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ARTIGO ARTICLE
Perfil da assistência farmacêutica
na atenção primária do Sistema Único de Saúde
Abstract This paper presents a review and anal- Resumo Este artigo apresenta uma revisão e
ysis of Pharmacist Care as an integrated part of análise da assistência farmacêutica como parte
the Primary Health Care System, in which qual- integrante do sistema de atenção primária à saú-
ity use of medicines is directly related to quality de, no qual a qualidade do uso de medicamentos
health service and to elements for its evaluation. está diretamente relacionada à qualidade do ser-
In our country the Basic Health Units represent viço de saúde e aos elementos para a avaliação
the main entrance to the public health care sys- desta. As Unidades Básicas de Saúde constituem
tem. The pharmaceutical services however are still a principal porta de entrada do sistema de assis-
linked to the care model centered in medical con- tência à saúde estatal em nosso país. Entretanto,
sultation and emergency care, with the pharma- o vínculo do serviço farmacêutico está relacio-
cy just satisfying their needs. Provide orientation nado com o modelo curativo, centrado na con-
to the users of a Basic Unit pharmacy is almost sulta médica e pronto atendimento, com a far-
impossible because nearly all sore spots of the mácia apenas atendendo a essas demandas. A ati-
health system end up at the pharmacy as the final vidade de orientação aos usuários na farmácia
step in the care process. The solution of the prob- das Unidades Básicas de Saúde torna-se pratica-
lem will not be easy if the present structure of the mente impossível, pois na farmácia deságuam
service is maintained. Great part of the pressure quase todas as mazelas do sistema de saúde, por
resulting from the demand does not depend on the estar no elo final do processo de atendimento. A
health service itself but on inclusive social poli- solução do problema, no âmbito geral, não será
cies with direct impact on the health conditions simples, se mantida a forma como o serviço está
of the population. Rational use of medicines from estruturado, pois grande parte das pressões de
the prescriber to the user is fundamental in this demanda não depende do serviço de saúde em si,
1
Departamento
Farmacêutico, Faculdade de
specific environment. mas de políticas sociais inclusivas, as quais têm
Farmácia e Bioquímica, Key words Pharmaceutical care, Brazilian Pri- impacto direto nas condições de saúde da popu-
UFJF. Campus mary Health Care System, Primary care lação. No âmbito específico, é fundamental que
Universitário, Martelos.
36036-330 Juiz de Fora
os gestores racionalizem a utilização dos medi-
MG. ailson.luz@ufjf.edu.br camentos desde a prescrição até a utilização por
2
Departamento de Ciências parte do usuário.
Farmacêuticas, Faculdade de
Ciências Farmacêuticas de
Palavras-chave Assistência farmacêutica, SUS,
Ribeirão Preto, Atenção primária
Universidade de São Paulo.
612
Araújo, A. L. A. et al.
crito. O não cumprimento parcial ou total é con- autores sugerem que a adoção, no serviço farma-
siderado uma das principais barreiras à efetivi- cêutico, de certas tecnologias pode melhorar a
dade do tratamento medicamentoso, em espe- adesão, tais como o uso de telefone para o acom-
cial àqueles de uso crônico, conduzindo a agra- panhamento dos pacientes, adequações de forma
vos com reflexo negativo na qualidade de vida farmacêutica, embalagens, rótulos, além de um
do usuário e aumento de custos para o sistema envolvimento maior do profissional com a equi-
de saúde. A expectativa dos pacientes em relação pe de saúde e a implantação da atenção farma-
ao tratamento (efeito do medicamento) é um pa- cêutica e de um serviço de farmacovigilância13,19.
râmetro relevante no cumprimento do regime O potencial do profissional farmacêutico para
terapêutico por parte do usuário13. desenvolver ações educativas e manusear infor-
Neste sentido, Veiga et al.14 demonstraram mações nesta área foi bem documentada por
em estudo com pacientes hospitalizados que so- Matsumoto et al.20. Além disso, esta atividade
mente 37% dos entrevistados receberam algum vem crescendo nos países desenvolvidos; entre-
tipo de orientação sobre o assunto, ainda que tanto, no Brasil ainda é incipiente21.
