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Janaína Castilho Marcoantonio – no USP 3096577

Discursos jornalísticos e estigmas sociais - Profa. Rosana

NARRATIVAS NAS MÍDIAS E ESTIGMAS SOCIAIS


Trabalho Final

1. Síntese do tema

Atentados contra bases da polícia militar e guarda civil metropolitana na grande São

Paulo.

2. Objetivos do trabalho

Analisar a forma como a mídia tem construído essa narrativa, e como define os papéis

da polícia, do PCC, do Estado e da sociedade civil.

3. Referência teórico-conceitual

Norbert Elias e John L. Scotson, “Os estabelecidos e os outsiders”.

4. Hipótese do trabalho

A hipótese é de que a cobertura da mídia seja simplificadora e maniqueísta,

trabalhando em torno da oposição entre os policiais (vítimas) e o PCC (vilões), sem

chegar ao cerne do problema.

5. Pertinência do trabalho

O tema foi escolhido levando em consideração sua atualidade e os desdobramentos que

pode ter numa sociedade constantemente coibida pelo medo.

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6. Questões que provoca

O que se pretende questionar é a responsabilidade da imprensa sobre o desdobramento

dos fatos. Ao glamourizar o PCC e, ao mesmo tempo, abrir espaço para declarações que

defendem um Estado mais “duro”; ao informar que a Polícia Militar irá utilizar a ROTA

e a ROCAM nas ruas, e ao relatar o número exorbitante de blitze policiais, sem

questionar a eficácia de seus métodos (nem sequer uma única alusão ao período da

ditadura); ao contribuir para a generalização do pânico; a imprensa abre caminho para a

aceitação passiva de medidas extremistas e abusos de poder.

7. Metodologia utilizada

Leitura crítica de matérias publicadas no jornal escolhido, à luz dos textos teóricos

assimilados durante o semestre.

8. Amostragem

Todas as matérias (inclusive charges e editoriais) publicadas sobre o tema, na Folha de

São Paulo, de 03 a 16 de novembro de 2003.

9. Descrição e análise

Em 02 de novembro último, aconteceu na Rua Paim, na Bela Vista, o primeiro de uma

série de atentados contra a Polícia Militar e a Guarda Civil Metropolitana na Grande

São Paulo. Os atentados são atribuídos ao PCC (Primeiro Comando da Capital), cuja

intenção seria pressionar o Estado por alterações no RDD (Regime Disciplinar

Diferenciado), sob o qual estão submetidos alguns de seus líderes. Desde então, é

comum presenciar policiais andando sempre em grupos, e empunhando armas como em

uma guerrilha, ainda que o cenário seja uma praça aparentemente tranqüila, em pleno

domingo à tarde.

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No período de 03 a 16 de novembro, foram publicadas cerca de 30 matérias no jornal A

Folha de São Paulo em relação ao tema, sendo duas charges e três editoriais. A grande

maioria não passa de relatos presos aos fatos, divulgando nomes e números, e poucas

informações analíticas. Os editoriais, por outro lado, defendem a necessidade de

extrapolar o factual e discutir a complexidade da questão da segurança pública e do

sistema carcerário no país. Entretanto, como se fossem jornais distintos, no interior

dos cadernos não há espaço para esse tipo de discussão. Pelo contrário, o que se faz é

ratificar a estigmatização dos grupos envolvidos.

Isso pode ser verificado, a princípio, pelo vocabulário utilizado para caracterizar os

policiais e o PCC: os primeiros são vulneráveis, inseguros, assustados, receosos, tensos,

apreensivos, paranóicos, nutrem uma sensação de inferioridade, sentem medo; os

segundos são bandidos, criminosos, ousados, desaforados, vagabundos e desenvoltos

(alguns desses termos foram retirados de declarações dos entrevistados; ainda assim,

o recorte é uma escolha do jornal). Em todas as matérias, os grupos em questão são

caracterizados por ao menos um dos adjetivos acima citados. As charges reforçam essa

imagem:

08/11/2003 – O policial vulnerável 09/11/2003 – A ousadia do PCC

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É interessante notar como esse vocabulário foi sendo alterado e, conforme colocam

Norbert Elias e John L. Scotson, em “Os estabelecidos e os outsiders”, isso evidencia

mudanças no desequilíbrio de poder: há não muito tempo, os termos utilizados para

caracterizar os policiais estavam relacionados à violência e corrupção. Com os

atentados, os policiais tornam-se vítimas, e os termos antigos só são utilizados uma

única vez, no editorial “Guerra Urbana”, publicado em 04/11: “O que se tem visto nessas

instituições é uma dinâmica que oscila entre a corrupção e a extrema violência – só no

Estado de São Paulo, a crer nos dados oficiais, a polícia mata cerca de três vezes mais

do que em todos os Estados Unidos”.

