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ISSN Nº 1516-7739 | ANO 14 | 2005 | Nº 14

Editorial
Na leitura dos textos oferecidos nesta edição de O TEATRO TRANSCENDE o leitor poderá, com
o saber que é familiar aos homens e mulheres de TEATRO, estender e aprofundar a sua percepção
do fenômeno e do fazer teatral através da visão dos autores desta edição que, pelos seus textos con-
duzem para a compreensão da teatralidade da qual fala Barthes: “...(teatralidade) é a espessura de
signos e sensações que se edifica em cena a partir do argumento escrito, é esta espécie de percepção
ecumênica dos artifícios sensuais, gestos, tons, distâncias, substâncias, luz...”.
Walter de Lima Torres em “NOTA SOBRE O TRABALHO do DIRETOR com o ESPAÇO TEA-
TRAL”, conceitua espaço teatral e lugar teatral, versus os fatores políticos, econômicos, culturais e
sociais entre outros aspectos; José Dias, com “ALGUNS CONCEITOS SOBRE O ESPAÇO CÊNICO”
apresenta questionamentos relacionados a arquitetura teatral e também a novas possibilidades de
construção cênica que atendam a todos, artistas e público, frente a novos valores estéticos; Fernando
Aleixo discute em seu “UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE a PRESENÇA do DIRETOR e a PRÁTICA
COLABORATIVA” sobre a atuação do diretor no espaço teatral em uma dinâmica de utilização do es-
paço cênico através de uma ação cooperativa e sensível entre ator e diretor, ambos a serviço de uma
criação poética. Pita Belli, em “IMPROVISAÇÃO: INSTÂNCIAS e ARREMEDOS” entrelaça signos e
sensações da especificidade do teatro, dissertando sobre natureza, categorias e processos da improvi-
sação como significações no contexto do
fazer teatral; em “O REGISTRO de UMA
PEDAGOGIA do ATOR NO SÉCULO XX”,
José Ronaldo Faleiro traz ao leitor, desde a
proposta de Jacques Copeau, uma trajetó-
ria histórica de registros dos processos de
formação teatral nos Bulletin des Comé-
diens Routiers, nos Cahiers d’Art Dramati-
qne e nos cadernos de Teatro do Tablado;
Narciso Telles em “MODOS FORMATIVOS do ATOR” desvela ao leitor os seus apontamentos sobre a
pedagogia do grupo “TÁ NA RUA” fundado por Amir Haddad em 1980. O Projeto Dramaturgia sob
a orientação de Alfredo Megna oferece ao 19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau e a revista
O TEATRO TRANSCENDE, o resultado do seu trabalho neste ano, com três textos: “INÓSPITOS” de
Christiane Martins; “LEGÍTIMA DEFESA” de Afonso Nilson; e “O MORTO COM FLOR NA BOCA” de
Silvana Cristóvão da Silva.
O texto de André Carreira e Biange Cabral “FAZER TEATRAL e PRÁTICAS EDUCACIONAIS”
apresentando reflexão sobre as experiências dos grupos Núcleos de Pesquisas Teatrais, Grupos de
Pesquisa Teatro em Trânsito, em associação com o grupo (E)xperiência Subterrânea, estreitando vín-
culos entre a experiência do ator e o teatro em comunidade, registra a força e a beleza que o teatro
tem, ao ser “signos e sensações que se edificam em cena”, construindo e se reconstruindo neste diá-
logo de contato, de conexão com outro, não só o outro – parceiro do seu espaço teatral cênico, mas
também com o outro que o vê, no outro lado do espaço cênico , no universo real.
Na véspera de completar 20 anos, o FESTIVAL UNIVERSITÁRIO DE TEATRO de BLUMENAU
cumpre, com esta edição de sua revista O TEATRO TRANSCENDE, mais uma vez, a tarefa pela qual
tem reunido e empenhado forças.

Noemi Kellermann
Chefe da Divisão de Promoções Culturais
Universidade Regional de Blumenau
Reitor
Prof. Egon José Schramm

Vice-Reitor
Prof. Rui Rizzo

Pró-Reitora de Extensão e Relações Comunitárias


Dra. Lúcia Sevegnani

Chefe da Divisão de Promoções Culturais e Eventos


Profª Noemi Kellermann

Coordenadora do 19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau


Profª Pita Belli

Projeto gráfico, diagramação, finalização e Capa


Free Comunicação

Fotografia
Ricardo Silva

ISSN nº 1516-7739 – Ano 14/ 2005 – nº 14 – Pg. 1 – 52

Universidade Regional de Blumenau


Rua Antônio da Veiga, 140 – CP 1507 – Fax 47 3322-8818 – Fone 47 3321-0200
CEP 89.010-971 – Blumenau – SC – www.furb.br

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA


BIBLIOTECA CENTRAL DA FURB

________________________________________________________________________

O teatro transcende – n.1 (jul. 1992). Blumenau : FURB,


Divisão de Promoções Culturais, 1992 -
Anual
ISSN
1. Teatro – Periódicos. I. Universidade Regional de Blumenau. Divisão de
Promoções Culturais.
________________________________________________________________________
Índice
Editorial.............................................................................................................................................. 3
Comissão organizadora / equipe........................................................................................................ 6
Espetáculos convidados...................................................................................................................... 7

Artigos
Nota sobre o trabalho do diretor com o espaço teatral
Walter Lima Torres.............................................................................................................................. 8

Alguns conceitos sobre o espaço cênico


José Dias.......................................................................................................................................... 14

Uma breve reflexão sobre a presença do diretor e a prática colaborativa


Fernando Aleixo............................................................................................................................... 18

Improvisação: instâncias e arremedos


Pita Belli........................................................................................................................................... 20

O registro de uma pedagogia do ator no século XX


José Ronaldo Faleiro........................................................................................................................ 24

Modo(s) formativo(s) do ator: apontamentos sobre pedagogia do Grupo Tá na Rua


Narciso Telles................................................................................................................................... 27

Fazer teatral e práticas educacionais


Biange Cabral & André Carreira....................................................................................................... 30

Projeto Dramaturgia

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Inóspito
Christiane Martins............................................................................................................................ 33

Legítima Defesa
Afonso Nilson................................................................................................................................... 37

O Morto com a Flor na Boca


Silvana Mara Cristóvão da Silva........................................................................................................ 39

Especiais
Mostra Universitária.......................................................................................................................... 42
Palco Sobre Rodas........................................................................................................................... 44
II Mostra Blumenauense de Teatro................................................................................................... 45
Relação dos indicados e premiados................................................................................................. 46
Convidados / eventos........................................................................................................................ 48
Agradecimentos............................................................................................................................... 50

Comissão organizadora do
19º Festival Universitário de
Teatro de Blumenau

Pró-Reitora de Extensão e Relações Comunitárias


Profª. Lúcia Sevegnani

Divisão de Promoções Culturais e Eventos


Profª Noemi Kellermann

Coordenação do 19º FUTB


Profª Pita Belli

Conselho Consultivo
Paulo Vieira (João Pessoa/PB)
Fernando Peixoto (São Paulo/SP)
André Carreira (Florianópolis/SC)
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Equipe de Trabalho do
19º Festival Universitário de
Teatro de Blumenau
Bia Pasold, Cibele Bohn
Elfy Eggert, Tânia de Souza e Mariano Jr.

Equipe de Apoio
Camila Carreira, Camila Cristina Landon Vío, Carlos Antônio Falcão C. Lins,
Carolina de Borba Vidal, Cláudia Chaves de Sousa, Crista Ehrhardt, Deise Adriana
Uessler, Diego Fernando Negherbon, Eduardo Luis Schwabe, Everton Duarte,
Giovana Voigt, Gisele Bauer Hadlich, Graziane Bastos, Guilherme Duwe, Isadora
Goulart Zendron, Ivan Marciano Felicidade (Feliz), Jorge André Doro, Joseane de
Souza, Klauss Pfiffer Tofanetto, Klerb Leite do Prado Júnior, Liziane Fátima Largura,
Luciana May, Luciano Francisco Bugmann, Lúcio Mauro Borba, Mara Pereira
de Andrade, Marcelo Rodrigues Correia, Marisa Cesconetto, Moisés Moraes,
Natália Corradi Curioletti, Osni Cristóvão, Paulo Roberto da Silva (Choco), Roberto
Morauer, Rodrigo Dal Molim, Sabrina de Moura, Sérgio Roberto de Oliveira, Silvio
José da Luz, Sylvia Maria Quadros Capreles Bianchi, Tânia Regina dos Santos,
Tharita Ariane Tiago, Vanessa Garcia Ern, Vanessa Marylin Luchtemberg.

Espetáculos Convidados
_______
O cano
Autoria: criação coletiva a partir de idéia original de Luciano Porto
Direção: Leo Sykes
Elenco: Luciano Porto, Marcelo Beré e Márcio Vieira
Circo Teatro Udigrudi - Brasília - DF

Espetáculos Convidados
___________
A entrevista
Autoria: Samir Yazbek
Direção: Marcelo Lazzaratto
Elenco: Lígia Cortez e
Marcelo Lazzaratto
São Paulo - SP

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Espetáculos Convidados
____
Ovo
Autoria: criação coletiva
Direção: Leo Sykes
Elenco: Luciano Porto, Marcelo Beré e Márcio Vieira
Circo Teatro Udigrudi - Brasília - DF

Nota sobre o
trabalho do
diretor com o
espaço teatral
Walter Lima Torres é ator e diretor de
teatro. Ex-coordenador e professor do
Curso de Direção Teatral da ECO/UFRJ
(1997-2003), atualmente é professor
adjunto de Teatro e Cinema do
Departamento de Artes da UFPR.

Nesta breve nota procurarei me deter em alguns ções de qualquer natureza abrangendo todas as subáreas das
aspectos gerais e outros mais particulares no tocante à prática artes cênicas. Representações faladas, cantadas, dançadas,
teatral do aspirante a diretor em relação direta com o espaço mimadas, etc. Trata-se, sobretudo, de um lugar de represen-
teatral na concepção do espetáculo. Em primeiro lugar, reto- tação mas igualmente de encontro, de sociabilidade: encon-
marei algumas noções já consagradas e vulgarizadas tanto tro entre atores, encontro entre espectadores, membros de
pela análise do espetáculo quanto pela sociologia e história um público. Presume-se, portanto, que neste local se estabe-
do teatro tais como lugar teatral, espaço cênico, cenografia, leça a construção de uma relação entre uma comunidade de
decoração, entre outras, bem como me deterei num segundo atores e outra de espectadores que se encontram face a face
momento em temas mais voltados ao processo de concepção por um tempo determinado, o tempo de uma manifestação
do espaço cênico propriamente dito, isto é, aquilo que é dado na qual ambos tomam parte de forma específica. Aqueles
a ver ao espectador segundo a disposição espacial dos atores, que fazem e aqueles que assistem. Trata-se naturalmente de
dos dispositivos cênicos, cenário, e outros elementos visuais e um lugar de trocas simbólicas.
sonoros organizados pelo diretor e sua equipe. A título de exemplo sobre as particularidades do lugar
teatral, poderíamos pensar neste grandioso Teatro Carlos
1. Dois espaços, duas noções complementares: Gomes, de aparência robusta e portentosa, o qual abriga as
lugar teatral e espaço cênico atividades do Festival Universitário de Teatro de Blumenau.
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Como primeiro passo, seria importante retomar a no- Observando-se sua fachada, sua arquitetura e decoração in-
ção de lugar teatral, tendo em vista que a concepção de um terior e exterior; suas diversas salas de espetáculo; as várias
projeto de encenação hoje, no âmbito da cultura de uma de- salas de ensaio para distintas atividades (dança, teatro, canto
terminada comunidade, não pode deixar de levar em conta a e música); o seu saguão tão acolhedor que recebe os espec-
escolha do lugar teatral adequado, pelo diretor e sua equipe, tadores que, após passearem por seu jardim, alcançam uma
para abrigar a experiência do fenômeno teatral. das salas de espetáculo, ou o majestoso salão do primeiro
Em linhas gerais, a noção de lugar teatral surge e se andar; sem esquecer ainda das salas dedicadas às ativida-
desenvolve, segundo Patrice Pavis3, a partir das transforma- des administrativas e técnicas de manutenção do edifício; as
ções “das arquiteturas teatrais” pelas quais os práticos do caixas cênicas das salas de espetáculo; o porão e os espaços
teatro se recusam a utilizar o palco italiano e, conseqüen- dedicados às manobras e instalação de cenários; os espaços
temente, a cena frontal em detrimento de um interesse por reservados aos atores (camarins e outras dependências). Por
novos lugares: escolas, praças, mercados, museus, fábricas, fim, poderíamos dizer que não se trata simplesmente de um
igrejas, abrigos, porões, piscinas, residências, conjuntos ha- teatro, mas sim de um complexo arquitetônico, um lugar
bitacionais, presídios, etc., espaços que poderíamos denomi- teatral. O estudo de sua origem, construção e arquitetura
nar de não convencionais, e que estão relacionados à malha colaboraria para o entendimento tanto da cidade quanto da
da contemporaneidade, visto que este conjunto de espaços sociedade blumenauense. Conseqüentemente, a relação que
sai do âmbito de uma tradicional cultura teatral que elegia se estabelece entre a sociedade, o lugar teatral e a cidade
o edifício teatral como lócus primordial para a realização do que o abriga é de reflexo permanente.
espetáculo. Após termos definido a noção de lugar teatral, como
Seguindo este raciocínio, o lugar teatral pode ser en- pensar a análise propriamente dita deste lugar teatral para
tendido também como o lugar, por excelência, que abriga acolher nosso projeto de encenação? Algumas pistas pode-


uma ação, um acontecimento representado por indivíduos a riam ser levantadas para entendermos a pertinência deste
outros indivíduos. Podem ser consideradas assim representa- lugar teatral no tecido da cidade onde ele se inscreve. Como
o edifício teatral é absolutamente revelador da sociedade visão bastante conservadora. Isto se deu devido a insistên-
que o construiu, dentro dos limites de uma certa faixa tem- cia em se reproduzir um modelo de espaço que consagrou e
poral, poderíamos neste sentido lembrar dos grandes teatros consagra a cena dita italiana ou frontal como o lugar teatral
das diversas regiões do Brasil ligados aos importantes ciclos por excelência4.
econômicos: ciclo do ouro (Teatro de Ouro Preto), ciclo da Quanto ao espaço cênico, podemos inicialmente afir-
cana de açúcar (Santa Izabel em Recife), ciclo do algodão mar que ele é sempre originário de um trabalho de transpo-
(Teatro Arthur Azevedo em São Luís) ou da borracha (Teatro sição cênica, oriundo de um vestígio ficcional, e que natural-
Amazonas em Manaus) por exemplo, que geraram grandes mente é a transposição de um “local da ação”, sugerido por
monumentos da arquitetura teatral brasileira. esta ficção – roteiro ou texto dramático a ser encenado, e
Como já se deduz, o aparecimento de um lugar teatral conseqüentemente, estaria contido no lugar teatral. Por con-
está intimamente vinculado aos fatores econômicos, políticos, seqüência, o espaço cênico é na verdade um dos pólos deste
culturais e sociais de um determinado local num determinado lugar teatral, que possui duas unidades distintas como acaba-
tempo preciso, associado ao fomento por parte de segmentos mos de verificar: o espaço destinado ao jogo dos atores e o
da sociedade que se mobilizam em prol de sua construção. espaço daqueles que assistem ao jogo dos atores.
E neste sentido para o estudo atual destes edifícios teatrais As particularidades fisiológicas estão intrinsecamente
algumas iniciativas podem mapear a sua análise segundo um relacionadas com os vários níveis da relação espectador/ ator
olhar contemporâneo. nos diferentes espaços. Como nos define mais uma vez Patri-
Esboçamos um procedimento para o estudo e análise ce Pavis, “o espaço cênico é o espaço concretamente percep-
do lugar teatral, onde sugeriríamos os seguintes elementos e tível pelo público sobre o palco, ou sobre os palcos, ou ainda
etapas a serem verificados: as relações entre as condições so- os fragmentos de uma cena que se divide através de um dis-
ciais; políticas; econômicas; e técnicas do período, sobretudo positivo cenográfico. É o que entendemos como o “palco” do
no tocante à cenotécnica e à decoração; a relação do lugar teatro. O espaço cênico é demarcado para o espectador atra-
teatral com as formas espetaculares e dramáticas produzidas vés do jogo do atores que vai circunscrever uma área deter-
no momento de sua construção; a relação do teatro com minada”5. Como se vê, o espaço cênico, ao contrário do lugar
as outras artes. Entretanto, é sobretudo teatral, não deve ser permanente, não

“qualquer
a cultura teatral do período da constru- possuindo a perenidade de uma estru-
ção que norteia o desenvolvimento da Eu posso tomar tura arquitetônica fixa. Porém, ao longo
planta e o estabelecimento da relação
palco-platéia, especialmente nas tipo-
espaço da história do espetáculo no ocidente, o
espaço dedicado à representação e ao
logias históricas como veremos mais vazio e denominá-lo jogo dos atores foi marcado por uma
abaixo.
É evidente que uma visita ao lo-
cal a ser estudado é a melhor opção
de cena.
” Peter Brook 1
tipologia de estruturas fixas, e que, por
conseguinte, estabeleceu relações entre
palco e platéia que se deram segundo
para percebermos como o espaço se um padrão que poderíamos considerar

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relaciona fisicamente com o seu visitante, entretanto pode- como perene. Isto é, por mais que os textos e roteiros mu-
mos pensar também em vestígios históricos adormecidos em dassem, a estrutura espacial, de um teatro elisabetano, por
arquivos, museus e pinacotecas: documentos iconográficos exemplo, sempre foi a mesma durante a representação tan-
que auxiliem na reconstituição de um lugar teatral desapa- to de um Shakespeare (1564-1616) quanto de um Marlowe
recido. Finalmente, de posse destes documentos podemos (1564-1593). Uma rápida revisão desta tipologia espacial
esboçar uma análise que se intensifica se pensarmos numa histórica nos permite verificar os princípios que esses espaços
abordagem do edifício teatral que se realize da sua periferia nos legaram e que ainda hoje estimulam a concepção do
para o seu interior, considerando-se sobretudo: a) a situação espaço cênico contemporâneo e o entendimento de determi-
geral deste edifício teatral em relação à cidade; b) a estrutura nada literatura dramática.
que o envolve; c) a situação do espectador no interior da sala
segundo as possíveis hierarquias e d) o repertório apresenta- 2. Uma tipologia histórica
do, entre outros componentes. Associando a estes dois proce- Ao longo da história do espetáculo alguns espaços te-
dimentos podemos passar a úteis comparações entre edifícios atrais se destacaram e se moldaram de maneira decisiva à
teatrais, sobretudo no caso brasileiro onde parte significativa concepção e organização do olhar tanto dos fazedores de te-
de nossa cultura teatral de origem européia originou-se e atro quanto dos espectadores, podendo esses espaços serem
consolidou-se em profunda relação com uma cultura teatral classificados como: espaço greco-romano; espaço medieval;
latina: portuguesa, francesa e italiana. espaço elisabetano e espaço italiano.
Em termos de uma conclusão parcial, em relação ao O espaço dedicado às homenagens a Dioniso em meio
teatro brasileiro, uma análise aprofundada e rigorosa sobre a polis grega; os altares, púlpitos e átrios das Igrejas Católi-
a situação dos teatros segundo este percurso que esboçamos cas; os espaços dos albergues e estalagens inglesas do perí-
acima, poderia colaborar na revelação e no entendimento de odo elisabetano, associados a estes os pátios dos currales do
que no fundo a cultura teatral brasileira, ao menos acerca do Século de Ouro espanhol; a sala do palácio de um soberano


espaço teatral, construiu ao longo dos séculos XIX e XX uma renascentista, todos estes espaços sejam eles laicos ou reli-
giosos, abertos ou fechados, grandes ou pequenos, públicos gia espacial que o autor de Hamlet escrevia tendo em vista
ou privados podem ser caracterizados, antes de mais nada, a pluralidade de áreas destinadas à ação dos atores para
como espaços de sociabilidade, portadores de uma relativa o desenvolvimento de suas atuações, contrariando a visão
teatralidade inscrita nas relações sociais que eles estabe- mono-espacial de um teatro clássico francês, por exemplo,
lecem. Isto é, são espaços de convívio, trocas simbólicas e que reviveu as regras de Aristóteles.
comerciais, e que se firmaram na cultura teatral ocidental Finalmente, em relação à cena frontal dita “italiana”,
como matrizes paradigmáticas em relação à organização, que teve a sua fixação, em grande parte, devido ao estudo
concepção, exibição e recepção da representação teatral. e à aplicação da perspectiva a partir dos princípios do Re-
Rapidamente, passaremos em revista os princípios relativos nascimento artístico e cultural oriundo da Itália, se observa
à topografia destes espaços. que com a opção pela frontalidade se deu uma espécie de
O espaço greco-romano se caracteriza por ter se origi- fechamento do espaço sobre a ação dramática. Isto é, ficou
nado do rito consagrado ao deus Dioniso. Apesar das trans- estabelecida a organização do quadro, do emolduramento
formações que ele sofre no período Romano a disposição da cena conforme parece ser natural dentro de uma tradi-
– skené / orchestra / théatron – se mantém e nos dá o cunho ção pictórica ilusionista e frontal. Esta disposição da cena
político-religioso do espetáculo que era exibido nestes espa- frontal, que se consolida ao longo dos séculos XVII ao XIX,
ços. Essa dimensão espacial da tragédia e da comédia, e será posta em questão por realizadores e encenadores pos-
posteriormente através dos jogos romanos, faz com que o teriores a Constantin Stanislavski (1863-1938) e André An-
espaço nos torne herdeiros da grandiosidade e da eloqüên- toine (1858-1943), na segunda metade do século XX. Eles
cia de um recinto de levam a encenação

