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Artigo

Era uma vez... E ainda é


Por Andrea Pires Magnanelli

Ao entrar em uma sala de aula com crianças de cinco anos, carregando um livro de contos de
fadas, um professor carrega mais que um livro. Mais que um simples conto. Quando o
professor é um bom contador de histórias, o olhar daquelas crianças fica fixo, mas a mente
voa.

Como esses contos tornaram-se clássicos, se a narrativa acontece em palácios ou florestas e


isso é tão distante da maioria das crianças, visto que não é comum encontrar palácios na
cidade de São Paulo? E, apesar de existirem poucas florestas na nossa cidade, os jovens dão
um jeito de se embrenhar em matas desconhecidas apesar do aviso de perigo dos pais.

Os contos trazem conflitos pertinentes à vivência humana que permeiam diversas gerações.
Eles trabalham com o conteúdo humano, com aquilo que muitas vezes fica escondido como a
rivalidade fraterna, sensações edípicas, desejar a “morte” do pai do mesmo sexo... Desta
forma, o conto de fada irá mostrar às crianças, de uma maneira subjetiva e em alguns pontos
objetivamente, que a vida trará algumas dificuldades. A luta e a descoberta não acontecem da
noite para o dia. O herói ou a heroína passam por diversas provas e essas devem ser
realizadas por eles mesmos: “A única forma de nos tornamos nós mesmos é através de nossas
próprias realizações”. (Bettelheim, 1980:173).

A sociedade atual, globalizada, está cada vez mais tornando-se individualista e em busca de
uma beleza externa perfeita, enquanto o mágico se esvai prematuramente.

Todos os dias há notícias de violência na televisão, seja filho matando os pais ou pais
descontrolados espancando seus filhos.

Há também muitos programas que expõem a criança a uma sexualidade precoce. Seja
programa infantil, novela ou “reality shows”. Uma reportagem da revista Educação, mostra-
nos que os partos cresceram em 31% entre meninas de 10 a 14 anos – idade que a menina
não tem maturidade psicológica, principalmente para criar um filho. As dúvidas e as angústias
por que passam, crianças e jovens, são hoje respondidas de forma erotizada pelos meios de
comunicação, especialmente a televisão. Sem contar o fácil acesso a sites da internet.

O resgate da magia da leitura dos contos de fadas não será a solução dos problemas mundiais,
no entanto, como eles atuam também no inconsciente, podem ajudar muito a criança a
eliminar/entender o(s) conflito(s) pelo qual está passando no momento que entra em contato
com a leitura e/ou a escuta deles.

Existem diversas interpretações e análises para os contos de fada. É importante ressaltar que
este artigo tem como respaldo a linha psicanalítica, levando em conta as teorias de Sigmund
Freud e Jacques Lacan. Além disso, a escolha dos contos de fadas para a leitura foi cuidadosa,
no sentido de procurar as traduções mais próximas das edições originais.

“Não é surpreendente descobrir que a psicanálise confirma nosso reconhecimento do lugar


importante que os contos de fadas populares alcançaram na vida mental de nossos filhos. Em
algumas pessoas, a rememoração de seus contos de fadas favoritos ocupa o lugar das
lembranças de sua própria infância; elas transformaram esses contos em lembranças
encobridoras”. (Freud, 1913:355).

Os contos surgem a partir dos mitos e tradições orais, alguns datados do século II d.C.. Eles
sofreram e sofrem modificações em sua estrutura, não apenas por razões externas, mas
também por razões internas ao do próprio contador. Nas versões escritas por Perrault, por
exemplo, ele acrescenta preceitos morais, já que esses contos eram usados para a diversão na
corte de Versalhes.

Nos dias atuais, essas alterações também ocorrem acarretando muitas vezes uma modificação
no enredo da história para parecer menos “chocante” aos olhos da sociedade. Os autores
dessas mudanças acreditam que a perversidade existente nos contos podem influenciar as
crianças de forma a estas tornarem-se “violentas”, no entanto, parece não querer ver que os
conflitos existentes nos contos são os conflitos internos pelos quais as crianças passam.

