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Algumas considerações sobre a Teoria da Imprevisão

Pablo Stolze Gagliano

juiz de Direito, professor de Direito Civil do Curso JusPodivm e da rede LFG, pós-
graduado em Direito Civil pela UFBA, mestre em Direito Civil pela PUC/SP

1. O CONTRATO E A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

O Professor Arnoldo Wald adverte que poucos institutos sobreviveram por tanto tempo e
se desenvolveram sob formas tão diversas quanto o contrato, adaptando-se a sociedades
com estruturas e escalas de valores distintas, desde a Antigüidade, passando pela Idade
Média, e chegando até as sociedades neocapitalistas de nossos dias(1).

De fato, erigiu-se este instituto – filho dileto da autonomia privada - como o mais
importante instrumento de circulação de riquezas, verdadeira mola propulsora do incipiente
capitalismo do século XIX .

Tendo o seu núcleo na manifestação livre de vontades, reflexo da autonomia privada,


pretendeu-se anunciar o fim do contrato, após o advento do comunismo e o surgimento do
Estado Social.

Engano.

Mesmo nos regimes socialistas mais severos, a vontade individual – embora sufocada –
nunca deixou de existir e o contrato não perdeu a sua utilidade, passando, sem dúvida, por
uma importante reestruturação.

Aliás, como bem asseverou o decano dos civilistas brasileiros, Professor Caio Mário da
Silva Pereira, "o mundo moderno é o mundo do contrato. E a vida moderna o é também, e
em tão alta escala que, se se fizesse abstração por um momento do fenômeno contratual
na civilização do nosso tempo, a conseqüência seria a estagnação da vida social. O ‘homo
aeconomicus’ estancaria as suas atividades. É o contrato que proporciona a subsistência
de toda a gente. Sem ele, a vida individual regrediria, a atividade do homem limitar-se-ia
aos momentos primários"(2).

O contrato, mais importante espécie de negócio jurídico, acompanha o homem durante


toda a vida, devendo-se ressaltar que a complexa teia de relações formada a partir da sua
celebração, nem sempre exige formalidades extrínsecas para a sua validade. Ao pagar a
passagem e sentar-se no ônibus que o levará ao trabalho, por exemplo, o passageiro
celebra um contrato de transporte, com todas as obrigações e direitos daí decorrentes,
sem que haja a necessidade de se documentar o ato em instrumento próprio(3).

Com o passar do tempo, na medida em que as relações socioeconômicas e de consumo


tornaram-se mais complexas, surgiram as limitações à liberdade de contratar.

Consentini, citado pelo Professor Darcy Bessone, afirmava que "quem estuda as
consequências últimas do direito contratual, tal como é sancionado nos Códigos Civis de
todas as nações, verifica que, normalmente, ele permite ao patrão reduzir à miséria o
operário; ao proprietário expulsá-lo, com a sua família, mesmo quando não encontre
nenhum asilo; ao negociante ou ao usurário explorá-lo, sem que a lei o ampare".(4)

E isso tudo ocorreu porque o Direito Contratual, tal como concebido pelos juristas
influenciados pelas idéias individualistas do séc. XIX, estaria assentado no princípio da
igualdade das partes contratantes, ignorando que tal isonomia é apenas aparente.

Sobretudo após as duas grandes guerras, tais desigualdades tornaram-se cada vez mais
nítidas, e os Estados passaram a intervir no âmbito da autonomia privada para tentar
reequilibrar os pratos da balança negocial, caracterizando o processo denominado pela
doutrina civilista de dirigismo contratual.

Nesse contexto, desponta o contrato de adesão – nomenclatura consagrada em 1901 por


Raymond Saleilles(5) - como resultado das alterações experimentadas pela política e
economia do mundo, tornando ainda mais vulnerável a posição do contratante
hipossuficiente.

Tão comum nos dias que correm, seria inconcebível no século XVIII imaginar-se uma
figura contratual em que todo o conteúdo do negócio fosse ditado apenas por uma das
partes, ou que demandasse, para a sua validade, a anuência dos órgãos governamentais.

É o resultado do progresso humano.

Por força desta mudança de rumos, sob a influência de idéias solidaristas e em face da
hipertrofia do Estado, as legislações foram levadas ao dirigismo contratual para proteger o
economicamente fraco.

Tal ingerência estatal, traduzida por normas de ordem pública condicionadoras do direito
de contratar, foi fruto da necessidade de se impor limite aos organismos empresariais
economicamente fortes, cuja situação na relação contratual, por si só, desequilibraria a
balança de interesses, em detrimento da outra parte contratante.

