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O documento apresenta uma biografia da artista plástica brasileira Lygia Pape (1929-2004), destacando sua trajetória artística que atravessou diferentes movimentos como o Concretismo e o Neoconcretismo. Resume algumas de suas principais obras e pesquisas com gravura, escultura, livro de artista, instalação e cinema experimental. Inclui também trechos de uma entrevista na qual Lygia Pape discute questões sobre estética, linguagem e a relação da arte com a cultura de massas.
O documento apresenta uma biografia da artista plástica brasileira Lygia Pape (1929-2004), destacando sua trajetória artística que atravessou diferentes movimentos como o Concretismo e o Neoconcretismo. Resume algumas de suas principais obras e pesquisas com gravura, escultura, livro de artista, instalação e cinema experimental. Inclui também trechos de uma entrevista na qual Lygia Pape discute questões sobre estética, linguagem e a relação da arte com a cultura de massas.
O documento apresenta uma biografia da artista plástica brasileira Lygia Pape (1929-2004), destacando sua trajetória artística que atravessou diferentes movimentos como o Concretismo e o Neoconcretismo. Resume algumas de suas principais obras e pesquisas com gravura, escultura, livro de artista, instalação e cinema experimental. Inclui também trechos de uma entrevista na qual Lygia Pape discute questões sobre estética, linguagem e a relação da arte com a cultura de massas.
Eliane Prolik, gentilmente cedido para ser utilizado como capa desta
edio: No pare sobre os olhos Pape, interveno em placas de
sinalizao de trnsito, 50 x 50 cm, 2003 129 Tudo o Homem Devora Entrevista por LYGIA PAPE: divino SOBRAL 130 VI SUALI DADES. REVI STA DO MESTRADO EM CULTURA VI SUAL - FAV / UFG A obra de Lygia Pape (Nova Friburgo-RJ, 1929 Rio de Janeiro-RJ, 2004) atravessou toda a se- gunda metade do sculo XX e constituiu-se como referencial na formao da arte contempornea brasileira. Iniciada nos anos de 1950, seguiu caminhos inesperados pesquisando diferentes possibilidades de constituio para o trabalho artstico, agregan- do procedimentos, materiais, linguagens e sentidos os mais diversos. Apaixonada por filosofia e espe- cialmente pelo filsofo grego Herclito, a artista dialogou com as transformaes que os tempos foram lhe apresentando, e atenta s descobertas desenvolveu gravura, escultura, objeto, livro do artista, fotografia, instalao, cinema de artista e propostas coletivas, encadeando todos estes traba- lhos numa teia em que cada filamento encontrase conectado ao outro. O advento de sua trajetria d-se com o Gru- po Frente (195355), que interessado na gram- tica geomtrica e no racionalismo construtivo desembocou na formalizao do Grupo Concreto (1956). Lygia Pape acompanhou Hlio Oiticica, Lygia Clark, Amlcar de Castro e Ferreira Gullar na ruptura com o Concretismo e na fundao do Neoconcretismo (1957-63), que sob a influncia da fenomenologia inseriu na gramtica geom- trica elementos relacionados expressividade, subjetividade e ao contexto perceptivo do corpo. A partir do Neoconcretismo, a produo brasi- leira ganhou a orientao vertical da pesquisa em campos experimentais, um impulso que alavancou uma multiplicidade de propostas e que Lygia Pape, com lucidez, soube acompanhar. Na inquieta traje- tria da artista sucedem-se experincias que deslo- cam nosso conhecimento do plano e do espao, da linha e da cor, da luz e dos materiais do mundo. Um breve retrospecto de importantes obras de Lygia Pape pertinente para que o leitor possa di- mensionar a envergadura de sua produo. 131 Os Tecelares (1955) exibidos na exposio do Grupo Frente so xilogravuras de natureza cons- trutiva em que a linha atua como protagonista. O Bal Neoconcreto (1958 59) consiste na mo- vimentao de mdulos geomtricos no palco; em certo sentido, essa obra de Lygia Pape antecipa a proposta de Robert Morris dos mdulos mini- malistas (Coluna 1961). As investigaes sobre as possibilidades plsticas e conceituais do livro geraram obras como Livro da Criao (1960) e Livro do Tempo (1961), sendo esse composto por 365 partes diferentes, cada uma realizada a partir de um quadrado de madeira. A Caixa de Baratas (1967), como o prprio nome explicita, guarda