As histórias dos contos de fadas, independente do local de origem, passam-se em lugar e


épocas inexistentes (“país muito longe”, “numa floresta encantada”, “há muitos e muitos
anos”...). Esta é uma das razões da fácil migração e entendimento em várias culturas e por
várias idades, já que os contos tratam de conflitos que permeiam toda a base humana
universal. Ou seja, os contos são atemporais, assim como o Id.

Os principais autores e adaptadores de contos de fada são Charles Perrault (França), Hans
Christian Andersen (Dinamarca) e Jakob e Wilhelm Grimm (Alemanha) – estes últimos mais
conhecidos como “Os irmãos Grimm”.

Mas, afinal, qual a relação entre contos de fadas e a subjetividade infantil? Quais os conteúdos
presentes em um conto que possibilitam a uma criança elaborar seus conflitos? É impossível
detalhar cada trecho e cada passagem de todos os contos, não apenas pelo número volumoso
de contos, mas principalmente porque cada conto tem uma importância diferente para cada
criança em períodos diferentes de sua vida.

Como se constitui um sujeito? Quais os conflitos que vive? Lacan, apropriando-se de Freud,
nos oferece referenciais partindo do Estádio do Espelho. Este Estádio, descrito por Lacan,
começa aproximadamente aos seis meses de idade. É através dele que a criança começa a
conquistar sua imagem corporal, através do discurso e do desejo do outro (mãe).

De que forma os contos de fadas expressam esse momento e seus conflitos? Como ilustração
podemos citar o conto: O patinho feio. Nesta história de Andersen, uma pata choca seus ovos
e quando estes se quebram um sai diferente de todos os outros. Feio. Apesar de nadar muito
bem, o patinho é desprezado pelos seus irmãos, pela comunidade dos patos e por sua mãe
que diz: “Eu queria ver você bem longe daqui!” (Andersen, 1995:110).

O patinho começa a achar que ele é realmente muito feio, então foge. Durante sua viagem
passa por dificuldades e seus infortúnios são responsabilizados pela sua feiúra. Até que em um
momento, ele vê os cisnes e vai ao encontro desses, mesmo correndo o risco de levar bicadas.
Chegando lá:

“(...) O pobrezinho abaixou a cabeça, olhando para a água, e esperou. Mas que foi que ele viu
na água límpida? Por baixo de si, viu sua própria imagem; só que sua imagem não era mais de
um desajeitado pássaro cinza-escuro, feio e repelente. Ele era um cisne!” (Andersen,
1995:118).

O patinho, na verdade um cisne, já havia nadado antes em outros lagos. Porém, olhava-se
através do olhar do outro, assujeitado ao desejo e olhar do outro – principalmente daquela que
exerce a função materna. Saindo para o mundo, crescendo, quando volta a olhar sua imagem
ele já vê um lindo cisne branco e não apenas um pato cinza feio – saída dessa assujeitação. É
nesse Estádio que a criança começa aos poucos perceber que seu corpo, até então sentido
como fragmentado, é algo único. É através dessa experiência, com a mediação do outro-mãe
(mãe, enquanto função materna), que a criança começa estruturar seu eu e a conquistar a sua
imagem corporal.

Essas identificações que as crianças fazem com os contos são facilitadas pela não
especificidade de tempo e local. A identificação com os personagens é facilitada pela ausência
de nome próprio. Normalmente o nome é relacionado às características físicas, como por
exemplo, Branca de Neve e Cinderela ou Gata Borralheira (o nome origina de cinders, que
significa borralho), um dos únicos nomes próprios que aparece é João – freqüente em muitas
histórias – e Maria). Nos contos, a idade das princesas, reis, rainhas, bruxas, príncipes, etc.
não é definida sendo possível transitar por todos os personagens em momentos diferentes de
nossa vida.

No conto há o personagem malvado, que geralmente é nominado e aparece sob a descrição da


madrasta da “Branca de Neve”, a bruxa da casa de chocolates de “João e Maria” e o gigante
que mora nas nuvens na história “João e o pé de feijão”. Ou seja, a maldade pode estar
presente em todos nós. Nos contos, os personagens não têm ambivalência: ou são bons ou
são maus – da mesma maneira que a criança pensa: a mãe má não pode ser a mãe boa.

