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COMPETÊNCIA LEGISLATIVA MUNICIPAL1

Medidas Provisórias

Rogério Roberto Gonçalves de Abreu2

SUMÁRIO: I – Introdução. II – A Importância das normas. III –


Topografia normativa em escala vertical. IV – A forma do Estado
Brasileiro. V – Efeitos da forma federativa de Estado para o quadro
normativo dos entes estatais. VI – Leis delegadas e medidas
provisórias como espécies normativas ínsitas aos ordenamentos
jurídicos estadual e municipal. VII – Conclusão. VIII – Bibliografia.

I. INTRODUÇÃO

O estudo do tema ora apresentado nos obriga à formulação de algumas


considerações imprescindíveis à devida colocação do assunto, não tanto por sua
densidade, mas principalmente pela abrangência que um debate realmente
percuciente exige. Assim, impõem-se algumas palavras introdutórias referentes à
importância das normas, sua topografia normativa em escala vertical, à forma do
Estado Brasileiro e às respectivas conseqüências de tais aspectos para a questão do
estudo da competência legislativa municipal.

Em uma segunda parte de nosso estudo, trataremos da instigante discussão


acerca da possibilidade jurídica de adoção das medidas provisórias como instrumento
normativo da administração municipal, editadas que sejam pelo respectivo Chefe do
Poder Executivo: os Prefeitos Municipais.

1
Última atualização: maio/2004.
2
Mestre em direito econômico pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Especialista em direito
fiscal e tributário pela Universidade Cândido Mendes (UCAM/RJ). Juiz federal na Paraíba. Professor do
Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ/PB).
2

II. A IMPORTÂNCIA DAS NORMAS

Muito já se discutiu sobre a existência do Direito, sobre a sua origem, criação,


necessidade, utilidade e legitimidade. Desde os mais remotos tempos, os jusfilósofos
se preocupavam em responder tais questões, donde surgiram brilhantes respostas a
não menos brilhantes perguntas. A máximas como “o homem é um ser social” se
uniram “ubi jus ibi societas” (onde está o Direito está a Sociedade), evoluindo para “ubi
societas ibi jus” (onde está a Sociedade está o Direito).

Demonstra-se logicamente, com isso, que o Direito é algo ínsito à natureza


humana, o qual imprescinde de regras jurídicas para sobreviver. Considerar o homem
um ser social é atribuir-lhe a necessidade de viver em Sociedade para sua própria
sobrevivência (e não se leia apenas sobrevivência física imediata, mas, e
principalmente, sua sobrevivência como espécie humana em atividade de
perpetuação). De outra parte, as pessoas, em suas respectivas individualidades,
possuem necessidades pessoais, coletivas, sociais, às quais demandam bens
culturais para sua satisfação e, sendo tais bens existentes em escala finita e limitada,
inevitável concluir-se que inúmeras desavenças haverão de surgir quando dois ou
mais indivíduos, no afã de satisfazer às suas individualidades, demandarem um único
e limitado bem natural ou cultural. As desavenças, assim, propiciarão, ao longo do
tempo, intermináveis conflitos que podem culminar na destruição da possibilidade
humana de viver em Sociedade.

Tal caótica situação, de fato, não ocorre. E não ocorre exatamente porque a
Sociedade, de forma coletiva, estabelece abstratamente soluções para os conflitos
mais comuns que se verificam no seio da comunidade. Tais soluções, consolidadas,
assumem a feição de modelos de conduta imponíveis pela Sociedade que,
interessada em sua própria sobrevivência, estabelece formas de imposição de tais
modelos de conduta aos seus integrantes, agindo executiva e coativamente no
sentido de dar efetividade às regras anteriormente traçadas pela própria Sociedade.

Tais modelos de conduta — surgidos na necessidade da própria Sociedade


de se perpetuar, e bem assim de servir-se como meio para a perenização e
desenvolvimento da raça humana — compõem a célula primária das normas
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jurídicas, de imposição à totalidade dos integrantes do grande complexo social em


que vivem todos e cada um dos indivíduos, os quais são compelidos a aceitá-las e a
conduzirem-se de acordo com seus preceitos, sob pena de, violando-as,
sujeitarem-se à execução coativa (quando possível) ou ao sancionamento da conduta
anti-social.

Temos, pois, de forma simplificada, a demonstração lógica do antigo brocardo


acima transcrito, ubi societas ibi jus, pelo que a própria Sociedade, como instrumento
da sobrevivência dos seus integrantes, utiliza-se das regras jurídicas — o Direito — de
molde a promover sua perpetuação e, com isso, assegurar a existência da vida social
dos seus componentes. Aparecem as normas jurídicas, assim, como elemento
indispensável da Sociedade e, sendo a própria vida em Sociedade como da essência
da natureza humana, impossível concluir de forma diversa de que as normas são
elemento imprescindível ao homem em sua luta, como indivíduo, como coletividade e
como espécie humana, pelo desenvolvimento, evolução e perenização.

III. TOPOGRAFIA NORMATIVA EM ESCALA VERTICAL

Conforme observamos no tópico anterior, a existência da vida do indivíduo em


Sociedade, assim como da própria Sociedade em si, pressupõe normas jurídicas que
regulem as formas pelas quais exercem os indivíduos as atividades necessárias à
satisfação de suas necessidades e interesses, bem como a própria coletividade e os
diferentes grupos em seus variados níveis de organização. Com o desenvolvimento
da organização social, surgem, assim, direitos individuais, coletivos, difusos, sociais,
políticos, de nacionalidade, patrimoniais, pessoais, personalíssimos, públicos,
privados etc. Algumas normas se limitam a introduzir, no seio da comunidade, uma
faculdade, uma obrigação, um dever, um direito. Outras especificam e minudenciam
os aspectos de tais direitos e deveres, e ainda outras dispõem acerca das formas
pelas quais serão observados, impostos ou exercidos. Agrupadas as normas jurídicas
de acordo com os diferentes critérios acima discriminados, observamos que tais
normas não se apresentam com a mesma tessitura normativa. Ao contrário, enquanto
algumas se limitam a estabelecer princípios de forma geral, ampla e vaga, outras os
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aperfeiçoam de modo a tornar preciso, específico, claro e delineado o preceito e as


faculdades dele decorrentes.

Encontramos, ainda, no conjunto normativo formado por todas as regras de


observância coativa estatuídas pela Sociedade, normas jurídicas com finalidades
específicas. Assim, encontramos normas que se destinam, precipuamente, à
fundação e organização da Sociedade, o estabelecimento de suas finalidades,
objetivos, princípios norteadores, responsabilidades, obrigações e limites. Tais
normas promovem a constituição da Sociedade como entidade política que, neste
passo, adquire personalidade jurídica que a faz juridicamente independente dos seus
integrantes, atuando sempre em nome próprio. Tal norma fundamental (eis que tem a
finalidade de fundar a Sociedade Politicamente Organizada — o Estado) estabelece
preceitos que criam política e juridicamente a pessoa jurídica representativa da
Sociedade, estabelece suas funções e obrigações perante outras do mesmo gênero e
perante seus integrantes, e traça os limites de sua atuação frente a estes, instituindo
os chamados Direitos e Garantias Fundamentais.

Como se falou, a par de tais normas de superior importância, algumas existem


que completam, em grau inferior, os princípios traçados na Norma Fundamental, bem
como outras que, sem tal função, disciplinam relações jurídicas que não são alçadas à
relevância que aquelas questões apresentam. Tais normas, por outro lado, uma vez
que constituem produto da atuação normativa do Estado, e sendo este fruto da Norma
Fundamental que o cria, jamais poderão conflitar com esta norma fundante. Não se
concebe que as normas-produto entrem em contradição lógica e almejem se sobrepor
à Constituição — Diploma criador do Estado.