Com efeito, enquanto absoluta a idéia do liberalismo puro, tinha-se como dogma a
"igualdade" dos contratantes, ligado umbilicalmente à "liberdade de contratar".

Acontece que a experiência dos regimes liberais nascidos da Revolução Francesa acabou
por impor o reconhecimento da irrealidade de tais dogmas, sobretudo pela notória
diferença social e econômica entre os contratantes, que levava, muitas vezes, o mais forte
– em uma verdadeira fagocitose jurídica – a querer engolir o mais fraco.
Nesse diapasão, forçoso reconhecer que o dirigismo contratual da segunda metade do
século XX, alteraria profundamente a feição do Direito das Obrigações, mudando, até
mesmo, o eixo interpretativo do contrato, que passaria a ser, não mais o instrumento de
opressão do mais forte, mas sim, dentro da concepção de BETTI, uma simples
oportunidade para a manifestação de vontade das partes contratantes.

Aliás, o Professor Álvaro Villaça Azevedo, um dos maiores civilistas brasileiros na


atualidade, profetizou que "de futuro, certamente, no plano internacional, deverá existir um
sistema jurídico de ordem pública, para que se coíbam, abuso nas contratações,
preservando-se, assim, principalmente, a própria dignidade dos povos em
desenvolvimento. "(6)

Tal fenômeno, todavia, não poderia significar, como pretenderam alguns, a aniquilação da
vontade individual, da autonomia privada, a decadência do próprio contrato(7).

A respeito do tema, emocionantes são as palavras do magistral civilista belga Henry de


Page: "semelhante sistema seria pura utopia. Só se conceberia isto num sistema
autoritário integral, onde o intervencionismo estatal seria tudo, e o indivíduo, nada. Vê-se,
facilmente, que aqueles que a pretexto de evitar a exploração dos fracos pelos fortes,
sonham com tal sistema, se constituiriam, em definitivo, em coveiros da liberdade.
Observe-se, outrossim, que a partir do momento em que toda a atividade contratual seja
irremediavelmente submetida a um tipo único e rígido de justiça legal, toda vida
econômica, todo prêmio ao esforço, à capacidade, à habilidade, correm o risco de
desaparecer".(8)

Toda essa mudança na disciplina normativa do contrato – do individualismo absoluto ao


dirigismo contratual – acabou por relativizar a sua força obrigatória.

Por longo tempo, entendeu-se que os pactos eram informados pelo inatacável princípio da
obrigatoriedade (pacta sunt servanda), de forma que deviam ser cumpridos sempre, sob
pena de execução patrimonial. Ou seja, por decorrer da livre manifestação de vontades
das partes contratantes, que se presumiam iguais, o contrato fazia lei entre elas, tornado-
se obrigatório e intangível.

O Direito Contemporâneo, todavia, diante de toda evolução no regime jurídico do contrato,


cuidou de relativizar a obrigatoriedade contratual, permitindo a revisão do conteúdo do
negócio, ou até mesmo a resolução da avença, em virtude de transformações
imprevisíveis que onerassem sobremaneira a situação jurídica de um dos contratantes.

A esse respeito, proféticas são as palavras do culto Arnoldo Wald: "num mundo em que
nada mais é absoluto, o contrato, para subsistir, aderiu ao relativismo, que se tornou
condição de sua sobrevivência no tempo, em virtude da incerteza generalizada, da
globalização da economia, e da imprevisão institucionalizada"(9).

Assim, temperando o princípio da obrigatoriedade, em um primeiro momento a


jurisprudência cuidou de revivescer a antiga cláusula rebus sic stantibus do Direito
Canônico, segunda a qual nos contratos comutativos de longo prazo, a execução devia
ser feita sob o pressuposto de terem as condições externas permanecido imutáveis.
Tal recurso à antiga cláusula tornou-se imperioso, sobretudo após os estragos causados
pela Primeira Grande Guerra Mundial(10).

A partir do ressurgimento desta cláusula medieval, o processo evolutivo, principalmente


alimentado pela doutrina e jurisprudência francesas, desenvolveu a chamada teoria da
imprevisão(11), pondo por terra o caráter absoluto do princípio do pacta sunt servanda.

2. A TEORIA DA IMPREVISÃO

A Lei 48 do Código de Hammurabi, grafado em pedra 2.700 anos antes de nossa era, já
trazia latente tão importante teoria:

"se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo ou


destrói a colheita, ou por falta de água não cresce o trigo no campo,
ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua
tábua de contrato e não pagar juros por esse ano."(12)

O Direito Romano não cuidou de sistematizar regras que conferissem ao pretor um poder
de revisão do contrato.

