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Carlos Pompe
“Uma parte da sociedade possua o monopólio dos meios de produção, o operário, seja
livre ou não livre, não terá mais remédio que acrescentar ao tempo durante o qual
trabalha para seu próprio sustento um tempo de trabalho adicional para produzir os
meios de vida destinados aos possuidores dos instrumentos de produção” (Marx, pág.
202).
Marx em 1867, quando publicou O Capital II
Vimos no nosso artigo anterior que todo operário empregado pelo capitalista
executa um duplo trabalho: durante uma parte do tempo que trabalha, repõe o salário
que o capitalista lhe adianta, e esta parte do trabalho é o que Marx chama trabalho
necessário. Porém, tem que continuar trabalhando e produzir a mais-valia para o
capitalista, uma parte importante da qual representa o lucro. Esta parte de trabalho
recebe o nome de mais-trabalho.
Suponhamos que o operário trabalha durante três dias da semana para repor seu
salário e três dias para criar mais-valia para o capitalista. Em outras palavras, isto quer
dizer que, se a jornada é de doze horas, trabalha seis horas por seu salário e outras seis
para a produção de mais-valia. De uma semana só pode usar seis dias, sete no máximo,
se incluir o domingo; mas a cada dia se pode arrancar do trabalhador seis, oito, dez,
doze, quinze horas de trabalho, e ainda mais. O operário vende ao capitalista uma
jornada de trabalho por um dia de salário. Porém, o que é uma jornada de trabalho? Oito
horas, ou dezoito?
Ao capitalista interessa que a jornada de trabalho seja tão longa quanto possível.
Quanto mais longa for, mais mais-valia renderá. O operário instintivamente percebe que
cada hora a mais que trabalha, depois de repor o salário, é uma hora que se lhe é
subtraída ilegitimamente, e sofre na própria pele as conseqüências do excesso de
trabalho. O capitalista luta pelo seu lucro, o operário por sua saúde, por um par de horas
de descanso ao dia, para poder fazer algo mais que trabalhar, comer e dormir, para
poder ter também outros atividades humanas. Diga-se de passagem que não depende da
boa vontade de cada capitalista em particular lutar ou não por seus interesses, pois a
concorrência obriga até os mais filantrópicos a seguir as trilhas dos demais, fazendo os
seus operários trabalharem o mesmo tempo que trabalham os dos outros.
A luta para conseguir que se fixe a jornada de trabalho existe desde que os
operários livres apareceram no cenário da história até os dias atuais. Em diferentes
indústrias vigem diferentes jornadas tradicionais de trabalho, porém, na prática,
raramente elas são respeitadas. Só se pode dizer que existe verdadeira jornada normal de
trabalho ali onde a lei fixa esta jornada e se encarrega de exigir sua aplicação. Até hoje,
pode afirmar-se que isto só acontece nos distritos fabris da Inglaterra. Nas fábricas
inglesas vige a jornada de dez horas (ou seja, dez horas e meia durante cinco dias e sete
horas e meia aos sábados) para todas as mulheres e as crianças de treze a dezoito anos; e
como os homens não podem trabalhar sem a cooperação de delas, de fato também eles
desfrutam a jornada de dez horas. Os operários fabris da Inglaterra arrancaram esta lei
após anos e anos de perseverança na mais tenaz e obstinada luta contra os fabricantes,
mediante a liberdade de imprensa e o direito de reunião e associação e explorando
também habilmente as dissensões no seio da própria classe governante. Esta lei se
converteu na salvaguarda dos operários ingleses, foi se aplicando pouco a pouco em
todos os grandes ramos industriais, e o ano passado foi estendida a quase todas as
indústrias, pelo menos a todas aquelas em que trabalham mulheres e crianças. Acerca da
história desta regulamentação legal da jornada de trabalho na Inglaterra, existem dados
abundantes na obra que estamos comentando. Na próxima sessão plenária do Reichstag
do Norte da Alemanha (4) se deliberará também acerca de uma legislação industrial e,
portanto, será debatida a regulamentação do trabalho fabril. Temos a expectativa de que
nenhum dos deputados eleitos pelos operários alemães intervirá na discussão desta lei
sem antes familiarizar-se bem com o livro de Marx. Há muito o que se obter aqui. As
divisões que existem no seio das classes dominantes são mais propícias para os
operários do que jamais o foram na Inglaterra, porque o sufrágio universal obriga as
classes dominantes a ganharem as simpatias dos operários. Nestas condições, quatro ou
cinco representantes do proletariado, se souberem aproveitar a situação e, sobretudo, se
souberem do que se trata, coisa que não sabem os burgueses, poderão constituir uma
força. E para este propósito, o livro de Marx põe em suas mãos todos os dados
necessários.