Uma vez que a Norma Fundamental é estabelecida pela Sociedade num ato
de soberano poder político (através de uma Assembléia Nacional Constituinte), a qual
constitui os chamados Poderes do Estado que, por tal motivo, são chamados Poderes
Constituídos (em contraposição ao Poder Constituinte), e sendo as demais normas
fruto de tal Poder Constituído, teríamos a inevitável incongruência de que o Poder
Constituído sobrepujasse o Poder Constituinte se fosse permitido ao produto legislado
contrariar e suprimir disposições estabelecidas na citada norma fundante. Sendo
assim, todas as normas jurídicas de hierarquia inferior buscam seu fundamento de
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validade na Norma Fundamental (hierarquicamente superior a todas as normas


oriundas do Poder Constituído).

Mas o acervo normativo do Estado não se finda apenas nestes dois degraus.
Outras, mais particularizantes, poderão surgir a partir dos mesmos ou de outros
órgãos legiferantes, as quais deverão obediência lógica e haverão de ter
compatibilidade com as normas superiores (em que buscam seu fundamento de
validade) e, em última escala, com a Norma Fundamental. A pirâmide normativa
acima traçada apresenta tal Norma Fundamental (dita Constituição) no ápice, e os
mais singelos atos administrativos de efeitos normativos (ou não) na sua base.

A topografia normativa se apresenta caracterizada como a regra


lógico-jurídica de compatibilidade vertical entre as diversas normas existentes no
acervo normativo de um Estado. A avaliação quanto à correta localização topográfica
de um dado preceito normativo dir-nos-á o grau de obrigatoriedade que possui tal
norma em face de outras que eventualmente com ela venham conflitar, pendendo o
resultado do confronto entre as diversas normas que se digladiam em uma
incompatibilidade vertical sempre a favor das normas de hierarquia superior. Em
termos simples, pode-se dizer que existe compatibilidade vertical quando as normas
hierarquicamente inferiores (na pirâmide normativa) não dispõem contrariamente, em
nenhum aspecto, às normas superiores, nem tampouco foram originadas por
processo em que se subverteram regras de observância obrigatória, e, finalmente,
permanecem compatíveis em face de modificações ou inovações colacionadas por
outras normas superiores.

No ordenamento jurídico brasileiro, a norma de grau hierárquico máximo é a


Constituição da República Federativa do Brasil, prevendo esta, como normas
infraconstitucionais (portanto, imediatamente inferiores à Constituição, nesta
buscando seu fundamento de validade), as emendas à Constituição, as leis
complementares, leis ordinárias, leis delegadas, as medidas provisórias, os decretos
legislativos e as resoluções (art. 59).

Quanto às emendas à Constituição, vale dizer, sujeitam-se estas à análise de


compatibilização vertical em todas as formas existentes, ou seja, material ou formal,
nos mesmos moldes que todas as demais normas jurídicas discriminadas, mesmo
após toda a tramitação do processo legislativo. Entretanto, são atos
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infraconstitucionais apenas até a sua total aprovação pelo Poder Legislativo e a


devida incorporação ao texto constitucional, observando-se a necessidade de
publicação e aquisição de vigência. As demais se distinguem especialmente quanto à
forma de sua gênese e quanto à matéria constitucionalmente destinada a
regulamentação por parte da respectiva modalidade normativa. Assim, tem-se que a
forma de elaboração e origem de uma lei complementar é totalmente diferente da de
um decreto legislativo ou de uma lei delegada. Por outro lado, a Constituição Federal
aponta determinadas matérias que deverão ser disciplinadas por lei complementar,
outras por resolução, outras por decreto legislativo, silenciando na maior parte dos
casos (sendo certo afirmarmos tratar-se de um silêncio eloqüente, porquanto se
entenda que, em nada dispondo quanto a isso, indicou-se, em regra, a espécie
normativa da lei ordinária).

Adentrando em tal seara, temos presente terrível desavença entre


doutrinadores (em especial, constitucionalistas) de estirpe, acerca da existência ou
não de hierarquia entre as normas acima elencadas (constantes da enumeração do
artigo 59 da Constituição Federal). Para uns, sendo todas as normas oriundas, ou
seja, buscando todas elas o seu fundamento de validade no próprio texto
constitucional, seriam exatamente da mesma topografia normativa, ocupando a
mesma escala ou degrau na pirâmide kelseniana. Para outros, sendo correto
afirmar-se que, demandando o procedimento de elaboração das leis complementares
quorum especial (maioria absoluta), seriam estas hierarquicamente superiores às
demais, com exceção das emendas à Constituição, estas, com um quorum
qualificado, de hierarquia mais elevada ainda em face das leis complementares.

O problema se situa, como se pode observar, na escolha do critério de


classificação. Ao se adotar, como critério de classificação, a simples necessidade
formal de quorum qualificado, ou a maior dificuldade do procedimento de elaboração e
aprovação, tem-se efetivamente como correta a segunda corrente doutrinária, eis que
qualifica topograficamente as normas segundo seus respectivos procedimentos
legiferantes. Por outro lado, admitindo-se como critério de classificação a respectiva
fonte de validade da norma em epígrafe, tem-se como correta a primeira corrente,
uma vez que, de fato, as normas oriundas de leis ordinárias não buscam seu
fundamento de validade em leis complementares, mas diretamente no texto
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constitucional. Qual interpretação se encontraria mais consentânea com a lógica


jurídica?

Entendemos, em primeiro lugar, incorreto o expediente de classificar as


normas jurídicas apenas segundo seu processo de origem e confecção. Os
procedimentos de gênese das normas são traçados diretamente pelo texto
constitucional, consistindo peculiaridade do ordenamento jurídico assim estabelecido.
Condicionando-se a classificação hierárquica das normas jurídicas tão somente em
função de seu procedimento, portanto, seria admitir que a hierarquia das normas é um
aspecto totalmente peculiar a cada Estado, totalmente mutável, variável e, finalmente,
sem nenhuma precisão científica, posto que sempre dependente do Direito
Constitucional Positivo respectivo. Haver-se-ia que deslocar seu estudo dos lindes da
Teoria Geral do Direito Constitucional para o estudo do Direito Constitucional Positivo.

Força é concluir que a alteração do texto constitucional, para aumentar ou


diminuir o grau de dificuldade na elaboração de uma modalidade normativa, em um
dado ordenamento jurídico, seria meio bastante para modificar a topografia da
pirâmide (revelando-se inexistir critério científico em tal classificação). Outrossim, tal
meio de classificação não se coaduna com as constituições flexíveis (onde os
dispositivos constitucionais podem ser alterados por procedimento legislativo
ordinário) ou semi-rígidas (onde parte de seu texto é modificável por procedimento
legislativo ordinário). Basta lembrar a Constituição Imperial Brasileira, onde se
dispunha que algumas normas do texto constitucional seriam modificáveis por via de
processo legislativo ordinário. A se admitir como correta tal forma de classificação,
chegaríamos ao seguinte impasse: tais normas constitucionais modificáveis pelo
procedimento simplificado seriam hierarquicamente superiores às leis ordinárias,
modificáveis pelo mesmo procedimento, ou seriam da mesma hierarquia? Seria
possível admitir normas constitucionais (via de regra, normas fundamentais do
Estado, oriundas do Poder Constituinte) de hierarquia igual a das leis ordinárias?
Seria também possível haver hierarquia dentro da própria Constituição?

Tais questões merecem profundas reflexões, talvez até incabíveis no


presente trabalho. Entretanto, temos a dizer que, mesmo sendo a hierarquia
normativa muito melhor observada e delineada nos ordenamentos instituídos por
constituições rígidas, também nos instituídos pelas semi-rígidas e flexíveis não se
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pode afirmar com seriedade inexistir completamente a figura da hierarquia normativa.