Na Idade Média, sob o influxo do Direito Canônico, consagrou-se a cláusula rebus sic
stantibus, segundo a qual, por imperativo de equidade, a subsistência de uma relação
contratual estaria na dependência de persistirem as circunstâncias existentes no momento
da conclusão do contrato.

Em fins do século XVIII, com a ascensão do individualismo liberal, a cláusula entra em


franca decadência, não merecendo, inclusive, nenhuma referência no Código de
Napoleão.

Aniquilada, a cláusula rebus sic stantibus veio a ressurgir em nosso século após a Primeira
Grande Guerra Mundial, ao tempo em que a economia européia encontrava-se
desequilibrada e vulnerável.

Conforme noticiamos acima, as transformações imprevistas e imprevisíveis ditadas pela


Guerra foram de tal ordem que, a manterem-se rigidamente os contratos comutativos de
trato sucessivo ou de execução continuada, sem qualquer revisão, chegar-se-ia a
intoleráveis situações, de enorme e injusto enriquecimento de um dos contratantes à custa
da ruína total, ou quase total, do outro.

Nesse contexto, surge a primeira lei francesa de revisão dos contratos: a Lei Failliot de 21
de maio de 1918.

Com nova roupagem jurídica, a cláusula rebus sic stantibus desponta sob a denominação
de teoria da imprevisão – consistente no reconhecimento de que a ocorrência de
acontecimentos novos, imprevisíveis pelas partes e a elas não-imputáveis, refletindo sobre
a economia ou na execução do contrato, autorizam sua revisão, para ajustá-lo às
circunstâncias supervenientes.

A esse respeito, preleciona o culto Professor Miguel Maria de Serpa Lopes: "a imprevisão
consiste, assim, no desequilíbrio das prestações sucessivas ou diferidas, em
conseqüência de acontecimentos ulteriores à formação do contrato, independentemente
da vontade das partes, de tal forma extraordinários e anormais que impossível se tornava
prevê-los razoável e antecedentemente. São acontecimentos supervenientes que alteram
profundamente a economia do contrato, por tal forma perturbando o seu equilíbrio, como
inicialmente estava fixado, que se torna certo que as partes jamais contratariam se
pudessem ter podido antes antever esses fatos. Se, em tais circunstâncias, o contrato
fosse mantido, redundaria num enriquecimento anormal, em benefício do credor,
determinando um empobrecimento da mesma natureza, em relação ao devedor.
Consequentemente, a imprevisão tende a alterar ou excluir a força obrigatória dos
contratos."(13)

Tomemos uma hipótese recente de aplicação desta teoria.

Há pouco tempo, noticiou-se uma grave crise financeira, marcada pela fuga expressiva de
investimentos estrangeiros em nosso país, o que acarretou a alta explosiva da taxa do
dólar. Muitos contratos para a aquisição de bens móveis duráveis (automóveis, por
exemplo), utilizavam indexadores atrelados à variação do dólar, para a atualização das
parcelas devidas pelo consumidor. Ora, em função da alta imprevisível do dólar, uma vez
que a majoração operou-se de forma desarrazoada, muitos consumidores invocaram a
teoria da imprevisão para obter a revisão judicial do contrato, com o escopo de se
reequilibrar o eixo obrigacional da avença, evitando-se o indevido enriquecimento do
credor.

E para que não haja dúvidas quanto à aplicação de tão importante teoria, cumpre, neste
ponto, invocar a autorizada lição do Professor Arnoldo Medeiros da Fonseca, um dos
juristas que melhor tratou da matéria entre nós, e que cuidou de sistematizar os
pressupostos da teoria da imprevisão:

A) a alteração radical no ambiente objetivo existente ao tempo da formação do contrato,


decorrente de circunstâncias imprevistas e imprevisíveis;

B) onerosidade excessiva para o devedor e não compensada por outras vantagens


auferidas anteriormente, ou ainda esperáveis, diante dos termos do ajuste;

C) enriquecimento inesperado e injusto para o credor, como conseqüência direta da


superveniência imprevista(14).

