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QUEIRÓS
A carne clamava por prazeres nunca dantes declarados. O desejo excitava a alma
sem, no entanto, abater os corações. O amor e o sexo não compartilhavam o mesmo
corpo,
os mesmos sentidos. Enfim, a mulher queria gozar como e com os homens, porque tinha
fantasias, vontades, fetiches, e ansiava por realizar tudo que lia em romances e que se
passava em seus sonhos.
Por fim ficam os questionamentos: O que era ser mulher no universo literário do
século XIX? Era uma romântica incurável e lunática ou era uma sedutora leviana? Ser
mulher era prazer ou dor? Quem era essa mulher que se deixava seduzir sem amar? Era
direito da mulher o gozo sexual? Na sociedade da época, a mulher era proibida de sentir
prazeres. A mulher era anjo ou demônio? Que reflitamos, então, sobre o papel da
mulher na
sociedade do século XIX e sobre as transgressões femininas nesse século.
Eça de Queirós adquiriu a técnica impressionista, na descrição sugestiva de cenas,
ambientes e personagens. Na narrativa é imparcial e objetivo, característica
notadamente realista. Mas ao narrar a cena amorosa de
Luísa com Basílio no Paraíso, encheu-se de lirismo, dando uma conotação subjetiva
repleta
de sensualidade: “Basílio tomou-lhe as mãos, e atraindo-a, sentando-se na cama: - Estás
tão
linda! Beijou-lhe o pescoço, encostou a cabeça ao peito dela. E com a vista muito
quebrada:
- O que eu sonhei contigo esta noite! (...)”
Percebe-se, também, uma crítica ao Romantismo: Luísa, de tanto ler romances
românticos torna-se acéfala e frívola; tanto que passa a agir e querer ter uma vida
semelhante às das heroínas
“Mas Luísa, a Luisinha, saiu muito boa dona de casa: tinha cuidados
muito simpáticos nos seus arranjos; era asseada, alegre como um
passarinho amiga do ninho e das carícias do macho; e aquele
serzinho louro e meigo veio dar à sua casa um encanto sério”
Luísa, antes da viagem de Jorge, era caseira, quase não saía de casa, Jorge para ela
“Era o seu tudo – a sua força, o seu fim, o seu destino, a sua religião, o seu homem!”
Era uma moça da burguesia lisboeta sem personalidade (ausência
de caráter), fraca, totalmente submissa ao marido. Deixava-se dominar por todos e a
todos
temia; sua incapacidade de tomar decisões, fazem-na uma personalidade plana, sem
profundidade psicológica. Seu comportamento assemelha-se ao das heroínas
românticas.
Para Jorge, “a Luísa era um anjo” , uma perfeita mulher para a época (caseira e boa
dona de casa).
Após a viagem de Jorge, Luísa sente-se muito sozinha; fragilizada e influenciada
pela leitura de romances folhetinescos, acaba vivendo longe da realidade, acreditando
em
amores impossíveis. Nessa ausência do companheiro, torna-se adúltera. Basílio,
primo de Luísa, vaidoso, egoísta, finge amá-la. É o protótipo de homem
descompromissado
do casamento. Tem suas aventuras amorosas para passar o tempo, sem se envolver e
sem se
comprometer. Falso aristocrata, quer fazer o gênero chique, dos modos finos e
elegantes,
mas no fundo não passa de um vulgar.
A personagem Luísa é “escolhida” por Basílio
apenas para passar o tempo, para ele ter uma mulher em Lisboa e não ficar sozinho.
Assim,
Luísa, sentimental, lânguida e sensual deixa-se seduzir por Basílio. Por sua vez, este
surge
aos olhos do leitor como um vilão: seduz em nome de um sentimento que desconhece,
mesquinho, quer despender pouco e usufruir muito. A mulher burguesa é vista por Eça
como uma vítima fácil de sedução dos aventureiros, em conseqüência da educação
sentimental que recebe, da influência de leituras romanescas. Ele cria uma personagem
totalmente submissa ao homem, seja ele o marido ou amante.
Luísa passa a se sentir culpada e, por não ter escolhas está nas mãos da criada
Juliana que intercepta algumas das cartas amorosas da patroa. De posse delas, entra a
exercer tirânico e vingativo domínio sobre Luísa (MOISÉS, 1988: 318). Quem mandava
agora era Juliana. Luísa, assim, trabalhava dentro de casa como uma condenada para
encobrir o seu erro. Tudo isso era o preço da aventura, o preço de ter transgredido as
leis
impostas pela sociedade machista da época.
A mulher, aqui, segundo Malard (1978: 94), é tida como criatura frágil,
irresponsável, inferior, seduzida diabolicamente sem qualquer possibilidade de
recuperação
para a sociedade, tamanha é a culpa. Leopoldina é imoral porque, sem complexos de
1
Professor Cid Seixas do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia – Ufba.
Por outro lado, Luísa pode representar a classe das mulheres que lutam para fugir
das leis impostas pela sociedade machista. Na época, era um escândalo a mulher trair o
marido e ela o fez, porém foi vencida pelo sistema repressor; tentou reagir, mas não
conseguiu vencer e, portanto, não conseguiu mudar a sociedade machista do século
XIX.
Todavia, é certo que Luísa representa as mulheres batalhadoras e fortes que buscam o
seu
espaço na sociedade; isso, com relação ao trabalho.
Luísa é vítima da maldade humana que a aniquila, representado pelos dois
monstros sociais e morais – o cinismo de Basílio e a ambição frustrada de Juliana.
Embora
vítima, Luísa não deixa de ser culpada, pois viola a interdição máxima dentro do código
moral vigente – a lei da fidelidade conjugal da época.
Dessa forma, agredida a interdição, Luísa pagará o seu crime com a morte: a sua
frágil psicologia sucumbe, quando Jorge toma conhecimento da traição. A morte, aqui,
é
vista como expiação do seu pecado (BELCHIOR MENDES, 1978: 147).
Com o fim deste estudo, fica claro a submissão feminina no século XIX e a
decadência dos costumes da sociedade lisboeta, evidente através de leis deterministas,
do
caráter e temperamento das personagens, do gosto pelo detalhe e, até mesmo escabroso
para o século, com personagens moralizantes: a adúltera é condenada à morte pelo
narrador, embora arrependida e perdoada pelo marido