“ Todas as dificuldades sobre as


convívio onde a ex- para locais até então
periência do drama inauditos para abri-
é assimilada em seu quais falamos, parece-me que giram gar uma represen-
paralelo hoje com os
estádios de futebol. O em torno do problema da distância: tação, promovendo
uma espécie de que-
princípio dos grandes distância psicológica e distância bra das convenções
anfiteatros norteou
a construção, poste- material, real, entre os diferentes ilusionistas do palco
frontal e a sua “quar-
riormente ao término participantes do espetáculo, entre os ta parede”6.
da Segunda Guerra
Mundial na Europa, atores e os espectadores e entre o Portanto, estes
lugares teatrais de-
das grandes salas do palco e a platéia. Estes são problemas vem ser conhecidos
dito Teatro Popular.
Já a Idade Mé- de dimensionamento que se colocam e considerados pelo
aspirante a diretor
dia, com sua frag- e que vêm, em larga medida, do teatral como uma es-
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mentação episódica
fato de que o teatro seja talvez, pécie de museus vi-


juntamente com o vos, parte da memó-
aspecto itinerante na fundamentalmente, uma arte visual. ria do próprio teatro,
representação (corte- posto que as ruínas
jos, procissões, etc.), Pierre Francastel 2 greco-romanas ain-
nos lega um espaço da existem; a icono-
de inestimável valor simbólico e religioso fundado na suces- grafia sobre a Idade Média legou-nos informações preciosas
são de retábulos ou quadros sacros. Isto é, de mansão em sobre os Mistérios e Autos – a disposição das mansões; os
mansão, de altar em altar, esta aparente fragmentação no teatros elisabetanos estão até mesmo sendo reconstruídos
decorrer da trama das diversas formas dramáticas encontra- como foram outrora; e a cena frontal, ninguém tem dúvidas,
va a sua síntese num espaço simbólico que se realizava na após seu surgimento sob o olhar do príncipe, foi se perpetu-
imaginação do fiel, do sujeito temente a Deus. ando tanto ao longo de um processo de aristocratização da
O período conhecido como elisabetano, na Inglater- sala quanto aburguesamento e comercialização da prática
ra (1558-1642), viu o surgimento de um edifício dedicado teatral no decorrer da virada do século XVIII para o XIX . É
exclusivamente ao espetáculo comercial, tanto como arena fundamental estudar a literatura dramática em relação com
para apresentação de animais adestrados e combates en- o espaço que a inspira, ou seria o contrário?
tre animais, quanto espaço de síntese para formulação dos
aspectos estruturantes do drama shakespereano. Nenhum 3. O espaço cênico: uma tipologia moderna
dos demais modelos espaciais ditos históricos agregou maior Como vimos anteriormente, a natureza do espaço
valor ao espaço como sinônimo de ambiente de jogo. As cênico é mutável e mutante mesmo que no passado, um
múltiplas áreas deste espaço cênico fixo promovem uma fle- palco, como o do Teatro Olímpico de Vicenza (1580-1585),
10

xibilidade e fluidez em perfeita consonância com os textos do correspondesse a um “cenário fixo” similar à estrutura de
período. Hoje se tem a clareza de que era para esta tipolo- um espaço elisabetano. Através de uma espécie de “cidade
13ª Mostra Paschoal Carlos Magno cenográfica” permanente, construída em madeira e ges-
_________________ so, o teatro idealizado por Andrea Palladio (1508-1580),
através de um processo de ilusão de ótica, que não dei-
Sete Contra Tebas xava de reforçar a idéia de uma cidade ideal, se estabe-
Grupo: Cia N.U.A. (Núcleo Único de Artes) leceu como o “local da ação” por excelência comum a
São Paulo - SP qualquer texto aí representado.
Até o final do século XIX, quando se dá a sistema-
tização do trabalho do moderno diretor teatral, através
das práticas de Stanislavski e Antoine, o espaço cênico
vivia sob a forte influência dos pintores decoradores,
cada qual com uma certa especialização advinda das
subdivisões originárias da sistematização de Sebastia-
no Serlio (1475-1554) em 1545. Segundo Serlio, e de
acordo com Vitrúvio (?-26 a.C.), a cena trágica deveria
ser representada por palácios, colunatas, escadarias,
colunas com capitéis, estátuas portentosas e grandes
ornamentos que enfatizassem o aspecto nobre da repre-
sentação. Já as cenas de comédia mostrariam moradias
particulares, não palacianas, com janelas semelhantes
às das casas ordinárias que dariam sobre uma praça,
local de encontro de tipos cômicos, ficando a cargo da
cena satírica as imagens que reproduzissem ambientes
bucólicos ou naturais tais como cavernas, rochedos, bos-
ques etc. Esta divisão de Serlio reforça o valor da cena
frontal italiana em associação, por sua vez, à construção
de teatros, sobretudo na Itália, com predominância na
centralidade “perspéctica” do foco visual, ao considerar
o olhar soberano do príncipe, tanto através da perspecti-
va frontal quanto da famosa cena a l’angolo. Com isto,
o trabalho dos pintores-cenógrafos se intensificou e fez
com que houvesse uma disputa pelo poder na coordena-
ção do trabalho teatral. De um lado, os textos estrutura-
dos como pièces à machine explorando até os limites da
imaginação, com o auxílio da maquinaria, a cena frontal

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de ilusão, e por outro lado, o teatro palaciano, de corte
e acadêmico, submetido à normalização das poéticas
revisitando Aristóteles e consolidando a regra das três
unidades. Por fim, observa-se a permanência da noção
de cenografia, que durante o Renascimento e mais tar-
diamente no período Barroco, ainda significava a arte
de colocar os objetos em perspectiva representando-os
sobre uma superfície pintada.
Certamente, é com o advento da moderna ence-
nação que o espaço cênico ganha uma outra dinâmica
em relação à cena teatral e uma nova função que o tor-
na independente do regime ilusionista. E neste sentido,
tanto os trabalhos quanto as idéias de Edward Gordon
Craig (1872-1966) e Adolphe Appia (1862-1928) são
fundamentais para este processo de emancipação do
espaço. Se, por um lado, teve-se com Appia uma revolu-
ção que promoveu a cena arquitetural com seu jogo de
volume e sombras, por outro lado, com Craig teve-se a
defesa de uma cena estimulada pela sugestão poética
por oposição ao realismo do cenário e do jogo psicológi-
co por parte dos atores. Ambos defenderam a condição
11

do teatro, e por conseguinte da cena teatral, como uma


arte do movimento, estruturada a partir de linhas, cores,
gestos, volume, forma, ritmo e outros elementos visuais. estou querendo tão pouco diminuir ou subtrair a importância
Sem historicizar largamente, ou entrar em questões da figura do cenógrafo ou do cenotécnico em detrimento de
de ordem estética acerca do caráter ilusionista ou sobre a um superdiretor. Não se trata disso, mas sim de tentar cha-
problemática da ruptura da mimese em relação ao espa- mar atenção para o necessário trabalho colaborativo entre
ço, mas a título de exemplo deste processo de entendimento o diretor e o cenógrafo em relação ao espaço, até para que
sobre a área de representação, lembramos, rapidamente, o diretor saiba escolher o cenógrafo mais adequado para
de alguns parâmetros referentes ao espaço cênico advindos determinado projeto de montagem e não obstante saber
por analogia das definições de encenações elaboradas por se comunicar bem e com fluidez com este parceiro, criador
Patrice Pavis: o espaço natu- do espaço cênico, tarefa nem
ralista; espaço realista; espaço sempre muito fácil. Parto do
13ª Mostra Paschoal Carlos Magno
simbolista; espaço expressio-
nista; espaço épico; espaço
______________________ princípio de que o diretor idea-
liza, mas não chega a criar ou
teatralizado7. Poderíamos in- executar propriamente o tra-
cluir ainda outras matrizes La Balsa De La Medusa balho da cenografia, o mesmo
acerca do espaço, tais quais: Grupo: La Balsa acontece com a interpretação
o espaço construtivista; surre- De La Medusa (IUNA) dos atores. Não resta dúvida
alista; e até mesmo o espaço Buenos Aires de que esta é a finalidade da
vazio tão trabalhado por Peter Argentina participação do cenógrafo na
Brook; o espaço ritual, ou o equipe de criação e monta-
círculo mágico-religioso, etc. gem de um espetáculo. Den-
Ora, é perfeitamente visível o tro deste trabalho em equipe,
parentesco entre estas tipolo- a imagem que nos sobrevém é
gias espaciais e suas respecti- oriunda do cinema. O criador
vas encenações com as diver- do argumento, no nosso caso
sas correntes ligadas às artes o espaço argumentado pelo
plásticas. diretor, precede a elaboração
Finalmente, podemos do roteiro (cenário, dispositivo,
afirmar sem sombra de dú- elementos visuais, paisagem
vidas que o espaço cênico, a visual, etc.) por parte do cenó-
partir do advento do moderno grafo.
diretor teatral, é alçado à con- Em outros termos, ago-
dição de articulador da escrita ra acrescendo da participação
dramática que se torna cênica do ator, para reforçar a idéia
através da operação de repre- de que a prática teatral pos-
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sentação. O espaço passa a sui suas grandezas específicas


configurar uma intermediação que se configuram e se po-
definitiva e a partir daí não tencializam na cena, poderia
haverá mais como dissociar lembrar que, em termos re-
o trabalho de encenação do presentacionais, a grandeza
trabalho de concepção de um tempo seria aquela identifica-
determinado espaço cênico. da e administrada pelo diretor:
Com isso é fundamental per- tempo de ensaio, tempo de es-
ceber que o espaço passa a petáculo, tempo da cena, etc.
ser um conceito, uma idéia, Enquanto que a grandeza do
um fundamento que, ao su- espaço seria aquela do âmbito
portar a elaboração de uma do cenógrafo: linhas, forma,
encenação, alavancando as cor, volume, textura, etc. Já a
suas intenções, passa ele mes- grandeza da emoção – razão
mo a ser o sentido orientado e sentimento – seria dedicada
pela direção, ao mesmo tem- ao intérprete. Isto que parece
po em que manifesta uma realidade teatral. ser mais uma equação derivada da famosa fórmula E = V.T
nada mais é do que uma síntese sobre a necessidade de se
4. A colaboração diretor – cenógrafo: a criação trabalhar a transposição cênica do elemento espiritual, como
do espaço cênico diriam os Simbolistas, que se encontra em latência na peça,
Não sou partidário do diretor-cenógrafo, esta não é mi- no roteiro ou na sucessão de situações improvisadas, segun-
12

nha intenção. A prática teatral é enriquecida por uma dinâ- do um amálgama que tem como suporte e orientador do
mica coletiva, sendo mesmo esta a sua especificidade. Não sentido da cena o próprio espaço cênico.
A criação e concepção do espaço cênico aqui são pen- que jaz nas entrelinhas do texto. E neste sentido já se observa
sadas em duas etapas complementares considerando-se o que estamos envolvendo a iluminação e todos os outros as-
trabalho teatral segundo um texto dramático convencional, pectos dedicados à confecção da indumentária e dos dispo-
uma adaptação de qualquer outra forma não dramática ou sitivos complementares (objetos, máscaras, etc.).
roteiro, entre outras fontes. A primeira etapa se dedicaria a Tomemos, por exemplo, a imagem da água, pensan-
determinar a escolha da estrutura espacial que melhor se do-se na figura do mar que domina todo o texto de Otelo de
adequaria como suporte à montagem do ponto de vista da Shakespeare. Quando Stanislavski pensou sua encenação,
organização do olhar. Isto é, como queremos que o nosso ele estava preocupado com a questão histórica em relação
espectador se situe diante da cena e conseqüentemente olhe à montagem. Nas suas notas sobre a encenação de Otelo,
a representação. Onde o colocamos para que de sua posi- sua preocupação é com o efeito de real possível de ser al-
ção possa desfrutar da representação. É bem verdade que cançado através da reconstituição histórica. Esta era uma
por vezes o diretor se vê obrigado a trabalhar num espaço preocupação justa e inerente, porém válida ao seu tempo8.
predeterminado devido a um convite ou à falta de espaços Como Stanislavski já nos fez assimilar essa questão histórica,
polivalentes. É aqui que entram as diversas organizações podemos avançar noutras direções sem o compromisso de
do olhar segundo os princípios legados pelo espaço greco- refazermos o mesmo caminho, mas sim irmos mais além na
romano; medieval; elisabetano e italiano. Isto é, são as va- direção que ele nos indica. Portanto, pensar o espaço cênico
riações acerca destes espaços pré-codificados – tipologias desta peça hoje significa não deixar de levar em considera-
históricas – que nos incitam a um espectro, certamente não ção o quanto a imagem da água como metáfora (fluidez e
infinito, mas bastante extenso de possibilidades espaciais. limpidez ou o seu contrário) é fundamental e está associada,
Sobretudo se incluímos aí uma segunda tipologia funcional por exemplo, a pureza do caráter tanto do Mouro quanto
em relação ao espaço, onde destacamos a título de exem- de Desdêmoda. Um outro exemplo estimulante é a percep-
plo: o cortejo com duas platéias frente a frente; ou a cena ção da presença constante de referências ao Céu por parte
em arena com os atores no centro ou sua possível inversão: do personagem título no Don Juan de Molière. A idéia de
com os espectadores no centro e os atores na periferia; neste Céu, nesta peça, e tudo o mais que ela pode nos remeter
sentido há a variante do espaço quadrado com os atores configura uma entidade personagem invisível-Céu que nun-
atuando na periferia do quadrado e o público concentrado ca aparece, mas que está sendo constantemente evocada.
no interior do mesmo dispondo de cadeiras giratórias para No mesmo sentido, voltando aos limites sugestivos de uma
acompanhar a ação dos atores sobre os quatro “palcos”; imagem aquática, qual seria a função poética e sua respec-
ou ainda uma cena panorâmica com a platéia tão comprida tiva materialidade cênica do famoso lago em A Gaivota, de
quanto a cena, propiciando uma distância que nos dá a im- Anton Tchécov (1860-1904)?
pressão de estarmos assistindo a uma partida de tênis. Enfim Cada autor, evidentemente, dentro de seu estilo funda
há uma grande gama de possibilidades a ser investigada e a sua galeria de imagens que está lá engravidada por pala-
explorada neste sentido; e é nesta etapa, portanto, que se vras e que necessitam ser intermediadas pelo olhar da ence-
concebe igualmente a distância do espectador em relação nação através do suporte do espaço. E neste ponto podemos

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à cena. E para a organização espacial neste formato fica a pensar ser possível idealizar o espaço da cena como meio,
questão sobre a escolha do lugar teatral que melhor propicie porém, não como o meio concebido pela corrente Natura-
o estabelecimento do espaço cênico desejado. lista da virada do século XIX-XX, mas como o meio-veículo
Já a segunda etapa estaria mais associada à percep- portador da concepção cênica espacial que ele ecoa e rever-
ção do universo ficcional a ser transposto à cena. Isto é, não bera, amplificando o jogo dos atores e o desenho da cena.
se trata de seguir ao pé da letra o texto didascálico, “o local Espaço é palavra, Shakespeare sabia disso muito bem. Por-
da ação” descrito no texto, concebido pelo autor, apesar de tanto, é o fluxo refluxo do processo investigativo que resulta
haver grandes exceções neste sentido. É o caso do teatro na encenação que deve dar respostas, ainda que parciais, a
de Samuel Beckett (1906-1989), o mais emblemático deste esta indagação acerca do espaço cênico adequado ao texto
problema. Mas trata-se de mergulhar no universo ficcional e sua representação.
fabricado por este autor a fim de podermos voltar à superfí-
__________________________________________________________________
cie revelando imagens recônditas pertencentes elas também
como ambiente visual àquela obra. Isto é, precisamos inter- 1 – Peter Brook: L’Espace vide, Paris, Seuil. 1977, p.25.
2 – Pierre Francastel: “Le theatre est-il un art visuel?”, in: Le lieu theatral dans
pretar, ler, a condição do espaço em determinado texto ou la société moderne, Paris, CNRS, 1988, pp. 81-82
fragmento literário trabalhando para descobrir as imagens 3 – Patrice Pavis: Dictionaire du théâtre, Paris, Dunod, 1996, p. 193.
4 – Vem de encontro a esta rápida conclusão sobre o lugar teatral no Brasil, a
poéticas aí contidas e transpô-las com a materialidade es- excelente obra coordenada por J-C Serroni, Teatros, uma memória do espaço
pecífica da convenção teatral à cena. Trata-se portanto de cênico no Brasil, São Paulo, SENAC, 2002. Ao consultar esta obra, o leitor
pode constatar através das imagens e documentos sobre os 892 teatros a
espacializar a palavra para ser forjada à realidade teatral. É supremacia de uma mentalidade que elegeu como modelo de construção a
nesta etapa que se discutem aspectos ligados à forma, tex- cena dita frontal ou a l’italiana.
5 – Patrice Pavis: Dictionaire du théâtre, Paris, Dunod, 1996, p. 121.
tura, cor, volume, luz e sombra, ritmo das imagens poéticas 6 – Leia-se sobre esta ruptura e problematização contemporânea da cena
propostas pelo autor e que estão pulverizadas nos diálogos. frontal no séc. XX o “Cap. III. A Explosão do Espaço”, in J-J. Roubine: A
13

Linguagem da Encenação Teatral, RJ, Zahar Editores, 1982.


Essas imagens devem ser consideradas para que uma cria- 7 – Patrice Pavis: L’Analyse des spectacles, Paris, Nathan, 1996, pp.193-196.
ção em termos espaciais possa reverberar exatamente aquilo 8 – Constantin Stanislavski: Mise en scène de Othelo, Paris, Seuil, 1973.
Alguns conceitos
sobre o espaço
cênico
José Dias é cenógrafo de teatro, cinema
e televisão. Mestre e doutor pela
Universidade de São Paulo (USP), professor
titular de Cenografia da Escola de Teatro e
do Programa de Pós-Graduação em Teatro
da Universidade do Rio de Janeiro (Unirio),
além de professor-adjunto da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Prêmios:
Molière, IBEU, Shell, Oscarito, Mambembe,
Cultura Inglesa e Paschoalino.

Sempre se fala dos teatros que foram fechados e de- te do espaço cênico que, qualquer que seja seu estilo, será
molidos em 50 anos e dos que sobreviveram a especulações sempre uma imagem que nunca poderá ser considerada
imobiliárias. Entretanto, encontramos problemas de arquite- apenas pelo aspecto estético. Não podemos esquecer que
tura teatral, não só nos teatros existentes como nas constru- em cada época, as condições socioeconômicas de um povo,
ções de novos espaços, em que a caixa cênica não oferece a mentalidade de seus diretores e as linguagens cênicas que
condições e nem possibilidades técnicas ao desenvolvimento empregam, os textos dramáticos que escolhem para montar
de uma ação dramática, nem atende à expectativa própria e a arte de representar por que optam, regem os destinos
de um público mais exigente. do teatro.
Dentro dessas variações, quando se comenta sobre a O teatro, como qualquer arquitetura, é a organização
construção de um novo espaço cênico, jamais são discutidas do espaço condicionando um fim funcional. Este espaço é
as possibilidades e limitações desses espaços da representação usado para um fazer artístico que atenda tanto ao seu pú-
teatral. Quando os primeiros rabiscos do projeto são traçados, blico, como aos artistas e técnicos, que estão em freqüente
o arquiteto quer apresentar uma contribuição pessoal e tentar busca de novos valores estéticos, de uma comunicação mais
evitar a repetição de soluções já conhecidas. A liberdade quase rápida e direta, que possa romper com as normas e condi-
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ilimitada de seu processo de criação resulta em formas novas, ções tradicionais.


em muitos casos perfeitas, como obras de arte. A sala deve ter uma harmonia completa, possibilitan-
Mas, na verdade, para muitos arquitetos o palco italia- do uma visão ampla de todos entre si, que se sintam presen-
no que foi a partir do século XVII uma espécie de realização tes e que se vejam. Deve haver uma comunhão perfeita. Esta
plena, continua ainda escravizando pelo conjunto das suas energia que o público carrega, automaticamente irradia-se
características, condicionando os criadores, em seus primei- aos atores, como força mágica. Essas duas áreas estabe-
ros traços para um projeto de casa de espetáculo, como o lecidas, palco e platéia, constituem dois planos diferentes
supra-sumo da arquitetura teatral. Porém, constatamos que que devem renovar consideravelmente a relação do público
esta arquitetura tradicional, que obedece às normas do es- com a arte do espetáculo. Atores e público, conscientes de
petáculo à italiana, tem uma iluminação relativa e podem que todos são participantes, devem sentir este espaço como
ser reestudados sua funcionalidade e seus aperfeiçoamentos harmonioso. Desta forma o espaço toma sua função, a de
técnicos, para corresponder a uma nova arquitetura, possi- proporcionar um equilíbrio, e permitir uma transfiguração. A
bilitando todas as transformações cênicas pela ação, permi- partir deste momento o mundo exterior já não existe, nasce
tindo condições de visibilidade e boa acústica, além de não a comunhão das emoções, prometendo o segredo do mun-
impedir fórmulas inovadoras de representação. Desconhe- do. O público deve ser transportado aos poucos formando
cendo estas possibilidades, a maioria dos projetos deixa-se um imenso e único conjunto, compartilhando com aquele
limitar pelas imposições do palco à italiana, resultando em que deixou de fazer parte na multidão e que, num esforço
geral no inverso, fazendo surgir espaços precários, pobres de solitário passa a ser e parecer um outro, um ser único, que
recursos técnicos, que inviabilizam as atividades do fazer tea- se fez pela criação da palavra: o personagem. E isto ocorre
tral, mantendo a hierarquia social predominante na sala ita- independente do posicionamento do ator ou do público. A
liana, não permitindo uma nova arrumação e adaptação. troca, a complementação, a comunhão são fenômenos em
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Além do mais, o reflexo da situação política social e parte condicionados pela capacidade que o espaço tem de
econômica de uma sociedade, é também fator condicionan- permitir uma sensação particularizada, que aos poucos vai-
se revelando às perturbadas sensibilidade e razão humanas, permita ao encenador uma infinidade de soluções diferen-
de que o tempo se fechou no ciclo da eternidade em uma ou tes, fortalecendo todas as finalidades para uma concepção
duas horas de espetáculo. visual, onde a funcionalidade e todos os recursos cênicos,
Não serão também grandes salas com uma tecnologia todos elementos que compõem a caixa, forneçam condições
de ponta, que resolverão os problemas das novas encena- e flexibilidade absoluta como instrumentos, e onde a ceno-
ções, apesar de que, sem dúvida, para determinadas linhas técnica e iluminotécnica, aperfeiçoadas, estejam a serviço
dramatúrgicas, a modernização ou as transformações das do cenógrafo e do diretor.
relações entre platéia e espetáculo, e do próprio palco italia- Para alguns encenadores, é o palco italiano que pro-
no, são imprescindíveis. Assim como uma perfeita platéia e porciona todas as possibilidades para que ele possa criar e
espetáculo, como local em que o público se instale para viver desenvolver sua criação teatral. Um exemplo que pode ser
o espetáculo, participando ou apenas contemplando, assim citado é Bob Wilson, um encenador que se tornou o grande
também é ideal uma caixa cênica, com todos os recursos mestre da geração moderna, que usa com plenitude a caixa
possibilitando as encenações e adequação perfeita na reali- cênica para seus trabalhos. Diretores como Tadeuz Kantor e
zação das mesmas. A questão da caixa cênica é indissociável Giorgio Strheler, através de suas pesquisas, vieram enrique-
da concepção dramatúrgica e da recepção do espetáculo. cer a forma de representar no palco italiano. Entretanto, já
O espaço de comunhão entre atores, técnicos e pú- Peter Brook, que por décadas fez uso da caixa cênica, vem
blico, é o próprio local de representação, o espaço de ação nos últimos anos lutando, através de algumas propostas cê-
utilizado em todas as suas dimensões, onde são trocadas nicas, romper com o palco italiano.
energias de ambas as partes, e Desta forma os diretores e


quanto maior for a proximidade do cenógrafos vão aos poucos, ao
ator com seus interlocutores, maior No palco está o fazer uso de franca liberdade na
será a participação, a integração e
a realização deste ato mágico, esta
organismo humano em concepção de seus espetáculos,
rompendo a estrutura do palco ita-
integração ao universo do espetá- um espaço preparado liano, redimensionando os espaços,
culo em que a intimidade física e
espacial se estabelecerá segundo o
tecnicamente. Homem e com isso a própria caixa cênica,
quebrando a rigidez da tradição da
estado psicológico e intelectual de e espaço são plenos estrutura italiana, utilizando-se de
cada um. Mas este local, é preciso
que se repita, pode ser qualquer lu-
de leis. Qual lei deverá todos os recursos, de modo a per-
mitir a existência de um certo tipo
gar; pois o ato da encenação é que prevalecer? O da de relação entre atores e público,
o identificará como uma área tea-
tral, que dará ao espaço seu sentido
representação humana, para que haja uma união perfeita.
Na verdade os teatros tradicionais
específico, sua função e caráter. é evidente, à qual nunca impediram a investigação
Por outro lado, seja qual for
toda técnica deve se teatral, e no que diz respeito à en-