Esta, repita-se, é fundamento do sistema jurídico estatuído pelas constituições
rígidas, mas não se há de excluir a sua existência nos demais. Portanto, admitir que a
Constituição (produto do Poder Constituinte) abrigue normas da mesma hierarquia
que leis ordinárias (produto legislado oriundo do Poder Constituído) afigura-se-nos,
antes de tudo, um invencível impropério lógico-jurídico.

Merece acolhida, pois, a tese de que as normas jurídicas devem ser


hierarquicamente classificadas segundo o critério da respectiva fonte de validade,
onde temos que seriam de igual hierarquia normativa as leis complementares, leis
ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e as resoluções.
Cada uma das normas acima elencadas pertenceria à mesma topografia normativa,
ocupando o mesmo degrau da pirâmide normativa kelseniana, e se submetendo aos
ditames e vinculações pertinentes à compatibilidade vertical exigida pelo
ordenamento constitucional. Mas, destarte, sendo de igual hierarquia, como se
explicar o fato de que as leis ordinárias, delegadas, ou mesmo as medidas provisórias,
não são hábeis a substituir a lei complementar no ordenamento jurídico brasileiro? O
fato de serem da mesma topografia normativa não seria fundamento bastante para
justificar a fungibilidade da adoção de qualquer uma modalidade normativa por outra?
A resposta deve ser negativa, nos termos que adiante expomos.

A topografia normativa não pode ser critério legitimador de uma suposta


fungibilidade normativa, e a Constituição Federal jamais o permitiu. Acima se falou
que as diferentes modalidades normativas previstas no texto constitucional diferiam
entre si por questões de forma em sua origem e formação, bem como por delimitação
de matérias. Determina expressamente a Constituição, em diversos pontos de seu
texto, a específica modalidade normativa a ser utilizada pelo Poder Constituído
competente para o disciplinamento de determinada matéria por ela vislumbrada.
Remete o texto constitucional, assim, à atuação legislativa infraconstitucional a
regulamentação minuciosa do assunto por ela versado em sede de princípios, mas
determina, de imediato, a modalidade normativa a ser utilizada. Exemplos de casos
assim encontramos nos artigos 7.º, I (lei complementar), IV (lei ordinária), XIX (lei
ordinária), 14, § 9.º (lei complementar), 18, § 3.º (lei complementar), 68, § 2.º
(resolução do Congresso Nacional), 146, caput (lei complementar), 148, caput (lei
complementar), além de muitos outros. Outrossim, não se pode deixar de mencionar
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que os atos normativos expedidos por cada uma das Casas do Poder Legislativo
Federal, ou pelo Congresso Nacional, sobre as matérias enumeradas na Constituição
como de sua competência (quer exclusiva, quer privativa), terão a forma de resolução
(caso destinadas à produção de efeitos internos) ou de decreto legislativo (se os
efeitos a serem produzidos forem externos, embora se verifique na Constituição a
previsão de resoluções com efeitos externos).

É a própria Constituição, portanto, que estabelece, implícita ou


explicitamente, a modalidade normativa a ser utilizada em função da matéria sobre a
qual se expedirá o ato normativo em questão. Entende o Legislador Constituinte, pois,
de separar certos assuntos específicos para que sejam disciplinados, no plano
infraconstitucional, por uma forma específica de regra jurídica, exigindo-se, portanto,
um maior ou menor quorum para sua aprovação. Conclui-se, assim, que
determinadas matérias apenas e tão somente através de tal modalidade normativa
poderão ser regulamentadas no plano infraconstitucional, não se podendo pretender a
adoção de qualquer uma das outras, por mais especial que seja o quorum, ainda que
da mesma escala hierárquica normativa. A eventual substituição de um modelo
normativo por outro não viria ferir o modelo normativo preterido, mas sim, diretamente,
a Constituição (exemplificando, a adoção de lei ordinária por lei complementar não
agride a pretensa lei complementar que deveria ter sido promulgada, mas diretamente
o texto constitucional que determinava a adoção deste e não daquele modelo
normativo, o que já representa um fator indicativo da igualdade de hierarquia entre
ambas).

Quando o constituinte determinou ao legislador infraconstitucional a


expedição de normas gerais sobre direito tributário (CF, art. 146, caput), já dispôs qual
o modelo normativo a ser utilizado. Por outro lado, afirmou que o ato pelo qual se
outorga a delegação ao Presidente da República, no procedimento legislativo da lei
delegada, assumirá a forma de resolução do Congresso Nacional. Ora, admitindo-se a
supremacia da lei complementar em face da lei ordinária e da resolução do Congresso
Nacional, tão somente em razão de seu quorum qualificado, ou a suposta
fungibilidade advinda da localização igualitária de todas elas na pirâmide normativa,
teríamos de igualmente admitir que (a) as matérias a ser disciplinadas por lei
complementar não o poderiam ser por lei ordinária ou por resolução; e, (b) as matérias
a ser disciplinadas por resolução ou lei ordinária poderiam sê-lo por lei complementar.
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A fungibilidade permitiria a adoção da lei complementar em substituição àquelas de


quorum simplificado, mas a suposta supremacia daquela (dentro da célula formada
pelo único degrau por todas ocupado na pirâmide normativa) impediria o contrário,
i.e., a adoção das modalidades de quorum simples pela de quorum qualificado.

Tais conclusões são, segundo entendemos, um total disparate. De forma


alguma se pode cogitar da possibilidade de substituir-se uma resolução do Congresso
Nacional (ou mesmo de uma das Casas que o compõem) por lei complementar,
mesmo sendo o procedimento desta mais seguro e o quorum de aprovação
qualificado. Seria uma total subversão ao processo legislativo expressamente
estabelecido pela Constituição como sendo o único admissível para a respectiva
espécie. Uma vez que disponha a Constituição sobre a forma pela qual deverá o
legislador infraconstitucional atuar, não admite substituições, nem mesmo por falsos
motivos de segurança jurídica, o que leva totalmente por terra a tese da existência de
uma suposta fungibilidade normativa, com proeminência das leis complementares
sobre as demais em razão do quorum de aprovação, ainda que tal supremacia, como
se explicou acima, compreenda-se no seio do degrau que todas ocupam, ou esteja a
lei complementar (como na tese classificatória pelo quorum) em um degrau superior.
Como conclusão, inferimos do acima exposto que, tanto não existe fungibilidade
normativa total entre as normas apresentadas no artigo 59 da Constituição, nem
tampouco existe qualquer supremacia ou hierarquia entre as mesmas, consistindo
todas elas modelos normativos absolutamente semelhantes quanto ao locus
ocupado na escala topográfica normativa. Salientamos ser inexistente apenas a
fungibilidade normativa total, dado que realmente existe a excepcional possibilidade
de adoção de um modelo normativo por outro, como no caso de lei ordinária por
medida provisória, por lei delegada. Nos limites e segundo os requisitos
constitucionais, pensamos que estes três modelos normativos são fungíveis entre si.
Preconizamos, pois, uma fungibilidade limitada, quer quanto aos modelos em si, quer
quanto a matéria que cada um deles poderá tratar.

Cabe-nos, ainda, perquirir acerca da existência da dita fungibilidade nos


casos em que a Constituição é apenas implícita no apontar o modelo normativo
competente para a regulamentação de certa matéria. Tende-se a pensar que tal
resposta deva ser afirmativa, em face de que, silenciando a Constituição Federal, não
estaria determinando a adoção do modelo legislativo ordinário, mas tão somente
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recomendando-o, por ser o mínimo constitucional exigido para a regulamentação da


matéria. Poder-se-ia ainda apontar, como posição destoante, a tese da absoluta
infungibilidade entre as normas, pelo que jamais se poderia prescindir da adoção do
modelo normativo preconizado pela norma constitucional. A questão é delicada.
Considerando-se a real inexistência de disposição constitucional acerca da adoção do
procedimento legislativo ordinário, quando silente a norma da Constituição que
confere simplesmente à “lei” a regulamentação da matéria, cremos ser possível a
substituição de um modelo normativo por outro, com uma única e fundamental
restrição: os direitos e garantias individuais.

