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ARTIGO ARTICLE
Perfil da assistência farmacêutica
na atenção primária do Sistema Único de Saúde

Pharmacist care in the Brazilian Primary Health Care System

Aílson da Luz André de Araújo 1


Leonardo Régis Leira Pereira 2
Julieta Mieko Ueta 2
Osvaldo de Freitas 2

Abstract This paper presents a review and anal- Resumo Este artigo apresenta uma revisão e
ysis of Pharmacist Care as an integrated part of análise da assistência farmacêutica como parte
the Primary Health Care System, in which qual- integrante do sistema de atenção primária à saú-
ity use of medicines is directly related to quality de, no qual a qualidade do uso de medicamentos
health service and to elements for its evaluation. está diretamente relacionada à qualidade do ser-
In our country the Basic Health Units represent viço de saúde e aos elementos para a avaliação
the main entrance to the public health care sys- desta. As Unidades Básicas de Saúde constituem
tem. The pharmaceutical services however are still a principal porta de entrada do sistema de assis-
linked to the care model centered in medical con- tência à saúde estatal em nosso país. Entretanto,
sultation and emergency care, with the pharma- o vínculo do serviço farmacêutico está relacio-
cy just satisfying their needs. Provide orientation nado com o modelo curativo, centrado na con-
to the users of a Basic Unit pharmacy is almost sulta médica e pronto atendimento, com a far-
impossible because nearly all sore spots of the mácia apenas atendendo a essas demandas. A ati-
health system end up at the pharmacy as the final vidade de orientação aos usuários na farmácia
step in the care process. The solution of the prob- das Unidades Básicas de Saúde torna-se pratica-
lem will not be easy if the present structure of the mente impossível, pois na farmácia deságuam
service is maintained. Great part of the pressure quase todas as mazelas do sistema de saúde, por
resulting from the demand does not depend on the estar no elo final do processo de atendimento. A
health service itself but on inclusive social poli- solução do problema, no âmbito geral, não será
cies with direct impact on the health conditions simples, se mantida a forma como o serviço está
of the population. Rational use of medicines from estruturado, pois grande parte das pressões de
the prescriber to the user is fundamental in this demanda não depende do serviço de saúde em si,
1
Departamento
Farmacêutico, Faculdade de
specific environment. mas de políticas sociais inclusivas, as quais têm
Farmácia e Bioquímica, Key words Pharmaceutical care, Brazilian Pri- impacto direto nas condições de saúde da popu-
UFJF. Campus mary Health Care System, Primary care lação. No âmbito específico, é fundamental que
Universitário, Martelos.
36036-330 Juiz de Fora
os gestores racionalizem a utilização dos medi-
MG. ailson.luz@ufjf.edu.br camentos desde a prescrição até a utilização por
2
Departamento de Ciências parte do usuário.
Farmacêuticas, Faculdade de
Ciências Farmacêuticas de
Palavras-chave Assistência farmacêutica, SUS,
Ribeirão Preto, Atenção primária
Universidade de São Paulo.
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Araújo, A. L. A. et al.

Introdução de, realizada em Alma-Ata2. Na referida reunião,


foram destacados pontos importantes em rela-
Este artigo apresenta uma revisão e análise da ção à assistência farmacêutica, destacando-se,
assistência farmacêutica como parte integrante entre outros: O abastecimento dos medicamentos
do sistema de atenção primária à saúde, no qual essenciais foi considerado um dos oito elementos
a qualidade do uso de medicamentos está direta- básicos da atenção primária a saúde; Recomenda-
mente relacionada à qualidade do serviço de saú- ção para que os governos formulassem políticas e
de e aos elementos para a avaliação desta. normas nacionais de importação, produção local,
De modo geral, entende-se que um serviço de venda e distribuição de medicamentos e produtos
boa qualidade é aquele que cumpre os requisitos biológicos de modo a assegurar, pelo menor custo
estabelecidos de acordo com os recursos dispo- possível, a disponibilidade de medicamentos essen-
níveis, satisfazendo as aspirações de obter o má- ciais nos diferentes níveis dos cuidados primários
ximo benefício com um mínimo risco para a saú- a saúde; que adotassem medidas específicas para
de, proporcionando o bem-estar dos usuários. prevenir a excessiva utilização de medicamentos;
Por conseguinte, a qualidade da atenção à que incorporassem medicamentos tradicionais de
saúde pode ser caracterizada pelo grau de com- eficácia comprovada e estabelecessem sistemas efi-
petência profissional, pela eficiência na utilização cientes de administração e fornecimento.