muito superficial. Outro fator importante a ser Na implementação destas atividades, torna-
considerado é o conhecimento do usuário sobre se necessário considerar a estruturação da assis-
os possíveis efeitos colaterais e reações adversas tência farmacêutica, tendo como perspectiva as
dos medicamentos; no entanto, como demons- transformações no plano institucional e as alte-
trado por Lip & Beevers15, a maioria dos usuári- rações no perfil de morbi-mortalidade e de ex-
os nunca foram questionados pela equipe de saú- pectativa de vida da população, que são resul-
de sobre estas ocorrências. tantes também do avanço tecnológico em outras
O conhecimento e a compreensão do usuá- áreas da saúde.
rio quanto à medicação, através da orientação,
associados ao suporte social fornecido pelas pes-
soas da família e pela equipe de saúde, são as A assistência farmacêutica no SUS
variáveis sociopsicológicas mais importantes
para a obediência ou não do regime medicamen- As Unidades Básicas de Saúde (UBS) constituem
toso prescrito16. Assim, a mudança de atitudes, a principal porta de entrada do sistema de assis-
por parte do paciente em relação ao tratamento tência à saúde estatal em nosso país. Nelas, de
medicamentoso, depende da informação recebi- maneira geral, as farmácias ocupam espaços re-
da, do acolhimento e da forma como os pacien- lativamente pequenos, cerca de 20 metros qua-
tes incorporam e refazem o discurso em relação drados, os quais são estruturados como um lo-
à doença e a medicação17. cal de armazenamento dos medicamentos até que
Nos idosos e nos portadores de doenças crô- sejam dispensados. O atendimento é quase sem-
nicas, como hipertensão, diabetes, dislipidemias, pre externo, em local de circulação da unidade de
epilepsias e distúrbios mentais, a eficácia do tra- saúde, e os medicamentos são dispensados atra-
tamento ambulatorial depende da adesão do usu- vés de uma “janela” ou balcão envidraçado22.
ário. Este objetivo pode ser alcançado aumen- Esta conformação reforça ainda mais o vín-
tando o conhecimento do usuário a respeito da culo do serviço farmacêutico com o modelo cu-
doença e do tratamento13. rativo, centrado na consulta médica e pronto aten-
A atividade de orientação é de natureza bas- dimento, com a farmácia apenas atendendo a
tante complexa, envolvendo diversos fatores, nem essas demandas.
sempre dependentes do farmacêutico, porém sen- A atividade de orientação aos usuários na far-
do imprescindível seu envolvimento no estabele- mácia da UBS torna-se praticamente impossível,
cimento da relação de confiança entre o paciente pois na farmácia deságuam quase todas as ma-
e o provedor do cuidado para que sejam supera- zelas do sistema de saúde, por estar no elo final
das as barreiras que impedem o estabelecimento do processo de atendimento. Dessa forma, o far-
do diálogo18. macêutico deve rediscutir seu posicionamento
Para tanto, é necessário um posicionamento como profissional da saúde, redefinindo seu tra-
mais ativo do profissional nos aspectos relacio- balho com o medicamento e dando uma nova
nados àquela clientela, pois foi evidenciada uma amplitude a ele. Neste sentido, essa mudança deve
redução do trabalho farmacêutico em relação aos representar não somente uma mudança opera-
aspectos de prestar informações voltadas ao uso cional na atividade farmacêutica, mas também
correto dos medicamentos, atuando de forma uma alteração importante de paradigma com
praticamente passiva no cuidado ao paciente. Os reflexos futuros na formação desse profissional.