asquerosos insetos num comentrio sobre a decadncia e foi exibida na emblemtica mostra que reuniu a vanguarda politizada do perodo ps- golpe Nova Objetividade Brasileira (1967). Di- visor (1968) um enorme tecido que suspenso pela participao coletiva de dezenas de pessoas; foi exibido em uma favela, e muito depois, em 1996, em New York. Desde 1962 a artista trabalhou com cinema, atuando como diretora, roteirista e designer gr- fico. Nos anos 70, levou essas experincias em pa- ralelo com pesquisas de apropriaes e instalaes. As Tteias (a primeira data de 1978) so constru- es de linhas que estruturamse no espao como sutis coletoras de luz. Objeto de Seduo (1976) so trabalhos de apropriaes que comentam a devorao sexual e os esteretipos dos comporta- mentos femininos/feministas na cultura machista. Ovos de vento (1979) uma instalao em que a luz ganha corporeidade difana na matria leve e transparente. Durante os anos 80, suas investigaes e des- cobertas sobre a cor e a luz ganham visibilidade na exposio individual O Olho do Guar (1984). Segundo a artista essas descobertas vo mais alm do meramente sensorial: prevem um espao L Y G I A
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D e v o r a 132 VI SUALI DADES. REVI STA DO MESTRADO EM CULTURA VI SUAL - FAV / UFG e um tempo interno o mais profundo do ser a sua potica. (in: O Olho do Guar. Catlogo de exposio homnima; Arco Arte Contempornea; So Paulo; 1984). As obras neoconcretas de Lygia ganham novamente visibilidade com uma mostra individual (1988) na Galeria Thomas Cohn, no Rio de Janeiro. Durante os anos 90, a artista tem sua obra re- conhecida com elevada visibilidade. Continua a produzir trabalhos instigantes, irnicos e humora- dos como os Amazoninos (1990), que so objetos pendentes das paredes transitando entre a bi e a tridimensionalidade, e como as instalaes Luar do Serto (1995), realizada com pipocas e luz ne- gra, e No Pise na Grana (1996), executada com esta frase num canteiro de chicrias plantado na galeria. Na Bienal do Redescobrimento exibiu a obra Manto Tupinamb (2000) numa reflexo sobre os processos histricos e atuais de devora- o cultural. A ltima exibio de Lygia Pape em um grande evento ocorreu em 2003, na IV Bienal do Mercosul, onde apresentou uma instalao com luzes e alimentos. Lygia Pape esteve em Goinia em 1993, quando veio fazer uma palestra durante o evento Dilogos com o Tempo no ento Instituto de Artes da UFG (Atualmente Faculdade de Artes Visuais). Nessa ocasio, concedeu-me essa entrevista, que foi pu- blicada originalmente em 1995 no jornal-catlogo da exposio Ato All, realizada tambm no IA, e na qual Lygia exps trabalhos sobre papel. Em 1996, participou da exposio Circuito Nacional de Art- Door em Goinia com uma obra em texto-imagem que dizia: Fome de Tudo. Republicar essa en- trevista um modo de homenagear Lygia Pape no momento de seu falecimento, bem como, de difun- dir o seu lcido pensamento sobre sua obra, sobre a experincia neoconcreta e sobre os caminhos da arte contempornea. 133 D.S. Lygia, voc uma artista plstica que possui formao filosfica. Quando se debate a dissocia- o arte-esttica na atualidade, como voc percebe esta questo? L.P. Eu nem chego a cogitar isto. Acho que voc est encarando esttica de uma forma acadmica, no sentido da universidade. Esta dissociao pode ser feita com o esteticismo ligado ao belo. O que uso da filosofia o pensamento, a possibilidade de criar e trabalhar conceitos. Isso a filosofia respon- de e apia. A esttica no sentido do belo grego no interessa mais. Mas a esttica como forma de pen- sar presente hoje, mais que nunca, porque atu- almente as obras trabalham muito com a idia de conceito. A filosofia ajuda a pensar a obra como elemento expressivo, e no apenas como relao formal. D.S. E quanto existncia intrnseca obra de arte dos campos visuais e verbais, como decorren- tes um do outro? L.P. Toda a obra passiva de se escrever sobre ela; assim, toda obra uma representao que funda a crtica. Mas h uma outra coisa, que um trabalho onde o elemento verbal est de tal maneira acopla- do ao visual, at vir formar uma totalidade; a ver- bal e visual se confundem. Uma obra sempre tem um significado, aparente ou no. Aparente no literrio nem ilustrao de uma idia. Mesmo o uso da palavra dado como elemento visual. D.S. O desenvolvimento das questes envolvidas no processo de desestetizao, morte da arte e antiarte, necessita da incorporao de um campo verbal para sua expresso? L.P. Depende do trabalho. A obra de Jac Leirner, realizada pela apropriao de materiais de avies, pode se representar muito bem sem que se saiba L Y G I A