Na atualidade, muitos contos aparecem de forma distorcida do original. Um grande exemplo


disso, são os desenhos animados de Walt Disney, que subtraem passagens consideradas mais
fortes com o objetivo de não assustar ou chocar as crianças, “evitando” o conflito. Não
podemos generalizar, algumas histórias de Disney merecem a devida atenção como O rei leão
e a mais nova animação, Procurando Nemo. No entanto, quanto à adaptação de contos de
fadas clássicos, estes aparecem distorcidos e amenizados.

Os contos no original podem chocar alguns adultos, é “assustador” um lobo que come uma
menina (Chapeuzinho vermelho) ou uma sereia que arranca sua própria língua em busca do
amor de um humano (A Sereiazinha) ou um rapaz que procurando o medo retira sete
enforcados da forca para aquecê-los (O homem que saiu em busca do medo). Muitos adultos
olham as crianças sob a lógica do adulto e não sob a fantasia da criança.

Quando pequena, a criança pode ser bem agressiva: bater no irmão, não sair de perto da mãe,
morder o colega da escola... a medida que cresce e começa a socialização a criança fala, ao
invés de agir – simbolizando. E o conto é exatamente a escrita de uma simbolização, de um
mundo onde a criança pode extravasar seus anseios, medos e necessidades.

Escondendo a dor, a perda, a violência dos contos, esconde-se o que há de mais verdadeiro
nessas histórias. O conto não deve ser só feito de imagens boas, pois não deve ser uma fuga
para as crianças se esconderem em um mundo de faz de conta. Mas, conter as passagens de
medo, angústia, vingança como um meio da criança simbolizar seus próprios conflitos.

O enredo dos contos de fada também reproduz as histórias de vida das crianças, pois nele o
herói sai de casa, passa por privações, enfrenta perigos e conhece a maldade, triunfando no
final da história. Na vida, a criança passa por estas modificações: precisa sair de casa.
Desligar-se dos pais. Ir para escola, fazer amigos, saber evitar situações de risco, explorar o
mundo a sua volta.

A criança tem relação de total indistinção com a mãe nos primeiros meses de vida. A criança é
o desejo da mãe. Essa quebra se dá com a interdição ao incesto que a função paterna realiza.
A partir desse momento a criança, volta-se para a cultura. Para o Outro. E o conto de fadas
entra como este Outro, pois também pode ajudar na separação dessa relação mãe-criança.
Isso acontece pois, de maneira simbólica, o conto atua no psíquico da criança.

Podemos tomar como exemplo o conto de Andersen, A Polegarzinha. Nesta história, uma
mulher deseja muito ter um filho, então pede ajuda a uma feiticeira que lhe dá um grão de
cevada - semente. A partir do beijo da mãe, a flor se abre e nasce a filha, como é muito
pequena, recebe o nome de Polegarzinha. Um dia, enquanto está dormindo, uma sapa a
seqüestra para casar-se com o filho sapão. No entanto, a menina foge com a ajuda dos peixes.
Um besouro a pega para casar-se com ele, mas todos os outros insetos dizem que
Polegarzinha é muito feia. Depois de ser deixada pelo besouro a personagem acredita ser feia.
Ela encontra-se, então, com uma rata, e esta também quer realizar o casamento da
Polegarzinha com o vizinho toupeira, por este ser rico e inteligente. Enquanto está na casa da
rata, a menina salva uma andorinha e esta depois ajuda sua salvadora a fugir do casamento,
levando-a para um lugar onde há outras pessoas como ela – pequena como o dedo polegar. Lá
então Polegarzinha conhece um homem com quem se casa.

Esta pequena história nos mostra que Polegarzinha vive segundo os desejos do Outro. É
sempre levada, carregada para os lugares sem ser questionada. Quando a andorinha aparece,
a personagem faz uma escolha, pois lhe é feita uma pergunta: “O frio inverno está chegando –
disse a pequena andorinha – Estou de viagem para as regiões quentes. Você quer vir junto?”
(Andersen, 1995:34).