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a encenação, são necessários os cenação, a questão da arquitetura
mínimos recursos técnicos para sua subordinar. cênica não é primordial.
realização, que podem ser alguns Em 1888, Adolphe Appia já
metros quadrados, com uma rela-
Harry Buckwitz pesquisava uma reformulação da
ção direta e próxima entre atores arquitetura cênica, abrindo assim
e público, criando uma concentração, o que não podemos novos caminhos para uma nova conceituação do espaço
afirmar para alguns grupos que, pela concepção de espe- cênico propriamente dito. Da mesma forma Gordon Craig,
táculo, preferem o palco italiano, como espaço para suas Vsevolod Meyerhold, Ronconi, Norman Bel Geddes, para ci-
representações, criando um distanciamento da cena em re- tar somente alguns (lamento não poder enumerar todos os
lação ao público, separando-o de acordo com seu nível so- outros), vieram a somar nesta reformulação do espaço cêni-
cial, estabelecendo-se uma separação, um confinamento do co, levando para o palco italiano, a comunhão, sem perder
próprio tempo e espaço: o que é representado fica no palco, a dinâmica do espaço. E Brecht usa o espaço como área de
um mundo fechado; o público, em outro espaço, uma divi- jogo, procurando conscientizar melhor o público, quebrando
são entre os dois, reservados e separados por uma fronteira, a idéia de que a caixa cênica é uma caixa de ilusão, suge-
que deixa a platéia distanciada da ação dramática, sem exi- rindo inclusive que para cada espetáculo seja reestruturado
gir uma concentração maior. o espaço da caixa.
Entenda-se porém que todo esse discurso não deve ser Já em 1924, Antonin Artuad contestava veemente a
encarado como uma rejeição ao palco italiano. Pelo contrá- essas duas áreas isoladas de ação: palco e platéia. Não acei-
rio, ele é imprescindível; mas desde que não seja fixo, desde tava a visão frontal do público, esse comportamento passivo.
que atenda a todas as exigências do espetáculo ideal, fa- Seu espaço deveria ser deslocado conforme as necessida-
zendo uma revolução dentro da caixa cênica, transforman- des cênicas e o público deveria poder observar por todos os
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do-a em instrumento adequado a uma encenação, a um ângulos do espaço. Sem falar em Grotowski, para quem é
desenvolvimento preciso, técnico. Espaço polivalente, que fundamental um espaço que aproxime fisicamente o ator do
público. Ele também procura sair do palco, dessa separação: Porém, os grandes teatros, que em uma época ser-
ação e público. Como também Ariane Mnouchkine, que viam a diversos gêneros de espetáculos, teatro, música,
busca envolver o espectador em suas montagens em uma ballet e ópera, foram recebendo somente temporadas de
fábrica abandonada na França. grandes produções. Sem contar que o teatro foi aos poucos
Walter Gropius, arquiteto da Bauhaus, em 1927, inspiran- perdendo seu público para o cinema e a televisão, com o
do-se no teatro grego, propõe uma aproximação maior entre ator surgimento desta última na década de 50, além dos proble-
e público, concebendo o “Teatro Total”, um espaço em forma mas políticos, sociais e econômicos. Houve perda sensível
ovalada, que infelizmente nunca foi construído, cujo projeto, no de espectadores, o teatro foi enfraquecendo, assim como o
entanto, vem servindo de inspirações para muitas experiências. rádio também.
Os grandes pólos culturais do mundo, vêm sempre Atualmente existem teatros que além de estarem ocu-
sofrendo com uma necessidade emergencial de reformula- pados no horário nobre por um espetáculo para adultos,
ção de espaço, com uma aspiração inquietante, sobretudo possuem ainda em cartaz dois espetáculos infantis nos fins
manifestada pelos novos diretores que surgiram, estabele- de semana, e, às 2ª, 3ª e 4ª feiras espetáculos alternativos,
cendo um impasse para a arquitetura tradicional, uma vez sem falar dos que são ocupados por grupos religiosos, desfi-
que necessitam de espaços polivalentes ou de palcos que les de moda, por grupos de academias e condomínios, para
possibilitem suas encenações. que aí apresentem suas programações de fim de ano. É o
Em alguns casos, o palco italiano foi utilizado, não chamado jeitinho, usado para a manutenção do espaço. A
como solução, mas como casa que já tinha finalidade es- organização nos teatros, sobretudo para os grandes espetá-
pecífica. Em outros, porém, a preferência voltou-se para culos, é ainda bastante precária, contando com um número
lugares novos, alternativos, muitos sem recursos técnicos, considerável de técnicos despreparados para as funções que
mas que com sacrifício, e condicionados pela realidade eco- cumprem.
nômica, se entregaram a levantar e dar nome a salas, que Lamentavelmente pode-se repetir o que Gaston Baty
apesar de não serem do conhecimento do público, foram escreveu:
adquirindo identidade própria, outros que com poucos recur-
sos técnicos, foram recebendo produções e permitindo que O teatro de hoje está sob o signo do caos. Do
grupos de pequeno porte iniciassem carreira. Ou, por outro teatro do amanhã, não sabemos. Não existe
lado, teatros confortáveis, mas que não apresentam todos os lugar a não ser para as aspirações platônicas.
recursos técnicos, são usados em plenitude. Estou cada vez mais convencido de que o tea-
Para acompanhar esse crescimento do número de en- tro acabará se dividindo em duas fórmulas: uma
cenações seria necessário que fossem construídas pequenas para a massa, cuja tendência será aquela de
novas salas resultantes de adaptações dos teatros existentes, fundir o público com o espetáculo; a outra para
para que o espaço teatral possa oferecer uma estrutura trans- a elite, que será cada vez menor, apresentando
formável de uma montagem para outra, tanto na área de re- espetáculos em pequenas salas.
presentação como na área do público. Mas a política cultural
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do País age em retrocesso, pois tivemos nestes últimos anos Não basta simplesmente entender de arquitetura para
vários espaços fechados, por razões diversas. Um artigo do se projetar um teatro, esta tarefa requer conhecimentos téc-
Jornal do Brasil de 1976 já confirmava esta situação: nicos e organizacionais dos princípios básicos do fazer teatral,
uma arte muito complexa. Muitos projetistas por vaidade,
Os empresários abandonam o Rio, na esperan- deixam de convidar profissionais da área para assessorarem
ça de encontrar o público perdido. Não que a as necessidades técnicas. Um saber adequado poderia per-
platéia não possa ou não queira ver os espetácu- mitir que os projetos viessem a fornecer todos os recursos ao
los ou prestigiar os artistas, mas a falta de local fazer artístico, contribuindo para a qualidade dos espetáculos
para as apresentações é cada vez mais gritante. e não criando impecilhos para as produções. Cabe também
Cinemas e hotéis, estádios e circos já foram al- ao conhecimento abalizado, por outro lado, mostrar os li-
ternativas prováveis, mas os problemas encon- mites do que é tecnicamente possível e adequado aos prin-
trados são muitos: falta de condições tanto de cípios básicos, oferecendo possibilidades incomuns para as
palco, como de acomodações para a platéia, diferentes encenações de peças, tornando o espaço cênico
localização inadequada a grande parte do públi- apto para cumprir a sua função, um palco cuja eficiência
co, porcentagens extorsivas cobradas por alguns seja total.
arrendatários (...), além da falta de programa- É sempre bom lembrar das palavras de Harry Buckwitz,
ção antecipada. (...) diretor das peças de Brecht:

Todos reclamam pela construção de novas salas, No palco está o organismo humano em um es-
enquanto os órgãos oficiais se queixam da falta paço preparado tecnicamente. Homem e espa-
de verba para suprir a deficiência. ço são plenos de leis. Qual lei deverá prevalecer?
16

O da representação humana, é evidente, à qual


Sérgio Zobaran. Jornal do Brasil. 28.06.76 toda técnica deve se subordinar.
Espaço e técnica devem estar
a serviço do criador, e a partir de seu
uso e aplicações, chegarem a uma
“ O teatro de hoje está
sob o signo do caos.
um palco, no sentido habitual
da palavra, levará a ação a de-
senrolar-se nos quatro cantos
meta desejada, que é o espetáculo
em toda a sua plenitude, a uma cria-
Do teatro do amanhã, da sala. Para os atores e para a
ação serão reservadas posições
ção teatral, onde o fazer é para se ver. não sabemos. Não especiais, nos quatro pontos
Mesmo que através de uma arquite-
tura tradicional, os espaços envolvidos
existe lugar a não ser cardeais da sala. As cenas se-
rão representadas de encontro
são tão importantes quanto a cena para as aspirações a fundos branco constituídos
apresentada: porão, urdimento, co-
xias, etc., são elementos que vão so-
mar a uma determinada encenação,
platônicas.
Gaston Baty ” por paredes caiadas destinadas
a absorver a luz. E além disso,
haverá galerias, a percorrerem
ajudar a dar forma a uma expressão, toda a periferia, na parte supe-
que é o reflexo da realidade histórica do homem. Porém rior da sala, como em certas miniaturas persas
tudo tem que ser feito de forma que o público não seja um ou certos quadros dos “primitivos”. Tais gale-
mero espectador, que aceite passivo um produto pré-fabrica- rias permitirão aos atores, todas as vezes que a
do. Pede-se a ele uma participação autêntica. A cortina não ação o solicitar, perseguirem-se duma ponta a
pode mais separar o palco da platéia e o espetáculo invade outra da sala, e permitirá a ação desenrolar-se
o edifício todo, transformando todos em agentes criadores, em todos os planos e em todos os sentidos da
obrigando-os a uma participação ativa, não permitindo que perspectiva em altura e profundidade. Um grito
o ator seja mero personagem perambulante num espaço de que seja lançado duma extremidade poder-se-á
palavras, mas ser integrado no tridimensionalismo, para cuja transmitir de boca em boca com amplificações e
vida tudo colabora, desde a idéia central do texto até os ele- modulações sucessivas, até a outra extremidade:
mentos de apoio como cenografia e luz. a ação desenrolar-se-á, expandirá a sua trajetó-
Os espaços devem ser estrutura articulada e mutável ria, de plano para plano, de ponto para ponto,
e o cenógrafo deve ter capacidade de adaptação criadora, haverá surtos repentinos de paraxismos, ateados
organizando o espaço cênico segundo as necessidades de como incêndios, em locais diversos. E o caráter
expressão, solucionando a proposta cênica de direção. de ilusão verdadeira de um espetáculo assim,
É quase impraticável, no momento atual, tentar esta- tal como a influência direta e imediata da ação
belecer escolas, tendências ou movimentos. Assim como o sobre o espectador, não serão apenas palavras
homem de hoje, o teatro (e seus encenadores) procura ex- vãs. Pois essa difusão da ação por todo um es-
pressar-se num espaço livre de preconceitos, liberto de toda paço imenso forçará a iluminação de uma cena
e qualquer estruturação anterior. Na ausência de símbolos, a e as variadas iluminações de um espetáculo, a
palavra, o grito desesperado, o perambular ansioso, constitui empolgar tanto o público como as personagens:

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a tentativa de ajudar o homem a se encontrar. e as várias ações simultâneas, as várias fases
E para encerrar este capítulo transcrevo as palavras duma mesma ação em que as personagens
que Antonin Artaud preconizava em 1938, em Le Théâtre et comprimidas umas de encontro às outras como
son double (O teatro e sua dupla), numa antevisão profética enxames, que sofrerão todos os ataques das si-
facilmente reconhecível nos espetáculos de hoje: tuações e os ataques exteriores dos elementos e
da tempestade, corresponderão os meios físicos
Suprimimos o palco e a sala, que são substitu- da iluminação, da trovoada ou do vento que se
ídos por uma espécie de local único, sem se- repercutirão no espectador. Será contudo reser-
paração nem barreiras de nenhuma espécie e vado um espaço central que, sem propriamente
que se tornará precisamente o teatro de ação. servir de palco, permitirá que o corpo da ação se
Será restabelecida uma comunicação direta en- reúna e se conjugue, todas as vezes que tal for
tre o espectador e o espetáculo, entre o ator necessário...
e o espectador, pelo fato de o espectador, co- __________________________________________________________________
locado no meio da ação, ser por ele envolvido
APPIA, Adolphe. A obra de arte viva. Lisboa: Arcádia, s.d.
e afetado (...). E dessa forma (...) utilizaremos BROOK, Peter. O teatro e seu espaço. Petrópolis: Vozes, 1970.
qualquer hangar ou granja (...). O interior des- CRAIG, Gordon. Da arte do teatro. Lisboa: Arcádia, s.d.
HOGGET, Chris. Stage crafts. 2.ed. London: Adam and Charles Black, 1978.
sa construção será dominado por proporções KAPLAN, Donald M. La cavidad teatral. Barcelona: Anagrama, 1973.
especiais em altura e em profundidade. A sala MILLS, Edward M. La questión del proyecto en arquitectura. Barcelona:
Gustavo Gili, 1985.
encerrada por quatro paredes, sem qualquer es- NEUFERT, Ernest. Arte de projetar em arquitetura. Barcelona: Gustavo Gili,
pécie de ornatos. O público ficará sentado no 1980.
OENSLAGER, Donald. Stage design. London: Thames and Hudson, 1975.
meio da sala, embaixo, em cadeiras móveis que ROUBINE, Jean-Jaques. A linguagem da encenação teatral – 1880 – 1980.
17

lhe permitirão seguir o espetáculo que se desen- Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
SONREL, Pierre. Traité de scénographie. Paris: Odette Lieutier, 1994.
rolará em sua volta. Com efeito, a ausência de
Uma breve
reflexão sobre
a presença do
diretor e a prática
colaborativa
Fernando Aleixo - Ator, pesquisador teatral e
colaborador do Grupo República Cênica; Mestre
e doutorando em Arte/Teatro pela UNICAMP.
Professor de Teatro do Colégio Técnico de
Campinas - COTUCA/UNICAMP.

A dinâmica e o modelo da sociedade contemporânea Dentro desta estrutura de composição da obra teatral
instaura, constantemente, novos paradigmas para o teatro a a presença do diretor é, no nosso entender, princípio fun-
partir das possibilidades introduzidas por fluxos sócio-políti- damental de trabalho. No entanto, acreditamos na relação
cos, tecnologias, industria cultural, cultura de massa e globa- próxima entre ator e diretor, onde a criação é mútua, por in-
lização entre outras temática e contextos atuais. teira, íntima e conjunta. Entendemos, na dinâmica do nosso
Hora a linguagem - pesquisas e produções - migra trabalho, que a função da direção não é “olhar de fora” para
para a busca da integração com determinados contextos, orientar estrategicamente a criação do ator. A direção olha
hora temos nos trabalhos a contramão de um sistema que de dentro e, não apenas olha, ela tateia, ela degusta, ela se
se baseia fundamentalmente na manutenção e exploração movimenta, preenche e age.
do meio produtivo e da lógica de mercado. Reconhecemos a existência de uma prática que defen-
Como poesia cênica, como valor simbólico, como con- de a intervenção na qual os atores são dirigidos a executar
testação, como crítica, como análise, como produto entre marcações pré-estabelecidas que os conduzem no espaço.
outros significados alcançados e/ou rotulados, o teatro apre- No que se refere a esta questão, acreditamos que a relação
senta-se de diferentes modos: modo produtivo, pesquisa, é mais ampla e será sempre intercorpórea, sensível e guiada
processo colaborativo, participativo, grupos permanentes e por princípios da liberdade, da democracia, do respeito pela
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continuados, novas dramaturgias, entre outros. São inúme- individualidade e pela diferença, mesmo quando no con-
ros os temas presentes no teatro contemporâneo onde ob- fronto e na troca voltada para um mesmo fim. Destacamos
servamos, seja na produção acadêmica, seja nos trabalhos assim, a união das diferenças, das contribuições, das experi-
de grupos e companhias, uma ação voltada para a “recolo- ências, da confluência de vidas. Assim, o processo criativo é
cação do teatro na vida do cidadão”, como um bem simbóli- generosidade, cumplicidade e doação.
co fundamental no alicerce da vida e da democracia. Segundo Barrault, a experiência teatral é “um jogo
Dentre as várias linhas de trabalho e pesquisa, nos fundamentalmente carnal, sensual. A representação teatral é
identificamos com a que constitui o teatro a partir do tra- um corpo-a-corpo coletivo, um verdadeiro ato de amor, uma
balho do ator - suas potencialidades corporais, imaginativas comunhão sensual de dois grupos humanos”1. Orientados
e criativas - e com a que dimensiona a produção a partir por essas referências, organizamos nossos procedimentos de
da ação colaborativa de todos os profissionais envolvidos, trabalho que se aproximam de orientações sensitivas para
como uma construção coletiva e autêntica. Neste contexto, ação criativa de uma composição poética corpórea. Dessa
a corporeidade é, sem dúvida, a matriz de um processo de forma o diretor é o artista que se coloca a serviço da criação
pesquisa que entende a cena como poesia do corpo. poética, definindo e articulando, dentre os elementos técni-
A partir desta concepção, apresentamos aqui uma cos, aqueles que se apresentam mais adequados à criação e
breve reflexão sobre como, na prática de nosso trabalho, ao desenvolvimento do tema do projeto.
consideramos a presença e o trabalho do diretor. Participando da preparação do grupo o diretor ima-
Se pensarmos o teatro como poesia do corpo, lugar onde gina, concebe e compartilha o processo de construção do
o íntimo se conecta, onde o sangue é energia, onde o ritmo é espetáculo com a equipe. Como um provocador de reflexões
cardíaco e a carne é sentimento, poderemos refletir sobre a es- e ações, ele incentiva e apropria as iniciativas na pesquisa
trutura que compõe o processo criativo, considerando a necessi-
18

por uma linguagem cênica coletiva. Sua comunicação com


dade de uma atuação sensível para a construção poética. os atores se faz menos com palavras e mais em atitude, em
presença. Uma ação generosa que
permite a entrega total e a confian-
ça plena dos participantes do pro-
cesso criativo.
No Grupo República Cênica,
nos dez anos de pesquisa e criação,
adotamos diferentes dinâmicas de
trabalho que rediscutem constan-
temente a função do diretor. Em
determinados trabalhos formamos
a equipe contando com um artista
diretor/encenador, já em outras ex-
periências a criação do trabalho é
coletiva e os atores/pesquisadores
se revezam na função de propor
organizações dos materiais. No
entanto, em ambas as dinâmicas
a criação é colaborativa, ou seja,
trabalhamos como um organismo
criativo onde todas as partes com-
partilham do processo de composi-
ção sem perder a função de cada
profissional.
Na prática destes trabalhos,
nos deparamos diante de diferen-
tes situações ocasionadas pelos
procedimentos adotados pelo gru-
po. Em certos momentos do pro-
cesso criativo é comum ficarmos
presos em determinados aspectos,
onde não conseguimos distinguir
os elementos mais adequados
para a composição. Neste caso,
a ausência do diretor interfere no

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trabalho de forma limitadora e
que, ao mesmo tempo, provoca a
busca de novas saídas e caminhos.
Em outros momentos, a presença
do diretor é constrangedora e, no
entanto, rica em possibilidades de
diálogo e colaboração.
Mas esta questão vai muito
além. O diretor orienta, conduz,
contagia, contamina, preenche e
esvazia. Ao mesmo tempo ele re-
cebe, é conduzido, é contaminado,
Palco Sobre Rodas tornando-se parte fundamental de
_____________ uma criação. O diretor é, portanto,
a interferência complementar do
O Cabra Que movimento expressivo, o impulso e
Matou as Cabras o regente da respiração, do silên-
cio, da cor, do volume, da plastici-
Grupo: Cia de Teatro
dade e da materialidade da cena.
Nu Escuro
Goiânia - GO ______________________________________
Apresentação no Hospital
19

1 – BARRAULT in Patrice PAVIS. Dicionário


Santa Catarina (Blumenau) de Teatro. p. 283
Improvisação:
instâncias e
arremedos
Pita Belli – Professora do Bacharelado
em Teatro da Universidade Regional
de Blumenau- FURB; Diretora do Grupo
Teatral Phoenix; Coordenadora do Festival
Universitário de Teatro de Blumenau;
Graduada em Direção Teatral – PUC/PR;
Especialista em Ensino da Arte – FURB;
Mestre em Teatro – UDESC.