Tal vitimização também pode ser notada por meio de algumas matérias focadas na vida

de um personagem específico, como é o caso da matéria sobre o sargento Fábio Soares

(04/11 – “Sargento morto estava de folga”) e sobre o cabo Pedro Cassiano da Cunha

(06/11 – “Cabo assassinado escondia que era policial”). As matérias contam que tanto o

sargento como o cabo tinham mais de vinte anos de carreira e estavam para se

aposentar; falam sobre os baixos salários recebidos e o desencanto com a profissão.

Nada de errado em dar uma dimensão humana aos policiais; o problema é que não há um

contraponto: nenhuma matéria se preocupou em mostrar o tratamento recebido pelos

presos dentro das penitenciárias. Isso simplesmente não interessa à população:

amedrontada, ela está farta de ouvir falar de direitos humanos para os presos; entende

que a solução é tomar medidas drásticas.

Em “Os estabelecidos e os outsiders”, Elias e Scotson explicam que um grupo só pode

estigmatizar outro com eficácia quando está bem instalado em condições de poder das

quais o grupo estigmatizado é excluído. Acrescentam, ainda, que nas disputas de poder,

o estigma social imposto costuma penetrar na auto-imagem do grupo menos poderoso,

contribuindo para enfraquecê-lo e desarmá-lo. O PCC, inicialmente o grupo mais “fraco”,

articulou-se, ganhou coesão interna, e as relações de poder começaram a se alterar. O

policial interiorizou a imagem de corrupto, violento, ineficaz; ele é parte de um sistema

falido, arrisca a vida diariamente por um salário abaixo do razoável; não tem mais

orgulho de pertencer à sua categoria. “Com a diminuição nas disparidades de força (ou

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desequilíbrio de poder) os antigos outsiders tendem à retaliação e contra-

estigmatização”: os policiais tornam-se então “outsiders”.

O editorial intitulado “Maus costumes”, de 09/11, afirma que “Lendo o noticiário a

respeito desses assuntos, bem como o relativo aos casos ‘ ordinários’ de violência, o

cidadão tem todos os motivos para sentir-se abandonado e à mercê de um processo

acelerado de degradação dos costumes”. E ainda: “É preciso aproveitar a justa

indignação da sociedade para discutir seriamente e aprovar as reformas da segurança

pública e do Judiciário”. Como já foi dito, tais discussões, apesar de sugeridas nos

editoriais, não têm espaço nas páginas dos jornais.

A sociedade civil espera e exige uma atitude por parte dos governantes, e esses

respondem com soluções paliativas, a fim de amenizar momentaneamente o problema. A

matéria de 06/11 (“Tropas de elite vão reforçar segurança”) informa que o comando da

Polícia Militar resolveu mandar às ruas duas de suas tropas de elite: a Rota (Rondas

Ostensivas Tobias de Aguiar) – aquela que, no período militar, cometeu incontáveis

casos de abusos de autoridade, retratados no livro “Rota 66”, de Caco Barcelos – e a

Rocam (Rondas Ostensivas com o Apoio de Motocicletas). Outra matéria, de 05/11,

informa que “das 19h de anteontem à 1h de ontem, a PM realizou 630 blitze na região

metropolitana”. Oras, 630 blitze em seis horas é um número alarmante. Como e onde

foram realizadas essas blitze? Quais foram os critérios adotados? A quem se

destinaram? Qual a abordagem dos policiais? Nada disso é especulado.

A solução é “apertar o cerco”: a população apóia incondicionalmente. Algo está sendo

feito. Entretanto, o que muda, estruturalmente? Tais medidas podem cessar os ataques

por alguns meses, ou alguns anos, mas o problema persiste. Marcelo Beraba, no artigo

“As duas irmãs” (14/11), sobre a violência que assola Rio de Janeiro e São Paulo, afirma:

“Os secretários de Segurança das duas cidades têm políticas semelhantes e com

resultados igualmente ineficazes. São políticas reativas, anunciadas ao sabor das ações

violentas e espetaculares do narcotráfico. Raramente têm condições de tomar a

iniciativa no combate ao crime”.

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Em discurso feito em Angola, o presidente Luís Inácio Lula da Silva defende um

“Estado duro”, conforme aponta a matéria de 05/11. O que seria o “Estado duro”

defendido por Lula? A linha fina complementa: “Em Angola, presidente diz que bandidos

estão ficando desaforados”. Bandidos desaforados. Estado duro. São expressões que

devem ser questionadas. Não se trata de uma guerra entre mocinhos e vilões.

Precisamos de um Estado que educa, antes de castigar. Um policial que não quis ser

identificado, em matéria de 07/11 (“Ousadia do PCC deixa polícia apreensiva”), reclama

da falta de apoio por parte de seus superiores: “Se a gente der um tapa em um bandido,

a Corregedoria já vem pra cima da gente”, explica. O que os motiva a agir é o

sentimento de vingança: “Do mesmo jeito que eles estão jogando bomba, daqui a pouco

vamos começar a chutar a bomba de volta”, diz o capitão Belantoni. É nesse clima que os

policiais são preparados para lidar com uma realidade tão complexa.