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D e v o r a 134 VI SUALI DADES. REVI STA DO MESTRADO EM CULTURA VI SUAL - FAV / UFG muito de onde vem a matria, pois a relao vi- sual bem resolvida. Entretanto, ela fez questo de contar que a cada viagem afanava um objeto de dentro do avio. Jac Leirner diz isto porque acre- dita que o fato vem acrescentar informaes ao seu trabalho. Neste caso, acredito que funciona como uma duplicidade. D.S. Uma obra pode existir independentemente de uma veia temtica, existir pelo puro exerccio da linguagem, ou deve dialogar com temas que a so- ciedade est trabalhando? L.P. Penso que no deve ter tema, porque uma obra temtica, de repente, passa a ser uma ilus- trao desse tema, se torna um trabalho menor. O artista trabalha dentro de uma potica. Sempre fico desconfiada com o cinema que discute isso ou aquilo. Tem uma coisa que fazer um discur- so ilustrativo, e tem outra que trabalhar estas questes fundamentais com muita fora. Se ela no tiver essa profundidade e intensidade ela no uma obra de arte, uma tentativa frustrada de chegar a algum lugar. D.S. Como voc observa as relaes da arte com a cultura de massas? L.P. A sociedade de consumo de massa tende a alienar o homem. Neste sistema a imagem usa- da para induzir ao consumo conspcuo e gerar uma srie de expectativas. Cria-se um clima ertico que leva simplesmente a consumir coisas. Nesse mo- mento que se comea a falar na morte da arte, que a arte no seria mais necessria ao homem. Mas eu creio que o homem continua a se expres- sar e que essa morte da arte no existe. A arte se transforma, surge uma nova expresso do homem a partir de novas tecnologias. Tudo o homem devo- ra. Existe um lado da cultura de massas que ten- 135 ta devorar o homem como elemento de consumo, como objetivao e coisificao. Mas ao mesmo tempo o homem tenta se expressar; ento a arte uma forma vital para o homem. Claro que ela no vai ser igual s outras formas artsticas; surgem outras e novas formas. Neste sentido, eu acredito que a arte no morre. A morte da cultura um segmento que conclui seu ciclo de trabalho e, por exemplo, declara que a pintura est morta. Eu no sou radical. Encontra-se uma sada. As coisas se modificam, mas permanecem presentes. D.S. Dentro de uma certa contextualizao his- trica, voc pertence gerao que passando pelo projeto construtivo, pautou-se na procura de valo- res propriamente plsticos, objetivos e concretos, e depois deslocou-se para um concreto tornado semntico (Para usarmos uma expresso de Wal- demar Cordeiro). A pragmtica brasileira do ne- oconcretismo, especialmente do trio Clark-Oitici- ca-Pape, rompe com esta disciplina e capta para a arte um certo aspecto de antiarte, onde os valores plsticos tendem a ser dissolvidos na plasticidade das estruturas perceptivas e situacionais: a arte ps-moderna de Mrio Pedrosa. Como se proces- sou esse deslocamento? L.P. Na realidade, ns estvamos fazendo ruptu- ras o tempo todo. A Lgia (Clark) j tinha uma experincia bem maior que eu e o Hlio. Quan- do comeamos a fazer uma obra concreta, cons- trutiva, estvamos negando uma arte figurativa muito esclerosada. Ento, naquele momento, era uma ruptura. Mais adiante, quando sentimos que a entrada de cabea no racional e no matemtico tambm havia se esclerosado, fizemos uma outra ruptura. A surge o movimento neoconcreto, que vai introduzir os elementos de subjetividade, in- veno e quebra de categorias. O elemento de li- berdade dentro da arte. Quando a ruptura acaba, L Y G I A