Tais restrições, em princípio, possuem ampla e visível aplicabilidade prática


no que concerne ao Direito Penal e ao Direito Tributário, uma vez ser exatamente em
tais ramos do Direito que os Direitos e Liberdades Constitucionais ganham maior
relevo, dada a natureza eminentemente incisiva das normas penais e tributárias,
potencialmente violadoras de direitos individuais, representativas de direitos
potestativos do Estado e que o colocam em posição quase diametralmente oposta ao
particular, gerando um antagonismo que não se verifica em outros ramos da Ciência
Jurídica. Para tais ramos do direito, não se pode dizer que a relação jurídica
predominante seja de colaboração, como ocorre no Direito Administrativo, Financeiro,
Eleitoral, Constitucional etc., mas sim de imposição ou, melhor, antagonismo,
aparecendo o particular e o Estado como partes opostas e, quase sempre, em
ferrenho litígio. Sendo assim, a fungibilidade limitada que preconizamos para os
casos em que a Constituição é simplesmente implícita no tocante ao modelo
normativo a ser adotado, necessariamente, haverá de ser submetida a profundas
restrições e limites no tocante a tais ramos da Ciência Jurídica, para que não sejam
indiretamente violados direitos individuais e garantias constitucionais dos particulares.

Entendemos que a Constituição traça certas regras com a primordial


finalidade de outorgar Direitos e Garantias aos indivíduos, além de outras que visam
efetivar e garantir a eficácia de tais Direitos. Outras normas, conquanto não
apresentem tal caráter de forma evidente, devem ter sua interpretação orientada pelos
cânones traçados, em sede de princípios, pelas normas materializadoras dos Direitos
e Garantias a que nos referimos acima. Sendo assim, normas constitucionais existem
que não podem ser interpretadas contra o particular, pela simples razão de que foram
feitas para beneficiá-lo. O exemplo mais característico de tal caso é o manejo do
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habeas-corpus pelo Ministério Público em suposto benefício do réu. Entende a


jurisprudência que, se tal remédio constitucional for utilizado pelo Parquet com
finalidade outra que não o exclusivo benefício do réu ou indiciado, haverá de ser
denegado.

Trazendo as considerações acima para o assunto ora em debate, temos que a


fungibilidade de normas jurídicas apenas existirá nos casos em que os Direitos e
Garantias Individuais não sejam violados ou agredidos, pelo que, nestes termos,
inexistirá o prejuízo e, assim, dependendo o produto legislado de considerações de
ordem política pelos poderes públicos (através do Poder competente), e sendo estes
os gestores supremos dos negócios da nação (poderes estes conferidos pelo povo no
exercício do relevante direito de sufrágio), poderão, através de sua conveniência
política, aplicar fungivelmente um modelo normativo por outro. Por outro lado, tendo
tal proceder o condão de agredir direitos e garantias fundamentais, haverá de ser
repelido pelo Poder competente, o qual poderá ser o Executivo (através do seu
controle político pelo veto), o Legislativo (pela desaprovação do projeto de iniciativa de
outro Poder), ou o Judiciário (com a declaração da inconstitucionalidade em Ação
Direta intentada para este fim).

Um exemplo em que a recomendação constitucional implícita de adoção de lei


ordinária (através de seu silêncio eloqüente) pode ser burlada para adotar o Poder
Público a forma de lei complementar estava inserto no preceito que preconizava o
estabelecimento de regime jurídico único para a regência jurídica dos servidores
públicos civis da administração direta, autárquica e fundacional de cada uma das
esferas estatais. Em tal caso, o estatuto dos servidores poderia ser feito por lei
ordinária ou, entendendo ser mais oportuno e conveniente (tal escolha seria
discricionária do Poder competente), através de lei complementar, cuja aprovação
passaria a depender de quorum qualificado.

Quanto ao segundo exemplo, encontramo-lo nas disposições constitucionais


que prescrevem a adoção de lei para a instituição, pelos entes estatais competentes,
de tributos a eles constitucionalmente conferidos. Trata-se de matéria com reserva
legal, ou seja, apenas através de lei em sentido material e formal é que tais matérias
poderão ser reguladas. É a consagração do princípio constitucional-tributário da
legalidade, o qual exige que a instituição de tributos (para posterior cobrança pelos
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órgãos da administração) seja feita sempre e unicamente por lei da entidade


tributante. Em alguns casos, verificamos que apenas através de lei complementar
poderá ser o tributo instituído, donde auferimos, a contrario sensu, que ao remeter o
assunto para o disciplinamento da lei, refere-se a CF/88 à lei ordinária. Neste caso,
indaga-se: se um dado tributo tem na Constituição a sua instituição condicionada a
feitura de simples lei, como o são o IR, IPTU, ICMS e o ISS, poderão tais tributos ser
instituídos efetivamente através de lei complementar? Observe-se que estamos
tratando de um exemplo de adoção de um modelo normativo de quorum qualificado
por outro de quorum simples, sem que haja hierarquia entre eles. É possível a
substituição com todos os seus consectários? Entendemos que não, mas nossa
opinião não pode ser tão simplista assim. Explicamos.

A instituição de um tributo, através de lei, tem o efeito de ser um ataque em


potencial ao patrimônio dos particulares e, sendo a cobrança do tributo ato vinculado e
obrigatório, uma vez que se verifique, no mundo fático, a ocorrência da hipótese de
incidência tributária (comumente chamada fato gerador), claro está que tal lei gera
gravames a direitos individuais, dado que o patrimônio é um direito resguardado pela
Constituição. Sendo assim, a lei que institui o tributo tem a força de atacar, em dado
instante, o patrimônio do particular, sendo uma restrição de direitos para este que,
mediatamente, verá seu patrimônio ser desfalcado por ato do Poder Público. Não
estamos dizendo que tal desfalque seja ilícito ou indevido, mas sem dúvida haverá a
sucumbência do direito individual (patrimônio, propriedade) em face do interesse
público (tributação). Portanto, a adoção de normas como estas, manifestando uma
potencialidade lesiva de direitos individuais, há de estar limitada pelo texto
constitucional, uma vez que é este o mais importante responsável pela garantia das
liberdades constitucionais, como tutor da proteção do indivíduo diante da gigante e
poderosa máquina estatal. Suas normas protetivas, assim, haverão de ter amplo
sentido e sua interpretação não pode ser restrita, sob pena de se colocarem os
direitos constitucionais à mercê das disposições infraconstitucionais emitidas pelos
Poderes Constituídos.

Relembre-se aqui, por oportuno, que, no estudo da topografia normativa,


devemos considerar o relevante problema do conflito de leis no tempo. Sabemos que
uma lei é feita no intuito de ter vigência para o futuro, indeterminadamente. Tal lei
estará em vigor até que outra lei (de igual força!) a revogue. Ora, não pode ser
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qualquer ato normativo, mas um ato com força ou poder normativo suficiente para
promover tal revogação. Assim, o decreto não revoga a lei ordinária, nem esta altera o
texto constitucional, por motivos óbvios. Via de regra, a lei ordinária é revogada por
outra lei ordinária, o mesmo ocorrendo com a lei complementar, que é revogada ou
alterada por outra semelhante. Estando todos os diplomas legais do artigo 59 da
Constituição em igualdade de hierarquia e, adotando-se a tese da fungibilidade
limitada ou relativa, temos que a lei ordinária poderá ser revogada por uma lei
delegada ou por medida provisória, e vice-versa, dependendo da matéria, do
preenchimento de requisitos, bem como das condições de fato justificadoras da
medida provisória. Havendo uma limitada fungibilidade entre estes três modelos,
pode-se afirmar que, portanto, em seus exatos limites, um modelo normativo revoga
outro, extirpando-o definitivamente do mundo jurídico, desde que expressamente o
declare, seja com ele incompatível ou regule totalmente a mesma matéria (LICC),
podendo haver sua ab-rogação (toda a lei) ou simples derrogação (parte da lei).