Quanto aos efeitos da teoria da imprevisão, Zaki(15) anota que nem sempre a resolução
do contrato é a melhor solução, uma vez que, em sendo possível e razoável, poderá o juiz
revisar os termos da avença, adaptando-a à novas condições fáticas. Aliás, preferimos
colocar como regra a possibilidade de revisão, com vistas a se tentar manter o vínculo
contratual firmado entre as partes, à luz do princípio da conservação do contrato.
Aliás, o nosso Projeto de Código Civil, cuidando do tema com alguns temperamentos, em
sua Parte Especial, Livro I, Título V, Capítulo II, Seção IV, intitulada "Da onerosidade
excessiva", acaba por consagrar normas que autorizarão, em caso de superveniência de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, a resolução, e, em algumas hipóteses, até
mesmo a revisão do contrato(16).

Fixadas tais premissas, duas importantes advertências devem ser feitas.

A teoria da imprevisão não aboliu simplesmente o princípio da força obrigatória dos


contratos, nem permitiu que se pretendesse a resolução ou revisão judicial do negócio,
simplesmente porque a execução ficou mais onerosa, dentro da previsibilidade natural
inserta na álea de todo o contrato. Ou seja, não se admite a aplicação da teoria
simplesmente porque a parte fez um mau negócio (risco previsto).

Outro erro muito comum consiste em confundir-se a teoria da imprevisão com as hipóteses
de caso fortuito ou força maior(17). A teoria revisionista pressupõe a superveniência de
fato imprevisto que dificulta excessivamente a prestação de uma das partes, impondo,
como regra, a revisão das cláusulas contratuais; ao passo que o caso fortuito e a força
maior ocasionam a impossibilidade absoluta no cumprimento da avença, determinando a
extinção do contrato, a teor do art. 1058 do CC.

3. A TEORIA DA IMPREVISÃO E O DIREITO CIVIL BRASILEIRO

O Código Civil Brasileiro não consagrou, de modo expresso e em capítulo próprio, a teoria
da imprevisão como regra geral de revisão dos contratos, embora haja consignado,
segundo a doutrina, em alguns dispositivos esparsos, aplicações particulares da teoria
(ex.: no Direito de Família: a alteração da situação econômica do alimentante e do
alimentando autoriza a revisão da pensão alimentar – art. 401, CC; no Direito Obrigacional,
ao credor assiste o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no
contrato: III - se cessarem, ou se tornarem insuficientes as garantias do débito,
fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las – art. 954, CC).

Nessa linha, saliente-se a importância da jurisprudência e da legislação especial, que,


reforçando a tendência de se impedir a escravidão contratual decorrente do absolutismo
do pacta sunt servanda, consagram amplamente a teoria da imprevisão, a qual, com
alguns matizes novos, passa a ser tratada em alguns diplomas como teoria da
onerosidade excessiva.

A Lei do Inquilinato é um bom reflexo desta tendência da legislação especial(18), quando,


em seu art. 19, em caso de não haver acordo, após três anos de vigência do contrato,
admite a revisão judicial do aluguel, para ajustá-lo ao preço de mercado.

No Direito Público, a consagração da teoria da imprevisão é amplamente admitida pela


doutrina, no que tange aos contratos administrativos, com vistas à preservação do
equilíbrio contratual (art. 65, II, d, da Lei nº 8666/93).
Ao embalo desse argumentos, constata-se a nítida tendência de se consagrar
legislativamente a teoria da imprevisão, a fim de que esta importante construção jurídica
não se assente apenas em leis esparsas ou seja apenas produto do trabalho
jurisprudencial, mas sim, instituto consagrado no próprio corpo do Código Civil, aplicável
às relações civis em geral.

4. O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A REVISÃO CONTRATUAL

O Código de Defesa do Consumidor consagra a possibilidade de modificação das


cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em
razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (art. 6º, V, do
CDC).

Frise-se, em linha de princípio, que respeitável corrente doutrinária não reconhece a


perfeita adequação desta norma aos pressupostos gerais da teoria da imprevisão, uma
vez que não faz referência à imprevisibilidade do acontecimento.

O fato é, todavia, que a denominada teoria da onerosidade excessiva, consagrada na Lei


nº 8078/90, admite a revisão contratual em termos menos rígidos do que os da teoria da
imprevisão, talvez em atenção à hipossuficiência do consumidor(19).

Seguindo a linha de pensamento do brilhante Nelson Nery Jr., verdade é que no sistema
do Código de Defesa do Consumidor, o princípio da obrigatoriedade do contrato (pacta
sunt servanda) não atinge de modo integral o consumidor, nem o próprio fornecedor. O
primeiro, por força do art. 6º, V, do CDC, que consagra a possibilidade de revisão do
contrato; o segundo, por força do art. 51, § 2º, do CDC, que permite a resolução – não a
revisão – do contrato, quando, da nulidade de uma cláusula, apesar dos esforços de
integração do contrato, decorrer ônus excessivo para qualquer das partes(20).