Embora a palavra Improvisação alcance signifi- formalizadas, resultantes da intencionalidade e da memori-


cado em praticamente todas as atividades humanas, o que zação da encenação e tudo o que a compreende no âmbito
nos interessa aqui é sua utilização no que se refere ao âm- da atuação: marcação de palco, gestos, entonações vocais,
bito do fenômeno teatral. Sua presença pode ser detectada determinadas emoções e o mais que lhe concerne. Quando,
em todas as formas de teatro, em maior ou menor escala por fim, assistimos ao resultado final, a Improvisação deixa,
– dos rituais primitivos aos happenings ou ao Theatre Sport, aparentemente, de existir, pois não aparece o processo pelo
passando pela tragédia e pela comédia gregas, pelo teatro qual se chegou a tal resultado.
romano, pela Commedia dell’arte e por todas as suas influ- Percebe-se aí uma Improvisação intencional, da qual
ências. Isso porque, assim como na vida cotidiana, também se fez uso apenas durante o processo criativo para se chegar
no teatro a Improvisação repousa sobre princípios inerentes a uma obra acabada, em seu grau máximo de cristalização
ao estar no mundo, que nos obriga a nos adaptarmos a tudo e, portanto, passível de reprodução. Quer isso dizer que não
quanto acontece ao nosso redor praticamente o tempo todo. existe a intenção, nem por parte do diretor nem por parte dos
O teatro, sendo obra do aqui e agora, não está distanciado atores, de empregar a Improvisação no ato da representa-
desses princípios. Isso quer dizer que, mesmo diante da obra ção. No entanto, sempre haverá uma Improvisação implícita
teatral mais formalizada que possamos encontrar, na qual no ato de representar. Sendo o trabalho do ator – principal
todos os detalhes foram incansavelmente ensaiados e codifi- fonte emissora do teatro – uma arte do aqui e agora, sempre
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cados, haverá espaço para o inesperado. em seu desempenho comparecerá o produto de sua dinâ-
A questão principal, portanto, já não se reduz à sua mica pessoal, de sua resposta bio-psico-energética (Chacra
presença ou não no fenômeno teatral, mas sim de que ma- e Guinsburg, 1992, p. 217), o que o levará a contar sempre
neira se insere em cada categoria e em que medida. Do com elementos improvisacionais em cena, ainda que não
teatro tradicionalmente reconhecido – o teatro formalizado exista a intenção de usá-los explicitamente. Esse fator, que
–, às formas improvisadas de representação, há vários mati- é de caráter variável, é determinante na atualização cênica
zes em que a Improvisação se inscreve, com maior ou menor que se processa a cada vez que a obra é representada, e en-
intensidade. Para Sandra Chacra e Guinsburg “...pode-se di- volve a todos no palco e na platéia afetando suas relações. O
zer que a intenção é o pólo e o divisor de águas em termos público também é composto por indivíduos com dinâmicas
do qual se processa a questão” (1992, p. 217). pessoais próprias e que também interferem no trabalho do
Partindo dessa premissa, o que se pode detectar no ator. “Nada é indiferente em teatro nem mesmo a indiferen-
dito teatro formalizado é que ele é o resultado de um con- ça do público” (Chacra, 1983, p.17). Portanto a representa-
junto de ações voluntárias e premeditadas, em que exercem ção teatral sempre contará com um fator não inteiramente
papel de importância a espontaneidade e o intuitivo, ou seja, predeterminado. Para tanto, há o ator que está preparado,
o processo de Improvisação. Esse processo que acontece embora não saiba quando nem como essas situações pode-
durante os ensaios, inicialmente pode ser inesperado e se rão se apresentar, ou antes, justamente por isso. Há ainda os
apresentar de maneira ainda imprecisa, mas vai aos pou- momentos em que podem acontecer “falhas”, por exemplo.
cos tomando forma até chegar à criação acabada. Aquilo Nesse caso o ator deve estar preparado para reconduzir a
que é improvisado com a conjugação do espontâneo e do representação ao que estava previamente estabelecido, sem
intencional vai se configurando até chegar ao modelo de- perder a devida qualidade artística. Embora esse recurso, de
sejado, à obra artística propriamente dita, inteligível e pas- modo geral, no teatro formalizado, só deva ser utilizado em
20

sível de fruição. Dessa forma, o processo de construção é, caso de necessidade, em decorrência de uma emergência,
aos poucos, encoberto para dar lugar às ações elaboradas e está lá a sua possibilidade.
Além disso, ainda no teatro formalizado, o ator estará liberdade essa que pode ser conquistada através de um trei-
sempre entre si mesmo e seu personagem, independente- namento que propicie a utilização dos recursos individuais no
mente da corrente estética, o que o leva a um jogo constante coletivo, pois a Improvisação exige a compreensão rápida de
com esses dois elementos, em cuja dinâmica a Improvisação uma situação, e uma resposta quase imediata.
se configura. O ator, no decorrer dos ensaios, a partir de de- Por outro lado, dentro dos espetáculos de concepção
terminado personagem que lhe é dado em geral por um dra- menos rígida, ainda que não prescindam da formalização,
maturgo, chega a um remate interpretativo do ser ficcional pode acontecer a Improvisação de forma explícita. Nesse
que é apresentado pelo seu ser real. Ele deve dominar o “eu caso, alguns atores acabam por lançar mão dos chamados
representativo”, não permitindo que este tome o lugar do “cacos”, enxertando no espetáculo palavras isoladas, ges-
“eu real”, assim como tampouco deve deixar que este perca tos, expressões faciais ou mesmo falas inteiras que não esta-
o controle sobre o outro. O que se pode verificar é que a per- vam ensaiadas. São improvisos feitos intencionalmente, que
sonalidade do ator sempre estará presente no ato da repre- acontecem no contato direto com o público e geralmente
sentação, pois ele se reveste de em estilos teatrais mais direcio-

“ficar
uma máscara ao mesmo tempo nados à comédia. Essa carga de
em que a controla. Se assim o O que se pode veri- intenção e deliberação no uso
é, haverá sempre alterações em
seu desempenho, mesmo que
é que a persona- da Improvisação pode ser de ca-
ráter individual ou coletivo, mas
em grau quase imperceptível, lidade do ator sempre em qualquer dos casos caracte-
em função dessa dualidade.
Portanto torna-se inevitável que
estará presente no riza-se por um forte relaciona-
mento entre ator e espectador
sua representação seja afetada ato da representação, e é quando o artista se abre às
por sua vida pessoal, sua bio-
psico-energia.
pois ele se reveste de circunstâncias e dá vazão à sua
espontaneidade criadora.
Se pudermos considerar uma máscara ao mes- Esse é o caso das for-
que, a cada representação, o
personagem sofrerá pequenas
mo tempo em que a mas improvisadas de teatro,
que sempre coexistiram com o
alterações que dependem do controla. Se assim o é, teatro formalizado. No curso de
estado em que se encontrar
aquele que o representar, então
haverá sempre altera- sua história, este tipo de teatro
encontrou lugar em diferentes
devemos supor que essas alte- ções em seu desem- modalidades particulares: nos
rações terão implicação sobre
os outros personagens com os
penho, mesmo que mimos e nas atelanas da An-
tiguidade greco-romana, na
quais o primeiro se defronta, e em grau quase imper- farsa e nos teatros de feira da
vice-versa. “A confrontação de ceptível, em função Idade Média, até atingir seu

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pessoas-personagens acarreta máximo grau de profissionali-
ações e reações no desempe- dessa dualidade. Por- zação na Commedia dell’arte,
nho que podem não ser exata-
mente as esperadas pelo elen-
tanto torna-se inevitá- que por sua vez influenciou ou-
tras formas do teatro moderno.
co, e acabam por apresentar vel que sua represen- Sem nunca ter interrompido sua
uma forma teatral que, embora
ensaiada e pré-elaborada, não é
tação seja afetada por função, sempre aconteceu em
paralelo ao teatro textualizado
identicamente a mesma” (Cha- sua vida pessoal, sua pela literatura dramática, até os
cra, 1983, p. 17).
Todos esses fatores, que
em muitas vezes não são detec-
bio-psico-energia.
” dias de hoje. E, se por um lado
a Improvisação deu origem aos
mais diversos gêneros teatrais,
tados pelos atores no ato da representação, são, em grande também é certo que, como linguagem específica, passou a
parte, responsáveis pela manutenção do vigor da cena no se constituir num gênero particular, o chamado teatro im-
teatro formalizado. O recurso da Improvisação continuará provisado.
sendo usado internamente pelo ator durante a representa- Depois do declínio da Commedia dell’arte, no entan-
ção, como recurso para irrigar seu desempenho, o que lhe to, o teatro improvisado perdeu muito de seu espaço, que
permitirá viver o seu papel de um modo mais legítimo, mais passou a ser ocupado pelo teatro formalizado. E foi só na
verdadeiro, mais genuíno, enfim. primeira metade do século XX, com as transformações ocor-
Esse modo de improvisar diante de tais situações deve ridas no período da reforma teatral, que alguns encenadores
ser matéria que interesse a qualquer tipo de ator, seja qual retomaram a questão da Improvisação. Das propostas de re-
for a sua forma de representação, um tanto mais racional ou alização de um teatro totalmente improvisado, na sua maio-
21

um tanto mais emotiva. O certo é que o ato da Improvisação ria frustradas, o que resultou mais significativamente foi sua
momentânea só é possível no exercício da liberdade criativa, larga utilização nos métodos propostos para a preparação
do ator ou mesmo sua utilização no processo de construção nômeno das criações coletivas, claramente baseados nas im-
de espetáculos que, por fim, resultariam formalizados. No provisações, onde a tarefa de escrevê-los passou a acontecer
entanto, no rastro das reformas que propunham uma nova posteriormente, constituindo-se numa nova forma de prática
ocupação do espaço cênico na tentativa de um rompimento de escrita de textos teatrais. No entanto, nesse caso, o que
entre palco e platéia, e que propunham uma maior partici- resulta, ao fim e ao cabo, é uma peça teatral no estilo forma-
pação do público durante os espetáculos, surgiu na década lizado, sendo que a mudança se dá, mais especificamente,
de 60, em especial nos Estados Unidos, o chamado “teatro no que se refere aos modos de produção do texto. Entretanto
experimental”. Na verdade este nome abarca vários estilos essa maneira de criação encerra um conceito artístico outro
de representação que podem também receber o nome de no que se refere ao trabalho do ator, que passa a ocupar um
“teatro de participação”, “teatro em processo”, “teatro de papel de co-criador num âmbito muito maior do que aquele
contestação”, ou mesmo “teatro improvisado”, e que têm que propunha, por exemplo, Dullin, que claramente limitava
em comum alguma participa- sua idéia de criação à circuns-

“missa,
ção “ativa” do espectador e crição de um personagem dado
como base de trabalho a Impro- Partindo dessa pre- por um dramaturgo.
visação.
“Grupos como o Living
o que se pode O que parece claro é que
o êxito de tais trabalhos será
Theater, Open Theater, Bread detectar no dito teatro tanto maior quanto maior for a
and Puppet, Firehouse Theater,
Performance Group, San Fran-
formalizado é que ele capacidade dos atores de im-
provisarem. E é evidente que,
cisco Mime Troup e Teatro Cam- é o resultado de um essa capacidade necessita ser
pesino fazem da Improvisação
um de seus instrumentos mais
conjunto de ações vo- exercitada, para que possa ma-
nifestar-se o mais plenamente
vivos de expressão e linguagem” luntárias e premedita- possível. E não só no que con-
(Chacra, 1983, p. 34). O desem-
penho é improvisado conforme
das, em que exercem cerne às habilidades individuais,
mas também e principalmente
a interferência do público, con- papel de importância no que concerne ao jogo teatral,
clamado a participar da cena. A
encenação difere de acordo com
a espontaneidade e à relação com o outro em cena,
pois parece certo que é nas rela-
a espontaneidade do momento. o intuitivo, ou seja, o ções que se instauram os confli-
Nessas representações predo-
mina o gosto pelo ritual. Elas
processo de Improvi- tos, dos mais simples aos maio-
res e mais profundos.
são formadas em bases ideoló- sação. Esse processo Não se pode deixar de
gicas comuns, se caracterizando
por forte contestação política.
que acontece durante mencionar, ainda, uma forma
teatral improvisada que tem se
os ensaios, inicialmen-
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Tal contestação, entretanto, na desenvolvido nas duas últimas


primeira metade dos anos 70,
acabou por perder força nesse
te pode ser inespera- décadas, o Theater Sport, criado
pelo inglês Keith Johnstone em
estilo de representação, restan- do e se apresentar de meados dos anos 80, quando já
do de interessante, talvez, o fato
de se constituir num instrumento
maneira ainda impre- havia se transferido para o Ca-
nadá. A diferença entre essa for-
de criação coletiva. cisa, mas vai aos pou- ma de teatro e outras que tam-
Outro movimento a ser
considerado é o happening, que
cos tomando forma bém se valem da Improvisação
como forma final de representa-
propõe uma experiência criado- até chegar à criação ção talvez esteja justamente no
ra que tende a não se importar
prioritariamente com o resulta-
do. Propõe devolver à atividade
acabada.
” treinamento a que se submetem
seus atores a fim de estarem
preparados para tais espetácu-
artística seu contato mais direto com o entorno, intensifican- los. Não se trata aqui de viver tão somente a experiência
do os sentidos e o papel dos instintos, assim como propõe a do momento ou de considerar que a arte deva misturar-se
retomada do caráter de festa e de certa agitação social que à vida. Seus princípios parecem estar assentados no melhor
teriam sido retirados da arte. Arte aí deve misturar-se à vida aproveitamento do trabalho do ator diante de circunstâncias
e, para tal, a única linguagem possível seria a da Improvi- imprevistas, sem qualquer ênfase nos aspectos ritualísticos,
sação. mas sim na capacidade de respostas rápidas que possam
A despeito das formas improvisadas de teatro, o que levar à melhor solução cênica.
se assistiu a partir de então foi, em muitos casos, uma elimi- Tal diferença, quando não é considerada, corre o
22

nação da peça teatral como ponto de partida para a criação risco de levar essa forma de teatro a realizações bastante
de espetáculos. Novos textos foram produzidos a partir do fe- precárias, ainda mais se tomar como princípio o conceito
13ª Mostra Paschoal Carlos Magno mais ou menos corrente de que
______________ a Improvisação é “algo informal,
espontâneo, imprevisto, sem pre-
O Patinho Feio paro prévio, inventado de repente,
Grupo: GATS – Grupo Artístico arranjado às pressas, súbito, de-
Teatral Scaravelho – FURB sorganizado, aleatório, enfim, (...)
Jaraguá do Sul - SC um produto inspirado na própria
ocasião e feito sem preparo e sem
remate” (Chacra, 1983, p. 11).
A despeito, porém, do des-
conhecimento e dos arremedos
equivocados, certo é que a Im-
provisação está presente explicita-
mente no trabalho de todos os que
se dedicam à arte teatral, esteja
ela inserida nos treinamentos, nos
modos de construção do espetá-
culo ou em sua forma final.
_____________________________________

CHACRA, S. Natureza e sentido da improvi-


sação teatral. São Paulo: Perspectiva, 1983.
CHACRA, S. e GUINSBURG, J. A improvi-
sação teatral: uma linguagem de gêneros
e grau. In: GUINSBURG, J. Diálogos sobre
teatro. Org.: Armando Sérgio da Silva. São
Paulo, Edusp, p. 217-226, 1992.

19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau | Nº 14 | 2005

“ Nada é
indiferente
em teatro
nem mes-
mo a indi-
ferença do
público.

23

Chacra
O registro de uma
pedagogia do
ator no século XX
José Ronaldo Faleiro – Estudos de Direção
Teatral e de Licenciatura em Teatro, no CAD
da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Mestrado Especializado de Estudos
Teatrais na Universidade de Paris III/Nova
Sorbonne. Um dos criadores e organizadores
dos primeiros festivais universitários de
Teatro de Blumenau. Atualmente é professor
na UDESC.

ator. Fiel ao texto e ao poeta, no entanto ele situa o ator no


(Jacques COPEAU em carta a Léon Chancerel, âmago do fenômeno teatral. Trata-se, efetivamente, de dar
datada de abril de 1928, sobre a necessidade ao teatro a sua plena significação com uma economia rigo-
de publicar uma revista de trabalho teatral, in rosa de meios: um espaço vazio em que se coloca um ator,
“Bibliographie. Revues de théâtre” [Bibliografia. centro do jogo, com a pesada responsabilidade de fazer o
Revistas de Teatro], artigo não assinado, p. 82. poeta “falar”. Para isso, deve remontar às fontes da criação,
Cahiers d´Art Dramatique [Cadernos de Arte e reencontrar sem palavras, no silêncio, as palavras do au-
Dramática], 8 (9-10), julho de 1946, p. 79-86). tor, as falas das personagens. Habitar as suas frases com o
próprio corpo e as transformar em ação, a fim de encontrar
“(...) também uma enciclopédia (...) uma espé- som e forma adequados, é uma tarefa que se aprende, não
cie de teatro (...) como o cérebro de um criador uma receita que se expõe e impõe facilmente. Daí provém
dramático. Elementos esparsos bem classificados a necessidade duma escola em que essa formação global
em rubricas cômodas (...) uma teoria do teatro” e progressiva do jovem ator seja proposta, para promover o
início de um interesse por uma cultura geral pessoal, e por
Jacques Copeau empreende na França, no início do um trabalho em equipe. Essa atitude diz adeus à cabotina-
século XX, uma renovação dos hábitos teatrais. Ao lado do gem do ator centrado em si mesmo e afirma, ao contrário, o
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seu teatro haverá uma escola. Não basta que o ator repre- ator como intérprete e criador, cerne do espaço teatral mas
sente num palco, em espaço fechado ou ao ar livre. Para servidor da criação. A Commedia dell’Arte, os modelos orien-
subir à cena, é muito importante que ele se forme previa- tais (sobretudo o Nô), serão experimentados, assim como o
mente. A escola em que fará a sua formação não será o teatro de Molière e de Shakespeare, na intenção de renovar
Conservatório já existente. Será necessário, então, criar no- o teatro e construir uma comédia nova. Conseqüentemente,
vas escolas, novas maneiras de formar, para que o teatro os atores em aprendizado falarão de forma articulada ape-
se renove e para que o ator encontre o seu modo de ser nas no terceiro ano de estudos, e trabalharão em cena um
dentro do teatro e fora dele. De fato, a proposta de Jacques texto somente no final do percurso. Trabalharão em silêncio
Copeau consiste em prover o ator de uma formação global para fazer com que se desenvolva a ação justa, a palavra
e progressiva. Ele se formará do ponto de vista artístico, téc- adequada, no espaço vazio em que o Universo inteiro pode
nico, humano. Copeau não é o único homem de teatro da vir a ser objeto de representação.
época a querer isso, como se sabe. Stanislavski constitui uma Comunicadas a Chancerel por seu mestre, em Paris e
escola no Teatro Artístico de Moscou para preparar seus ato- na Borgonha, tais idéias e práticas levarão à criação de um
res; Gordon Craig quer fazer, de certo modo, tabula rasa do Centro Dramático que visava à sua concretização na esfera
comportamento do ator; Appia atribui grande importância de uma comunidade específica, a dos escoteiros, logo am-
ao ator e ao seu jogo. Se não é, portanto, original, a proposta pliada para vários movimentos de juventude, então em plena
de Jacques Copeau possui, porém, o mérito de ter sido expe- florescência. Esse verdadeiro laboratório teve um porta-voz: o
rimentada na prática. Ainda que as suas escolas tenham tido boletim que, ano após ano, constituiu uma pedagogia escri-
curta duração; ainda que o seu teatro não tenha tido muitos ta, com a publicação de informações e de um material farto,
anos de existência, e a experiência primeira da Borgonha só que possibilitava pouco a pouco uma real formação à distân-
tenha existido durante alguns meses, o que ele trouxe para cia e organizava, a posteriori, em rubricas muitas vezes escri-
24

o teatro ultrapassou as fronteiras do seu país e contribuiu tas no calor da ação, uma espécie de enciclopédia do saber
para concretizar uma vigorosa mudança na pedagogia do teatral. Como seu mestre, Chancerel constrói aí uma estraté-
gia para vários planos de ação: para melhorar o nível de jogo não deveria abafar o teatro como força específica de uma
nas festas escoteiras; para estimular o aperfeiçoamento de comunidade viva.
grupos de teatro; para se dedicar a uma companhia teatral Iniciada, pois, antes da guerra (nas pegadas de Ja-
modelar cujos membros seriam também colaboradores do cques Copeau, adaptadas às suas características próprias),
periódico e formadores em formação. Essa trupe de teatro a divulgação da obra empreendida por Léon Chancerel en-
ideal, os Comédiens Routiers (Atores Itinerantes), teve, por- contra nessas “coletâneas breves”, como afirmava Copeau,
tanto, seu meio escrito de expressão, a documentação de muita amplitude. Já não possui a pujança caótica dos pri-
suas ações, o prolongamento impresso de suas atividades, meiros anos. Certos números são quase excessivamente vol-
no Bulletin (Boletim) que leva o seu nome. Nele ficaram re- tados para a administração, publicando a lista e a organiza-
gistrados, de modo vivo e até comovente, os esforços de um ção das federações do teatro amador e o resultado de suas
punhado de jovens (e de seu guia) que se dedicam a servir comissões, mas prosseguiram, paralelamente, na edição de
o teatro e que o tornam vivo, esportivo, marcante, a ponto exercícios e jogos para o ator que resultaram em uma influ-
de encontrar muitos imitadores. Os princípios – “a doutrina” ência do Centro Dramático dentro da França e no exterior e
– que os formou se desenrolam ao longo de sete anos de colaboraram para o movimento de descentralização dramá-
entusiasmo e de atividades incessantes, de 1932 a 1939. É o tica efetivado após 1945.
momento mais forte, mais vivaz, dessa publicação. Em suas Tais cadernos foram lidos, estudados e traduzidos por
páginas pode-se ler a memória de um esforço de descentra- um grupo que possuía a mesma intenção de Chancerel no
lização teatral (turnês dos Comédiens Routiers, mas também sentido de divulgar a sua experiência junto dos que se ini-
interesse relativo às atividades realizadas por outros grupos ciavam na vida teatral. Seus integrantes também queriam
nas províncias e nas colônias fran- transformar o estado do teatro, in-


cesas de então); pode-se também tervir no meio teatral e social, pro-
constatar as reivindicações por um Tendo mover criação e aperfeiçoamento.
teatro voltado para as pequenas
cidades e para os locais pouco fre-
mergulhado antes Sua idade, sua cultura, o contexto
e o momento em que viviam não
qüentados pelas companhias (asi- nas idéias de comportavam a realização de uma
los, fábricas, hospitais); além disso,
é possível acompanhar o registro
Jacques Copeau, cópia pura e simples dos artigos pu-
blicados nos opúsculos franceses:
dessas lições da experiência con- eu encontrava algo utilizaram os Cahiers d’Art Drama-
creta num caso preciso (escotismo
e educação); por fim, o leitor pode
familiar, algo muito tique como um suporte, como ins-
piração, como instrumento de tra-
perceber as duas concepções de próximo, nesses balho e de reflexão. Impregnados
jogo presentes no Centro Dramáti-
co: a atuação num grupo sem pre-
objetos de leitura, pela idéia de uma técnica vivificada
pelo espírito, explicitada no primeiro
ocupar-se com a apresentação de nessas “máquinas número. O Tablado transmite nas
de ler” para pensar