A criança quando pequena, é o desejo da mãe, tem medo e gosta daquilo que a mãe gosta.
Para ilustrar, transcrevo um trecho da fala de uma paciente de Maud Manonni: “A fumaça”, diz
Isabelle, “arde nos olhos das crianças. Elas têm medo. No fundo elas não têm medo, é porque
a mamãe tem medo que elas têm o medo da mamãe(...)” (Manonni, 1988:137).

O conto ilustra Polegarzinha presa ao desejo dos outros até que toma sua decisão e parte,
libertando-se dos desejos dos outros e tornando-se um sujeito desejante. Agora, já caminha
com seus próprios pés, sem precisar ser levada pelos outros.

A pesquisa realizada para este artigo apenas está começando. Este é um pequeno apanhado
de quantas significações e significados podemos encontrar em uma literatura de tão fácil
acesso como os contos de fadas. Para percorrer este caminho agi um pouco como Chapeuzinho
Vermelho, ao olhar pelos cantos. Em alguns momentos saí da trilha, mas logo retomei o meu
rumo. Em outros, fiquei como a Bela Adormecida, esperando o momento para despertar e
então escrever mais algumas linhas. Em outras, sendo ousada, como a menina que percorre o
mundo em “Os sete corvos”.

Os contos de fadas vêm mobilizando milhares de crianças, jovens e adultos durante muitas
décadas. Muitos trazem lembranças, sejam boas ou más, de algum conto em particular. Como
cada um vivencia um conto é único.

* Este artigo baseia-se na monografia “Era uma vez...” - os contos de fada como mediadores
no trabalho psicopedagógico para uma possível resolução diante dos conflitos internos infantis.

Andrea Pires Magnanelli é especialista em psicopedagogia na PUC-SP.

Referências Bibliográficas:
ANDERSEN, Hans C. Histórias maravilhosas de Andersen. São Paulo: Companhia das Letrinhas,
1995.
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
FREUD, Sigmund. A ocorrência, em sonhos, de material oriundo de contos de fadas. Obras
Completas de Sigmund Freud. Volume XII, 1913.
MANNONI, Maud. Efeitos da reeducação em uma criança neurótica. In: A criança retardada e a
mãe. São Paulo: Martins Fontes,1988. p. 125-146
Artigo
Era uma vez... E ainda é*
Por Andrea Pires Magnanelli
Ao entrar em uma sala de aula com crianças de cinco anos, carregando um livro de
contos de fadas, um professor carrega mais que um livro. Mais que um simples conto.
Quando o professor é um bom contador de histórias, o olhar daquelas crianças fica fixo,
mas a mente voa.

Como esses contos tornaram-se clássicos, se a narrativa acontece em palácios ou


florestas e isso é tão distante da maioria das crianças, visto que não é comum
encontrar palácios na cidade de São Paulo? E, apesar de existirem poucas florestas na
nossa cidade, os jovens dão um jeito de se embrenhar em matas desconhecidas apesar
do aviso de perigo dos pais.

Os contos trazem conflitos pertinentes à vivência humana que permeiam diversas


gerações. Eles trabalham com o conteúdo humano, com aquilo que muitas vezes fica
escondido como a rivalidade fraterna, sensações edípicas, desejar a “morte” do pai do
mesmo sexo... Desta forma, o conto de fada irá mostrar às crianças, de uma maneira
subjetiva e em alguns pontos objetivamente, que a vida trará algumas dificuldades. A
luta e a descoberta não acontecem da noite para o dia. O herói ou a heroína passam
por diversas provas e essas devem ser realizadas por eles mesmos: “A única forma de
nos tornamos nós mesmos é através de nossas próprias realizações”. (Bettelheim,
1980:173).

A sociedade atual, globalizada, está cada vez mais tornando-se individualista e em


busca de uma beleza externa perfeita, enquanto o mágico se esvai prematuramente.

Todos os dias há notícias de violência na televisão, seja filho matando os pais ou pais
descontrolados espancando seus filhos.

Há também muitos programas que expõem a criança a uma sexualidade precoce. Seja
programa infantil, novela ou “reality shows”. Uma reportagem da revista Educação,
mostra-nos que os partos cresceram em 31% entre meninas de 10 a 14 anos – idade
que a menina não tem maturidade psicológica, principalmente para criar um filho. As
dúvidas e as angústias por que passam, crianças e jovens, são hoje respondidas de
forma erotizada pelos meios de comunicação, especialmente a televisão. Sem contar o
fácil acesso a sites da internet.

