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O documento discute a espiritualidade dos povos indígenas, definindo-a como uma dimensão profunda ligada à natureza e ao equilíbrio com o meio ambiente. Os indígenas sofreram tentativas de imposição cultural e destruição de suas terras sagradas. No entanto, preservam um conhecimento ancestral de respeito e cuidado com a "casa comum" da qual todos fazem parte.
O documento discute a espiritualidade dos povos indígenas, definindo-a como uma dimensão profunda ligada à natureza e ao equilíbrio com o meio ambiente. Os indígenas sofreram tentativas de imposição cultural e destruição de suas terras sagradas. No entanto, preservam um conhecimento ancestral de respeito e cuidado com a "casa comum" da qual todos fazem parte.
O documento discute a espiritualidade dos povos indígenas, definindo-a como uma dimensão profunda ligada à natureza e ao equilíbrio com o meio ambiente. Os indígenas sofreram tentativas de imposição cultural e destruição de suas terras sagradas. No entanto, preservam um conhecimento ancestral de respeito e cuidado com a "casa comum" da qual todos fazem parte.
A espiritualidade simplesmente a f vivida amorosamente e at as ltimas consequncias. (Marcelo Barros)
A palavra espiritualidade pode ser definida como a ... dimenso da pessoa humana que traduz, segundo diversas religies e confisses religiosas, o modo de viver caracterstico de um crente/ser que busca alcanar a plenitude da sua relao com o transcendente. Cada uma das referidas religies comporta uma dimenso especfica a esta descrio geral, mas, em todos os casos, pode-se dizer que a espiritualidade traduz uma dimenso do homem/ser humano, enquanto visto como ser naturalmente religioso, que constitui, de modo temtico ou implcito, a sua mais profunda essncia e aspirao". 2
Janeide Lavor jovem assessora do Centro de Estudos Bblicos - CEBI/AM e mestranda em Cincias da Educao. Reside em 1 Manaus (AM). (janeidelavor@hotmail.com).
Ref. GEORGE BROWN Spirituality: history and perspectives (http:// pt.wikipedia.org/wiki/Espiritualidade- Acesso em 2 05 de fevereiro de 2014).
Para Ivoni Reimer , espiritualidade expresso da minha, da 3 nossa f. Ela se manifesta em todos os lugares da vida, em nvel pessoal, familiar, comunitrio, social e na relao que temos com o meio ambiente . 4 Por muito tempo foi negada e condenada a espiritualidade dos povos originrios. Com o massacre, que sofreram desde o perodo da invaso do Brasil, etnias foras exterminadas, pois os nossos colonizadores desde sempre impuseram suas vontades. Sobretudo na questo religiosa. Apesar de tanta violncia, que se configura como um genocdio permanente, alguns dados mostram que existem aproximadamente 330 mil indgenas, pertencentes a 215 povos e que falam 185 lnguas diferentes. Cerca de 60% vivem na Amaznia legal. 5 Os povos indgenas sofreram e sofrem inmeras injustias sociais, polticas e religiosas, sendo submetidos a situaes de desigualdades, que descaracterizam sua cultura e negam sua identidade, pois para os padres do progresso so inaceitveis.
IVONI RICHTER REIMER . Professora Doutora no Programa de Mestrado e Doutorado em Cincias da Religio da 3 Universidade Catlica de Gois. Teloga luterana. E-mail: ivonirr@terra.com.br
(Srie a palavra na vida. Ciranda da espiritualidade. Contexto. So Leopoldo/RS. 20032003, p. 56). 4
Povos Indgenas e a Lei dos Brancos: o direito diferena / Ana Valria Arajo et alii - Braslia: Ministrio da Educao, 5 Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006. http://www.pime.org.br/ mundoemissao/indigenas.htm - Acesso em 07 de fevereiro de 2014.
Tendo imposta sobre si a chamada civilizao, os indgenas foram forados a aderir a novos hbitos culturais, que bruscamente destruam a cultura e o sagrado de seu povo. Fato semelhante ao do povo de Israel, quando a monarquia decidiu impor o culto ao Deus nico. Nossa tendncia imaginar que o culto ao Deus YHWH foi uma escolha tranquila (como lemos em Josu 24). Na verdade, ao se ver obrigado a adorar um nico Deus, vrios grupos israelitas tiveram que se desfazer de qualquer outra prtica religiosa e abandonar seus costumes. (2 Reis 22-23; Esdras 7,25-26; Isaas 40-55). Em nome da modernizao, os povos indgenas foram explorados e desrespeitados no que havia de mais sagrado para eles, a sua espiritualidade, que para algumas tribos est diretamente vinculada me terra e natureza. A devastao das terras, da biodiversidade e dos recursos naturais quebra o equilbrio e gera desarmonia entre os seres humanos e a natureza. (Romanos 8,20-22).