Consideremos que um dado tributo tenha sido instituído por lei ordinária e,
agora, o Poder Legislativo respectivo proceda a sua reformulação completa através
de lei complementar, ab-rogando a antiga lei ordinária instituidora do tributo. Diga-se
logo que tal tributo encontra disposição constitucional que aponta sua instituição
através de simples lei, não fazendo menção a lei complementar. Pergunta-se: poderá
agir assim o Legislativo? Será válida tal lei em todos os seus termos? Produzirá tal lei
complementar todos os seus efeitos e consectários advindos de sua natureza e
forma?

Respondendo às duas primeiras indagações, somos pela afirmativa. Com


efeito, o procedimento legiferante tomado pelo Poder Legislativo poderá ser o
prescrito para a lei complementar, com aprovação por maioria absoluta de todos os
membros componentes da Casa (ou Casas). Tal lei terá plena validade e
normatividade, regulando a matéria nos exatos termos da previsão constitucional,
e a tal limite restrita. Eis, agora, o ponto alto desta discussão. A terceira indagação
há de ser, forçosamente, respondida pela negativa. Tal se infere logicamente através
da coadunação e análise comparada dos nossos comentários sobre topografia
normativa e conflito de leis no tempo. Com efeito, perquirindo-se quando uma lei
poderia revogar outra, chegou-se à conclusão de que nem sempre é necessária a total
identidade de modelos normativos, bastando que haja o fenômeno da fungibilidade
15

limitada. Já discutimos alhures que não existe, em termos absolutos, fungibilidade


entre lei ordinária e lei complementar. Entretanto, é inegável que há fungibilidade
limitada ou relativa entre esses dois modelos. Assim, seria correto afirmar que o
tributo hoje instituído e regulado por lei ordinária poderá sê-lo amanha por lei
complementar, de modo que esta revogue aquela? Vimos que sim. Mas, e se o
legislador quiser novamente alterar a normatização de tal tributo — sabendo estar
regulado pela lei complementar que revogou a lei ordinária anterior —, poderá fazê-lo
por nova lei ordinária? Simplificando: pode a lei ordinária revogar lei complementar
que regulamente tributo disciplinável, por determinação constitucional, através de
simples lei ordinária? Entendemos que sim.

Neste caso, teremos, em tese, que a lei ordinária, ao regular o tributo em


questão, revogará as disposições com ela incompatíveis que se encontrem na lei
complementar. Tem-se realmente a lei ordinária derrogando ou ab-rogando uma lei
complementar. E por que tal ocorre? Por que todo e qualquer diploma legal que seja
expedido sobre tal tributo será sempre lei ordinária material, podendo assumir ou não
tal forma. No caso em tela, a lei complementar referida seria formalmente
complementar e materialmente ordinária, posto que regula disposição de lei ordinária.
Seria exatamente o inverso do nosso atual Código Tributário Nacional que, conquanto
seja lei formalmente ordinária (dado que foi aprovada por tal procedimento
legiferante), apresenta-se materialmente complementar, já que a Constituição Federal
de 1988 estabeleceu tal procedimento para a regulamentação das matérias hoje
tratadas pelo CTN. Regulará o processo de formação, portanto, a disposição que
trate da natureza material da norma, o que equivale dizer: tratando-se de norma
materialmente ordinária, não importa a lei que hoje a regule (complementar, delegada,
decreto), será sempre modificável por lei ordinária.

Relembre-se que, em sede de direito tributário (como no direito penal), a


interpretação das normas de garantia dos particulares deve ser sempre ampla, a não
ser quando excepcionais. Nestes termos, entendemos ser impossível preconizar a
adoção de uma lei complementar para a regulamentação de um tributo regulável por
lei ordinária, apresentando aquela todos os seus consectários e efeitos, dentre os
quais, o de não poder ser revogada por lei ordinária, mas apenas por outra lei
complementar. Tal efeito não pode existir, pois se um tributo é instituído por lei
ordinária, apenas por lei ordinária poderá ser modificado, extinto e, o mais importante,
16

apenas através de lei ordinária se poderão conceder isenções a tal tributo. A adoção
da lei complementar e seus consectários viria, assim, exigir indevidamente uma nova
lei complementar (muito mais difícil de ser aprovada que a lei ordinária) para a
concessão de insenções, o que implica em restrição inconstitucional de direitos
constitucionais, uma vez que o particular tem direito ao procedimento legislativo
constitucionalmente traçado para auferir as vantagens das isenções. Se a
Constituição Federal afirma que um certo tributo poderá ser instituído por lei ordinária,
ela garante a todos o direito de ser isentos de tal tributo através de lei ordinária.
E se o Poder Público, deliberadamente, exigir lei complementar para a outorga de
isenções (que a Carta Federal já havia garantido através de lei ordinária), estar-se-á
diante de uma restrição inconstitucional de direitos por ato dos Poderes Constituídos.

Não se diga que o particular não tem direito a isenção, mas mera expectativa
ou, até mesmo, apenas o interesse. Não se quer significar que o particular tem direito
constitucional assegurado à isenção mesma, mas que tem direito a ver sua eventual
isenção gozar da possibilidade de ser outorgada por um processo legislativo mais
fácil. Não há dúvidas de que a exigência de um procedimento mais dificultoso do que
o constitucionalmente estabelecido para a concessão de isenções configura restrição
a direito, pois afasta ainda mais a possibilidade da isenção tributária ou da extinção do
próprio tributo. A fungibilidade normativa, aqui, esbarra na parede dos Direitos e
Garantias Fundamentais dispersos na Constituição Federal. A adoção do modelo
legislativo mais gravoso para a instituição do tributo terá apenas o condão de colocar
tal regulamentação a cargo de uma lei formalmente complementar, mas será sempre
materialmente ordinária. E sendo a natureza material do dispositivo a real
determinante do modelo normativo a ser usado para sua revogação, concluímos que a
lei ordinária poderá revogar a lei complementar quando esteja esta regulando um
tributo constitucionalmente conferido ao disciplinamento por parte daquela.

IV. A FORMA DO ESTADO BRASILEIRO

Ao se falar em forma do Estado Brasileiro, o que se quer realmente definir é a


organização do próprio território nacional. A noção da forma pela qual se estabelece
17

tal organização político-administrativa mostra-se imprescindível para o exato


entendimento do que se quer explicar no presente trabalho, e é principalmente pela
compreensão dos efeitos jurídicos que acarreta a Forma Federativa de Estado, para a
República Federativa do Brasil, que se poderá demonstrar o acerto da conclusão da
tese ora esposada e defendida.

Em contraposição ao denominado Estado Unitário, adotou a nossa


Constituição Federal de 1988, como herança das anteriores, a forma federativa de
Estado, pelo que a República Federativa do Brasil pode ser definida como um Estado
Federal ou Federado. Nos chamados Estados Unitários, o Poder Estatal se mostra
concentrado nas mãos do governo central, com restrita ou nenhuma autonomia por
parte dos governos locais, de modo que todas as decisões de relevo sobre os
negócios estatais são tomadas por uma única célula de Poder.

Já nos Estados Federados, como o Brasil, o poder político-administrativo


encontra-se repartido entre vários entes estatais descentralizados
(Estados-membros) os quais, contando com a necessária autonomia conferida,
dispõem do instrumental necessário para prover as necessidades administrativas
derivadas de seu rol de competências e atribuições constitucionalmente delineado.
Tal descentralização, de fato, possui como uma de suas principais funções a
repartição de competências administrativas, atribuindo aos governos locais os
instrumentos de desempenho de tais misteres relacionados com as necessidades e
com os negócios públicos. Possuem, destarte, autonomia financeira, administrativa,
política e organizacional.