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Então, ao retomar a sua relação direta com o No âmbito específico, é fundamental que os
paciente, o farmacêutico precisa de uma nova fun- gestores racionalizem a utilização dos medicamen-
damentação para atuar, novas ferramentas que tos desde a prescrição até a utilização por parte do
possam dar suporte a esse reencontro11. Neste usuário. Uma alternativa seria estimular a criação
novo campo é que estão situadas as unidades de de Comissões Municipais de Farmácia e Terapêu-
saúde, um novo campo repleto de conflitos, com tica que promovam a confecção de protocolos
suas dificuldades e suas possibilidades. clínicos de tratamento das principais patologias
Neste reencontro do profissional com o pa- crônicas, propondo desde a padronização racio-
ciente, Franco et al.26 defendem que o relaciona- nal dos medicamentos até a prescrição destes.
mento do trabalhador de saúde com o usuário Além disso, os gestores municipais poderiam
do serviço sempre tem uma dimensão clínica, gerar informações sobre a utilização correta dos
definida pelos autores como um encontro de ne- medicamentos junto aos usuários da rede, pro-
cessidades e processos de intervenção tecnologica- movendo a implantação de um serviço de aten-
mente orientados, os quais visam operar sobre o ção farmacêutica centrado no seguimento/acom-
campo das necessidades que se fazem presentes nes- panhamento farmacoterapêutico, buscando me-
se encontro, na busca de fins implicados com a lhorar a adesão ao tratamento prescrito e a iden-
manutenção e/ou recuperação de um certo modo tificação e prevenção de problemas relacionados
de viver a vida. aos medicamentos. Entretanto, torna-se neces-
Segundo a OMS10, o farmacêutico tem um sário desenvolver modelos que atendam a de-
papel relevante a cumprir no sistema de saúde, manda infinitamente crescente e, ao mesmo tem-
devido ao seu conhecimento técnico na área dos po, não desumanizar o serviço.
medicamentos. Podemos observar que essa rea- Nas últimas décadas, o farmacêutico reori-
lidade não se faz presente, pois o profissional entou sua formação principalmente para o me-
farmacêutico ainda não obteve o reconhecimen- dicamento, esquecendo-se de seu objetivo prin-
to merecido perante os gestores e a sociedade. cipal que é o paciente. Entretanto, nos dias atu-
Esse fato pode ser explicado porque o medica- ais, devido ao modelo implantado pelo serviço
mento talvez seja visto como simples mercado- de saúde, tornou-se primordial uma nova rela-
ria. Porém, a visão ideal de um medicamento foi ção profissional do farmacêutico, assumindo um
descrita por Alonso27: “Medicamento é um pro- papel central no seguimento/acompanhamento
duto químico ou biológico, mais informação”. farmacoterapêutico dos usuários portadores de
O papel do farmacêutico como assessor do patologias crônicas.
medicamento, na equipe de saúde, como estabe- Devido a isso, a profissão farmacêutica tem
lecido pela OPAS (Organización Panamericana passado por transformações no perfil desse pro-
de la Salud)28 é dificultado nas condições vigen- fissional, centrando sua formação acadêmica no
tes da unidade de saúde, pois o modelo é centra- cuidado aos pacientes, através da implantação do
do na consulta médica e na divisão social do tra- currículo generalista, que permite ao farmacêuti-
balho em saúde. Neste caso, cada profissional co integrar-se profissionalmente ao sistema de
tem a sua posição parcelar na cadeia de cuidados saúde, assumindo um papel importante na in-
ao doente. formação sobre a utilização correta dos medica-
Essa situação parece estar relacionada à falta mentos e desenvolvimento pleno da assistência
de apoio estrutural para o trabalho, talvez como farmacêutica.
um reflexo do lugar político que os farmacêuti-
cos ocupam nas secretarias de saúde frente a
outras categorias profissionais.
Perspectivas Colaboradores
A solução do problema, no âmbito geral, não ALA de Araújo executou o trabalho de revisão
será simples, se mantida a forma como o serviço bibliográfica e participou da elaboração do arti-
está estruturado, pois grande parte das pressões go. LRL Pereira participou da elaboração final
de demanda não depende do serviço de saúde em do artigo e revisão bibliográfica. JM Ueta partici-
si, mas de políticas sociais inclusivas, as quais pou da elaboração final do artigo e O de Freitas
têm impacto direto nas condições de saúde da foi o orientador da tese de doutorado que origi-
população. nou o artigo.
617
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