dos recursos, pelo risco proporcionado aos pa- A assistência farmacêutica no Brasil pode ser
cientes, pela satisfação dos usuários e pelo efeito considerada como parte indissociável do mode-
favorável na saúde. lo assistencial existente, sendo de caráter multi-
Um dos referenciais mais conhecidos nesse profissional e intersetorial3,4.
assunto relata que estes elementos só podem ser No Brasil, o Encontro Nacional de Assistên-
obtidos se existir conhecimento sobre eles e se cia Farmacêutica e a Política de Medicamentos
forem usados de forma construtiva nas seguin- (1988) considerou a assistência farmacêutica como
tes esferas1: um conjunto de procedimentos necessários à pro-
a) estrutura: forma de organização da aten- moção, prevenção e recuperação da saúde, indi-
ção, no que refere às condições econômicas, à vidual e coletiva, centrado no medicamento, en-
gestão, ao equipamento, às instalações e aos sis- globando as atividades de pesquisa, produção,
temas de informação; distribuição, armazenamento, prescrição e dispen-
b) processo: que compreende as atitudes to- sação, esta última entendida como o ato essenci-
madas no fornecimento de informações e na pres- almente de orientação quanto ao uso adequado
tação de serviços de prevenção, diagnóstico, te- dos medicamentos e sendo privativa do profissio-
rapêutica e reabilitação dos pacientes; nal farmacêutico.
c) resultados: são os efeitos da atenção dis- Neste mesmo documento, foi definido o pa-
pensada na saúde e no bem-estar dos pacientes pel do farmacêutico nesta política: O farmacêuti-
como o grau de satisfação obtido, a eficácia na co ocupa papel-chave nessa assistência, na medida
utilização dos recursos e a avaliação científica das em que é o único profissional da equipe de saúde
atividades. que tem sua formação técnico-científica fundamen-
Segundo o mesmo autor, a tecnologia tem tada na articulação de conhecimentos das áreas bio-
um papel essencial a desempenhar, já que é um lógicas e exatas. E como profissional de medicamen-
elemento da estrutura e do processo e pode de- tos, traz também para essa área de atuação conheci-
terminar os resultados. Essa tecnologia envolve mentos de análises clínicas e toxicológicas e de pro-
uma base material como os equipamentos, me- cessamento e controle de qualidade de alimentos.
dicamentos, instrumentos e instalações, além de Em relação à atividade do farmacêutico neste
uma base imaterial que são os métodos e proce- teatro de operações, a Organização Mundial de
dimentos utilizados na prevenção, diagnóstico, Saúde (OMS) reconheceu que esse é o profissio-
tratamento, reabilitação dos pacientes e restabe- nal com melhor capacitação para conduzir as
lecimento da saúde. ações destinadas à melhoria do acesso e promo-
ção do uso racional dos medicamentos, sendo
ele indispensável para organizar os serviços de
Assistência farmacêutica apoio necessários para o desenvolvimento pleno
da assistência farmacêutica5.