A autonomia financeira dos Estados-membros se traduz no poder que possui


o ente estatal descentralizado de instituir tributos para o custeio de seus serviços, bem
como na liberdade de definir a melhor aplicação para tais recursos públicos, de acordo
com os critérios definidos na Constituição Federal. A autonomia administrativa se
encontra na capacidade de organização dos próprios serviços, segundo suas
conveniências administrativas. A autonomia política encontra-se na possibilidade de
possuir governantes próprios, eleitos diretamente pelo povo, bem como no poder
constitucionalmente conferido para legislar sobre matérias de sua competência.
Finalmente, a autonomia organizacional se traduz na possibilidade de instituição de
18

suas próprias bases político-administrativas, respeitados os lindes constitucionais


federais, através de Constituições pelos próprios entes descentralizados elaboradas.

Não é sem razão, pois, que se adotou, no Brasil, a Forma Federativa de


Estado. Considerando a enorme extensão do território brasileiro, as profundas
desigualdades sociais e econômicas existentes, bem como as peculiaridades que
apresenta o perfil de cada uma das diferentes regiões brasileiras, a adoção da forma
unitária de Estado seria desastrosa, eis que um governo central jamais estaria apto a
prover, com a necessária eficiência, todas as necessidades públicas apresentadas
por cada uma das diferentes regiões brasileiras. A falta de um contato direto com as
nuances de tal ou qual região levaria o administrador a freqüentes equívocos na
consideração dos problemas e na escolha da solução. Sendo assim, indispensável se
mostra que, no tocante às necessidades mais diretamente ligadas à região, devem as
medidas administrativas ou políticas ser tomadas por uma autoridade com contato
direto e permanente. Assim, a descentralização do Poder, em um país com as
dimensões do Brasil, é condição necessária e indispensável para um melhor
aproveitamento dos recursos públicos disponíveis, bem como para uma adequada
prestação dos serviços e satisfação das necessidades coletivas.

A República Federativa do Brasil, conforme se vislumbra nos artigos 1.º e 18


do texto de sua Constituição Federal, adotou o que a doutrina já definiu como sendo
uma federação anômala, eis que, ultrapassando a simples dualidade entre Governo
Central — Estados-membros, lastreou a Federação brasileira em um trinômio
integrado, também, em um terceiro nível federativo, pelos Municípios. Tem-se a
Federação Brasileira como sendo composta pelo trinômio Governo Central —
Estados-membros — Municípios.

A incorporação dos Municípios na estrutura federativa do Estado Brasileiro


pode ser facilmente vislumbrada em outros dispositivos do Texto Constitucional
Federal, a par dos dois supra-citados que, dada a clareza, não podem sequer ser
objeto de refuta. Com efeito, a atribuição de autonomia aos municípios, o poder a eles
conferido de se auto-organizarem, regendo-se por Leis Orgânicas próprias, podendo
instituir os tributos de sua competência, definir e executar seu próprio orçamento,
votar e aprovar suas leis, bem como eleger seus governantes, deixa manifesta a
intenção do legislador constituinte de alçar os Municípios à categoria de entes estatais
19

componentes da Federação Brasileira. E assim ocorreu, tendo-se principalmente em


conta que a Constituição Federal de 1988 é eminentemente municipalista, jamais se
tendo verificado, em toda história constitucional brasileira, uma Carta Política onde se
atribuíssem tantos poderes aos governos locais municipais.

Conquanto ocupe um terceiro nível na escala constitucional dos integrantes


da Federação, estabelece a Carta Magna plena igualdade entre os entes federados,
não se podendo falar em supremacia de um sobre qualquer dos outros, dispondo
todos eles de autonomia, e limitados todos aos ditames traçados pela Constituição
Federal, aos quais devem obediência irrestrita. A Carta Federal é, assim, o limite
maior à atuação dos entes federados, garantia da igualdade e do equilíbrio necessário
ao bom funcionamento da Federação. Nos limites constitucionais, portanto, os
Municípios são em tudo e por tudo iguais aos Estados-membros e à União Federal,
aplicando-se àqueles, salvo disposição constitucional federal em contrário, todos os
princípios e normas da Carta Maior que a estes se dirigem.

Tem-se, pois, como um dos princípios basilares decorrentes da adoção da


Forma Federativa de Estado e da igualdade constitucional dos respectivos entes
componentes da Federação, o princípio da simetria constitucional, pelo que,
ressalvadas as expressas ou implícitas exceções constitucionais, as mesmas regras e
princípios aplicáveis à União, como ente federado, serão de necessária observância
pelos demais, a eles tendo total aplicação. Não existindo razão jurídica ou política
para discriminar, haverão de ser encarados como iguais os entes federados e, assim,
serão necessária e automaticamente aplicáveis, aos Estados e Municípios, as
disposições atinentes à União Federal. Exemplo clássico da aplicação de tal princípio
encontra-se na matéria referente ao processo legislativo, especialmente no que
pertine aos quoruns de instalação de sessão, quoruns de aprovação, formalidades
essenciais e, finalmente, na matéria referente às espécies normativas.

Cumpre reiterar, aqui, que é a própria Constituição Federal quem define quais
as espécies normativas existentes no ordenamento jurídico brasileiro, as quais, como
se frisou linhas acima, buscam seu fundamento de validade diretamente no texto
constitucional. Tais espécies normativas são elencadas pelo artigo 59 da Carta
Magna: emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas,
medidas provisórias, decretos legislativos e as resoluções. Relembre-se o que
20

dissemos acima quanto à inexistente hierarquia entre as espécies normativas entre si,
bem como quanto à posição destas em face da Constituição.

V. EFEITOS DA FORMA FEDERATIVA DE ESTADO PARA O QUADRO


NORMATIVO DOS ENTES ESTATAIS

Até este passo, constatamos que as espécies normativas existentes no


ordenamento jurídico brasileiro, por derivação da própria Constituição em razão de
norma de caráter nacional, são aquelas insculpidas em seu artigo 59. Entre tais
normas não existe hierarquia, bem como fungibilidade absoluta, sendo viável tão
somente uma forma de fungibilidade relativa, tão restrita que não se incorreria em
equívoco, a nosso ver, caso se lhe denominasse exceção à regra geral da
infungibilidade. A Carta Federal, assim, através da disposição de seu artigo 59,
descreve, no Direito brasileiro, como se haverá de compor o quadro normativo
primariamente dela derivado, não admitindo, a bem dos princípios da legalidade,
segurança jurídica, bem como aos Direitos e Garantias Fundamentais, qualquer
espécie normativa por ela não estabelecida. Afigura-se, pois, norma de caráter
nacional, aplicável a todas as esferas estatais.

Por outro lado, constatamos a adoção da Forma Federativa de Estado pela


Carta Magna que, inovando na história constitucional brasileira (para alguns autores,
mundial), estabeleceu uma federação em três níveis estatais, composta pela União
Federal em um primeiro nível, os Estados-membros em um segundo nível, e pelos
Municípios no terceiro nível, garantindo-lhes o texto constitucional autonomia e
igualdade jurídica em face uns dos outros.

De tal igualdade — bem como considerando haver na Constituição Federal


tanto normas diretamente aplicadas às três esferas de poder e aos particulares em
geral (normas de caráter nacional), como outras apenas dirigidas ao ente federativo
denominado União Federal para reger, a nível constitucional, sua organização,
estrutura, poderes, atribuições etc. (normas de caráter federal) —, decorre o princípio
da simetria constitucional, responsável pela aplicação aos Estados-membros e
21

Municípios, de normas aparentemente destinadas apenas à União Federal, uma vez


que expressamente a esta (e implicitamente àqueles) dirigida.