O resgate da magia da leitura dos contos de fadas não será a solução dos problemas
mundiais, no entanto, como eles atuam também no inconsciente, podem ajudar muito a
criança a eliminar/entender o(s) conflito(s) pelo qual está passando no momento que
entra em contato com a leitura e/ou a escuta deles.

Existem diversas interpretações e análises para os contos de fada. É importante


ressaltar que este artigo tem como respaldo a linha psicanalítica, levando em conta as
teorias de Sigmund Freud e Jacques Lacan. Além disso, a escolha dos contos de fadas
para a leitura foi cuidadosa, no sentido de procurar as traduções mais próximas das
edições originais.

“Não é surpreendente descobrir que a psicanálise confirma nosso reconhecimento do


lugar importante que os contos de fadas populares alcançaram na vida mental de
nossos filhos. Em algumas pessoas, a rememoração de seus contos de fadas favoritos
ocupa o lugar das lembranças de sua própria infância; elas transformaram esses contos
em lembranças encobridoras”. (Freud, 1913:355).

Os contos surgem a partir dos mitos e tradições orais, alguns datados do século II d.C..
Eles sofreram e sofrem modificações em sua estrutura, não apenas por razões externas,
mas também por razões internas ao do próprio contador. Nas versões escritas por
Perrault, por exemplo, ele acrescenta preceitos morais, já que esses contos eram
usados para a diversão na corte de Versalhes.

Nos dias atuais, essas alterações também ocorrem acarretando muitas vezes uma
modificação no enredo da história para parecer menos “chocante” aos olhos da
sociedade. Os autores dessas mudanças acreditam que a perversidade existente nos
contos podem influenciar as crianças de forma a estas tornarem-se “violentas”, no
entanto, parece não querer ver que os conflitos existentes nos contos são os conflitos
internos pelos quais as crianças passam.

As histórias dos contos de fadas, independente do local de origem, passam-se em lugar


e épocas inexistentes (“país muito longe”, “numa floresta encantada”, “há muitos e
muitos anos”...). Esta é uma das razões da fácil migração e entendimento em várias
culturas e por várias idades, já que os contos tratam de conflitos que permeiam toda a
base humana universal. Ou seja, os contos são atemporais, assim como o Id.

Os principais autores e adaptadores de contos de fada são Charles Perrault (França),


Hans Christian Andersen (Dinamarca) e Jakob e Wilhelm Grimm (Alemanha) – estes
últimos mais conhecidos como “Os irmãos Grimm”.

Mas, afinal, qual a relação entre contos de fadas e a subjetividade infantil? Quais os
conteúdos presentes em um conto que possibilitam a uma criança elaborar seus
conflitos? É impossível detalhar cada trecho e cada passagem de todos os contos, não
apenas pelo número volumoso de contos, mas principalmente porque cada conto tem
uma importância diferente para cada criança em períodos diferentes de sua vida.

Como se constitui um sujeito? Quais os conflitos que vive? Lacan, apropriando-se de


Freud, nos oferece referenciais partindo do Estádio do Espelho. Este Estádio, descrito
por Lacan, começa aproximadamente aos seis meses de idade. É através dele que a
criança começa a conquistar sua imagem corporal, através do discurso e do desejo do
outro (mãe).

De que forma os contos de fadas expressam esse momento e seus conflitos? Como
ilustração podemos citar o conto: O patinho feio. Nesta história de Andersen, uma pata
choca seus ovos e quando estes se quebram um sai diferente de todos os outros. Feio.
Apesar de nadar muito bem, o patinho é desprezado pelos seus irmãos, pela
comunidade dos patos e por sua mãe que diz: “Eu queria ver você bem longe daqui!”
(Andersen, 1995:110).

O patinho começa a achar que ele é realmente muito feio, então foge. Durante sua
viagem passa por dificuldades e seus infortúnios são responsabilizados pela sua feiúra.
Até que em um momento, ele vê os cisnes e vai ao encontro desses, mesmo correndo o
risco de levar bicadas. Chegando lá:

“(...) O pobrezinho abaixou a cabeça, olhando para a água, e esperou. Mas que foi que
ele viu na água límpida? Por baixo de si, viu sua própria imagem; só que sua imagem
não era mais de um desajeitado pássaro cinza-escuro, feio e repelente. Ele era um
cisne!” (Andersen, 1995:118).

