Não admira por isso que também a
ou não, aparece muitas vezes coberto de ridículo, nos seus trajos e na sua figura.
Esboça-se aqui o tipo do «burguês», satirizado já pela comédia clássica, e mais tarde
pela commedia dell'arte, por Molière (Le Bourgeois Gentilhomme) e por D, Francisco
Manuel de Melo, Mas não é menos frequente a troça à pelintrice da pequena nobreza, de
gosto, por assim dizer, naturalista, da anedota vivida ou testemunhada prevalece mesmo
desesperadamente se pinta e enroupa muito caro; a rapariga que a mãe antes ensina a
saracotear-se do que a coser e fiar; um cavalo faminto abandonado, como mais tarde o
de Tolentino, mas que se refaz com erva fresca depois das chuvas; gabarolices de falsos
romeiros à Terra Santa; fracassos imprevistos por um astrólogo; um juiz que se deixa
costumes são apresentadas com uma cordialíssima satisfação pelos simples factos, ou
«sirventês» moral occitânico: tal é o caso de dois clérigos - ambos muito conhecedores
dos modelos provençais - Martim Moxa e Airas Nunes. O primeiro justifica uma visão
apresenta-se procurando de porta em porta e sem resultado uma Verdade que não existe
em parte alguma, nem nos conventos e mosteiros, nem na cidade santa de Santiago de
Compostela. Pêro da Ponte dá-nos também alguns dos melhores testemunhos do tempo,
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quer através dos seus prantos, de que a sátira não está ausente, quer pela crítica às
acção sobre a opinião pública, também a sátira foi entre nós pouco brandida.
profligam os alcaides dos castelos que atraiçoaram Sancho II na guerra civil de 1245, ins-
piradas talvez na corte de Afonso X, amigo e aliado daquele rei. Quer as composições
anedóticas, quer as de interesse geral, usam de processos métricos e' estilísticos que
escabrosas, mas uma variadíssima técnica servindo toda a gama de humor a que a
matéria de facto pode ser sujeita. Nem sequer falta aquela subtil malícia a que as
régio de tantos bons serviços como os que enumera. E estes poetas, tão adestrados
visual melhor trai o objecto de troça: assim, Diego Pezelho ascende ao sarcasmo
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negou protecção aos seus mais fiéis vassalos. Agora a utilização literária do sonho:
Martim Moxa caracteriza a cedência dos senhores às insídias dos lisonjeiros com um
sonho em que teria visto um pequeno pássaro dominar, pela crista, outra ave mais
encorpada. E o absurdo: Martim Eanes Marinho faz o rol das dádivas de um infanção
pobretanas mas sempre a prometer mundos e fundos: umas calças de névoa de antanho,
um potro cor de mentira, uma loriga invisível, sem peso e cravejada de intrujice, um pau
de nevoeiro e outras muitas coisas de chufas guamecidas, Outro satírico pergunta ao rei
se lhe pagará depois de morto o que lhe deve, falando a propósito de «os vossos meus
de construção civil, pois se trata de «madeira nova», em calão de hoje «material novo»,'
outro satírico imagina deserto o leilão a que se expõe a pessoa de um mau rico-homem.
Em tons mais amargos, há aquele poeta que, numa tenção de escárnio, se recusa,
bem-amada; além de tantos outros que assoalham, rindo, os seus desaires eróticos mais
cuidados sentimentais, económicos e militares, desabafa a sua ânsia de fugir aos lacraus
da Meseta, abalar sozinho, feito mercador ou marinheiro, pelo mar em fora até qualquer
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outra gente. Conforme se vê, o escárnio galaico-português dos anos de mil e duzentos ou
mil e trezentos contém em ovo muitas tonalidades que mais tarde se reconheceriam
afinal como líricas, Não admira por isso que Rodrigues Lapa, ao presentear-nos
finalmente com a edição crítica de todas as 428 composições classificáveis neste terceiro
considerar como de amor, e até de amigo. O escárnio era o refúgio de uma variada gama
Versificação
Nacional designa como palavra) é normalmente definido por um número certo de sílabas,
mas o isossilabismo acaba só por impor-se com rigor ao cabo de uma persistente
uma regularidade mais frouxa. Não se nota a observância de regras uniformes quanto à
inclusão da última sílaba na contagem, quando o verso termina em palavra grave; apenas
A Poética também não regista regras de acentuação tónica obrigatória, o que, tal
contagem silábica, mas há sinéreses mais ou menos frequentes, conforme o timbre das
vogais e o grau de uso correntio das palavras, Isto revela uma evolução fonética em
marcha, provavelmente retardada no verso por velhos hábitos de ritmar as palavras pelo
canto. O mencionado tratado de Poética ou Arte de trovar classifica já esse hiato como
um erro comparável à cacofonia, embora pareça admitir um hiato por verso desde que se
anotações em latim que confirmam e completam esta Arte de trovar quanto às estruturas