2. Natureza: espao sagrado em constante equilbrio Os povos indgenas tm profundo conhecimento na preservao e utilizao de plantas, frutos, animais e minerais, que so usados na medicina natural. So tambm profundos conhecedores da natureza, sabem o que pode matar e o que pode curar. Dizem que na natureza encontramos a cura de todos os males. Porm, h que se saber usar, pois dependendo da dosagem pode ser remdio ou veneno. Estes aspectos esto na base de seu relacionamento com o ambiente natural e da produo de seus conhecimentos sobre ele. Para os povos indgenas no existe separao entre o sagrado e o mundo natural. O desequilbrio de um automaticamente interfere no equilbrio do outro. O mundo concebido como um todo integrado, no como uma coleo de partes dissociadas. Alm disso, a natureza e o mundo possuem valor em si, no foram criadas apenas para o ser humano. A concepo de que o ser humano o centro do universo e tudo a ele se destina, (antropocentrismo) no d conta de explicar e sequer consegue entender as antropologias e cosmologias dos povos indgenas (para ajudar a entender sugerimos assistir o Filme Avatar). Quando Paulo Freire afirma que urge que assumamos o dever de lutar pelos princpios ticos mais fundamentais como do
respeito vida dos seres humanos, vida dos outros animais, vida dos pssaros, vida dos rios e florestas (FREIRE, 2000, p. 67), ele quer enfatizar exatamente o co-pertencimento, a interdependncia, quilo que Capra denomina de a teia da vida (CAPRA, 1997, p. 28). Alguns povos indgenas estabelecem uma relao de espiritualidade to grande com a Terra, que a chamam de GAIA ou Me = Pachamama. Viemos dela, ela quem nos gerou, nos d alimento e abrigo. E para ela que retornaremos. Quando algum morre, em algumas naes indgenas no enterram a pessoa, como ns falamos. Elas devolvem para a terra: isso sagrado, este o equilbrio, viemos da terra e para ela retornamos. Todos juntos formam o equilbrio necessrio sobrevivncia da humanidade e do sagrado. O sagrado o equilbrio entre positivo e negativo, o mal e o bem em equilbrio constante. Ao longo da histria, os povos indgenas tiveram seu sagrado ridicularizado. Para os europeus, os indgenas no possuam alma e eram acusados de praticar rituais que agrediam os princpios cristos. At sua morada foi descaracterizada, pois para os indgenas a OCA a CASA e representa o centro do universo, unindo a flora, a fauna num nico sistema. Tanto que bem ao
meio existe uma abertura (conf. ELIADE, 2012, p. 55) para interligar o transcendental, o espiritual com a oca. Mas os europeus, para profanar este lugar sagrado, vincularam-no ao mal, passando a trat-lo como a mal+oca/maloca, a casa do mal. Essa postura revela preconceito e desconhecimento para com a cultura dos povos indgenas, sobretudo com sua espiritualidade.
3. Cultivar e cuidar, sem dominar Para os indgenas, mulheres e homens esto intimamente ligados grande casa, natureza e a tudo que dela deriva. Toda a ecologia smbolo da espiritualidade indgena. Nenhum indgena adentra um rio, uma mata, uma cachoeira sem antes pedir permisso. Se for fiel a seu povo e sua tradio, um indgena no arranca uma folha, um fruto, seja para alimento ou remdio, sem antes solicitar natureza. Pois tudo faz parte da casa comum. O termo ecologia resulta da unio da palavra grega oikos, que significa casa, e logia, que significa estudo ou tratado. Nas dcadas de 1960 e 1970, a ecologia caracterizava-se como o estudo das relaes entre os seres vivos entre si e estes com o meio ambiente. Mas no decorrer das ltimas dcadas consolidou
sua emancipao cientfica, ocupando-se tambm do impacto dos processos tecnolgicos que alteram as condies da vida humana em permuta com outros seres que habitam a mesma casa, a Terra. (SILVA, 2004, p. 280). Cultivar e cuidar sem dominar (Gnesis 2,15) um dos maiores ensinamentos que aprendemos ou deveramos aprender dos povos indgenas. As coisas nos so dadas gratuitamente, mas delas no somos donos/as. As coisas so de todos/as e devem ser usadas de forma coletiva para o bem comum. H que se cuidar, preservar para que no faltem a ningum. bonito de se ver a maneira como os indgenas se referem s coisas: a casa, a canoa, o remo, a caa. Tudo tem valor em si, as coisas so mais do que objeto. E a elas no aplicam o conceito de propriedade privada. uma postura bem diferente daquela normalmente tida pelos no indgenas, que se apropriam de tudo, querem dominar, possuir. Dessas pessoas ouvimos falar: a minha casa, o meu carro, a minha comida, minha mulher, at as pessoas. Viemos da Me Terra, nela vivemos, dela nos alimentamos e para ela retornaremos. O ciclo nunca parar. Por isso, sempre existiremos. Mesmo depois da morte, existiremos um/a na vida do/a outro/a, pois, ao voltarmos para a terra, o ciclo da vida permanece. E tudo na vida, na natureza, sagrado.