Um avanço importante para o desenvolvimento Posteriormente, Hepler & Strand6 propuse-
da assistência farmacêutica no mundo foi a con- ram o termo atenção farmacêutica, o qual foi
ferência mundial sobre atenção primária à saú- discutido, aceito e ampliado na reunião de Tó-
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quio7, propondo estender o caráter de beneficiá- sociável com o medicamento. A OMS7, durante
rio da atenção farmacêutica ao público, em seu sua 47a Assembléia Mundial da Saúde, recomen-
conjunto e reconhecer, deste modo, o farmacêutico dou aos farmacêuticos e às suas associações pro-
como dispensador da atenção sanitária que pode fissionais em todo o mundo que entreguem ao
participar, ativamente, na prevenção das doenças público, informação documentada e objetiva sobre
e da promoção da saúde, junto com outros mem- medicamentos e sua utilização, e realizem assesso-
bros da equipe sanitária. ramento técnico aos demais profissionais de saúde,
Considerando os parâmetros delimitados aos órgãos de regulamentação farmacêutica, aos
pelas definições, a assistência farmacêutica é uma planificadores sanitários e às instâncias normati-
grande área composta por, pelo menos, duas vas; promovam, em colaboração com os demais
subáreas distintas, porém complementares, ou profissionais de saúde, o conceito de assistência far-
seja, uma relacionada à tecnologia de gestão do macêutica como meio de promover o uso racional
medicamento (garantia de acesso) e a outra rela- dos medicamentos.
cionada à tecnologia do uso do medicamento Como a atividade profissional deve emanar
(utilização correta do medicamento), sendo que do conhecimento formal, a OMS10 definiu as ca-
a atenção farmacêutica pode ser considerada racterísticas essenciais para que o profissional
como uma especialidade da tecnologia do uso farmacêutico possa atuar junto ao sistema pri-
do medicamento e privativa do farmacêutico. mário de saúde: “prestador de serviços, tomador
A tecnologia de gestão do medicamento tem de decisão, comunicador, líder, gerente, estudan-
como missão proporcionar o abastecimento, te por toda a vida e mestre”, contribuindo tam-
passo essencial para garantir o acesso da popu- bém para nortear a educação farmacêutica.
lação ao medicamento, em especial a menos pri- A tecnologia do uso dos medicamentos tem
vilegiada. Esta tecnologia, após sua implantação, como forte componente, além do conhecimento
tem sido caracterizada como atividade previsível eclético, a habilidade de comunicação em lingua-
e repetitiva, mas necessária ao cumprimento dos gem adequada ao interlocutor, o que reflete nas
aspectos legais e às diretrizes das políticas de saú- relações interpessoais, em especial com os usuá-
de. Portanto, vinculada a normas e procedimen- rios do serviço11. Essas características dificultam
tos preestabelecidos, reduzindo o grau de liber- o estabelecimento de procedimentos que o pro-
dade e criatividade dos atores. Na implantação fissional farmacêutico deve realizar para execu-
do modelo de gestão, é fundamental o estabele- tá-la de maneira adequada. Além disso, a reali-
cimento de critérios de padronização dos medi- zação parcial ou integral dos procedimentos, de
camentos, mecanismos de aquisição, armazena- maneira geral, está condicionada às facilidades
mento e logística de distribuição, de modo a ga- materiais e de recurso humanos disponibiliza-
rantir a racionalidade administrativa8. das pelos gestores.