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um espetáculo, e a atuação como páginas de seus Cadernos de Teatro


uma forma estruturada que leva a a necessidade de uma formação
um espetáculo para um público, pe- e praticar. corporal e cultural manifesta, sóli-
rante ele, junto com ele. Em meio a da, persistente; a luta contra o ca-
constantes crises financeiras, a publicação se manteve “he- botinismo; a proposta do advento de um espírito de grupo;
roicamente” nos anos 30. Interrompida durante o conflito a idéia do teatro como um serviço dramático voltado para
internacional deflagrado em 1939, após a Segunda Guerra a criação de uma equipe capacitada e de um público fiel e
Mundial o Bulletin des Comédiens Routiers muda de nome e esclarecido, e, conseqüentemente, para a criação de uma
de características: os Cahiers d´Art Dramatique (Cadernos competência em todos os níveis do fazer teatral: sua estética
de Arte Dramática) (1945-1950) já não são o eco de um é menos exclusivista que a dos Cahiers, mas a sua ética ade-
grupo e de um trabalho prático. Em conseqüência, poderia re totalmente à disciplina do periódico francês. O Tablado
ter-se tornado um folheto sem vida, desvitalizado, desenrai- assume a condição de grupo de teatro amateur, e como tal
zado. Ao contrário, porém, ele traz ao combate o reflexo do reivindica o dever de fazer um trabalho de qualidade, cen-
momento presente, o interesse pelo teatro dito amador, o trado também no corpo do ator a serviço do texto e do mo-
exemplo de exercícios corporais e vocais a serem transforma- vimento. Sem dúvida as suas idéias foram transmitidas por
dos em movimento e ação, a resposta a uma necessidade seus espetáculos iniciais, mas a vontade de publicar uma re-
de repertório acessível e selecionado a partir de indicações vista, inspirada na de Chancerel, permitiu criar por escrito um
precisas mas sem deixar de conter, antes de tudo, textos de registro de sua ação e de sua contribuição para com aqueles
qualidade. O caráter pedagógico esteve sempre presente no que possuem o desejo de transformar, através do teatro, o
caminho dessa coleção de periódicos. No entanto, assim meio ou a situação em que vivem, e assim responder a uma
como o teatro não pode ser confundido com o púlpito nem necessidade determinada numa comunidade específica. As-
25

com a cátedra, e deve permanecer teatro, o aspecto peda- sim, os Cadernos de Teatro se comprometeram a semear,
gógico que presidia à escolha de um texto ou a uma prática a espalhar, a compartilhar as suas idéias e práticas, longe
das querelas das capelas, enviando aos mais 13ª Mostra Paschoal Carlos Magno
recuados cantos do Brasil a possibilidade de ___________________
trabalho teatral por eles proposta.
Tomei conhecimento dos Cahiers d’Art Esperando La Lluvia
Dramatique através de Olga Reverbel, pro- Grupo: Seda
fessora no Centro de Arte Dramática (C.A.D.) Buenos Aires - Argentina
da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Olga Reverbel foi à França pela primeira
vez em 1946 e reuniu, durante essa viagem
e outras que se sucederam, toda a coleção
disponível desses periódicos e de Prospero
(Próspero) – números temáticos sobre aspec-
tos do teatro publicados de 1943 a 1946 -,
assim como de várias obras do repertório do
Centro Dramático. Em suas aulas, muitas ve-
zes ela se inspirava em jogos propostos pelos
Cahiers. O formato, as ilustrações, as cores
dessas publicações traziam algo lúdico ao
trabalho universitário. A profusão de exem-
plos, de citações, de indicações bibliográficas
permitiam ao jovem em formação ampliar
seu campo de interesses. Ainda no Brasil, tive
a possibilidade de ler as traduções argenti-
nas de Le Théâtre et la Jeunesse (O Teatro
e a Juventude) e Petite Histoire du Théâtre
et des Comédiens (Pequena História do Te-
atro e dos Atores), de Chancerel. Foi ainda
Olga Reverbel quem me deu a conhecer os
Cadernos de Teatro, do qual foi colaborado-
ra. Essa reunião de jogos, de textos para um
repertório, de escritos teóricos, de ilustrações,
me davam uma idéia de amor ao teatro ao
mesmo tempo concentrada, simples e inten-
sa. Tendo mergulhado antes nas idéias de
19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau | Nº 14 | 2005

Jacques Copeau, eu encontrava algo fami-


liar, algo muito próximo, nesses objetos de
leitura, nessas “máquinas de ler” para pen-
sar e praticar. Era uma coleção de consulta
fácil, sempre disponível, acolhedora, por seu
formato, sua tipografia, sua impressão, e so-
bretudo útil pelos artigos que continha.
Com o passar dos anos, formulei a
conjetura de que os Cahiers d’Art Dramati-
que teriam inspirado os Cadernos de Teatro.
Concebi então a idéia de fazer uma compa-
ração entre as duas coleções, e de centrar
o meu objeto sobre a formação do ator tal
qual ela se apresentava em suas páginas res-
pectivas.
Para tanto, propus-me a detectar os
princípios e as técnicas de interpretação te-
atral da primeira metade do século XX; a
extrair das publicações estudadas as concep-
ções teatrais aí manifestadas; a analisar as
práticas teatrais expostas nesses periódicos;
26

a sublinhar a importância do registro escrito


para a prática teatral e vice-versa.
Modo(s)
formativo(s) do
ator: apontamentos
sobre pedagogia
do Grupo Tá na Rua
Narciso Telles – Ator, professor do Curso de
Educação Artística – Habilitação em Artes
Cênicas na Universidade Federal de Uberlândia
(UFU). Mestre e doutorando em Teatro pela
UNIRIO.

O presente texto insere-se num conjunto de inquie- tegrantes, o Tá na Rua nasce nos espaços abertos, nas ruas,
tações e reflexões que vimos desenvolvendo sobre o(s) determinando um novo momento das inquietações de Amir
processo(s) formativo(s) do ator. e seu coletivo sobre o espaço de representação. As saídas
Para tanto escolhemos o campo da pedagogia do tea- de rua do grupo – principalmente no decorrer da década
tro como “lugar de análise”. Segundo Ingrid Koudela: de 80 – e o gradativo contato com a cidade, seu público
heterogêneo, suas contradições fez o grupo rever seus con-
“O termo pedagogia do teatro visou não apenas ceitos, atitudes e práticas em relação ao trabalho do ator.
ampliar o espectro da pesquisa na área, trazendo Utilizando materiais dramatúrgicos diversos: cordéis, piadas,
para a discussão os Mestres do Teatro – dramatur- músicas e improvisações que aos poucos vão ganhando um
gos, teóricos e encenadores, como também, funda- acabamento de números, passam a compor o repertório do
mentar a epistemologia e os processos de trabalho Tá na Rua, que culmina no Manifesto-Ação lançado pelo
em teatro, inserindo-os na história da cultura”. grupo demarcando as bases de seu pensamento estético-
ideológico-teatral.
KOUDELA apud SANTANA, 2003:17
MANIFESTO-AÇÃO

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Conduzir nosso olhar pelo campo pedagógico teatral, Ser artista é uma possibilidade que todo ser huma-
significa traçar diálogos entre educadores e artistas perce- no tem, independente de ofício, carreira ou arte. É
bendo seus pontos de intersecção na construção do fenôme- uma possibilidade de desenvolvimento pleno, de
no teatral e sua assimilação pelas instituições formadoras. plena expressão, de direito à felicidade.
O teatro brasileiro contemporâneo, em suas diversas A possibilidade de ir ao encontro de si mesmo, de
formas e linguagens, vive sob a égide da pós-modernidade, sua expressão, de sua felicidade, plenitude, liber-
que instaura novas configurações, realocando as fronteiras e dade, fertilidade é de todo e qualquer ser humano.
as percepções do fenômeno teatral. Isso não é um privilégio do artista, é um direito do
O conceito de teatralidade em tempos pós-modernos ser humano; de se livrar de seus papéis, de exercer
torna-se fundamental para o entendimento das relações sociais suas potencialidades e de se sentir vivo.
seus sistemas de representação e suas práticas cotidianas. Todo mundo pode viver sua expressão sem estar
Como aponta o ator e professor Ricardo Kosovski a preso a um papel.
teatralidade inaugura uma nova possibilidade de olhar o Não se trata de ser artista ou não, mas de uma
real, “abrindo entrada para possibilidades de outros reconhe- perspectiva do ser humano e do mundo. Não se
cimentos deste mesmo real, através do novo olhar que se trata só de todos os artistas serem operários, mas
estabelece.” (2000:08) também de todos os operários serem artistas.
É pela teatralidade que investigaremos o trabalho pe- Das pessoas terem relações criativas, férteis
dagógico-teatral desenvolvido pelo Grupo Tá na Rua em e de transformação com o mundo, a realidade, a
suas oficinas de despressurização, destinadas ao treinamen- natureza, a sociedade.
to e formação de atores. O homem não está condenado a ser só destruidor,
Fundado em 1980 com atores que já trabalhavam consumista, egoísta como a sociedade nos leva a
27

com o diretor Amir Haddad no grupo de Niterói1 e novos in- crer. TÁ NA RUA
O contato com a população das ruas vai consolidando mesmo funcionava com duas capacidades bá-
o que já fora afirmado em seu Manifesto: um pensamento sicas: a primeira e mais importante, como um
teatral sobre o ator e sua formação horizontalizada, perce- lugar para se livrar das classes dogmáticas de
bendo a potencialidade de criação do ser humano, sem dife- atuação no sentido de explorar novas idéias e,
renças de classe social, gênero ou etnia. O diretor do grupo, segunda, como forma prática de fazer produ-
Amir Haddad, identifica o estado de teatro – a teatralidade ções que poderiam refletir mais os valores pesso-
– como presente na natureza humana. ais do grupo do que os valores padronizados do
teatro comercial.
“(...) o teatro, sua vitalidade, sua força trans-
formadora e sua ressonância profunda no in- Argelander apud Ligiéro, 2003:26
consciente coletivo da humanidade, que é uma
forma de expressão de todo e qualquer ser hu- As oficinas de teatro oferecidas têm o objetivo de sociali-
mano, de um jeito ou de outro. A teatralidade, zar elementos ideológicos e técnicos adquiridos e trabalhados
a capacidade de representar papéis, o jogo, a pelo grupo ao longo de sua existência. Nelas o pensamento
transformação, o disfarce, faz parte da vida de ético e estético são incorporados às atividades pedagógicas e,
qualquer ser humano.” (HADDAD, 1996:05) atores e encenadores vão assumindo o papel de artistas-do-
centes e assim, configurando uma pedagogia teatral.
“Porque é da natureza do ser humano se expressar, O ano de 1981 é apontado como o momento de de-
através de si mesmo, através do teatro, da represen- finição da linguagem atorial desenvolvida pelo Tá na Rua,
tação, do mimetismo, de se transformar em outra procurando um ator que “não é diferente do povo a quem ele
coisa, de mudar de papel, de viver outras identida- se dirige e com quem quer exercitar sua arte. Um ator aberto,
des, que são todas que nós temos dentro da alma lúdico, generoso no coração e capaz de acreditar na força
como ser humano.” (HADDAD, 1996:05) transformadora do seu ofício.”2 Este ator que aqui denomina-
mos horizontal, não tem como meta quaisquer aprendizado
Analisando estes trechos, notamos uma aproximação des- técnico que desenvolva uma virtuosidade específica para sua
te pensamento com o do diretor e teórico russo Nicolás Evreinov. exercício de atuação. O que se busca é a expressão de seu
Evreinov acreditava que o homem é possuidor de um instinto de teatralidade ontológico ao ser humano.
instinto teatral, uma capacidade de transfiguração, um dese- Neste mesmo ano, o grupo inicia suas oficinas de te-
jo de ser outro, de rompimento de seu estado cotidiano, que atro, atualmente chamadas de oficinas de despressurização,
lhe é natural, uma espécie de teatralidade. “Todos hemos desenvolvendo uma prática artística-pedagógica a partir de
nacido con este sentimiento en el alma, todos somos seres então. As oficinas de teatro oferecidas pelos coletivos teatrais,
esencialmente teatrales. En lo referente a este aspecto un em sua maioria têm o objetivo de socializar elementos ideo-
hombre culto poco difiere de um salvaje, y un salvaje de un lógicos e técnicas gestadas por este coletivo ao longo de sua
animal.” (EVREINOV, 1956: 36) existência. Nelas o pensamento ético e estético são incorpo-
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Amir Haddad procura evidenciar a capacidade trans- rados às atividades pedagógicas e, atores e encenadores vão
formadora do homem, na qual o ator possa redimensionar assumindo o papel de artistas-docentes e assim, configuran-
sua percepção do mundo em profunda transformação. O do uma pedagogia teatral.
ator que se redescobre internamente para também, se re- Assim, entendemos as oficinas de despressurização
descobrir socialmente. Este é o procedimento que norteará o como o momento em que o Tá na Rua exercita sua peda-
projeto estético-pedagógico do Grupo Tá na Rua. gogia teatral e promove o ensino/aprendizagem de sua lin-
guagem teatral.
A pedagogia do ator Em sua página na Internet o grupo apresenta sua oficina:
A Oficina de teatro é um recurso metodológico ampla-
mente utilizado nas atividades artístico-pedagógicas. Carac- A Oficina teatral do Grupo Tá na Rua é um espa-
terizada como uma ação ativista, onde o professor/oficineiro ço específico para treinamento e desenvolvimen-
direciona as atividades de forma a estabelecer um exercício to de atores e não atores, visando o afloramento
dialético entre o seu conhecimento e o que os participantes da expressão lúdica no jogo teatral. Através de
trazem de seu universo sóciocultural. Nesta medida a oficina oficinas práticas em que são usados diversos ele-
torna-se um momento de experimentar, refletir e elaborar um mentos teatrais, como: roupas, perucas, másca-
conhecimento das convenções teatrais, buscando instrumenta- ras e outros materiais cênicos, e estímulo musical
lizar os participantes de um conhecimento teatral básico, vivên- permanente, os participantes vão encontrando,
cia de uma atividade artística que permite uma ampliação de livremente, o seu próprio caminho de descober-
suas capacidades expressivas e consciência de grupo. No caso tas do uso do espaço, da relação com o outro,
dos grupos teatrais, valemos da observação de Argelander: da expressão teatral. Exercícios livres; imagens,
Historicamente, os workshops (oficinas) de tea- cores, movimentos; possibilitam a vivência dos
28

tro foram organizados dentro de uma estrutura personagens contidos no imaginário de cada um
flexível de atuação do grupo; o workshop em si e da sociedade, a alternância dos papéis, uma
experiência de liberdade. Soltando os canais da Por meio das músicas, peças de roupas, máscaras,
expressão através da quebra dos nossos códigos chapéus, os participantes/alunos da Oficina vão aprofundan-
cotidianos de comportamento, preparamos um do sua percepção sobre si, sua capacidade criativa, sua rela-
ator capaz de ir ao encontro de sua expressão ção com o espaço e o outro, procurando uma corporalidade
mais ampla, integrado e participante de sua re- liberta, sem bloqueios que possibilite o jogo e a brincadeira.
alidade e com possibilidades de trocar a camisa Os materiais utilizados na Oficina compõem a estéti-
de força da ideologia pelos trapos coloridos da ca do bloco de sujos. As roupas, panos, chapéus, acessórios,
fantasia.3 perucas fazem parte de um acervo do próprio grupo que vão
sendo utilizados em seus espetáculos, cortejos, participações
A oficina ao longo dos anos foi adquirindo uma es- carnavalescas. Quase todo o material possui intencionalmen-
trutura permanente para que o processo se instale, como te um desgaste: estão parcialmente quebrados, gastos, fura-
descreve a atriz e professora Ana Carneiro: dos, enfim, sujos no sentido de terem uma vida (em outras
montagens, de doações), serem utilizados, em sua grande
“(...) as pessoas chegam, e o material já está maioria, na vida cotidiana, salvo as fantasias de carnaval.
na sala, disposto de modo a ser visto e encon- Estes materiais e os exercícios de improvisação, que
trado com facilidade: máscaras, panos, roupas, nascem no trabalho de forma espontânea, pela relação de
perucas e outros objetos que favorecem a trans- afetos que vão gradativamente sendo estabelecidos durante
formação, material já usado, doado ao grupo e os encontros/aulas, proporcionam que a cultura da rua tam-
que constitui seu patrimônio. São cores, brilhos, bém seja introduzida nas atividades propostas.
texturas que modificam os corpos, contribuem Em suas apresentações, o Tá na Rua vai encontrando
para a liberação dos sentimentos e estabelecem entre cantos, terrenos baldios, praças e largos a cultura da
um estado de teatro, de representação, em re- rua carioca, o contato direto com este público faz com que
lação a tudo que ali acontece, transformando os atores tenham que lidar com esta cultura e seus aspectos
em teatralidade/teatro os amores, as paixões, grosseiros, jocosos, sexuais e escatológicos. Estes passam
os ódios, os medos, a violência e tudo mais que a fazer parte do treinamento dos atores, dando uma certa
aflora (...)” (1998:66) “forma tanarua de atuação” que vão gradativamente nas
oficinas de despressurização, por meio de improvisos e esti-
O percurso da oficina objetiva chegar ao ator desen- mulados pelo material presente do local de trabalho.
volvido, que experiencie os personagens de vão aparecen- A pedagogia teatral que o Tá na Rua vem desenvol-
do em seu imaginário e são externalizados pelos estímulos vido, responde às imposições da rua como espaço cênico
propostos, sem identificação ou fixação com nenhum papel. e ao mesmo tempo apresenta uma proposta de formação
Eles nascem e morrem durante o jogo. São criados no espa- e treinamento atorial, pensada e praticada pelo grupo ao
ço de trabalho pelo puro exercício de teatralidade. longo de sua história.
A proposta pedagógica é “pôr para fora” imagens, __________________________________________________________________

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para que ganhe liberdade, espontaneidade e jogo. A lingua-
gem atorial que se pretende alcançar necessita da quebra de 1 – Raiz geradora do Tá na Rua, o grupo de Niterói (1975-1980), sob a dire-
ção de Amir Haddad, estabeleceu o eixo de sua pesquisa a discussão sobre
condicionamentos, barreiras já incorporadas socialmente. Se o poder, o autoritarismo, a dualidade dominação/submissão a partir do texto
refletirmos esta questão ao nível da técnica, podemos pensar Morrer pela Pátria, de Carlos Cavaco (1936). Cf. Carneiro, 1998.
2 – www.artes.com/tanarua
que chegar ao que o grupo denomina estado de teatro/tea- 3 – www.artes.com/tanarua
tralidade é a busca técnica em que se propõe um retorno ao
CARNEIRO, Ana. Espaço cênico e comicidade: a busca de uma definição
instinto teatral. para a linguagem do ator – Grupo Tá na Rua 1981. Rio de Janeiro, 1998.
Tanto que o próprio nome dado a Oficina – despressuri- Dissertação (Mestrado em Teatro). Centro de Letras e Artes. Programa de
Pós-Graduação em Teatro, UNIRIO, 1998.
zação – indica o fato de que o grupo observava a capacidade EVREINOV, Nicolás. El teatro en la vida. Buenos Aires: Ediciones Leviatán,
de descarrego do dia-a-dia dos participantes proporcionada 1956.
GRUPO TÁ NA RUA. O teatro de rua do Grupo Tá na Rua. Rio de Janeiro:
pela música. Carneiro comenta: “Os momentos iniciais das RioArte, 1983.
oficinas em que as pessoas chegavam carregadas de tensões __________. www.artes.com/tanarua. Acesso em 15 de julho de 2003.
HADDAD, Amir. Entrevista. In: Cadernos de Teatro, Tablado (Rio de Janeiro)
cotidinanas, eram o período de despressurização, após o qual n. 146. pp 01 – 10, julho/agosto/setembro de 1996.
as energias começavam a fluir com mais harmonia, e se al- KOSOVSKI, Ricardo. Instinto de Teatralidade. In: Cadernos de Teatro, Tablado
(Rio de Janeiro) n. 146. pp 07 – 11, outubro/novembro/dezembro de 2000.
cançavam níveis de sentimento e expressão mais profundos,
_________________. Teatralidade como matriz comunicacional – novas per-
que permitiam maior teatralidade no trabalho”. (1998: 75) cepções. Rio de Janeiro, 2001. Tese (Doutorado em Comunicação e Cultura).
Aqui mais uma vez, o termo teatralidade aparece Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ) – Escola de Comunicação,
Programa de Pós-Graduação em Comunicação, 2001.
como similar ao instinto de transmutação, um ser outro que KOUDELA, Ingrid. Hífens e reticências... In: SANTANA, Arão Paranaguá (co-
o defere da vida cotidiana. Kosovski afirma que quando o ord.) Visões da Ilha – Apontamentos em Teatro e Educação. São Luís: Grupo
de Pesquisa em Ensino do Teatro & Pedagogia Teatral, 2003. pp. 15 – 19.
exercício do instinto de teatralidade é manifesto, transforma LIGIERO, Zeca. Teatro a partir da comunidade. Rio de Janeiro: Papel Virtual,
sua percepção da realidade, pois o homem começa a com- 2003.
29

TELLES, Narciso. O teatro que caminha pelas ruas. São Paulo: Nativa, 2002
preender que além do seu “eu”, existem outros “eus” que _________& CARNEIRO, Ana (orgs.) Teatro de Rua: olhares e perspectivas.
podem existir através de sua imaginação. (2001: 327) Rio de Janeiro: E-papers, 2005.
Fazer teatral e práticas educacionais
Biange Cabral (Beatriz Angela Vieira Cabral) – Professora da Graduação e Mestrado em
teatro do CEART/UDESC. Diretora de Espetáculo DAC/UFSC. Mestre em Teatro pela ECA/USP.
Doutora em Filosofia – Drama pela University of Central England/UK. Coordenadora da
Mostra de Teatro Educação (UFSC e Secretaria Estadual de Educação).

André Carreira – Professor de Departamento de Artes Cênicas da UDESC. Coordenador


do Programa de Mestrado em Teatro da UDESC. Pesquisador do CNPq. Diretor do Grupo
Teatral (E)xperiência Subterrânea. Membro do Conselho Editor da Associação Brasileira de
Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas.