Muito conhecida a carta que o cacique Seatle enviou ao presidente dos Estados Unidos, explicando porque seu povo se recusava a vender parte das terras: Cada pedao dessa terra sagrado para o meu povo. A terra parte de nossa histria, nossas razes, igual ao que ocorre nas comunidades quilombolas. nela que enterramos nossos ancestrais, nosso povo. Da presena de nossos antepassados alimentamos tambm nossa espiritualidade, pisamos no mesmo cho que eles pisaram, comemos dos frutos da mesma terra, nos banhamos no mesmo rio. assim que temos presente nossa histria. possvel imaginar, portanto, o que significa para um grupo indgena ser expulso de sua terra, de seu cho.
4. Ningum pode servir a dois senhores. Em nossa sociedade dita como moderna estamos perdendo a partilha, solidariedade. Aos poucos, o individualismo vai tomando conta. A cada dia, entramos no sistema capitalista e queremos cada vez mais.
No nos preocupamos de onde vem, como feito e nem quem produziu. Tampouco sob que condies. Pois o que queremos possuir e acumular. Quanto mais, melhor. E nos esquecemos a quem servimos. Mateus 6,24 nos alerta: No podeis servir a Deus e ao Dinheiro. Servir ao dinheiro servir o acmulo, a explorao, o luxo, que leva fome, misria e desigualdade social. Em sua proposta, Jesus tem claro que no suficiente preocupar-se com o que comer, beber e vestir. preciso algo mais. Um novo modelo de sociedade de acordo com o projeto da justia do Reino garante o po, a gua e a roupara para todas as pessoas (Mateus 6,33). Precisamos, portanto, buscar uma nova estrutura social onde a justia, a partilha e a fraternidade sejam a base das relaes para superao do capitalismo. Trata-se de uma concepo muito diferente vivenciada por ns. Um indgena falou para uma pessoa no indgena: Vocs tm seus valores e bens nos bancos, nossos valores e bens esto em ns e na Terra (conf. Anexo: O Mito da Criao Tupi-guarani). H duas caractersticas nas comunidades indgenas que se destacam: a partilha e o acolhimento. A generosidade a marca da cultura indgena. Para eles no h propriedade particular. O que de um de todos.
Alguns confundem essa dinmica de partilha e de no acumulao como preguia dos povos indgenas. Mas isso no tem nada a ver com preguia. Os indgenas no so preguiosos. Plantam o suficiente para seu sustento e no para armazenar, acumular e estragar. Muito menos para vender. Para retirar da natureza, precisam pedir permisso s divindades. o sagrado sendo respeitado.
5. Bem viver x Bem estar O Bem viver muito diferente do Bem estar to difundido em nossa sociedade individualista e consumista. O primeiro serve vida. O segundo, ao consumo. a Vida x o Consumo. O Bem estar liga-se ao consumismo, a viso de ter e possuir o que bem entender. Atendendo as necessidades, que so cada vez mais exigentes. o Bem estar do conforto, porm individualista. Mas, o Bem Viver prope ter vida digna na simplicidade e na solidariedade comunitria. Paulo nos diz: No vos amoldeis aos esquemas deste mundo, mas transformai-vos (Romanos 12, 2). A comunidade tem que ser um exemplo alternativo, que no reproduz os esquemas, as estruturas do capitalismo, com vista
transformao do todo. Assim eram as primeiras comunidades crists, que colocavam tudo em comum, sendo modelo de comunidade (Atos 2,42-47. 4,32-37). Mateus 6,33 nos lembra: Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justia. Na tica de Jesus, essa busca diferente, pois Ele se relaciona com Deus de maneira to ntima que o chama de Abba, o que quer dizer paizinho, e nos apresenta o Reino de Deus como a Famlia do Pai, onde somos irmos e irms, filhos e filhas. As comunidades das origens tinham tudo em comum. Alcanar o Reino de Deus vencer as desigualdades, as injustias, os preconceitos, sejam econmicos, polticos, sociais ou religiosos (Glatas 3,28). Para superarmos nossas desigualdades hoje, faz-se necessrio a valorizao dos povos tradicionais, que apresentam semelhanas com as primeiras comunidades crists. Quem sabe, apreendendo sobre seu convvio com a natureza e com os seres humanos, envolvidos/as por sua espiritualidade, nossa convivncia comunitria seja mais fraterna e amorosa.
Referncias Bibliogrficas:
A Bblia de Jerusalm. Nova edio, revista. Paulus. 1985. CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreenso cientfica dos sistemas vivos. 14. Ed. Traduo de Newton Roberbal Eichemberg. So Paulo: Cultrix, 1997. ELIADE, M. 1963. Mito e Realidade. Editora Perspectiva S. A. So Paulo, 1972.
ELIADE, Mircea, 1907 1986. O sagrado e o profano / Mircea Eliade ; [traduo RogrioFernandes]. So Paulo: Martins Fontes, 1992. (Tpicos).
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignao: cartas pedaggicas e outros escritos. So Paulo: UNESP, 2000. JECUP, Kak Wer (1998) A Terra dos Mil Povos Histria indgena do Brasil contada por um ndio, So Paulo: Petrpolis. OROFINO, Francisco. Srie a palavra na vida. Ciranda da espiritualidade. Contexto. So Leopoldo/RS. 2003.