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Carlos d’Andréa 1
Gabriele Maciel 2
Resumo: Este artigo visa discutir e comparar a seleção e hierarquização de matérias pela equipe
editorial de sites noticiosos (edição jornalística) e as preferências de acessos dos usuários, men-
surável especialmente através do recurso “matérias mais acessadas” disponível em muitos por-
tais jornalísticos (edição colaborativa). Após discussão teórica sobre conceitos de edição, noti-
ciabilidade e colaboração, é apresentado um levantamento piloto realizado a partir da página
principal do site Folha Online. Os objetivos são verificar o impacto da posição ocupada por uma
notícia na home sobre as escolhas dos usuários e as eventuais influências da edição feitas pelos
jornalistas sobre as escolhas do público, e vice-versa. Os resultados parciais nos permitem ela-
borar hipóteses a serem verificadas numa etapa posterior do projeto de pesquisa.
1. Introdução
3. Edição na web
A edição do conteúdo noticioso ganhou características específicas na plataforma
da World Wide Web. Em primeiro lugar, deve-se inclusive relativizar a importância da
página inicial para o acesso a uma informação, uma vez que o usuário tem diferentes
mecanismos para localizar e/ou acessar uma matéria, como as ferramentas de busca (in-
ternas ou externas ao site), os agregadores de RSS e de notícias (como o Google News)
e as trocas de links através sites de redes sociais, como o Twitter. A existência destes
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caminhos, no entanto, não parece resultar num menor cuidado com a home por parte dos
portais jornalísticos – vide, por exemplo, os estudos cuidadosos de arquitetura da infor-
mação e as mudanças frequentes realizadas pelos maiores grupos de mídia.
Se compararmos com as publicações jornalísticas tradicionais, em especial as
impressas, uma das rupturas fundamentais na edição de notícias em sites e portais noti-
ciosos é a não-obrigatoriedade de seguir uma periodicidade. Esta ruptura é reforçada por
um modelo que enfatiza o deadline contínuo, isto é, uma rotina de publicação ininterru-
pta de notícias e chamadas na home. Umas das mudanças na rotina do editor de home é
a necessidade constante de incluir, excluir ou alterar a posição de informações, num rit-
mo menos ou mais intenso, visando imprimir uma certa “cadência” à página principal
do site. Ao longo de um dia, alguns jornalistas, que se revezam em turnos, assumem a
função de editor de home, o que indica a necessidade de um forte peso institucional so-
bre as decisões de noticiabilidade em um portal. Em redações menores, é comum que as
decisões sejam tomadas numa deliberação informal entre os repórteres e redatores.
Neste contexto, devemos considerar as mudanças nas atividades do editor e,
eventualmente, impactos na própria essência dessa atividade jornalística. Sobrinho
(1998, p.09) afirma que “de gerente máximo do conteúdo jornalístico, ele (o editor) é
hoje um administrador, preocupado com índices de leiturabilidade das várias editorias,
de ‘recall’ de seus leitores (...)”, entre outros fatores não habituais a jornalistas. A neces-
sidade de acompanhamento dos resultados na web deve-se parcialmente à facilidade de
se mensurar resultados, como o número de acesso por página ou editoria, tempo de na-
vegação, link de entrada e de saída do site, entre outros fatores.
Num plano mais amplo, podemos identificar aqui um exemplo do que Malini
(2008, p.10) caracteriza como “o jogo de forças no âmbito contemporâneo midiático”,
cenário do qual os “grandes jornais online” fazem leituras ambivantes. Para o autor, as
publicações reconhecem a possibilidade de dialogar com seu público como um “mo-
mento de oportunidade”, principalmente pela possibilidade de constituir um “espaço
mais elástico de visibilidade e diálogo público”. Por outro lado, configura-se um instan-
te de crise, uma vez que “sua força (dos jornais) em constituir uma ‘opinião pública` es-
taria a diminuir”.
A natureza da participação do público na edição do conteúdo jornalístico tam-
bém tem características peculiares no ranking das páginas mais acessadas. Em iniciati-
vas como o Digg, Overmundo, Kuro5hin e outras, a participação de um usuário implica
em um envolvimento, ainda que pontual, com tema tratado e numa relação mais pró-ati-
va com as funcionalidades técnicas/editoriais do site, como o próprio ato de criar um lo-
gin que o identifique. Para contribuir para a relação das mais lidas, não é necessária ne-
nhuma ação além do clique sobre uma chamada, o que nos permite inclusive supor que
uma parte significativa dos usuários não se preocupa ou sequer sabe que está contribuin-
do para uma edição paralela à realizada pela equipe do site.