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D e v o r a 136 VI SUALI DADES. REVI STA DO MESTRADO EM CULTURA VI SUAL - FAV / UFG ns continuamos um processo de ruptura indivi- dual. No trabalhamos mais em grupo e um no mais respondia pelo outro, mas, continuamos. uma questo de temperamento: h certos artistas que trabalham uma mesma questo a vida toda, se renovando dentro dela; outros trabalham de modo mais sincopado, rompem com uma coisa e partem para outra. Os dois temperamentos so vlidos. No nosso caso, trabalhamos no em busca de um novo, essa coisa to falada hoje, mas pela consta- tao das coisas saturadas, das coisas que j esto definhando. Nessa medida, procuramos revitalizar essa linguagem, rompemos com certas coisas e nos voltamos para outras. O Mrio fala, de uma forma muito bonita, que o exerccio experimental da liberdade, este exerccio que possibilita inven- tar novas linguagens. D.S. Estes conceitos refletem-se em obras situa- es como Roda dos prazeres, Divisor, Obje- tos de Seduo e at mesmo nos recentes Ama- zoninos. Me parece que a experincia fenomeno- lgica, a percepo coletiva e direta como realiza- o ambiental o eixo estrutural e a estratgia de insero no real, fundamentais na sua obra. possvel colocar isto? L.P. Acho que sim. Mas ao mesmo tempo eu ando muito, sempre olhando as coisas e me interesso por muitas delas. Assim, me alimento visualmente. Isto, claro, reflete no meu trabalho. J trabalhei muito com o lado arquitetnico, no no sentido da construo, mas da descoberta de novos espaos significativos; me interessei pela arquitetura ind- gena; pela favela, pelo uso da cor nos subrbios, etc. Estou sempre fazendo uma pesquisa que vai se agregando ao meu trabalho. Algumas obras tm como caracterstica a ausncia de unidade, no um trabalho de autor. A Roda dos Prazeres eu criei, mas nada impede que qualquer pessoa expe- 137 rimente a obra. Espaos Imantados so suges- tes que dou ao espectador, para ele tambm des- cobrir e criar seus espaos. D.S. Sua obra nos requer para sua observao uma disponibilidade para o jogo, alm das ambigida- des significativas e do envolvimento sensorial. um jogo proposto pelo despistamento, onde voc procura no se caracterizar como artista; mas a estrutura se mantm neste processo bastante mu- tvel, relacionado idia do devir. Como voc cria este jogo? L.P. Eu gosto de ambigidade. No gosto da arte fechada em si mesma. Detesto verdades absolu- tas. No que seja uma pessoa ambgua, sou mui- to clara naquilo que quero dizer; mas, ao mesmo tempo, tenho horror em ser catalogada, ficar den- tro de determinado rtulo. No faz parte da mi- nha natureza. Tanto que o pr-socrtico que mais amo Herclito, o fluir perene, o rio que nunca banha a mesma margem, ou a imagem do foco em constante mutao. Me identifico muito com o Herclito, por causa desse fluir. O Hlio Oiticica uma vez me disse uma coisa interessante sobre isso que voc colocou muito bem, que tem um fio condutor como se eu tecesse uma rede que vai le- vando todas essas experincias. Acho importante na arte esse espao de abertura para o outro. A medida em que crio uma ambigidade, estou per- mitindo a voc tambm participar do trabalho sua maneira e no de uma nica que eu determi- naria. Abomino um ser fechado, duro, absoluto, imvel e imutvel. D.S. Como voc recebe a negao, por parte de Ferreira Gullar, dos procedimentos inventivos do neoconcretismo, e qual a relevncia das obras de Oiticica e Clark para a atualidade? L Y G I A
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D e v o r a 138 VI SUALI DADES. REVI STA DO MESTRADO EM CULTURA VI SUAL - FAV / UFG L.P. Eu fico profundamente triste com o que o Gullar diz, porque ele deveria ter dito isto quando eles estavam vivos. Na poca, havia um grande en- tusiasmo e o Gullar tambm participava desse en- tusiasmo. At admito que se refaam as opinies, mas porque negar uma coisa que no havia sido negada at agora? Abandonar o prprio trabalho um direito. Essa anlise do Hlio e da Lygia est chegando um pouco tardia, principalmente porque Gullar foi amigo pessoal dos dois e escreveu mui- ta coisa entusiasmada sobre eles. A obra de Lygia est mais oculta, talvez porque no tenha um pro- jeto como o H.O. A obra do Hlio est em progres- so, ela pode te alimentar. A obra se mantm viva no sentido de ser alimentadora e nisso creio que seu trabalho responde muito bem, assim como o de Lygia. O Hlio participou intensamente de exposi- es, lanou livros, etc., e depois de sua morte j se fizeram muitas exposies. A obra de Lygia tam- bm profundamente importante, muito significati- va. Est na hora de se pensar uma grande expo- sio sobre ela. Foram dois artistas fundamentais na arte brasileira.