A seleção dos medicamentos deve ser basea-
da nos critérios epidemiológicos e farmacoeco-
nômicos, além de considerar a eficácia (evidênci- A tecnologia do uso
as clínicas) e segurança dos medicamentos, evi- na atenção primária a saúde
tando as pressões mercadológicas e de relações
interpessoais, minimizando o modelo estrutu- Considera-se que a relação direta, orientação e
rado com base na consulta médica e no atendi- acompanhamento do usuário do medicamento
mento automático da demanda por ela gerada9. seja o momento mais importante no trabalho
A tecnologia do uso envolve desde a prescri- do farmacêutico, pois este profissional é o deten-
ção até a utilização correta e eficaz dos medica- tor privilegiado do conhecimento sobre os me-
mentos. Para o sucesso desse processo, torna-se dicamentos12. Porém, essa atividade pode ser
necessária a participação das diferentes classes de considerada ainda incipiente no serviço público
profissionais da saúde, além dos usuários. A exe- de saúde, devido a dificuldades desse profissio-
cução desta atividade depende do bom desenvol- nal em traduzir o conhecimento formal para ati-
vimento da tecnologia de gestão do medicamen- vidades junto ao público e, conseqüentemente,
to, uma vez que a disponibilidade do medicamento estabelecer os parâmetros de avaliação de seu im-
está condicionada à eficácia desse processo. pacto na qualidade do serviço e na melhoria da
Apesar do envolvimento de vários atores neste saúde da população.
teatro de operações, na prática a responsabilida- A implementação dessa atividade junto ao
de de direção deste processo cabe ao profissional usuário pode contribuir para o cumprimento de
farmacêutico, pelo seu vínculo histórico e indis- maneira estrita do regime medicamentoso pres-
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Araújo, A. L. A. et al.

crito. O não cumprimento parcial ou total é con- autores sugerem que a adoção, no serviço farma-
siderado uma das principais barreiras à efetivi- cêutico, de certas tecnologias pode melhorar a
dade do tratamento medicamentoso, em espe- adesão, tais como o uso de telefone para o acom-
cial àqueles de uso crônico, conduzindo a agra- panhamento dos pacientes, adequações de forma
vos com reflexo negativo na qualidade de vida farmacêutica, embalagens, rótulos, além de um
do usuário e aumento de custos para o sistema envolvimento maior do profissional com a equi-
de saúde. A expectativa dos pacientes em relação pe de saúde e a implantação da atenção farma-
ao tratamento (efeito do medicamento) é um pa- cêutica e de um serviço de farmacovigilância13,19.
râmetro relevante no cumprimento do regime O potencial do profissional farmacêutico para
terapêutico por parte do usuário13. desenvolver ações educativas e manusear infor-
Neste sentido, Veiga et al.14 demonstraram mações nesta área foi bem documentada por
em estudo com pacientes hospitalizados que so- Matsumoto et al.20. Além disso, esta atividade
mente 37% dos entrevistados receberam algum vem crescendo nos países desenvolvidos; entre-
tipo de orientação sobre o assunto, ainda que tanto, no Brasil ainda é incipiente21.
muito superficial. Outro fator importante a ser Na implementação destas atividades, torna-
considerado é o conhecimento do usuário sobre se necessário considerar a estruturação da assis-
os possíveis efeitos colaterais e reações adversas tência farmacêutica, tendo como perspectiva as
dos medicamentos; no entanto, como demons- transformações no plano institucional e as alte-
trado por Lip & Beevers15, a maioria dos usuári- rações no perfil de morbi-mortalidade e de ex-
os nunca foram questionados pela equipe de saú- pectativa de vida da população, que são resul-
de sobre estas ocorrências. tantes também do avanço tecnológico em outras
O conhecimento e a compreensão do usuá- áreas da saúde.
rio quanto à medicação, através da orientação,
associados ao suporte social fornecido pelas pes-
soas da família e pela equipe de saúde, são as A assistência farmacêutica no SUS
variáveis sociopsicológicas mais importantes
para a obediência ou não do regime medicamen- As Unidades Básicas de Saúde (UBS) constituem
toso prescrito16. Assim, a mudança de atitudes, a principal porta de entrada do sistema de assis-
por parte do paciente em relação ao tratamento tência à saúde estatal em nosso país. Nelas, de
medicamentoso, depende da informação recebi- maneira geral, as farmácias ocupam espaços re-
da, do acolhimento e da forma como os pacien- lativamente pequenos, cerca de 20 metros qua-
tes incorporam e refazem o discurso em relação drados, os quais são estruturados como um lo-
à doença e a medicação17. cal de armazenamento dos medicamentos até que
Nos idosos e nos portadores de doenças crô- sejam dispensados. O atendimento é quase sem-
nicas, como hipertensão, diabetes, dislipidemias, pre externo, em local de circulação da unidade de
epilepsias e distúrbios mentais, a eficácia do tra- saúde, e os medicamentos são dispensados atra-
tamento ambulatorial depende da adesão do usu- vés de uma “janela” ou balcão envidraçado22.