No meio teatral estamos acostumados a perceber uma midades que estes diferentes lugares podem ter, e como isso
divisão intransponível entre aquilo que seria o fazer teatral e pode repercutir, tanto na modulação de projetos de teatro
as práticas teatrais relacionadas com a educação. O aparen- em comunidade, como na própria preparação do ator no
te abismo entre esses dois campos se manifesta de forma grupo teatral.
aguda nas nossas formulações acadêmicas como a existên- Este artigo estabelece, de forma breve, os elementos
cia de cursos de licenciatura e bacharelado, de tal maneira que funcionaram como base para a articulação de um pro-
que muitas vezes os processos de formação do artista e do jeto de teatro de grupo com uma intervenção de caráter co-
professor de arte são considerados irreconciliáveis. munitário no sul de Florianópolis.
A questão que nos interessa neste texto é justamen- A carência de registros e reflexões teóricas sobre ex-
19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau | Nº 14 | 2005

te discutir este quadro de situação partindo da premissa de periências de fusão entre os fazeres teatrais, em nível pro-
que não há nada na tradição do teatro que indique que os fissional, e o pedagógico, justifica plenamente o esforço de
processos de formação do ator, do diretor, e do professor de documentação e experimentação que se apóia na busca do
teatro, pertençam a campos diferentes. Nos três casos o fa- contato de atores, e grupos e com a comunidade através de
zer e o apreciar se constituem como ponto de partida para a projetos espetaculares.
aquisição de conhecimentos. Da mesma forma, as vinculações das experiências
Não há nada na tradição teatral que indique que fazer práticas que fazem parte dos projetos de um grupo teatral,
e ensinar pertençam a campos antagônicos. Na tradição do isto é, a conformação de uma técnica expressiva, e o de-
teatro o aprendiz realiza seu processo de aprendizagem téc- senvolvimento de um marco referencial para o trabalho do
nica ao mesmo tempo que se desempenha em cena. Não ator, permite supor que esses elementos repercutem junto
há, portanto, um processo de aprendizagem separado da ao universo do ensino do teatro, tanto no que diz respeito à
atividade espetaculares. De fato, se ensina e se aprende, na formação de atores, com de professores de teatro.
companhia, exercendo uma função dentro das encenações. O projeto experimental que provocou estas idéias, que
A idéia de que quem ensina é o quem “não sabe hora apresentamos, buscou abordar a prática dos atores do
fazer” ou não alcançou os níveis mais altos da produção teatro de grupo como elemento de construção de identida-
artística, parece absolutamente falsa, e até mesmo precon- de. A reflexão realizada, a partir de uma intervenção de ca-
ceituosa. Por isso, nos parece interessante associar uma pes- ráter comunitário, sob a forma da criação de um espetáculo
quisa experimental1, com atores vinculados à uma atividade de Teatro em Trânsito, ainda que de forma parcial, permitiu
grupal, com uma pesquisa relacionada com uma prática de averiguar articulações com os procedimentos de instrução
teatro educacional em uma comunidade. Este é um ponto do ator que representam aproximações entre o campo da
de partida que tomamos como base para elaborar hipóteses criação e da pedagogia do teatro.
30

de trabalho que orientarão uma intervenção junto a uma O trabalho com a noção de cerimônia teatral, e a re-
comunidade específica. Nosso objetivo é averiguar as proxi- lação com ambientes comunitários, representa a possibilida-
de de aprofundar a experiência, e reflexão sobre o impacto
do risco no trabalho do ator, bem como na estruturação de
eventos teatrais que cruzam a fronteira do evento de entre-
tenimento.
Explorar zonas que possibilitem ao ator descobrir como
sua intervenção constitui peça chave na organização de no-
vos modos de percepção, pode significar a redefinição do
lugar social do teatro. Neste sentido, estreitar vínculos en-
tre a pesquisa do ator de grupo e a experimentação com o
Teatro em comunidade representou uma via de abertura de
um amplo leque de reflexões sobre os modelos de formação
do ator.
O trabalho com a noção de cerimônia teatral, e a rela-
ção com ambientes comunitários, representa a possibilidade
de aprofundar a experiência, e a reflexão sobre o impacto
do risco no trabalho do ator, bem como na estruturação de
eventos teatrais que cruzam a fronteira do evento de entre-
tenimento.
Conseqüentemente, nosso projeto significou um passo
no sentido da realização dessa discussão desde o âmbito da
universidade. No entanto, consideramos que é fundamental
que esta abordagem busque repercutir no contexto social,
rompendo assim com isolamento tão próprio dos campi.
É necessário, desde o ambiente teatral, averiguar as
possibilidades de estreitamento de vínculos entre os que fa-
zem e os que ensinam, atuando de forma a refazer cami-
nhos já trilhados na história do teatro. Os rastros do teatro
mostram como o ensinar sempre fez parte do próprio pro-
cesso do fazer. Isso implica dizer que, a idéia do ensinar não
estava marcada pelo paternalismo que protege o aprendiz
do lugar de risco que é a cena, uma vez que aprender impli-
cava necessariamente no fazer. Como foi dito anteriormente,
na tradição teatral não se identificam discursos que separam
de forma absoluta processo e produto, de tal forma que o

19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau | Nº 14 | 2005


ato de aprender sempre implicava em assumir um processo
que se materializa como produto.
Experimentar procedimentos técnicos de formação do
ator, no contexto grupal, e buscar relações com formas inte-
rativas do espetáculo, foi uma forma de ampliar o campo de
reflexão sobre o teatro no contexto da cultura regional, seus
aspectos estéticos, técnicos e sociais. O isolamento da sala
de ensaios, a que se acostuma quando se pensa na prepara-
ção de atores, pode ser questionado se deixarmos de lado a
dicotomia processo/produto.
As formas interativas do espetáculo oferecem a possi-
bilidade de se analisar procedimentos de intervenção teatral
junto à comunidade mediante exploração dos “Lugares” da
coletividade. No contexto de práticas culturais, que cada vez
mais intensificam a conformação de “Não Lugares”, isto é
de lugares não históricos e não antropológicos que esvaziam
os sentidos identitários da própria cidade (Augé), é oportuno
13ª Mostra Paschoal Carlos Magno tomar o teatro como prática que se enfrenta com esses pro-
_____________________________ cessos muito relacionados pela lógica cultural contemporâ-
nea do hiperconsumismo.
O Cabra Que Matou As Cabras Considerando o espaço cênico como sistema signi-
31

Grupo: Cia de Teatro Nu Escuro ficante, podemos dizer que o âmbito comunitário – sítios
Goiânia - GO sociais com clara identidade dentro da esfera comunitária
– representam, para o trabalho do ator, espaços portadores __________________________________________________________________
de sentidos que implicam na modulação do próprio trabalho 1 – Esta pesquisa é produto de atividades conjuntas entre o Núcleo de
criativo e técnico do ator. Pesquisas Teatrais (NPTAL) e o Grupo de Pesquisa Teatro em Trânsito em
associação com o grupo experimental (E)xperiência Subterrânea. Este Projeto
Quando o ator “invade” estes espaços o faz mediado Integrado estará conformado por duas vertentes: a) a pesquisa sobre os pro-
pela intervenção dos próprios agentes da comunidade que cessos de formação do ator no contexto grupal e b) a exploração do projeto
de Teatro em Trânsito – formas interativas de teatro na comunidade. Na pri-
tomam parte no processo de construção da organização meira vertente funcionará a articulação direta entra a pesquisa do Núcleo de
dramática do Teatro em Trânsito. No entanto, a condição di- Pesquisas Teatrais (NPTAL) e o Grupo Teatral (E)xperiência Subterrânea que
a partir do contato com especialistas da área experimentará procedimentos
ferenciada do ator, ou do diretor, que toma parte no processo de formação, e buscará constituir uma base de reflexão sobre o processo de
criativo, não se dissolve em uma identidade pretensamente formação do ator no contexto grupal. A partir da realização dos laboratórios
experimentais com os especialistas participantes serão desenvolvidos tópicos
comunitária. Pelo contrário, ela se reafirma como ponto que referentes à formação do ator. Paralelamente, será realizado um trabalho de
sustenta a relação como os membros da comunidade. É pre- registro dos procedimentos de trabalhos de formação de ator no contexto
grupal.
ciso pensar que é exatamente isso que atrai o olhar da co-
munidade, a oferta do saber fazer artístico. Se o espaço a ser Sobre a base deste material será desenvolvido o projeto de performance
cênica Notas de Cozinha para posterior apresentação. Na segunda vertente
utilizado como âmbito cênico está preenchido pelo repertório o Grupo de Pesquisa Teatro em Trânsito trabalhará em associação como o
de usos que a comunidade estabeleceu no seu cotidiano, Grupo Teatral (E)xperiência Subterrânea na experimentação e reflexão sobre
a noção de cerimônias teatrais a partir da
este será resignificado pela inter- construção de uma experiência de teatro

“o espaço
Considerando
venção da linguagem teatral. em trânsito. A experiência do teatro em
trânsito articulará a participação tanto
Essa intervenção implica
cênico
de membros de uma comunidade como
em assumir riscos que dizem professores da rede estadual de ensino e
terá como elementos de apoio principal
respeito tanto às expectativas do
conjunto da comunidade como
como sistema os atores do Grupo (E)xperiência Subter-
rânea e os pesquisadores do Grupo de
os riscos inerentes ao próprio significante, podemos Pesquisa Teatro em Trânsito.
Teatro em Trânsito, forma teatral que
fazer teatral. Será neste terreno
que o processo de elaboração
dizer que o âmbito convoca a audiência seguir a diferentes
fragmentos do espetáculos situados em

comunitário – sítios
diversos lugares de um bairro.
das relações atores/comunidade
AUGÉ, Marc. De los Lugares y No-lugares.
se construirá.
Assim, é interessante pro-
sociais com clara Madrid. Gedisa. 2000.
BACZKO, Bronislaw. Los Imaginarios Socia-
por isso como um campo de tra- identidade dentro da les. Buenos Aires. Nueva Visión. 1991.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico.
balho que se edifica ao redor da
noção de cerimônia teatral, em
esfera comunitária (4ª Edição). Rio de Janeiro, Bertrand Brasil.
2001a

– representam, para
Meditações Pascalianas. Rio de Janeiro,
sua dimensão espetacular e so- Bertrand Brasil. 2001b
BOURDIEU, P. e PASSERON, J.C. A Repro-
cial, a partir da experimentação
com formas interativas do espe-
o trabalho do ator, dução. Elementos Para Uma
Teoria Do Sistema De Ensino. Rio de Janei-
táculo. O resultante desta arti- espaços portadores ro, Francisco Alves. 1982.
BROOK, Peter. “The Culture of Links”, in
19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau | Nº 14 | 2005

culação seria a constituição do


eixo artista – comunidade – edu-
de sentidos que Pavis (1996:63-67).
BROOK, Peter. La Puerta Abierta. Barcelo-

implicam na
na. Alba Editorial. 1994.
cador, sem que seja fundamen- CARREIRA, André. Sobrevivendo E Cons-
truindo Identidade. Florianópolis: UDESC.
tal distinguir o processo artístico
do processo educacional.
modulação do próprio 2003.
COHEN, Renato. Work In Progress Na
Consideramos que articu- trabalho criativo e Cena Contemporânea. São Paulo, Perspec-
tiva . 1997

técnico do ator.

lar o fazer e o ensinar, implica EPSKAMP, Kees P. Theatre In Search Of So-
cial Change – The Relative Significance Of
discutir nossa própria noção de Different Theatrical Approaches. Holanda,
ensino. Isso também nos conduz CESO. .1989.
DE MARINIS. Teoría/Práctica en el marco de la nueva teatrología. In La Puesta
a discutir os planos de ensino de formação do ator que não en escena en Latinoamérica: teoría y práctica teatral. Pellettieri, O. e Rovner, E.
incorporam, ainda que marginalmente, a idéia de uma prá- (comp). Buenos Aires. Galerna/GETEA. 1995
ERVEN, Eugene van. Community Theatre – Global Perspectives. Londres, Routled-
tica pedagógica. A experiência do movimento de teatro de ge. . . 2001
grupos demonstra, de forma ampla, que a insistência em FISCHER-LICHTE, Erika. “El cambio en los códigos teatrales: Hacia una semiótica
de la puesta en escena intercultural”. In Gestos, año, nº 8. 1989
práticas de ensino é uma característica marcante do grupo “Las tendencias interculturales en el teatro contemporáneo”. In Tendencias
teatral contemporâneo. Ainda que mais não seja por razões Interculturales Y Practica Escenica. México. Ed. Gaceta. 1994.
GIROUX, Henri. Teoria Crítica e Resistência em Educação Petrópolis, Vozes. . 1986
de sobrevivência, atores e diretores estão propelidos a reali- Os Professores como Intelectuais – rumo a uma pedagogia crítica da aprendiza-
zar exercícios de ensino. gem. Porto Alegre, Artes Médicas. 1997.
“Border Pedagogy and the Politics of Postmodernism”, in Education and Society
Finalmente, é interessante dizer que diminuir as dis- (James Nicholas Publishers), Vol. 9, No 1, pp 23-37. 1991.
tâncias interpostas entre o fazer e o ensinar, é também uma JAMENSON, Fedric. Ensayos sobre el Posmodernismo. Ediciones Imago Mundi.
Buenos Aires. 1991.
forma de romper com preconceitos do meio artístico, que KERSHAW, Baz. The Politics of Performance: Radical Theatre as Cultural Interven-
insistem em situar as práticas pedagógicas em um lugar se- tion. Londres, Routledge. 1992.
32

PAVIS, Patrice. Diccionario de Teatro. Buenos Aires. Ed. Paidós. 1987.


cundário frente ao mais valorizado sítio do artista. SCHECHNER, Richard. The Future of Ritual. New York, Routledge, 1993.
TURNER, Victor. From Ritual to Theatre. The Human Seriousness of play. New
Projeto Dramaturgia

Inóspito
Christiane Martins

Personagens: Dora: (servindo um dos copos) O bom de estar com você, é


Dora: dezesseis anos, manipuladora e insensível, aparente- que o café não precisa ser servido em xícaras, além do que,
mente imaculada. eu também não preciso lavar os copos.
Igor: trinta e cinco anos, indeciso e egoísta. Igor: (levanta-se pegando a coberta) Como uma garota
como você pode estar aqui?

19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau | Nº 14 | 2005


Pré-Ato: Dora: Não gosto de lavar louça.
Um apartamento desocupado. Blecaute. Ouve-se o Igor: Você ainda não confia em mim.
som de uma campainha, seguindo do som de uma porta Dora: Por que deveria?
abrindo, passos, som da porta batendo. Igor: Talvez por eu ser o único com quem você pode conver-
Uma luz baixa, âmbar, mostra Dora, olhando para bai- sar agora. E não tem porque escondermos algo um do outro.
xo, sentada numa cadeira posicionada numa extremidade Estamos encurralados, ou você confia em mim, ou não terá
da cena. Na outra extremidade está Igor, sentado de cócoras em quem confiar.
em cima de uma coberta. No centro da cena há uma garra- Dora: É muito fácil viver sem ter em quem confiar.
fa de café pela metade, com dois copos próximos a ela. Igor: Se assim pensas. O que posso fazer? Basta esperar até
Um foco de luz branca ilumina Dora, ela olha para os o momento que você não agüentará mais e começará a re-
dois lados, levanta-se, faz menção de olhar para o público, vol- velar seus piores segredos sem eu nem questioná-los.
ta para a posição inicial. O foco se apaga. Acende-se agora Dora: Se assim pensas. O que posso fazer?
um foco da mesma luz sobre Igor que se mantém paralisado. Igor: O que a faz pensar isso?
Dora: Nada.
Dora: Faz quanto tempo que você mora aqui? Igor: Como assim?
Igor: Não lembro direito. Talvez dezesseis anos. Dora: Simplesmente não penso em nada demais, penso mui-
to pouco por sinal.
Blecaute Igor: Mentirosa.
Dora: (indiferente) Sinto a sua falta!
Primeiro Ato:
A cena inteira passa a ser iluminada pela mesma luz. Igor pega o copo da mão de Dora, toma o café que
33

Dora aproxima a cadeira da garrafa de café. Igor acompa- restava e devolve o copo vazio. Ela larga o copo, deixando-o
nha Dora com o olhar. cair perto dos pés de Igor.
Dora: Sinto frio! Dora: (amável) Eu vim de tão longe atrás de você.
Igor: Problema seu. Igor: Eu não pedi nada para você.
Dora: Como você pode ter se tornado tão rude? Pensava que Dora: Eu sabia que não seria fácil.
você me amava. Igor: O que você quer?
Igor: Você mal me conhece, não deveria ter esses tipos de Dora: Que você responda!
pensamentos. Coloque-se em seu lugar e me deixe em paz... Igor: Não há respostas.
esse papo de amor me satura. Dora: O que você fez?
Dora: Mas nunca conversamos sobre o amor. Para ser sincera Igor: O que eu poderia ter feito.
essa foi a segunda vez que mencionei essa palavra na sua frente. Dora: É tão mais simples ser uma romântica. Por que você
Igor: É bom então que nem haja uma terceira vez. não me permite isso? Por que não posso falar de amor?
Dora: (sorrindo) Para mim você tem medo desse assunto.
Igor: Para mim você não passa de uma criança mimada. Igor joga seu copo em direção à Dora, ela se abaixa.
Dora: (debochada) É! Posso ser uma criança, mas já tenho
belos seios. Ou vai dizer que você nunca os reparou? Dora: (assustada) Que foi? Por que isso agora?
Igor: (desequilibrado) Eu disse para você não mencionar mais
Igor olha para os seios de Dora, essa cruza os braços essa palavra. Eu já disse que esse assunto me satura. Se for
de forma que esconda seus seios. para você ter esses devaneios românticos, é melhor que você
fique quieta ou que vá embora.
Dora: (rindo) Quer tocá-los, ou prefere apenas ficar observando? Dora: Como assim? Ir embora para onde? Não sei nem
Igor: (desconcertado) Deixe de besteira! Seu corpo está dei- como eu vim para cá!
xando de ser um corpo infantil, mas isso não quer dizer que Igor: Você não disse que veio atrás de mim?
você tenha deixado de agir como uma criança. Dora: Eu menti. Até parece que eu viria atrás de você. Eu só
Dora: Mentira sua! queria romantizar um pouco a situação.
Igor: Como? Igor: (rude) Que situação, sua idiota! Você é mesmo muito
Dora: Isso é uma desculpa que você dá para sua própria infantil!
consciência, para não se sentir culpado por me desejar como Dora: Por que você me xinga?
mulher. Igor: Parece que só assim você enxerga a realidade.
Igor: (grosseiramente) Nunca tive, nem terei nenhum tipo de Dora: Qual realidade? O que você pensa que sabe de mim?
desejo por você. Nunca pedi nada a você, nunca precisei de nada seu. Tudo
Dora: Mentiroso! vai bem comigo, como sempre foi. Eu só queria começar algo
novo, que ainda não sei o que é. Tudo às vezes parece ser tão
Igor serve um copo de café para Dora e outro para ele. confuso, não sei o que passa em minha mente, é um emara-
Os dois bebem. Dora pega a coberta de Igor. Ele se afasta nhado de palavras, imagens, lembranças, nomes, sons...
da garota. Igor: Tá bom! Já entendi. Quer mais café?
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Dora: (sussurrando) Você acertou!


Dora: O que aconteceu com esse lugar? Igor: (indiferente) O quê?
Igor: O que você acha que poderia ter acontecido? Na ver- Dora: Quando disse que eu iria começar a revelar meus pio-
dade ele sempre foi assim, tenho apenas o necessário para res segredos sem você nem mesmo questioná-los.
suprir meus vícios, cada um cria aquilo que lhe é básico. Pelo Igor: (servindo café no único copo que resta) Ah, sim! E você
visto minha criação foi um tanto quanto limitada e isso que ficou deslumbrada com essa sua constatação? Nada mais
você vê é o que me basta... lógico. Você é a típica garota previsível querendo se passar
Dora: Eu queria sentir o seu medo. por uma...sei lá por quem.
Igor: Eu não tenho medo. Dora: E você quem pensa que é para falar assim de mim, seu
Dora: Então por que você crê que isso seja o suficiente? tarado frustrado, ou pensa que eu nunca havia reparado que
Igor: Talvez por eu não sentir falta de nada, não são as coisas você fica sempre me observando, e você nem sequer disfarça
materiais que vão fazer eu me sentir melhor. quando olha para meus seios. Por que você não admite que
Dora: Então é o vazio que você sente que permite que as é louco para poder tocá-los?
coisas fiquem assim como estão!
Igor: (brusco) Eu tenho medo sim. Igor faz menção de tocar nos seios de Dora, mas acaba
Dora: Eu sei. por tocar o rosto da garota. Ela o empurra com violência.
Igor: Tenho medo de saber por que você ainda está aqui.
Dora: Você sabe porque. Quem lhe dá medo é você mesmo! Dora: Covarde!
Você tem medo de reconhecer quem é, ou quem foi.
Igor: Besteira! Eu reconheço quem sou. Descontrolado ele hesita em revidar com a mesma
Dora: Um homem que tem medo de tocar meu corpo. violência.
34

Igor: Um homem que tem bom senso e sabe diferenciar uma


mulher de uma criança. Igor: (ainda descontrolado) O que você queria que eu fizesse?
Dora: Que me fizesse sentir. engordasse uns quilinhos, quem sabe?
Igor: Sentir o quê? Dora: (irritada) Quem sabe para mim você não passe de um
Dora: Como a mulher que fez você vir para cá. velho asqueroso e nojento!
Igor: Do que você está falando? Igor: Velho eu? Estou na melhor das idades, você que é muito
Dora: Oras! Sempre há uma mulher por trás das coisas que nova. O que a fez vir parar aqui?
acontecem com os homens Sempre há uma outra pessoa, Dora: Eu não agüentava mais. Eu sou muito bonita, você não acha?
principalmente na vida de homens como você. (dócil) Quem Igor: Daqui uns quatro anos talvez você seja uma mulher
é que lhe deixou assim? Conte-me o que houve, como as bem apresentável.
coisas chegaram a esse ponto... Dora: Eu não poderia desperdiçar o que tenho de melhor.
Igor: (rude) Não há ninguém. Não houve ninguém. Eu sou o Igor: Algumas pessoas sabem mesmo o que têm, e o que
único responsável pelo que acontece comigo. lhes falta. A sua beleza lhe fez ir embora?
Dora: (rindo) Não foi isso que pareceu há pouco. Só se você Dora: Não exatamente. Mas colaborou muito. Eu apenas
disser que a sua mão estava mesmo indo em direção do meu queria sentir, eu queria ser, eu queria poder...
rosto, que em momento algum você pensou em encostá-la Igor: Você queria ser mulher! Você continua querendo ser
em outro lugar do meu corpo. uma mulher, mas você não passa de uma criança maquiada.
Igor: Como são absurdas suas palavras... Dora: (pegando a garrafa de café) Era o que todos falavam. (sus-
Dora: (debochada) Oh! Desculpe-me, senhor! surrando). Você é igual a qualquer um, e era exatamente isso que
eu não queria, era isso que me deixava irritada (Igor levemente
(Música) Igor vai servir-se de novo de café enquanto vai abraçando Dora por trás), eu sou muito melhor do que você
Dora deita no chão enrolando-se na coberta. Igor joga o café pode imaginar. Todos sempre se apaixonavam por mim...
de seu copo sobre o corpo de Dora. Igor: (sussurrando no ouvido de Dora) Você é realmente ado-
rável quando não tenta ser.
Dora: (grita assustada) Você é louco? Dora: Eu sou uma ladra que gosta de pensar no amor.
Igor: (frio) Não gosto de ser chamado de senhor. (em deva- Igor: (acariciando o corpo de Dora) O amor não existe, o que
neio) Não foi uma mulher, talvez tenham sido palavras, mui- importa é o corpo, os seios...(Dora joga o que restava do café
tas vezes elas são piores do que as pessoas que as dizem... na garrafa em Igor. Ele se afasta empurrando Dora).
Dora: (incrédula) O que trouxe você para cá foi uma palavra?! Igor: Porra, guria!
Igor: O que trouxe você para cá foi algo muito diferente disso? Dora: (descontrolada) Foram coisas assim que fizeram eu vir
Dora: Não estamos falando de mim. Agora que você come- para cá! Pensava que você era diferente. Essa hipocrisia me
çou, continua, que palavra trouxe você para cá afinal? irrita, não era você que hà pouco se recusou em me tocar por
Igor: Há palavras que me irritam. eu ainda ser uma criança?
Dora: Duas delas eu já posso dizer quais são. Igor: Mas você insistiu.
Igor: Você não se atreveria. Dora: E continuaria insistindo se você não me tocasse.
Dora: (gargalhando) Amor, amor, amor, meu senhor, sim se- Igor: (rindo) Então?