Neste sentido, acreditamos que a geração de uma relação das matérias mais aces-
sadas em um site, ainda que seja uma forma limitada de “filtragem colaborativa”, não
chega a configurar um “sistema de recomendação” como os adotados, por exemplo, em
sites de comércio eletrônico (REATEGUI; CAZELLA, 2005). No mesmo sentido, ainda
que a exibição das preferências do público usuário represente uma flexibilização no mo-
delo de gatekeeper tradicionalmente usado pelas empresas jornalísticas, sua adoção não
pode ser considerada uma guinada para um modelo de edição inspirado no gatewat-
ching, em que o papel do jornalista passa a ser uma filtragem seletiva das informações
geradas e publicadas na web, inclusive por usuários comuns (BRUNS, 2005).
Na relação entre “edição jornalística” e “edição colaborativa”, interessa-nos aqui
identificar possíveis influências de um sobre outro, isto é, até que ponto uma edição in-
fluencia ou determina a outra. Neste sentido, foram elaboradas duas questões iniciais de
pesquisa: qual a relação entre a exibição de uma matéria nas áreas de edição jornalística
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da home com o aparecimento e permanência da mesma entre as mais acessadas? Por ou-
tro lado, a ocorrência de uma matéria no ranking das mais acessadas influencia a edição
jornalística, determinando por exemplo um maior destaque nas áreas coordenadas pela
redação do portal? Visando esboçar um método e elaborar hipóteses que possam orien-
tar a continuação da pesquisa, optamos por estudar essa dinâmica no site Folha Online,
apresentado a seguir.
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Uma reprodução da home da Folha Online está na próxima seção deste artigo.
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renovação periódica da lista. Ainda segundo Nemec, o portal pode retirar o recurso da
home quando, em "momentos de grande audiência", torna-se inviável tecnicamente o
processamento das informações pelos servidores que hospedam o site5.
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Informações obtidas em entrevista concedida por e-mail
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A opção metodológica pela coleta os dados a cada 30 minutos deve-se a uma percepção que, em geral,
os destaques não eram alterados significativamente no prazo médio de 15 minutos.
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Figura 1: Áreas de edição jornalística na home da Folha Online (reprodução em 04 de dezembro de 2008)
Oito matérias, ou 15,7% do total, não estavam posicionadas nas áreas pré-defini-
das ou sequer na home da Folha Online. Não foram registradas nenhuma ocorrência por
tempo majoritário nas áreas 3 e 5. Em síntese, os dados indicam uma grande concentra-
ção das matérias mais lidas em três áreas da home da Folha Online (as áreas 1, 6 e 4,
juntas, totalizam 74,5%), o que indica que há uma relação direta entre uma posição pri-
vilegiada na home e um número maior de acessos. Surpreende, por outro lado, a ausên-
cia das áreas 3 e 5, também posicionadas na metade de cima da home.
- Edição jornalística: foi destaque principal (com foto) da área 4 das 8h30 às 12h30. A
partir deste horário, foi posicionada na logo abaixo (2ª chamada da área 4), sendo retira-
da da home às 14h.
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Um fator que certamente influenciou a permanência das matérias "Ellen Jabour...” e "Falabella se irri-
ta...” entre as +Lidas ao longo de todo o dia foi sua associação com a palavra ZAPPING, situada na área
4. Ao clicar nesta palavra, o usuário acessava diretamente as páginas analisadas, contribuindo para seu
número de acessos, ainda que a escolha tenha corrido em função de uma editoria, e não de uma página em
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3b) "Serra amplia liderança para disputa presidencial de 2010, mostra Datafolha"
- Edição colaborativa: permaneceu em 1º lugar das +Lidas até 12h e, das 12h30 e às
15h, ficou em segundo. Sobe novamente para a primeira posição das 15h30 às 16h,
quando sai do ranking.
- Edição jornalística: a matéria foi a principal chamada da área 1 até 11h30, quando tor-
nou-se a chamada da área 6. Permaneceu na home até 14h30.
específico. Esta situação, se confirmada, parece indicar uma forte vinculação de parte de usuários com a
temática da área 4, o que os levaria a acessá-la sem mesmo sem saber a matéria indicada pelo link.