ário. Este objetivo pode ser alcançado aumen- Esta conformação reforça ainda mais o vín-
tando o conhecimento do usuário a respeito da culo do serviço farmacêutico com o modelo cu-
doença e do tratamento13. rativo, centrado na consulta médica e pronto aten-
A atividade de orientação é de natureza bas- dimento, com a farmácia apenas atendendo a
tante complexa, envolvendo diversos fatores, nem essas demandas.
sempre dependentes do farmacêutico, porém sen- A atividade de orientação aos usuários na far-
do imprescindível seu envolvimento no estabele- mácia da UBS torna-se praticamente impossível,
cimento da relação de confiança entre o paciente pois na farmácia deságuam quase todas as ma-
e o provedor do cuidado para que sejam supera- zelas do sistema de saúde, por estar no elo final
das as barreiras que impedem o estabelecimento do processo de atendimento. Dessa forma, o far-
do diálogo18. macêutico deve rediscutir seu posicionamento
Para tanto, é necessário um posicionamento como profissional da saúde, redefinindo seu tra-
mais ativo do profissional nos aspectos relacio- balho com o medicamento e dando uma nova
nados àquela clientela, pois foi evidenciada uma amplitude a ele. Neste sentido, essa mudança deve
redução do trabalho farmacêutico em relação aos representar não somente uma mudança opera-
aspectos de prestar informações voltadas ao uso cional na atividade farmacêutica, mas também
correto dos medicamentos, atuando de forma uma alteração importante de paradigma com
praticamente passiva no cuidado ao paciente. Os reflexos futuros na formação desse profissional.
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Com relação à atividade de orientação, Cha- O farmacêutico tem uma interação limitada
vunduka et al.18 demonstraram que é fundamen- com a equipe de saúde, por ter seu tempo preen-
tal o estabelecimento de uma relação de confian- chido através da resolução de problemas opera-
ça entre o paciente e o provedor do cuidado para cionais referentes à gestão dos estoques e atendi-
que sejam superadas as barreiras que impedem mento aos usuários. Neste rol de atividades, qual-
o estabelecimento do diálogo. Os resultados des- quer ação no sentido de reduzir a fila é valoriza-
se estudo mostraram que 80% da população ru- da; entretanto, não muda o fluxo já estabelecido
ral, a maioria analfabeta, afirmavam não ter con- pelo serviço de saúde, ou seja, qual a solução
fiança em seu provedor de atenção, sendo que para atender a uma demanda que parece ser infi-
71% dos entrevistados não pediram nenhum tipo nitamente crescente e ao mesmo tempo não de-
de orientação sobre os medicamentos porque sumanizar o serviço? Uma das sugestões é a me-
acreditavam que o agente de saúde não tinha tem- lhora do controle informatizado, mas é necessá-
po para fornecê-la. Nas populações urbanas, o ria uma análise mais cuidadosa dessa premissa.
quadro apresentado foi diferente, demonstran- O controle informatizado como ferramenta
do que cerca de 60% dos usuários possuíam al- no contexto de um atendimento centrado na ges-
gum tipo de informação sobre o mecanismo de tão, ao melhorar a eficiência, pode também ter
ação dos medicamentos. impactos negativos no serviço de saúde, de acor-
Em um estudo realizado com pacientes após do com o processo que se estabelece a partir de
a alta hospitalar, foi demonstrado pelos pesqui- sua implementação.