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nhor, meu amor, que amor de senhor, amor sim senhor, amor, Dora: Vai embora!
sempre amor senhor... Igor: Eu vivo aqui, se alguém tem que ir é você.
Igor: (empurrando Dora no chão com força) Pára! Dora: Então vá para o outro lado, o suficiente para que eu
Dora: Por que você faz isso? não possa ver sua cara imunda!
Igor: Você gosta que eu faça isso.
Dora: (arrumando-se) E qual a mulher que não gosta? Isso está Igor leva a cadeira para o outro lado da cena e senta
intrínseco em todos os seres humanos: ame aquele que o despre- de costas para Dora. Ela procura pela coberta e se enrola
za, despreze aquele que lhe ama. Você não concorda comigo? nela cantarolando uma música de ninar. Meia luz.
Igor: Eu não acredito no amor, no desprezo talvez, mas não
no amor. Acho que o homem só faz e sente aquilo que quer. Segundo Ato:
Eu nunca quis amar. Dora dorme. Igor se masturba, goza berrando o nome
Dora: Tolice sua. Ninguém manda nos sentimentos, não há um de Dora. A garota desperta.
controle para isso. Não podemos racionalizar o que sentimos.
Igor: Você é mesmo muito inocente para acreditar nisso. Os Dora: (sonolenta) O que houve?
sentimentos que você fala são apenas formalismos que o ho- Igor: (arrumando-se) Você não é mais tão menina.
mem inventou para passar o tempo. Os únicos sentimentos Dora: Eu não quero mais o que eu queria. Mudei de idéia.
que estão intrínsecos no homem são os físicos: sentimos fome, Igor: Talvez um dia você ache graça disso tudo. Como você
sede, frio, calor, nada mais além de sentimentos físicos. me achou aqui?
Dora: E o desejo, o que seria? Dora: Eu simplesmente comecei a procurar, então quando eu
Igor: Mais uma besteira. Por que você não engorda um pouco? resolvi parar e percebi que estava tão próxima, fiquei curiosa,
Está muito magra assim. procurei o prédio, toquei a campainha, você atendeu e eu
35

Dora: Não agüentou o assunto para desviá-lo dessa maneira? não sabia como voltar atrás...
Igor: (sarcástico) É que você falou em desejo. Talvez se você Igor: Então você começou a chorar.
Dora: Você apareceu na minha frente e eu me senti feliz por Igor: Como você é tola! Você não tem idéia do que pode
uns instantes. Como você veio parar aqui? acontecer não?! Eu posso fazer o que eu bem entender com
Igor: Eu queria fugir. você aqui. Quem virá lhe socorrer? Olhe ao seu redor. Quem
Dora: Do quê? está do seu lado? Quem vai lhe proteger? (acariciando as
Igor: De garotas como você. Vocês acabam sempre me tra- pernas de Dora) E se eu colocasse minhas mãos por baixo de
zendo problemas. Parecem ser sempre inocentes, mas sem- sua saia? O que você faria, hein?
pre me engano.
Dora:(zombando) Ai, tadinho dele! Tão inocente! (mudando Dora começa a chorar alto. Igor gradualmente garga-
de atitude) O que você fez? Quem você machucou? Você vai lha. Luz baixa.
fazer comigo o mesmo que fez com ela?
Igor: Do que você está falando? Eu nunca fiz nada para nin- Igor: (baixinho) E agora? Quem é você? O amor ainda lhe satura?
guém, sempre tive o bom senso de saber o que posso e o que
não posso fazer. Você é louca como todas as outras, nunca Blecaute
nem pensei em fazer nada com você.
Dora: Sei! E por que você berrou o meu nome ? Terceiro Ato:
Igor: Quando? Luz vai aumentando gradativamente. Igor arruma o cinto
Dora: (rindo) Você acha mesmo que eu não sei o que você da calça. Dora permanece deitada no chão, chorando baixinho.
estava fazendo? Igor senta na cadeira e acende um cigarro. Dora se enco-
Igor: Eu estava sonhando, só isso. Um sonho prazeroso, qual o mal nisso? lhe em posição fetal e começa a cantarola uma canção de ninar.
Dora: Eu também já tive diversos sonhos prazerosos. (insinu-
ando-se) Mas tem algo muito melhor do que apenas sonhar Igor: Cala essa boca! Isso me irrita!
que eu sei fazer muito bem. Aposto que você iria berrar muito Dora: Você ainda quer saber quem eu sou?
mais do que berrou em seu sonho. Igor: Não me importa mais quem seja você. Agora você se
Igor: (fugindo do olhar de Dora) Não sei onde você quer chegar. tornou só mais uma.
Dora: Não quero chegar. Por que o medo? Dora: Eu não sou mais uma! Você devia saber que fazer o
Igor: Você não queria saber por que eu vim para cá? que você fez com uma garota da minha idade pode trazer
Dora: Você já contou que foi por causa de uma garota como várias conseqüências...
eu. Talvez essa garota tenha sido bem parecida comigo! Igor: Onde você quer chegar? Eu sei há muito tempo o que
Igor: Não diga besteira! pode acontecer. Ou você acha que é a primeira?
Dora: E por que não teria sido? Como você pode não lembrar de Dora: Eu sei qual a palavra que tornou você no lixo que você é hoje.
mim? Ah, (abrindo a blusa) talvez assim você lembre melhor... Igor: O que você está dizendo?
Igor: (fechando a blusa de Dora) Pára com isso! Deixa de ser tola. Dora: Que eu sei qual é a palavra, é a mesma que me torna
Dora: Ficou confuso, não? especial. Eu não sou qualquer uma.
Igor: Fale do amor! Igor: Vai embora! Levanta logo e sai daqui!
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Dora: Não posso! Cansei de brincar de amar. O amor me


deixa saturada! Dora levanta, ajeita sua roupa, olha para Igor. Ele des-
Igor: Quem é você? via o olhar da garota.
Dora: (rápida) Quem você quer que eu seja?
Igor: Quem você poderia ser? Dora: Agora você sabe quem sou! Eu estava apenas curiosa em
Dora: Pergunta errada. Eu não poderia ser, eu fui, não sou saber como você é. Acho que eu não devia ter lhe procurado.
mais. Não há mais nada para querer ser. E se eu fosse uma Igor: Enfim algo que concordo com você. Agora vá logo embora!
princesa? (mudando o tom) Ou melhor, eu se eu fosse uma Dora: (olhando a seu redor) Você podia ao menos me levar até a porta?
vadia? Uma dessas ninfeta capazes de (debruçando-se sobre
Igor) encantar homens inescrupulosos como você, homens Igor se mostra indiferente.
enlouquecidos somente com a idéia de ter uma noite de
prazer, homens que gozam vendo garotas que poderiam ser Dora: Agora entendo porque você vive nesse lixo.
suas filhas trocando de roupa no vestiário do colégio...
Igor: (Brusco, segurando Dora por trás) Onde você quer chegar Igor continua na mesma posição. Acende outro cigarro.
com isso? O que você quer que eu faça com você? (apertando
o braço da garota que começa a choramingar). É melhor você Dora: Direi para minha mãe que você está bem e que manda
ficar quietinha, antes que eu aja de forma muito mais inescru- lembranças. (hesita um pouco e diz lentamente) Adeus.
pulosa do que esses homens que você citou são capazes de
agir! Dora sai de cena. Ouve-se um som de porta batendo. Igor tra-
ga fortemente seu cigarro, joga-o no chão e o apaga com o pé.
Igor solta Dora que cai de joelhos em sua frente. A Senta-se confortavelmente na cadeira, abre a braguilha como
36

garota chora. Igor permanece frio. se fosse se masturbar. Apagam-se as luzes. (música) Igor goza.
Projeto Dramaturgia

Legítima Defesa Afonso Nilson

Personagens da lei e da ordem neste país? (Longuíssima pausa, oferece


Interrogadora: Funcionária de carreira do presídio. um cigarro) Tá certo, como poderia aceitar algo de mim?
Criminosa: Parece agir de modo a evitar qualquer conflito (acende para si um cigarro) Afinal, sou eu que te prendo aqui,
que a coloque em situação pior do que a que está. não é? Que te isolo e silencio nesse buraco, que exijo que
você pague a tua dívida com a sociedade, não é? (Constran-

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Ambientação gimento. A criminosa concorda levemente com a cabeça e
Cela de solitária, subsolo do complexo carcerário. A recebe um tapa) Resposta errada, querida! Você é a única
criminosa está com as mãos algemadas nas costas. culpada aqui. Como ousa me culpar pelas conseqüências de
seus atos? Agindo assim eu terei a impressão de que não me
Interrogadora: Então aqui estamos. Quanto tempo desta respeita mais. Mas agora me responda, diga-me, você se jul-
vez? Três semanas? Quatro? Se perde a noção do tempo por ga inocente? Não, não se apresse! Temos tempo. Sabe,
aqui, não é? (pausa) Dois meses, querida. Dois longos meses minha amiga, eu acho verdadeiramente que você deveria
de escuridão e umidade na solitária. Não é muito, não é? A morrer. Não, nada pessoal, eu nem mesmo te conheço direi-
gente acaba se acostumando com tudo. Eu, por exemplo, me to e pra mim você é só mais uma entre tantas. Mas que seria
acostumei com a tua ausência. Até esqueci que você estava uma enorme economia de tempo, seria. O que te resta lá
aqui. Todos já te esqueceram. As outras acham que você fora? Quando sair, se sair, o que eu duvido muito, vão te
morreu. E eu, te olhando agora, também acho. (pausa) Si- apontar e dizer “Olha, lá vai mais uma. Por que será que as
lencioso aqui, não é? Estamos no subsolo. É como se estivés- soltam?” Eu respondo: para sofrerem mais com o desprezo
semos enterradas vivas, isoladas, asfixiadas. O guarda mais que com as grades. Eu sei que parece que a liberdade com-
próximo está a uns cinqüenta metros, no fim do corredor. pensa a indiferença, mas e aqui, onde noite após noite você
Não pode ouvir nada, a não ser que gritemos. Mas nós não desfalece em pesadelo, temendo sempre acordar com uma
vamos gritar, não é, meu bem? (pausa) Estamos sós aqui e faca na garganta, o que te resta? Por que você não se mata
mesmo assim há gente em excesso. Você sabe, esse é o gran- como os corajosos que não se permitem este inferno? (o ci-
de problema, muitas pessoas para pouco espaço, superlota- garro está pela metade ou inutilizado) É triste como as boas
ção. Mas veja por este lado, o que for dito aqui fica conosco coisas da vida duram pouco. (Faz menção de queimar com a
apenas, e isso é quase um silêncio. (pausa) Não entendo sua brasa a Criminosa) Tua liberdade, por exemplo. Aqui você en-
37

revolta. É como se você achasse que não seria punida. Que contra abrigo contra esse cárcere que é o mundo. Aqui você
estupidez! Será que não confia nos profissionais que cuidam não é obrigada a nada, nem mesmo a se sustentar. Aqui
quem te sustenta sou eu. Você me deve e espero que saiba o olhos não existe nada além da falta de razão dos selvagens,
que é gratidão. (pausa) Mas você não sabe. Você é um des- dos débeis. É como se eu me justificasse com a tua desrazão.
perdício. (Tira um canivete do bolso, abre e encosta a lâmina Você me exercita. Posso melhorar a cada nova criminosa que
na garganta da criminosa) Bastaria cortar um pouquinho só. me caia nas mãos. Criminosa, lembra? É por isso que você
Eu diria que você tentou me agredir. Ah, é verdade, você está está aqui, querida, por teus crimes. (pausa) Mas você tem
algemada. Mas não é a revolta dos acorrentados a mais direitos, não é? E eu vou te dar mais um, o direito de escolha.
violenta? Você não reage, não é? Pode passar acorrentada a É uma grande chance que vou te dar. Divirto-me muito, muito
vida inteira que nunca vai dizer um ai. Vai sempre temer algo quando faço isso. Sei que você não vai conseguir e é por isso
pior que te possa acontecer, sempre temer, sempre temer. que faço. Olhe, minha arma. Eu vou deixá-la aqui, ao alcan-
(Guarda o canivete) Um pouco mais fundo e eu teria de argu- ce das tuas mãos. Mas você está algemada e não a alcança.
mentar legítima defesa. (Ri) Pra quê? Quem é você para valer Bem, eu te darei esta única chance, apenas para ver se você
explicações? Ninguém! E é também por isso que está aqui. aprendeu qual é o teu lugar, se sabe a quem deve obediência
Tua fome não é desculpa! Tua infância horrível também não! e que a rebelião é inútil. Eu ficarei aqui, do outro lado, exata-
Não existe perdão! (pausa) Isso tudo é um jogo. Eu mesma mente à mesma distância. Vou te soltar por um instante para
não queria ter começado a jogar, mas se você não joga, o ver se você é rápida o suficiente, o que sei que não é, ou se é
jogo que está aí te engole e você vira peça descartada. Posso sensata o suficiente para ficar sentada mesmo solta, o que
dizer que sou uma jogadora nata. Sempre ganho. Essa é a talvez seja, e se for, então ganhará minha piedade. (Golpeia-
regra principal, tá me entendo? Então quando eu digo que lhe violentamente repetidas vezes) Apenas para garantir mi-
você é nada, que não vale as tripas que te enchem, que pos- nha segurança. Afinal, minha amiga, você não quer que eu
so acabar com a tua vida a qualquer momento, não se assus- me machuque, não é? (Tira as algemas) Pronto. Agora você
te, é tudo parte do jogo, apesar de ser a mais pura verdade. está livre. Espero que se lembre sempre de meu gesto gene-
Vamos, me responda, você quer viver? Estou esperando? (a roso. (Pausa. As duas olham simultaneamente para a arma)
criminosa responde. Dá-lhe um tapa com as costas da mão) Aqui estamos. Exatamente à mesma distância da arma que
Futilidade, querida! Viver é inútil. Pelo menos no teu caso. pode acabar com uma de nós. É apenas uma questão de
Afinal de contas, o que é que você ganha vivendo? O que reflexo: quem se levantar primeiro sobrevive. (Silêncio, as
espera? Alegrias, realizações, amores? Vamos, me diga, o duas completamente estáticas esperando a reação mútua)
quê? Ainda mais aqui, onde o sol só é visto das sombras? Que Lembre-se que tua sensatez pode valer minha misericórdia.
fé é esta que você tem na vida que ainda deseja viver? Olhe Não precisa levantar. Basta ficar aí, quieta, eu pegarei nova-
ao redor, de que te adianta continuar aqui? Mas você ainda mente a arma e tudo estará bem. Mesmo que se levante e
acredita na vida, não é? Já sei, talvez quando sair daqui en- me mate não poderá sair. Apenas poderá se vingar. Mas eu
contre um homem, o ame, tenha filhos, viva em família e te- não fiz nada que você não merecesse. (Silêncio, as duas incli-
nha a sórdida face de uma vida regada com as mais indecen- nam-se em direção a arma) Sabe que não será mais rápida
tes frivolidades, repleta de rotinas intermináveis e uma alegria do que eu. (Aumentando progressivamente a voz até o grito)
tão boba quanto compensadora dos teus infortúnios de mãe Sabe que não te perdoarei se levantar. Sabe que você é nada,
19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau | Nº 14 | 2005

de família. E filhos, você deseja ter filhos? Já temos que nos que não vale nada e que não vai fazer nada. Não vai fazer
matar com guerras e pestes para aliviar o planeta e agora porque tem medo. É uma covarde, vadia que não vale nada...
você ainda quer ter filhos? Ainda mais um filho teu! Você não (a criminosa salta sobre a funcionária sem pegar a arma e
merece ter filhos. Iguais a você o mundo não precisa. Vocês dá-lhe uma surra, demorada e violenta. Cansada, pega a
deviam ser todas esterilizadas, como as cadelas. (pausa) Nem arma que ficara para trás, mira e aperta o gatilho. Está des-
sei porque não te mato agora e evito a catástrofe de tua pro- carregada. A funcionária, ferida, saca outra arma e derruba
criação. O amor é feito apenas para os bons, minha amiga. E a criminosa com um tiro). Eu avisei que você não seria rápida
você é má. Está aqui, não está? (pausa) Às vezes quase sinto o suficiente. Era pra pegar a arma e não meu pescoço. Olhe
pena de você. (Ameaça bater mas não bate) Te assustei não para você. Onde está sua violenta arrogância agora? Não era
foi? Eu posso te bater a qualquer momento e não sinto a você que pegaria a arma e acabaria comigo, que represento
menor culpa por isso. Digo mais, me é um prazer. Vamos, me a justiça? E então, minha amiga? O que fará além de san-
responda agora, você quer viver não quer? Responda! (Tira grar? Avisei, avisei e avisei novamente. Mas você, cabeça
do bolso um revólver e encosta na nuca da Criminosa) Seria dura, vingativa, violenta. Pra quê violência? Apenas acabou
tão simples. Um movimento de dedos e caput, uma crimino- de perder sua única chance. É uma pena, minha amiga, é
sa a menos no mundo. Tão rápido. Tão singelo. Caput. Nada mesmo uma pena para você. Pra mim será legítima defesa.
mais de crimes. Apenas esse fedor que suja teu uniforme. (Aponta arma para criminosa. Fica estática durante alguns
Porque até nisso você é um prejuízo. (Guarda a arma) Ainda segundos) Se eu te perdoasse agora você me perdoaria no
não posso, é contra a lei. Além do mais, seria excessivamen- juízo final? Eu não preciso ser perdoada porque faço justiça!
te fácil pra você. Qual dor? Nenhuma! Esse teu último segun- Os maus, como você, devem ser punidos. (aponta a arma)
do até o chão não salda a tua dívida. Você precisa sofrer para Nós, que somos bons, temos o dever de punir. (Dá um tiro
pagar. Sofrer como a condenada que é. Mas não me julgue silencioso no peito da criminosa).
38

assim tão insensível. Você até que me faz bem. Me agrada


de olhar pra essa sua cara retorcida e ver que nesses teus Fim.
Projeto Dramaturgia

O Morto com a
Flor na Boca
Silvana Mara Cristóvão da Silva

Ambientação MULHER:...
Um caixão sem flores, uma mulher. Tem nas mãos
uma flor que não deposita sobre o ataúde. (Comem)

OFF: Não deveríamos levar flores aos velórios, aos mortos MULHER: Se quiser depois eu toco pra você, sei uma nova

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dá-se a morte e não a vida. música...
MORTO: Por favor, eu não agüento mais, seu modo de con-
Uma cozinha. Sobre a geladeira muitos objetos e poei- quistar é sempre o mesmo.
ra. Sobre a mesa, um celular, pratos, facas de açougueiro. MULHER: Tenho certeza que você vai gostar, é aquela músi-
ca que dançamos em plena rua! Todos estavam olhando. Eu
MULHER: (dirige-se à geladeira, esta se encontra abarrotada me aconcheguei no teu peito e mostrei para os outros que eu
de bebidas. Abrir o vinho sozinha é uma vitória) estava tendo aquele momento romântico maravilhoso que
todos queriam ter, e procurei viver tudo que já vi outros vive-
Senta-se rem em momentos maravilhosos como este, eu quase, quase
te amei de novo...
MULHER: Fale alguma coisa, querido! Você está tão quieto. MORTO: Você é excessivamente romântica.
MULHER: Quando você me tocou foi como se fosse a pri-
(Aparece o “morto” ou homem) meira vez...(taxativa) não sou tão romântica. Outro dia tran-
sei com um rapaz que nem conhecia. Foi bom (me senti cul-
MORTO: (dirige-se ao público) Tudo isso é imaginação dela. pada), foi bom (me senti fria). Andava sempre molhada. Foi
Qualquer semelhança com a minha vida real, ou a sua, é ali mesmo na rua, num canto. Não dissemos uma palavra, foi
mera coincidência. só tesão. Se tivesse amor só iria atrapalhar.
MORTO: Ah! É assim? E você fazendo cara de pura quando
(Ele tem consigo uma flor que perde em algum momento) te levei pra cama.
MULHER: (analisa seu próprio rosto) A noite é cravejada de
MULHER: A pizza está pronta. dias (acaricia seu rosto com a faca). Eu não queria ficar conti-
39