A sociedade nega qualquer responsabilidade sobre a existência do PCC. Há aqui uma

separação entre o “nós” (a sociedade civil, trabalhadora, digna e honesta) e “eles” (os

criminosos, monstros, assassinos). Como se o PCC tivesse uma existência alheia,

desarticulada do tecido social. No site www.primeirocomando.com.br, pode-se conhecer

um pouco da história da facção. Após ter sido acusado de apologia ao crime, o site

conta com uma página de abertura que afirma tratar-se do Trabalho de Conclusão de

Curso do jornalista João Xavier, e cujo objetivo é “debater a facção criminosa sem

apologias nem preconceitos”. Alguns garantem, entretanto, que o conteúdo é ditado

pelo PCC. Independente das origens do site, algumas informações interessantes podem

ser tiradas dali: o texto conta que, inicialmente, as revoltas contra os maus-tratos nas

prisões eram atos individuais, isolados; nos anos 70, entretanto, esses presos entraram

em contato com gente instruída – os presos políticos da ditadura – e passaram a

discutir idéias e articular-se como grupo. Da mesma forma que os traficantes atuam

como “protetores” dos moradores dos morros, no Rio, o PCC “protege” as famílias dos

membros, provendo alimentos, enxoval do bebê, fretando ônibus para visitar parentes

em prisões no interior, etc. Ou seja, o PCC ocupa o espaço vazio deixado pelo Estado.

Longe de querer justificar as atitudes da facção, o que se quer mostrar aqui é que a

origem do PCC está nas deficiências que a sociedade não é capaz de resolver. A

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cobertura jornalística deveria passar por essa discussão. Ao demarcar a diferença

entre PCC e sociedade civil, a linha que divide é a da criminalidade. Bem antes disso,

entretanto, há outra linha, a da miséria: “No último apartheid do ocidente, coabitam

duas sociedades, com leis, culturas e vidas completamente separadas: a sociedade das

favelas e morros e a sociedade do asfalto e dos shopping centers. Somente no dia em

que houver uma real quebra dessa segregação é que se poderá vislumbrar uma solução

para a maré de ‘criminosos’ que são regurgitados pelo atual sistema”.

10. Conclusões

No documentário “Tiros em Columbine”, Michael Moore investiga os “culpados” pela

violência e pelo pânico generalizado na sociedade norte-americana. Seria o porte legal

de armas? O rock de Marilyn Manson? Os personagens de South Park? Ou ainda os

games violentos? Após fazer uma comparação com outros países, a conclusão a que

chega é que os grandes culpados são o Estado e a mídia, responsáveis pela “cultura do

medo”.

A disseminação do pânico só faz ofuscar as raízes do problema, e ao invés de contribuir

para o diálogo, a mídia acaba semeando o caminho para que medidas totalitárias sejam

tomadas em nome de uma suposta segurança pública.

A presença de tropas do Exército nas ruas jamais pode ser considerada sinônimo de

segurança. Pelo contrário, evidencia a existência de uma tensão permanente, a certeza

de que uma verdadeira guerra civil pode eclodir a qualquer momento. A sensação de

segurança dispensa esses aparatos: é quando o medo pouco a pouco sai de cena, e

caminhar pelas ruas volta a ser um ato cotidiano.

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11. Bibliografia

ELIAS, N. & SCOTSON, J. L. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de

Janeiro, Jorge Zahar Editora, 2000.

EDITORIAIS. Guerra urbana. Folha de São Paulo, Opinião. São Paulo, 04 de

novembro de 2003.

EDITORIAIS. Maus costumes. Folha de São Paulo, Opinião. São Paulo, 09 de

novembro de 2003.

BERABA, M. As duas irmãs. Folha de S. Paulo, Opinião. São Paulo, 14 de

novembro de 2003.

FOLHA DE SÃO PAULO. Folha de S. Paulo, Cotidiano. São Paulo, 03 a 17 de

novembro de 2003.

XAVIER, J. O Primeiro Comando da Capital. www.primeirocomando.com.br

FREUD, S. Psicologia de grupo e a análise do ego [“Além do princípio do prazer,

psicologia de grupo e outros trabalhos”. In: Obras psicológicascompletas de

Sigmund Freud. Vol. XVIII. Rio de Janeiro, Imago, 1974]

GOFFMAN, E. Estigma. 2ª Ed. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editora, 1978.

LYOTARD, J. F. A condição pós-moderna. 2ª Ed. Lisboa, Gradiva, 1989.

SAID, E. Cultura e política. São Paulo, Boitempo, 2003.

Filmes de referência

Tiros em Columbine (Michael Moore, 2003).

Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002).

Os outros (Alejandro Amenábar, 2001).

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