sadores que, no domicílio, o usuário apresenta A relação entre a informática e o atendimento
um maior conhecimento sobre a terapêutica me- no serviço de saúde foi abordada de forma inte-
dicamentosa, quando comparado ao seu conhe- ressante por Maciel-Lima25. Concluiu a autora
cimento sobre medicamentos no período de in- que as alterações de ordem tecnológica, quando
ternação hospitalar. Entretanto, em ambos os não acompanhadas por mudanças de ordem
casos, o conhecimento apresentado pelo usuário operacional, entenda-se pessoal adequadamente
com relação à terapêutica e às reações adversas qualificado e treinado, podem levar à precariza-
foi inferior a 50%23. ção da qualidade do atendimento. Isso se torna
Em síntese, o problema das interações medica- mais evidente ainda no caso das unidades de saú-
mentosas e do conhecimento sobre o uso de medi- de, nas quais o que se oferece ao público são ser-
camentos parece ser de natureza bastante comple- viços especializados baseados nas trocas de infor-
xa, envolvendo diversos fatores. Entretanto, tor- mações e no atendimento às expectativas dos usu-
na-se imprescindível o envolvimento do profissio- ários que os procuram. No caso particular dos
nal farmacêutico, principalmente para um maior médicos que participaram do estudo citado, o
conhecimento da natureza do problema, buscan- computador poderia ser comparado a um intru-
do melhorar a adesão dos usuários e reduzir pos- so entre o profissional e o paciente.
síveis problemas relacionados aos medicamentos No caso específico do atendimento farmacêu-
que possam surgir durante o tratamento. tico, é provável que uma reestruturação do siste-
A intervenção farmacêutica no uso de medi- ma informatizado melhore o atendimento no sen-
camentos por pacientes idosos foi revisada por tido da redução do tempo de espera, mas não há
Romano-Lieber et al.19 e Andrade et al.24. Nesses nenhuma garantia de que a informatização solu-
estudos, os autores sugerem a necessidade de um cione a falta de direcionamento das tecnologias
posicionamento mais ativo do profissional far- para as reais necessidades do paciente.
macêutico nos aspectos relacionados àqueles Historicamente, apesar das adequações ocor-
usuários, pois foi evidenciado um comportamen- ridas na atividade do farmacêutico, esse profissio-
to passivo do farmacêutico frente aos pacientes, nal apenas deslocou sua atividade conforme o seu
principalmente com relação às informações meio de trabalho, pois o medicamento passava
quanto ao tratamento terapêutico, à adesão e às por transformações acarretadas pelo processo de
reações adversas dos medicamentos. industrialização. Essas mudanças deslocaram o
Dentro dessa necessidade, poderiam ser orga- profissional para a produção do medicamento
nizados no serviço de saúde, com mais freqüência, ou para as atividades relacionadas às análises clí-
cursos de gerência ou oficinas para esses profissi- nicas. Com isso, mesmo que indiretamente, o far-
onais, auxiliando-os na solução de problemas ope- macêutico continuou tendo o paciente como seu
racionais relacionados ao atendimento de popu- objeto de trabalho, só que de forma indireta, in-
lações específicas, como os idosos, diabéticos, hi- consciente e compartimentalizada, devido à divi-
pertensos, epilépticos e portadores de HIV/AIDS. são social do trabalho no modelo assistencial.
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Araújo, A. L. A. et al.