MORTO: Essas pizzas prontas são uma merda, por que você go (fazendo caras infantis), você era muito jovem. Muito mais
mesma não faz uma? jovem do que eu. Depois iria olhar para outras mulheres.
(Toca o celular, ela “esconde” o morto) po. Sempre que ia te ligar, surgia alguma coisa.
MULHER: Mesmo? Você jura que ia ligar? Que tentou?
MULHER: (atendendo) Ah! Oi, mãe! Não, não. Vou ficar MORTO: Você não acredita mais em mim? Você quase me ofende!
em casa hoje. É... Tenho muito trabalho. Tá... Tá, mãe, tudo MULHER: Claro amor, claro, esses celulares são mesmo um
bem... Sim, um beijo, até amanhã. problema... Ontem mesmo uma amiga disse que me ligou...
Mas... Eu não vi o número nas chamadas não atendidas!
(A mulher tira os objetos da mesa)
(Senta-se e bebe) Pausa

MULHER: (Pega novamente o celular, disca) Mãe, liguei pra MORTO: Nunca senti com outra mulher o que senti contigo.
dizer que estou me sentindo tão sozinha.... Não sei mãe, MULHER: Nunca senti por outro homem o que sinto por ti.
é uma solidão tão grande... Sim...(infantil), eu também te
amo... Tchau...(desconforto). Praia – O sol se põe

Toca o celular MORTO : Quando estive fora convivi com muita gente. Muita
gente e muita solidão.
MULHER: Oi! Não. Não vou sair hoje. Tenho muito trabalho. MULHER:É isso que sinto! Principalmente quando estou no
Ah! É? Ele tava lá? Sozinho? Magra? Pois eu não a acho meio de outras pessoas.
bonita, ok? (pega a faca, pica a mesa lentamente) e nunca MORTO: Ah! Mas “você”! É natural. Depois de uma certa
vou achar, acho horrível e (sem convicção) a beleza não é fase é assim mesmo. Sabe, a velhice na praia me dá nojo.
o mais importante, existem muitas outras coisas...Será que Um amontoado de peles sem sexo e com varizes. Penso
ela trepa bem? Se soubesse quantas vezes me lambeu não que... Acabou a juventude, acabou tudo. Só não entendo
o beijaria na boca (furiosa, pica a mesa) Isso é uma coisa de porque muitas daquelas pessoas ainda parecem tão felizes!
química compreendeu? (estranhamente calma, cessa) Mas MULHER: Talvez tenham outros valores.
tudo bem, agora isso tudo nem me interessa mais. Vou. É. MORTO: Não sei porquê bronzeiam aquelas pelancas.
Talvez. Ainda te ligo amanhã... (desliga). MULHER: Não sei se é sorte ou castigo parecer bem mais
jovem do que sou...
MULHER: (para o morto escondido) Eu sabia que tu ias en- MORTO: (nem a ouve) Você já me imaginou daqui a dez anos?
velhecer ela. Outro dia vi vocês juntos no supermercado. Ela Tu sabes que um homem “aos quarenta” está na flor da idade.
estava velha e feia com aquela vassoura na mão. Parecia MULHER: Quando eu tiver setenta anos, e você passar dos
uma bruxa. Você envelhece todas as suas mulheres, só não sessenta, isso não vai ser uma grande diferença!
fez isso comigo porque eu não deixei, caí fora, me livrei de ti MORTO: O quê? Meu pai teve um filho com essa idade!
a tempo... E eu, que sou mais velha que tu... Imagina! Eu ia
envelhecer muito antes. Foi bom ter te deixado. Troca a cena
19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau | Nº 14 | 2005

(Noutro tom) VOZ DO MORTO EM OFF: Você acha que eu ia trocar


aquela menininha pra ficar contigo? Velha! Velha!
MULHER: Tive vontade de ligar para ela. Ia fazer voz de menini-
nha e dizer: - Fulano está? E ela ia dizer: - Não, ele não mora aqui. (Toca a campainha)
Ia falar isso grosseira é claro, teria ciúmes da minha voz. Eu ia ser
mais nova que ela. E eu responderia? – Eu sei, mas ele disse que MORTO: O que está esperando? Vá atender.
aparece aí de vez em quando...(ri) de vez em quando...(eufórica) MULHER: Não. É aquela vizinha idosa.
isso ia querer dizer que tu a comias de vez em quando. Sabe, ela MORTO: E então? Por quê não vais?
nunca vai acreditar na tua fidelidade como eu. Nunca. MULHER: Porque ela aparece sempre aqui e me perturba
muito...(segreda) Tem vezes que ela quase não sai aqui de casa.
(Traz o morto)
(Toca de novo)
MULHER: Onde você esteve todo este tempo?
MORTO: Trabalhando! MORTO: (irônico) Eu acho que ela não vai embora!
MULHER: E nem sequer teve um minuto para me ligar? Por VOZ DA MULHER EM OFF: Eu te odeio e odeio todas as
que não me escreveu? Não existe telefone, não? vezes que disse que te amava. Tu vais pagar e... Quando não
MORTO: Sim... Sim, eu pensei em te ligar todos os dias, até “puderes mais”, quanto mais trepaste, maior tua dor.
tentei, mas... Não sei. Acho que você não estava. No outro MULHER: (imitando a ironia) Eu acho que ela já foi embora!
dia mesmo o telefone estava ocupado, e depois, tentei de
novo, e não chamava. Tu sabes (persuasivo), estas antenas (Iluminação sobre o morto, que agora se encontra
40

de celular sempre têm problemas. Pensei em te escrever, mas quase de costas para o público, a mulher está na penumbra,
olha, foram seis meses difíceis pra mim. Não encontrava tem- como que num divã psicanalítico)
MULHER: Precisava tanto falar! No palco algumas silhuetas, ou somente as vozes. Os
MORTO: (Faz sinal com as mãos para que vá adiante) textos a seguir iniciam um em meio ao outro, e assim por
MULHER: Tem algo que me incomoda muito. Só vêem o lado diante, de maneira sobreposta, até que os primeiros estejam
ruim da velhice. É certo que a mulher não é mais desejada. Ob- cessados e se escutará somente o último.
servada na rua. Pra uns você é uma morta-viva. Mas muitas ainda
te analisam. Geralmente as mulheres mais jovens... Têm medo de (O morto não quer ouvir)
ficar assim. Pensam que nunca vão envelhecer! Hã! Elas vão ver!
MORTO: Cada idade tem sua beleza! Texto 1: Confesso que amei. Mais de uma vez. Com diversas in-
MULHER: (Sem convicção) Claro! tensidades, e, confesso que amei você. Mais do que a qualquer
MORTO: E filhos? Desistiu? Talvez ainda... um, é verdade. Porque é só da tua dor que me lembro...
MULHER: Odeio crianças. Texto 2: Minha tia havia sido internada e meu tio foi vê-la. Ao
MORTO: Como anda sua vida amorosa? Dr. Antônio a pro- se despedir no hospital suas mãos se tocaram como se fosse
curou novamente? pela última vez... Logo ali perto, um carro o matou...
MULHER: O quê? Você acha que eu ia querer aquele velho? Texto 3: Te esquecer? Como? É como esquecer de respirar,
de pensar, de sentir, te vejo em todo lugar...
(Troca a cena) Texto 4: Era un verdadero hombre aventurero, vividor. No perdió
tiempo. Era además una especie de padre santo. Él fue mi inicia-
MULHER: Certa noite eu tive um sonho. Sonhei com um moço dor en muchas cosas y me enseño a tener ganas de creer en vivir.
jovem, muito bonito. Ele havia encontrado um tesouro no fundo Texto 5: (Continuação do 2) Ela e as filhas sofreram muito
do mar. A namorada descobriu e o matou. Mas quando ela a perda desse homem. Minha tia teve outros relacionamen-
foi buscar o tesouro... O rosto dele foi aparecendo assim... Do tos, mas nada durou. Algum tempo depois ela se entregou
fundo do mar até a superfície, até que sobrassem somente os à morte... E tenho certeza de que fez isso para se encontrar
olhos, grandes, enormes, esbugalhados pra fora da água. com ele. Mais importante do que qualquer coisa, ainda era o
homem que ela amava.
(Desconforto) Texto 6: (continuação do 3) E ao final ávidas, nossas mãos se encon-
tram, sentem, se acariciam e falam por si só e dizem tudo e tanto!
(CONTINUA): E também sonhei que no chão do meu quarto Texto 7: (continuação do 4) Me siento protegida y siempre,
havia uma cruz. E nela estava o Cristo. O corpo já estava em hasta hoy, acompañada por él.
decomposição. No quarto também havia muitas velas... Eu não
queria que os outros vissem a podridão do corpo... E então... (Cessam)
Comecei a tapá-los com pedacinhos de panos brancos...
MULHER: (ao morto) Está na hora de você ir embora!
(CONTINUA): Mais tarde perguntei a uma amiga que entendia
do assunto, sobre o que significava aquele sonho. Ela disse que (Ele sai)

19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau | Nº 14 | 2005


era meu pai o Cristo. Meu ídolo. Entende? Na cruz. Que eu...
Na verdade não estava querendo ver quem ele era realmente. MULHER: (Observa uma flor no chão, apanha, quer chamá-
lo, desiste)
(Sussurros)
Poesia
MULHER: Fala se me ama. Depois pode ser tarde. (Negro Adeus, de Vitoriano Palhares)
MORTO: ...
MULHER: Você me escutou? Adeus! Já nada tenho a dizer-te.
MORTO: Sim. Minhas finais horas trêmulas correm.
Dá-me o último riso, para que eu possa
OUTRA CENA – (ela acompanha o ritmo da próxima Morrer cantando como as aves morrem.
frase com os pés) Ai daquele que fez do amor seu mundo!

MORTO: Antes morrer do que perder a própria vida... (repete Nem deuses nem demônios o socorrem.
baixo esta frase, em ritmo crescente, culminando com a frase Dá-me o último olhar, para que eu possa
sendo gritada). Morrer sorrindo, como os anjos morrem.
Foste a serpente e eu, vil, ainda te adoro!
Pausa
Que vertigens meu cérebro percorrem
MULHER: Meus amores sempre chegam tarde. Chegam Minta a última vez, para que eu possa
quando já morri. Morrer sonhando como os doidos morrem.
41

Um caixão sem flores, uma mulher. Tem nas


MULHER: (exaurida) Não consigo mais falar de amor. mãos uma flor que não deposita sobre o ataúde.
MOSTRA
UNIVERSITÁRIA

ou Regra
Exce:çEãxcoeção ou Regra
e Minas
Gerais
Grupo ade Fede
ral d
Universid
5PSA – O Filho
Grupo: Síncope Sociedade Anônima
Universidade de São Paulo
19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau | Nº 14 | 2005

– O Nosso Corte
A Mais ForteTea
Grupo: Grupo detro o Corte
a
Universidade de Brasíli

Grupo: Contr
Barre la
Universidade aria Tambor
42

Federal de Ube
rlândia
Timbre De Galo
Grupo: Viramun
Universidade de Passo dos
Fundo

Avessea s
cket t às
Be xperime
ntal D svio
Grupo: E ade de Brasília
Universid

ra de NossaPeHo ra
Agora e Na Ho
– Núcleo Matula de squisa
as
Grupo: Teatro de Tábu Universidade de Camp
inas
Hagënbeck Ltda.
Grupo: Cia. Experimen
tus Teatrais
Universidade do Estad
o de Santa Catarina

19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau | Nº 14 | 2005

MOSTRA
UNIVERSITÁRIA
43
PALCOSOBRERODAS

O Patinho Feio
Grupo: GATS – Grupo
Artístico
Teatral Scaravelho – FU
RB
Jaraguá do Sul - SC
Apresentação na EBM
Visconde
de Taunay (Blumenau
)

Sobre Patativas e
Corujas
Cia. de Triato
Santa Catarina
Apresentação no Asilo
)
São Simeão (Blumenau
19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau | Nº 14 | 2005

Timbre de Galo
Grupo: Viramun
Universidade de Passo dos
Fundo
Apresentação em Gasp
ar

O Cabra Que s
Matou as Cabra
Teatro Nu
Grupo: Cia de
Escuro
Goiânia - GO
no Hospital
Apresentação (Blumenau)
44

arina
Santa Cat
Mostra
Blumenauense
de Teatro II
O Doido e a Morte
Troiarte
Direção: Luci
ana May Vend
rami

Façamos,
, de Co nta
Meu Bem
es Sobre o
õ
Am or)
(Ou Digress l Phoenix - FURB
ra
Grupo Teat ireção: Pita Belli
Roteiro e D

19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau | Nº 14 | 2005


Megera Quem Dera...
Preguiça Já Era!
O Grito - Cia de Teatro
Adaptação e Direção: Leandro de Assis

ProcAuNsIto
Cia. O i
Pita Bell
Direção:

Perdoa-me
Cia . de Tria
Direção: Gab to
riela
Dominguez e
Fábio Schmid
t
45
Relação dos indicados e premiados
no 19º Festival Universitário de
Teatro de Blumenau
Prêmio Indicados Vencedor
1- Betinha Mânica, por Timbre de Galo, do Grupo
Viramundos, da Universidade de Passo Fundo - RS Betinha Mânica,
1. Figurino
2 - Síncope Sociedade Anônima, por 5PSA – O Filho, da por Timbre de Galo
Universidade de São Paulo - SP
1 - Daniel Olivetto, por Hagënbeck Ltda., do Grupo
Cia Experimentus, da Universidade do Estado de Santa
Catarina - SC
2 - Eduardo Okamoto e Alice Possani, por Agora e na Yaska Antunes,
2. Cenografia
Hora de Nossa Hora, do Grupo Teatro de Tábuas, da por Barrela
Universidade de Campinas – SP
3 - Yaska Antunes, por Barrela, do Grupo Confraria
Tambor, da Universidade Federal de Uberlândia – MG
1 - Daniel Olivetto, por Hagënbeck Ltda., do Grupo
Cia Experimentus, da Universidade do Estado de Santa
Catarina - SC
Fernando Prado,
3. Iluminação 2 - Fernando Prado, por Barrela, do Grupo Confraria
por Barrela
Tambor, da Universidade Federal de Uberlândia – MG
3 - Diego Bresani, por A Mais Forte – O Nosso Corte, do
Grupo O Corte, da Universidade de Brasília - DF
1 - Grupo Viramundos, por Timbre de Galo, da
Universidade de Passo Fundo - RS
19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau | Nº 14 | 2005

Valéria Levay Lehmann,


2 - Grupo Confraria Tambor, por Barrela, Universidade
4. Concepção sonora por A Mais Forte – O
Federal de Uberlândia – MG
Nosso Corte
3 - Valéria Levay Lehmann, por A Mais Forte – O Nosso
Corte, do Grupo O Corte, da Universidade de Brasília - DF
1 - Elenco do Espetáculo Timbre de Galo, do Grupo
Viramundos, da Universidade de Passo Fundo - RS
2 - Elenco do Espetáculo 5PSA – O Filho, do Grupo
Elenco do espetáculo
5. Conjunto de atores Síncope Sociedade Anônima, da Universidade de São
Timbre de Galo
Paulo - SP
3 - Elenco do Espetáculo Barrela, do Grupo Confraria
Tambor, da Universidade Federal de Uberlândia – MG
1 - Eduardo Okamoto, como “Pedrinha”, em Agora e
Na Hora de Nossa Hora, do Grupo Teatro de Tábuas, da
Universidade de Campinas – SP
Carlinhos Tabajara,
2 - Carlinhos Tabajara, como “Seu Nico” e “Reduzo”, em
como “Seu Nico” e
6. Ator Timbre de Galo, do Grupo Viramundos, da Universidade
“Reduzo”,
de Passo Fundo - RS
em Timbre de Galo
3 - Marcelo F. de Souza, como “Pedro Vermelho”, em
46

Hagënbeck Ltda., do Grupo Cia Experimentus, da


Universidade do Estado de Santa Catarina - SC
Prêmio Indicados Vencedor
1 - Aline Filócomo, como “Mãe”, em 5PSA – O Filho, do
Grupo Síncope Sociedade Anônima, da Universidade de
São Paulo - SP
2 - Fernanda Stefanski, como “Aquela Que Encanta”, em Aline Filócomo,
7. Atriz 5PSA – O Filho, do Grupo Síncope Sociedade Anônima, como “Mãe”,
da Universidade de São Paulo - SP em 5PSA – O Filho
3 - Ada Luana Rodrigues, como “Júlia”, em A Mais Forte
– O Nosso Corte, do Grupo O Corte, da Universidade de
Brasília - DF
1 - Verônica Fabrini, por Agora e Na Hora de Nossa
Hora, do Grupo Teatro de Tábuas, da Universidade de
Campinas – SP
2 - Daniel Olivetto, por Hagënbeck Ltda., do Grupo Cainan Baladez,
8. Direção
Cia Experimentus, da Universidade do Estado de Santa por 5PSA – O Filho
Catarina - SC
3 - Cainan Baladez, por 5PSA – O Filho, do Grupo Síncope
Sociedade Anônima, da Universidade de São Paulo - SP
1 - Agora e Na Hora de Nossa Hora, do Grupo Teatro de
Tábuas, da Universidade de Campinas - SP
2 - Timbre de Galo, do Grupo Viramundos, da Timbre De Galo,
9. Melhor espetáculo
Universidade de Passo Fundo - RS do Grupo Viramundos
3 - 5PSA – O Filho, do Grupo Síncope Sociedade
Anônima, da Universidade de São Paulo - SP
10. Prêmio especial Eduardo Okamoto, pelo trabalho de pesquisa em
do júri interpretação teatral
11. Espetáculo
destaque da Mostra
O Patinho Feio
Paschoal Carlos
Magno

19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau | Nº 14 | 2005


Ao Festival Universitário de Teatro de Blumenau,
12. Menção honrosa
pelo Caráter Formativo e Artístico

Cerimônia de Premiação
Reitor da Furb, Sr. Egon Schramm, abre
a noite mais aguardada do festival
47
Análises de Espetáculos Palestras
Analisadores de Espetáculos: Espaço Cênico
Edelcio Mostaço JC Serroni (São Paulo - SP)
Fernando Villar
Festival Internacional de Teatro de la
Lídia Kosovski
Integrácion y el Reconocimiento
Luiz Fernando Ramos Carlos Leyes / Daniel Luppo / Fredy Jara
Ricardo Kosovski (Província de Formosa - Argentina)
Roberto Mallet
Walter Lima Torres Laboratórios Experimentais na Pesquisa Teatral, Os
Paulo Merísio (Rio de Janeiro - RJ)

Arte da Memória, A
Alfredo Megna (Buenos Aires - Argentina)
Oficinas
Estética del Periferico de Objetos y Otras
Ação-poética Na Cidade Teatralidades Limitrofes
Ministrante: Bya Braga Emilio García Wehbi (Buenos Aires - Argentina)
(UFMG - Belo Horizonte - MG)

Ações, Reações, Riscos e Verdade


Ministrante: Mesa-Redonda
Lígia Cortez
(Diretora Artística do Teatro-Escola Célia Helena Teatro de Rua
e da Casa do Teatro - São Paulo - SP) André Carreira (SC)
Fernando Villar (DF)
Narciso Telles (RJ)
Ator e o Jogo, O
Ministrantes:
Júlio Maciel e Ana Domitila
(Grupo Galpão - Belo Horizonte - MG)
Seminário
Cenografia: Criação e Concepção
19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau | Nº 14 | 2005

Ministrante: José Dias IV Seminário Interinstitucional de Projetos


(UniRio - Rio de Janeiro - RJ) Integrados de Pesquisa em Teatro
UNIRIO - UDESC - UFU
Coordenação:
Construção de Instrumentos Musicais
André Carreira (SC)
Ministrantes:
Beti Rabetti (RJ)
Luciano Porto e Márcio Vieira Paulo Merísio (RJ)
(Grupo Udigrudi - Brasília - DF)
Mostra de Vídeo
Espaço e a Encenação em Meyerhold, O Apresentações de vídeos sobre teatro.
Ministrante: Coordenação:
André Carreira José Ronaldo Faleiro (SC)
(UDESC - Florianópolis - SC)

Iluminação
Ministrante: Comissão Julgadora
Luiz Paulo Nenen
Bya Braga (MG)
Interpretação - Palhaços Fernando Peixoto (SP)
Ministrante: José Dias (RJ)
48

Mário Fernando Bolognesi Lígia Cortez (SP)


(UNESP - São Paulo - SP) Mário Fernando Bolognesi (SP)
Comissão de Seleção
André Carreira (SC)
Beti Rabetti (RJ)
Fernando Villar (DF)
Pita Belli (SC)
Walter Lima Torres (PR)

Projeto Dramaturgia
Oficina de Construção de
Instrumentos Musicais Coordenação:
Ministrantes: Luciano Porto e Márcio Alfredo Megna (Buenos Aires - Argentina)
Vieira (Grupo Udigrudi - Brasília - DF)

Eventos Especiais
Camerata de Violões da Furb
Diretor:
Renato Mor

Integrantes:
Jurian Silveira
Mailon Bugmann
Márcio Kuhn
William Pofhal

Espaço Aberto
Espaço reservado a apresentações artísticas diversas

19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau | Nº 14 | 2005


Mostra de Vídeo
Apresentações de vídeos sobre teatro
Coordenação: José Ronaldo Faleiro (SC)
Oficina de Iluminação
Ministrante: Luiz Paulo Nenen Quadro Cervantes - Projeto Sonora Brasil
Fundado em 1974, o Quadro Cervantes é considerado pela críti-
ca como “o mais importante conjunto de música antiga do país”
(O GLOBO). Além da sua inegável qualidade artística, o conjunto
prima pelo humor e a comunicação que estabelece com suas pla-
téias. O Quadro Cervantes possui um repertório abrangente, que
inclui desde a música do período medieval até obras brasileiras do
século XIX. Empregando cópias fieis de instrumentos antigos, um
recital do grupo apresenta grande variedade de timbres, entre os
quais trio vocal e dezenas de instrumentos das famílias de sopro,
percussão, cordas dedilhadas e cordas friccionadas. O conjunto é
formado por Helder Parente (flautas, barítono e percussão), Clarice
Szajnbrum (soprano e percussão), Mário Orlando (viola da gamba,
vielle, flautas doce e contratenor) e Nícolas de Souza Barros (alaú-
des, violão e viola caipira, guitarras renascentista e barroca). Nesta
turnê o Quadro contará com as participações de Sonia Leal Wege-
nast (soprano e percussão) e Clayton Vetromilla (alaúde e violão).
49

Local: Teatro Carlos Gomes - Pequeno Auditório Willy Sievert.


Data: 13/07, às 18h.
Oficina de Interpretação
- Palhaços
Ministrante: Mário Fernando Bolognesi
(UNESP - São Paulo - SP)
Agradecimentos
A todos que colaboraram para a realização do Festival
Universitário de Teatro de Blumenau ao longo desses
vinte anos, nosso muito obrigado!
19º Festival Universitário de Teatro de Blumenau | Nº 14 | 2005
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