A esse respeito, o Professor João Batista de Almeida, 1º Vice-Presidente do Instituto


Brasileiro de Política e Defesa do Consumidor, conclui: "Pela sistemática do Código de
Defesa do Consumidor, busca-se garantir a conservação do contrato, de tal sorte que,
expurgado das cláusulas abusivas, tenha condições de sobreviver e ser cumprido pelas
partes, já que restabelecido o equilíbrio contratual. Caso não seja possível restabelecer-se
esse equilíbrio, apesar dos esforços de integração, pois que o ônus excessivo terá que ser
suportado por uma das partes, nessa hipótese permite o Código de Defesa do Consumidor
a resolução do contrato (art. 51, § 2º)"(21).

Assim, não sendo possível a composição da lide e nem o caso de nulidade incontornável,
poderá o juiz, por força do poder revisionista que lhe é conferido, em defesa do direito do
consumidor (art. 6º, V), prolatar sentença constitutiva para rever o eixo obrigacional do
contrato, alterando a base normativa da avença.

5. CONCLUSÃO
O direito atual prioriza o justo equilíbrio entre as partes de um negócio jurídico,
ressaltando, assim, a função social do contrato.

Para tanto, não se imagina mais absoluta a igualdade entre os contratantes, como
pretendiam os cultores do individualismo voluntarista do século XIX.

Sobre o tema, anotem-se as percucientes palavras do Mestre Alvino Lima: "O princípio da
igualdade, tão nobremente alçado como dogma fundamental da concepção individualista,
assegurando uma igualdade formal, criou o abismo mais profundo entre os homens,
porque se esqueceu de que a igualdade legal não corrige as desigualdades sociais e
econômicas reveladas na vida. Destruiu-se, ante o egoísmo humano, que encontrou, na
própria lei, o amparo para a exploração do mais fraco social e economicamente. A
liberdade contratual tornou-se, na realidade social, a liberdade da ditadura do que é
socialmente poderoso, e a escravidão do que é socialmente fraco."(22)

Sob a ótica do Direito Civil Constitucional, o fato é que, diante do disposto na Carta Magna
de 1988 – em especial nos arts. 1º, 170, e 5º, XXXV –, não mais se pode conceber um
contrato em que impere o desequilíbrio, a ausência de boa fé e equidade, a vantagem
exagerada de um dos contraentes e o prejuízo acentuado do outro, mesmo nas relações
firmadas entre particulares que continuam a ser reguladas pelo Código Civil Brasileiro(23).

Humaniza-se a idéia do contrato, que seria uma simples oportunidade para que as partes
manifestassem as suas vontades (BETTI), e não um instrumento de opressão econômica.

Nesse contexto, como vimos, a teoria da imprevisão, reforçada pela esperada aprovação
do Projeto do Código Civil, caracteriza-se por ser um dos instrumentos de socialização do
contrato, na medida em que, por imperativo de equidade, permite o restabelecimento do
equilíbrio negocial injustamente violado por força de um acontecimento imprevisível.

NOTAS

1 WALD, Arnoldo. O contrato: passado, presente e futuro - Revista da Associação dos


Magistrados Brasileiros. Ano IV, número 08. Rio de Janeiro, 1º semestre de 2000.

2 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. III. 10 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1997.

3 Outra não é a lição do Mestre Darcy Bessone que preleciona: "o formalismo,
extremamente rigoroso em direito romano, deixou-se substituir, progressivamente, pela
consensualidade, que logo conduziu ao princípio da liberdade da forma nas convenções,
segundo o qual ‘a validade das declarações de vontade não dependerá de forma especial’,
senão quando a lei expressamente a exigir – art. 82. " (BESSONE, Darcy. Do Contrato –
Teoria Geral. 4.ed. São Paulo: Saraiva).

4 BESSONE, Darcy. Ob. cit, pág. 33.


5 SALEILLES, Raymond. De la déclaration de volonté. Paris: Librairie Générale de Droit et
de Jurisprudence.

6 AZEVEDO, Álvaro Villaça de. Princípios Gerais de Direito Contratual, 1997, p. 100, cit.
por FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

7 Nesse sentido, o pensamento de MORIN, DUGUIT, SAVATIER, JOSSERAND, RIPERT,


dentre outros.