Passaremos por alto uma série de excelentes investigações, de caráter mais
teórico, e nos deteremos tão só no capítulo final da obra, que trata da acumulação do
capital. Neste capítulo é mostrado primeiro que o método capitalista de produção, isto é,
o método de produção que pressupõe a existência de capitalistas, de um lado, e de
operários assalariados, de outro, não só reproduz para o capitalista constantemente seu
capital, como também reproduz, incessantemente, a pobreza do operário, velando,
portanto, para que existam sempre, de um lado, capitalistas que concentram em suas
mãos a propriedade de todos os meios de subsistência, matérias primas e instrumentos
de produção, e, de outro lado, a grande massa de operários obrigados a vender a estes
capitalistas sua força de trabalho por uma quantidade de meios de subsistência que, no
melhor dos casos, só basta para sustentá-los em condições de trabalhar e de criar uma
nova geração de proletários aptos para o trabalho. Porém o capital não se limita a
reproduzir-se, mas aumenta e cresce incessantemente, com o que aumenta e cresce
também seu poder sobre a classe dos operários despossuídos de toda propriedade. E, do
mesmo modo que o capital se reproduz a si mesmo em proporções cada vez maiores, o
moderno modo capitalista de produção reproduz igualmente, em proporções que vão
sempre aumentando, em número crescente, sem cessar, a classe dos operários
despossuídos. “A acumulação do capital reproduz a relação do capital em uma escala
maior: a mais capitalistas ou a maiores capitalistas em um pólo, e no outro pólo mais
operários assalariados... A acumulação do capital significa, portanto, o crescimento do
proletariado” (pág. 600). Porém, como os progressos da maquinaria, o cultivo
aperfeiçoado da terra etc., fazem que cada vez se necessitem menos operários para
produzir a mesma quantidade de artigos, e como este aperfeiçoamento, isto é, esta
criação de operários supérfluos, aumenta com maior rapidez que o próprio capital
crescente, o que acontece com este número cada vez maior de operários supérfluos?
Formam um exército industrial de reserva, ao qual nas épocas más ou medianas se paga
menos do que vale seu trabalho, que trabalha só de vez em quando ou fica à mercê da
caridade pública, porém que é indispensável para a classe capitalista nas épocas de
grande atividade, como ocorre atualmente, como é palpável, na Inglaterra, e que em
todo caso serve para vencer a resistência dos operários ocupados normalmente e para
manter baixos seus salários. “Quanto maior é a riqueza social... tanto maior é a
superexploração relativa, isto é, o exército industrial de reserva. E quanto maior é este
exército de reserva, em relação ao exército operário ativo (o seja, com os operários
ocupados normalmente), tanto maior é a massa de super-população consolidada
(permanente), isto é, as camadas operárias cuja miséria está em razão inversa a seus
tormentos de trabalho (5). Finalmente, quanto mais extenso é na classe operária o setor
da pobreza e o exército industrial de reserva, tanto maior é também o pauperismo
oficial. Tal é a lei absoluta, geral, da acumulação capitalista” (pág. 631).
Eis aqui, expostas com todo o rigor científico — os economistas oficiais evitam
sequer tentar refutá-las — algumas das leis fundamentais do moderno sistema social
capitalista. Porém, nada mais resta a dizer? Nem tanto. Com a mesma nitidez com que
destaca os lados negativos da produção capitalista, Marx destaca que esta forma social
era necessária para desenvolver as forças produtivas sociais até um nível que torne
possível um desenvolvimento igual e digno do ser humano para todos os membros da
sociedade. Todas as formas sociais anteriores eram demasiado pobres para isto. Só a
produção capitalista cria as riquezas e as forças produtivas necessárias para isso, porém
cria também, ao mesmo tempo, com as massas de operários oprimidos, uma classe
social obrigada mais e mais a tomar em suas mãos estas riquezas e forças produtivas –
para que sejam aproveitadas em beneficio de toda a sociedade e não, como hoje, no de
uma classe monopolista.
NOTAS:
(1) Esta é uma das resenhas feitas por Engels do I tomo de O Capital para divulgar as
teses essenciais do livro. Além dos artigos para operários, Engels escreveu várias
resenhas anônimas para a imprensa burguesa, para enfrentar a “conspiração do silêncio”
com o que a ciência econômica oficial e a imprensa burguesa acolheram o trabalho de
Marx. Nessas resenhas, Engels critica o livro “do ponto de vista burguês”, para obrigar,
com a ajuda deste “recurso militar”, segundo a expressão de Marx, os economistas
burgueses a falarem do livro. O Demokratisches Wochenblatt (Semanário democrático)
era uma publicação operária alemã editada por G. Liebknecht, de janeiro de 1868 a
setembro de 1869. O periódico desempenhou papel considerável na criação do Partido
Socialdemocrata Operário da Alemanha. No Congresso de Eisenach de 1869 foi
proclamado órgão central do partido e passou a chamar-se Volksstaat (Estado do povo).
Marx e Engels colaboraram neste semanário.
(2) Taler era a moeda usada na comunidade germânica entre os séculos 15 e 19
(3) Groschen era o nome da moeda fracionária em que se subdividia o taler (1 taler de
prata = 30 groshen)
(4) Parlamento do Norte do Império Alemão
(5) Na tradução autorizada do I tomo de O Capital para o francês Marx sublinhou esta
tese.