Tal princípio, a nosso ver, funciona da seguinte maneira: normas existem de


caráter nacional, vez que já se destinam à Nação como um todo, não se podendo
dizer que tratem tão somente dos negócios da União Federal, particularizada. Aos
mandamentos e proibições decorrentes de tais normas se vinculam todos os entes
estatais, bem como os particulares, sem exceção. Exemplos típicos sãos as normas
definidoras dos Direitos e Garantias Fundamentais, as normas sobre Estado de
Defesa e Estado de Sítio, as normas sobre Intervenção Federal nos Estados e destes
nos Municípios, dentre outras.

Outras normas possuem apenas caráter federal, destinando-se diretamente à


União Federal, da mesma forma que a Constituição de um Estado-membro apenas a
este se destina, e a Lei Orgânica de um Município apenas a este. Sendo a Carta
Federal Maior o diploma político organizacional da esfera estatal mais ampla, as
disposições a esta peculiares haverão de nele encontrar seu habitat natural. Devendo
disciplinar normativamente certos aspectos do ente estatal União Federal, conquanto
não haja vedação expressa ou implícita da adoção da mesma disposição pelos
demais, referem-se apenas à União. Exemplos de tais normas encontramos nas
disposições que regem a administração pública, a tributação e o orçamento, bem
como as leis e o processo legislativo.

Quando norma de caráter nacional afirma ser atribuição de determinado ente


estatal uma determinada atividade, implicitamente veda aos demais o exercício da
mesma prerrogativa, como ocorre com o Estado de Sítio, já que aos Estados e
Municípios não se permitem as mesmas medidas de exceção. A delimitação da
atribuição para um dos três entes implica terminante vedação da mesma para os
demais. Vale dizer: não existe simetria entre as esferas estatais quanto a tal
disposição constitucional nacional expressamente restritiva. Por outro lado,
apontando uma norma de caráter federal certa atribuição, ou o modo de seu
desempenho pela União Federal, implicitamente destina aos outros entes estatais
certos limites a sua atuação, conferindo-lhes a possibilidade de adotarem, nos lindes
constitucionais, a mesma ou idêntica regulamentação em suas normas de
organização política, ou seja, Constituições Estaduais e Leis Orgânicas
22

Municipais. Assim, pode-se afirmar que, quanto a tais normas, existe simetria
entre as esferas estatais, aplicando-se o mencionado princípio da simetria
constitucional para estender, aos Estados-membros e Municípios, norma apenas
aparentemente destinada à União Federal.

A simetria constitucional serve, por exemplo, para, sem embargo de inexistir


no texto constitucional federal norma expressa, conferir aos Estados e Municípios o
poder para adotar, como espécies normativas, as Leis Ordinárias, Complementares,
as Resoluções, os Decretos Legislativos e as Emendas às suas Constituições e Leis
Orgânicas. Surge a questão: seria necessária norma expressa para conferir aos
Estados e Municípios o poder para a adoção das leis delegadas e das medidas
provisórias? Entendemos que não e, ousando ir mais adiante, entendemos que, ainda
fosse desnecessária norma expressa, o permissivo constitucional para adoção da
simetria constitucional neste caso já se encontra na Carta Magna, em sede de norma
positiva, e não, simplesmente, de princípio constitucional.

VI. LEIS DELEGADAS E MEDIDAS PROVISÓRIAS COMO ESPÉCIES


NORMATIVAS ÍNSITAS AOS ORDENAMENTOS JURÍDICOS ESTADUAL E
MUNICIPAL

A simetria constitucional já seria argumento suficiente para a comprovação de


que as leis delegadas e as medidas provisórias fazem parte do arcabouço
jurídico-normativo municipal e estadual, podendo tais entes estatais deles se
utilizarem no exercício de sua autonomia política e normativa. Entretanto, entendemos
existir norma constitucional expressa atribuindo aos Estados-membros o poder para
expedir medidas provisórias, como adiante veremos.

Com efeito, o principal argumento utilizado pela maioria dos


constitucionalistas pátrios (e, para muitos, o único) para negar a possibilidade de
utilização das medidas provisórias por parte dos Governadores de Estado e Prefeitos
Municipais é que seria tal espécie normativa de restrita e exclusiva competência do
Presidente da República. Afirmam que, segundo a Constituição Federal, em seu artigo
62, tão somente o Chefe do Executivo Federal teria competência constitucional para a
23

expedição de medidas provisórias, ficando afastada tal possibilidade por parte dos
Chefes dos Executivos Estaduais e Municipais.

A mencionada exclusividade da medida provisória para o Presidente da


República encontra fulcro, segundo os defensores da tese restritiva, no texto do artigo
62 da Constituição Federal, o qual diz, expressamente, que, em caso de relevância e
urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força
de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em
recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.
Dizem que, fazendo o dispositivo expressa referência ao Presidente da República e
ao Congresso Nacional, apenas àquele caberia a edição da medida, bem como, tão
somente a este, sua conseqüente análise e posterior conversão em lei. Tais
argumentos, concessa venia, não encontram, em nossa opinião, base
jurídico-doutrinária em face dos postulados constitucionais quanto à diferença entre
normas de caráter nacional e normas de caráter federal, ferindo semelhante
entendimento, principalmente, os princípios da autonomia e da simetria constitucional.
Explicamos.

A análise orgânica do texto constitucional nos leva a concluir que a Subseção


III, da Seção VIII, do Capítulo I, do Título IV, intitulada Das Leis, concentra apenas
normas constitucionais de caráter federal, uma vez que suas disposições são direta e
unicamente dirigidas ao ente estatal União Federal. São normas de regência direta da
vida político-jurídica da União como ente da federação, da mesma forma que as
Constituições Estaduais hão de estabelecer normas de regência dos negócios do
respectivo Estado, e as Leis Orgânicas, da mesma maneira, quanto aos Municípios.
De tal Subseção não constam normas dirigidas à Nação como um todo. São
disposições instrumentais destinadas à União Federal. Vale dizer, aplicam-se, de
forma expressa, unicamente à União Federal, e não à República Federativa do Brasil.

Sendo normas dirigidas à União Federal, como um dos entes estatais


componentes da federação, como se pode pretender que estabeleçam disposições
aplicáveis diretamente aos Estados e Municípios? Não se estaria incorrendo em
inquestionável falha de ordem técnica? Cremos que sim, dado que o princípio da
autonomia (política e organizacional) garante aos Estados e Municípios a sua
auto-organização através das Constituições e Leis Orgânicas que adotarem,
24

enquanto o princípio da simetria constitucional lhes atribui o direito/poder de


assimilarem as normas federais (não as nacionais, estas, exclusivas da Constituição
Federal), incluindo-as em seus textos, e o dever de não violar o mínimo constitucional
exigido em tais normas federais, ultrapassado o qual se teriam por violados os
princípios informadores de seu delineamento, princípios estes que, dada sua suprema
relevância, apresentam sempre caráter nacional.

Originam tais normas de caráter federal (de conteúdo mínimo inspirado em


princípios de caráter nacional), em nosso ponto de vista, as chamadas normas
constitucionais federais de repetição obrigatória pelos Estados e Municípios.
Conquanto possam estes estabelecer o mandamento de forma diferente, não podem
escolher entre incluir ou não a norma em sua Constituição/Lei Orgânica, sendo
possível, ainda, incluir especificidades, desde que não afrontem princípios e normas
constitucionais federais de caráter nacional. Exemplificando, podemos afirmar que as
normas sobre o processo legislativo ordinário, insculpido na Carta Federal, são
eminentemente federais (não nacionais), pelo que não vinculam diretamente os outros
entes estatais que, assim, podem estabelecer outras exigências para a elaboração
das leis ordinárias, v.g., a questão dos prazos, que podem ser dilatados ou reduzidos
no processo legislativo estadual ou municipal. Entretanto, não podem os Estados e
Municípios suprimir o processo legislativo, para admitir que as leis ordinárias
advenham de ato, tão somente, do executivo, ou do legislativo, com eliminação da
atuação do Executivo, ou mesmo que fosse simplesmente redigido, em conjunto, pela
Mesa do Legislativo e pelo gabinete do Executivo, sem votação, emenda etc. A
supressão acarretaria violação de princípios e normas de caráter nacional, tais como o
equilíbrio entre os poderes e a soberania popular.