O patinho, na verdade um cisne, já havia nadado antes em outros lagos. Porém,


olhava-se através do olhar do outro, assujeitado ao desejo e olhar do outro –
principalmente daquela que exerce a função materna. Saindo para o mundo, crescendo,
quando volta a olhar sua imagem ele já vê um lindo cisne branco e não apenas um pato
cinza feio – saída dessa assujeitação. É nesse Estádio que a criança começa aos poucos
perceber que seu corpo, até então sentido como fragmentado, é algo único. É através
dessa experiência, com a mediação do outro-mãe (mãe, enquanto função materna),
que a criança começa estruturar seu eu e a conquistar a sua imagem corporal.
Essas identificações que as crianças fazem com os contos são facilitadas pela não
especificidade de tempo e local. A identificação com os personagens é facilitada pela
ausência de nome próprio. Normalmente o nome é relacionado às características físicas,
como por exemplo, Branca de Neve e Cinderela ou Gata Borralheira (o nome origina de
cinders, que significa borralho), um dos únicos nomes próprios que aparece é João –
freqüente em muitas histórias – e Maria). Nos contos, a idade das princesas, reis,
rainhas, bruxas, príncipes, etc. não é definida sendo possível transitar por todos os
personagens em momentos diferentes de nossa vida.

No conto há o personagem malvado, que geralmente é nominado e aparece sob a


descrição da madrasta da “Branca de Neve”, a bruxa da casa de chocolates de “João e
Maria” e o gigante que mora nas nuvens na história “João e o pé de feijão”. Ou seja, a
maldade pode estar presente em todos nós. Nos contos, os personagens não têm
ambivalência: ou são bons ou são maus – da mesma maneira que a criança pensa: a
mãe má não pode ser a mãe boa.

Na atualidade, muitos contos aparecem de forma distorcida do original. Um grande


exemplo disso, são os desenhos animados de Walt Disney, que subtraem passagens
consideradas mais fortes com o objetivo de não assustar ou chocar as crianças,
“evitando” o conflito. Não podemos generalizar, algumas histórias de Disney merecem a
devida atenção como O rei leão e a mais nova animação, Procurando Nemo. No
entanto, quanto à adaptação de contos de fadas clássicos, estes aparecem distorcidos e
amenizados.

Os contos no original podem chocar alguns adultos, é “assustador” um lobo que come
uma menina (Chapeuzinho vermelho) ou uma sereia que arranca sua própria língua em
busca do amor de um humano (A Sereiazinha) ou um rapaz que procurando o medo
retira sete enforcados da forca para aquecê-los (O homem que saiu em busca do
medo). Muitos adultos olham as crianças sob a lógica do adulto e não sob a fantasia da
criança.

Quando pequena, a criança pode ser bem agressiva: bater no irmão, não sair de perto
da mãe, morder o colega da escola... a medida que cresce e começa a socialização a
criança fala, ao invés de agir – simbolizando. E o conto é exatamente a escrita de uma
simbolização, de um mundo onde a criança pode extravasar seus anseios, medos e
necessidades.

Escondendo a dor, a perda, a violência dos contos, esconde-se o que há de mais


verdadeiro nessas histórias. O conto não deve ser só feito de imagens boas, pois não
deve ser uma fuga para as crianças se esconderem em um mundo de faz de conta. Mas,
conter as passagens de medo, angústia, vingança como um meio da criança simbolizar
seus próprios conflitos.

O enredo dos contos de fada também reproduz as histórias de vida das crianças, pois
nele o herói sai de casa, passa por privações, enfrenta perigos e conhece a maldade,
triunfando no final da história. Na vida, a criança passa por estas modificações: precisa
sair de casa. Desligar-se dos pais. Ir para escola, fazer amigos, saber evitar situações
de risco, explorar o mundo a sua volta.