Então, ao retomar a sua relação direta com o No âmbito específico, é fundamental que os
paciente, o farmacêutico precisa de uma nova fun- gestores racionalizem a utilização dos medicamen-
damentação para atuar, novas ferramentas que tos desde a prescrição até a utilização por parte do
possam dar suporte a esse reencontro11. Neste usuário. Uma alternativa seria estimular a criação
novo campo é que estão situadas as unidades de de Comissões Municipais de Farmácia e Terapêu-
saúde, um novo campo repleto de conflitos, com tica que promovam a confecção de protocolos
suas dificuldades e suas possibilidades. clínicos de tratamento das principais patologias
Neste reencontro do profissional com o pa- crônicas, propondo desde a padronização racio-
ciente, Franco et al.26 defendem que o relaciona- nal dos medicamentos até a prescrição destes.
mento do trabalhador de saúde com o usuário Além disso, os gestores municipais poderiam
do serviço sempre tem uma dimensão clínica, gerar informações sobre a utilização correta dos
definida pelos autores como um encontro de ne- medicamentos junto aos usuários da rede, pro-
cessidades e processos de intervenção tecnologica- movendo a implantação de um serviço de aten-
mente orientados, os quais visam operar sobre o ção farmacêutica centrado no seguimento/acom-
campo das necessidades que se fazem presentes nes- panhamento farmacoterapêutico, buscando me-
se encontro, na busca de fins implicados com a lhorar a adesão ao tratamento prescrito e a iden-
manutenção e/ou recuperação de um certo modo tificação e prevenção de problemas relacionados
de viver a vida. aos medicamentos. Entretanto, torna-se neces-
Segundo a OMS10, o farmacêutico tem um sário desenvolver modelos que atendam a de-
papel relevante a cumprir no sistema de saúde, manda infinitamente crescente e, ao mesmo tem-
devido ao seu conhecimento técnico na área dos po, não desumanizar o serviço.
medicamentos. Podemos observar que essa rea- Nas últimas décadas, o farmacêutico reori-
lidade não se faz presente, pois o profissional entou sua formação principalmente para o me-
farmacêutico ainda não obteve o reconhecimen- dicamento, esquecendo-se de seu objetivo prin-
to merecido perante os gestores e a sociedade. cipal que é o paciente. Entretanto, nos dias atu-
Esse fato pode ser explicado porque o medica- ais, devido ao modelo implantado pelo serviço
mento talvez seja visto como simples mercado- de saúde, tornou-se primordial uma nova rela-
ria. Porém, a visão ideal de um medicamento foi ção profissional do farmacêutico, assumindo um
descrita por Alonso27: “Medicamento é um pro- papel central no seguimento/acompanhamento
duto químico ou biológico, mais informação”. farmacoterapêutico dos usuários portadores de
O papel do farmacêutico como assessor do patologias crônicas.
medicamento, na equipe de saúde, como estabe- Devido a isso, a profissão farmacêutica tem
lecido pela OPAS (Organización Panamericana passado por transformações no perfil desse pro-
de la Salud)28 é dificultado nas condições vigen- fissional, centrando sua formação acadêmica no
tes da unidade de saúde, pois o modelo é centra- cuidado aos pacientes, através da implantação do
do na consulta médica e na divisão social do tra- currículo generalista, que permite ao farmacêuti-
balho em saúde. Neste caso, cada profissional co integrar-se profissionalmente ao sistema de
tem a sua posição parcelar na cadeia de cuidados saúde, assumindo um papel importante na in-
ao doente. formação sobre a utilização correta dos medica-
Essa situação parece estar relacionada à falta mentos e desenvolvimento pleno da assistência
de apoio estrutural para o trabalho, talvez como farmacêutica.
um reflexo do lugar político que os farmacêuti-
cos ocupam nas secretarias de saúde frente a
outras categorias profissionais.

Perspectivas Colaboradores

A solução do problema, no âmbito geral, não ALA de Araújo executou o trabalho de revisão
será simples, se mantida a forma como o serviço bibliográfica e participou da elaboração do arti-
está estruturado, pois grande parte das pressões go. LRL Pereira participou da elaboração final
de demanda não depende do serviço de saúde em do artigo e revisão bibliográfica. JM Ueta partici-
si, mas de políticas sociais inclusivas, as quais pou da elaboração final do artigo e O de Freitas
têm impacto direto nas condições de saúde da foi o orientador da tese de doutorado que origi-
população. nou o artigo.
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