8 Cit. por JR. THEODORO, Humberto. O Contrato e Seus Princípios. Rio de Janeiro: 1993.

9 WALD, Arnoldo. Art. citado.

10 Já em 1918, surgiria a primeira Lei Francesa de revisão dos contratos – a Lei Failliot,
seguindo-se-lhe, inclusive após a Segunda Grande Guerra, numerosos outros diplomas
legais de emergência no mesmo sentido.(BRUNO, Vânia da Cunha. A Teoria da
Imprevisão e o Atual Direito Privado Internacional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1994). É
digno de registro ainda que, na Itália, antes da Lei Failliot, apontada como o marco
legislativo da teoria da imprevisão, em 1915, um decreto já havia equiparado à força maior
a circunstância que tornasse excessivamente onerosa a obrigação assumida antes da
mobilização geral decorrente da guerra (BESSONE, Darcy, ob. cit.).

11 Com fundamento na cláusula rebus sic stantibus, no decorrer deste século várias
teorias desenvolveram-se, a despeito de a doutrina haver consagrado a teoria da
imprevisão, como o "remate do processo evolutivo" (BESSONE). Citem-se as seguintes
teorias: da "pressuposição", de Windscheid; da "vontade marginal", de Osti; da "base do
negócio jurídico", de Oertmann; da "vontade eficaz", de Kaufmann; do "erro", de Giovène;
da "situação extraordinária", de Bruzin; da "diligência", de Hartmann; do "estado de
necessidade", de Lehmann e Coviello e do "equilíbrio das prestações", de Giorgi e Lenel
(cf. SIDOU, J.M. Othon. Resolução Judicial dos Contratos - Cláusula Rebus Sic Stantibus
– e Contratos de Adesão – No Direito Vigente e no Projeto do Código Civil. 3.ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2000).

12 Cf. SIDOU, J.M. Othon, cit. por Vânia da Cunha Bruno.

13 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil, Vol. III. 5. 6d. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 2001.

14 FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão. 2.ed. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1943.

15 ZAKI. L’imprévision en droit anglais, cit. por BESSONE, ob. cit.

16 No Projeto do Código Civil, segundo o Relatório Final do Deputado Ricardo Fiúza: "Art.
478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes
se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra em virtude
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do
contrato. Parágrafo único. Os efeitos da sentença que decretar a resolução do contrato
retroagirão à data da citação. Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o
réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato. Art. 480. Se no contrato, as
obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação
seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva."

17 Uma das mais tormentosas tarefas do estudioso do Direito Civil é fixar a diferença entre
caso fortuito e força maior. A doutrina não se entende, propendendo a considerar força
maior o fato inevitável que independe da vontade do homem (um terremoto), e caso
fortuito aquele imprevisível, decorrente da atuação humana (uma greve). Nesse ponto,
preferimos a posição acertada do estimado Professor Silvio de Salvo Venosa, que,
interpretando o Código Civil, pontifica: "caso fortuito e força maior são situações
invencíveis, que refogem às forças humanas, ou às forças do devedor, impedindo e
impossibilitando o cumprimento da obrigação." (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil –
Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, Vol. 2.São Paulo: Atlas, 2001).

18 Sobre a crise da codificação e a importância das leis especiais no Direito Civil,


formadoras de verdadeiros microssistemas jurídicos, consulte-se TEPEDINO, Gustavo.
Problemas de Direito Civil Constitucional. Introdução: Código Civil, os chamados
microssistemas e a Constituição: premissas para uma reforma legislativa. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000.

19 A respeito do caráter protetivo do Código de Defesa do Consumidor, conclui a


Professora Aline Arquette Leite Novais: "Portanto, através da edição do Código de Defesa
do Consumidor, o Estado garante o respeito ao princípio da tutela do contratante débil,
como forma de promover a realização da igualdade material." (Os Novos Paradigmas da
Teoria Contratual: O Princípio da Boa Fé Objetiva e o Princípio da Tutela do
Hipossuficiente, in Problemas de Direito Civil Constitucional, ob. cit.)

20 JUNIOR NERY, Nélson e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor –


Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1998.

21 ALMEIDA, João Batista de. Revista do Direito do Consumidor, nº 33., Jan./Mar. de


2000, Ed. RT.

22 LIMA, Alvino, art. publicado, Revista Forense, Vol. 80;19, cit. por LOPES, Miguel Maria
de Serpa, ob. cit.

23 CAMARGO VIANA, Rui Geraldo de, ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Temas Atuais
de Direito Civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2000.

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