A criança tem relação de total indistinção com a mãe nos primeiros meses de vida. A
criança é o desejo da mãe. Essa quebra se dá com a interdição ao incesto que a função
paterna realiza. A partir desse momento a criança, volta-se para a cultura. Para o
Outro. E o conto de fadas entra como este Outro, pois também pode ajudar na
separação dessa relação mãe-criança. Isso acontece pois, de maneira simbólica, o conto
atua no psíquico da criança.

Podemos tomar como exemplo o conto de Andersen, A Polegarzinha. Nesta história,


uma mulher deseja muito ter um filho, então pede ajuda a uma feiticeira que lhe dá um
grão de cevada - semente. A partir do beijo da mãe, a flor se abre e nasce a filha, como
é muito pequena, recebe o nome de Polegarzinha. Um dia, enquanto está dormindo,
uma sapa a seqüestra para casar-se com o filho sapão. No entanto, a menina foge com
a ajuda dos peixes. Um besouro a pega para casar-se com ele, mas todos os outros
insetos dizem que Polegarzinha é muito feia. Depois de ser deixada pelo besouro a
personagem acredita ser feia. Ela encontra-se, então, com uma rata, e esta também
quer realizar o casamento da Polegarzinha com o vizinho toupeira, por este ser rico e
inteligente. Enquanto está na casa da rata, a menina salva uma andorinha e esta depois
ajuda sua salvadora a fugir do casamento, levando-a para um lugar onde há outras
pessoas como ela – pequena como o dedo polegar. Lá então Polegarzinha conhece um
homem com quem se casa.

Esta pequena história nos mostra que Polegarzinha vive segundo os desejos do Outro. É
sempre levada, carregada para os lugares sem ser questionada. Quando a andorinha
aparece, a personagem faz uma escolha, pois lhe é feita uma pergunta: “O frio inverno
está chegando – disse a pequena andorinha – Estou de viagem para as regiões
quentes. Você quer vir junto?” (Andersen, 1995:34).

A criança quando pequena, é o desejo da mãe, tem medo e gosta daquilo que a mãe
gosta. Para ilustrar, transcrevo um trecho da fala de uma paciente de Maud Manonni:
“A fumaça”, diz Isabelle, “arde nos olhos das crianças. Elas têm medo. No fundo elas
não têm medo, é porque a mamãe tem medo que elas têm o medo da mamãe(...)”
(Manonni, 1988:137).

O conto ilustra Polegarzinha presa ao desejo dos outros até que toma sua decisão e
parte, libertando-se dos desejos dos outros e tornando-se um sujeito desejante. Agora,
já caminha com seus próprios pés, sem precisar ser levada pelos outros.

A pesquisa realizada para este artigo apenas está começando. Este é um pequeno
apanhado de quantas significações e significados podemos encontrar em uma literatura
de tão fácil acesso como os contos de fadas. Para percorrer este caminho agi um pouco
como Chapeuzinho Vermelho, ao olhar pelos cantos. Em alguns momentos saí da trilha,
mas logo retomei o meu rumo. Em outros, fiquei como a Bela Adormecida, esperando o
momento para despertar e então escrever mais algumas linhas. Em outras, sendo
ousada, como a menina que percorre o mundo em “Os sete corvos”.

Os contos de fadas vêm mobilizando milhares de crianças, jovens e adultos durante


muitas décadas. Muitos trazem lembranças, sejam boas ou más, de algum conto em
particular. Como cada um vivencia um conto é único.

* Este artigo baseia-se na monografia “Era uma vez...” - os contos de fada como
mediadores no trabalho psicopedagógico para uma possível resolução diante dos
conflitos internos infantis.

Andrea Pires Magnanelli é especialista em psicopedagogia na PUC-SP.

Referências Bibliográficas:
ANDERSEN, Hans C. Histórias maravilhosas de Andersen. São Paulo: Companhia das
Letrinhas, 1995.
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2002.
FREUD, Sigmund. A ocorrência, em sonhos, de material oriundo de contos de fadas.
Obras Completas de Sigmund Freud. Volume XII, 1913.
MANNONI, Maud. Efeitos da reeducação em uma criança neurótica. In: A criança
retardada e a mãe. São Paulo: Martins Fontes,1988. p. 125-146

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