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A análise inicial acima nos permite esboçar algumas hipóteses sobre a relação
entre edição jornalística e edição colaborativa das matérias mais destacadas (área 1) pela
equipe editorial da Folha Online. Ao contrário das tendências observadas entre as maté-
rias de entretenimento, as matérias de política não permaneceram todo o dia entre as
+Lidas. Sua presença destacada na área 1 mostrou-se fundamental não apenas para uma
boa colocação, mas para a própria permanência na lista das mais acessadas. Este movi-
mento foi identificado em duas das três matérias analisadas: a exceção foi a matéria de
08/12 (sobre o governador José Serra), cuja permanência nas +Lidas mostrou desvincu-
lada do destaque jornalístico. Assim como observado no conjunto de matérias anterior,
o fato de uma página estar entre as mais acessadas parece não influenciar na decisão,
pelos jornalistas editores, de manter uma matéria em destaque. As três matérias analisa-
das foram retiradas da área 1 quando ocupavam a melhor posição alcançada no ranking.
o peso dos critérios de noticiabilidade, em todas suas variáveis, sobre as escolhas dos
editores, a despeito das preferências do público apontarem outras tendências. Para os
jornalistas do site, portanto, prevalecem os preceitos que orientam o “jornal de referên-
cia”, enquanto a edição do público dialoga diretamente como o que Fonseca (2006) cha-
mou de “declínio da notícia como expressão do jornalismo”.
Partindo das hipóteses levantadas, faz-se necessário um levantamento mais ex-
tenso e melhor estruturado. Ressalte-se que uma das principais limitações do método
aqui esboçado é a impossibilidade de se mapear a origem de todos os acessos de uma
matéria. Certamente o destaque na home da Folha Online contribui bastante para um au-
mento no volume de cliques, mas um destaque na home do portal UOL, por exemplo,
pode render ainda mais acessos. Esta possibilidade, o acesso através de mecanismos de
buscas e outros recursos não foram considerados nesta pesquisa principalmente pela in-
viabilidade técnica de se mensurar todas as fontes de acesso a uma dada URL. Outra va-
riável que deve ser considerada numa fase mais avançada da pesquisa é a dinâmica vari-
ável do noticiário: supõe-se que a relação entre a edição colaborativa e a jornalística seja
diferente em dias pautados por “grandes acontecimentos” (morte de alguma personali-
dade, por exemplo) em relação a períodos sem nenhum fato jornalístico de grande des-
taque (caso dos três dias analisados).
Referências
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(Org.). Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega, 1993. p. 152-166.
BRIGGS, Mark. Jornalismo 2.0 - Como sobreviver e prosperar. J-Lab e Knight Citizen News
Network, 2007.
BRUNS, Axel. Gatewatching: collaborative online news production. Nova York: Peter Lang,
2005.
CHAPARRO, Manuel. Veracidade, dever maior. In: LOPES, Dirceu F.; SOBRINHO, José Co-
elho; PROENÇA, José Luiz (org.). Edição em jornalismo impresso. São Paulo: ECA/EDI-
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FOLHA ONLINE estréia novo projeto gráfico; veja o que mudou no site. Publicado em 28
ago. 2007. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u32 1402.sht-
ml>. Acesso em. <01 jul. 2009>.
MALINI, Fabio. Modelos de Colaboração nos meios sociais da internet: uma análise a partir
dos portais de jornalismo participativo. ENCONTRO DOS NÚCLEOS DE PESQUISA DA IN-
TERCOM, VIII. In: Anais... Natal: UFRN, 2008.
MAROCCO, Beatriz e BERGER, Christa. A dupla falta do editor de jornal, no livro e cursos de
jornalismo. In: FELIPPI, A.; SOSTER, D. A.; PACCINI, F. Edição em Jornalismo - Ensino,
Teoria e Prática. RS: Edunisc, 2006. pp.17-30
PEREIRA JÚNIOR, Luiz Costa. Guia para a edição jornalística. Rio de Janeiro: Vozes, 2006.
SOBRINHO, José Coelho. Apresentação. In: LOPES, Dirceu F.; SOBRINHO, José Coelho;
PROENÇA, José Luiz (org.). Edição em jornalismo impresso. São Paulo: ECA/EDICOM,
1998.
SILVA, G. Para pensar critérios de noticiabilidade. Estudos em Jornalismo e mídia. v.2, n.1.
Florianópolis: UFSC, 2003.