De acordo com o entendimento acima esposado, a redação do artigo 62 da


Constituição Federal deixa de ser restritiva em face dos Estados e Municípios pois,
sendo norma dirigida apenas à União, haveria de mencionar apenas as figuras do
Presidente da República e do Congresso Nacional. Ora, pressupõe o texto
constitucional que a mesma disposição será incluída nos textos constitucionais
estaduais e legais orgânicos municipais, sendo-lhe despiciendo referir-se aos
Prefeitos e Governadores. Aplicando-se tal disposição apenas à União, há que cogitar
também apenas do Presidente da República. Cogitarão dos Governadores e Prefeitos
25

as respectivas normas de organização (CE’s e LOM’s). Outros exemplos na mesma


Subseção podem solidificar o ponto de vista apresentado.

Diz o artigo 61 da Carta Federal que a “iniciativa das leis complementares e


ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do
Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao
Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da
República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição”.
Constatamos que a Constituição Federal não afirma expressamente ser tal iniciativa
apenas para as leis ordinárias federais, pelo que, desavisadamente, se poderia
entender ser aplicável também às leis ordinárias estaduais e municipais, o que nos
levaria a indagar: onde está a disposição constitucional que garante às Assembléias
Legislativas, aos Deputados Estaduais, Vereadores, Câmaras Municipais, Tribunais
de Justiça, Governadores e Prefeitos a iniciativa das leis referentes aos Estados e
Municípios? Tal disposição não se encontra na Constituição Federal, mas a mesma
não diz que aqueles legitimados assim o estão apenas para as leis ordinárias e
complementares da União Federal. Como compatibilizar? Respondemos: a iniciativa
prevista no citado artigo, conquanto não diga expressamente a Carta Federal, se
dirige apenas às leis federais. Trata-se, pois, de norma destinada, de forma
expressa, diretamente, à União Federal, consistindo, pois, em norma de caráter
federal. O texto magno não se preocupou em apontar a iniciativa para as leis
estaduais e municipais porque tais normas devem ser incluídas em suas
Constituições e Leis Orgânicas, como corolário dos multicitados princípios da
autonomia e da simetria constitucional.

O artigo 66 assim dispõe, em seu caput: “A Casa na qual tenha sido concluída
a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o
sancionará. E seu parágrafo único dispõe que “se o Presidente da República
considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse
público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da
data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do
Senado Federal os motivos do veto”. Indaga-se: onde está a norma constitucional
federal que atribui aos Governadores de Estado e Prefeitos Municipais o poder para
sanção e veto de leis? Será que a inexistência de norma expressa na Constituição
Federal implica dizer que tal poder foi conferido exclusivamente ao Presidente da
26

República? Obviamente que não, pois, sendo o artigo 66 típica norma de caráter
federal, apenas à esfera da União Federal se dirige e, assim, somente à figura do
Presidente da República poderá se referir. Novamente a Constituição Federal, através
de norma de caráter federal, estabelece disposição cujo fundamento normativo
haverá de ser incluído, obrigatoriamente, nos textos organizacionais estaduais e
municipais (CE’s e LOM’s).

Em um último exemplo (também da mencionada Subseção Das Leis),


apontamos o § 1.º, inciso II, alínea “a”, do artigo 61, que dispõe: “(§ 1.º) São de
iniciativa privativa do Presidente da República as leis que (inc. II) disponham sobre
(al. “a”) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e
autárquica ou aumento de sua remuneração”. A que administração direta e autárquica
se refere a Constituição? Apenas à federal ou à das três esferas de poder (federal,
estadual ou municipal)? Não dizendo expressamente a Carta Magna, devemos
entender que quis limitar-se apenas à União Federal, ou estabeleceu disposição
abrangendo todos os entes estatais (já que, em todos, existe administração direta e
autárquica)? Claro que haveremos de compreender tal dispositivo como aplicável
unicamente à União Federal e, assim, apenas à administração direta e autárquica
federal. Trata-se, mais uma vez, de norma constitucional de caráter federal, aplicável
apenas à União Federal, pelo que descabível se mostraria a menção expressa aos
Governadores e Prefeitos. Quanto aos Estados e Municípios, a mesma disposição
haverá de se encontrar, ao menos em essência (não necessariamente o mesmo
texto), nos textos Constitucionais Estaduais e Legais Orgânicos Municipais.

Diante de todos os exemplos acima formulados, como se pode ainda afirmar


que a disposição do artigo 62 da Constituição Federal implica em atribuição privativa
da expedição de medidas provisórias ao Presidente da República, e em vedação da
utilização das mesmas pelos Governadores e Prefeitos? Se assim fosse, tão somente
por força do citado artigo 62, haveríamos de entender, por amor à lógica e à
coerência, que aos Prefeitos e Governadores estaria constitucionalmente vedada a
iniciativa de lei, o poder de sanção e de veto, dentre muitos outros que, conquanto
conferidos expressamente ao Presidente da República, assim não o são aos Chefes
dos Executivos Estaduais e Municipais. Sendo norma de caráter federal, apenas o
Presidente da República, na qualidade Chefe do Executivo da União, haveria de
mencionar a Constituição Federal. À Constituição Estadual caberá mencionar o
27

Governador do Estado (na qualidade de Chefe do Executivo Estadual), e à Lei


Orgânica Municipal incumbirá referir-se ao Prefeito, como Chefe do Executivo
Municipal. Assim impõem os princípios da autonomia e da simetria constitucional. Não
há, pois, qualquer restrição, por parte do artigo 62 da CF/88, da edição de medidas
provisórias pelos Governadores e Prefeitos.

Não se há de esquecer que os argumentos esposados acima encontram total


pertinência para a fundamentação da tese de que, nos Estados e Municípios, tanto
quanto na União, é francamente viável e jurídico-constitucionalmente permitida a
utilização da lei delegada. As mesmas considerações formuladas para fundamentar o
poder que possuem os Governadores e Prefeitos para a edição das medidas
provisórias tem aplicação quanto às leis delegadas, cuja disposição legal se encontra,
para o Presidente da República, na mesma Subseção que todos os acima analisados
(artigo 68).

Oportuno deixar claro o seguinte entendimento: o artigo 59 da Carta Federal,


definindo quais as espécies normativas existentes no ordenamento jurídico
constitucional, aplica-se direta e expressamente à União, aos Estados-membros, ao
Distrito Federal e aos Municípios, por consistir norma de caráter nacional. Por outro
lado, as disposições pertencentes à Subseção Das Leis, por ostentarem caráter
federal, aplicam-se expressamente à União Federal e, implicitamente, por força dos
princípios da simetria constitucional, autonomia e federativo, aos Estados, Distrito
Federal e Municípios.

Dissemos acima que o principal argumento daqueles que tanto defendem o


ponto de vista de que aos Governadores e Prefeitos seria vedada a edição das
medidas provisórias é a sua exclusividade para o Presidente da República. Tal
argumento encontra óbice direto no próprio texto constitucional, alterado pela emenda
constitucional n.º 5, de 15 de agosto de 1995, que deu nova redação ao artigo 25, §
2.º, da Constituição Federal. De fato, assim dispõe o aludido dispositivo: “Cabe aos
Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás
canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua
regulamentação”.

Sabemos que as competências constitucionais, tanto administrativas como


legislativas, podem ser classificadas em enumeradas (ou expressas) e residuais (ou
28

reservadas). As enumeradas são aquelas que encontram disposição na Constituição


que a ela se refere diretamente, atribuindo-a a um ente estatal definido, v.g., o artigo
21, II (compete à União declarar a guerra e celebrar a paz). As competências residuais
são aquelas que, não estando expressamente consignadas no texto constitucional,
são atribuídas, por exclusão, a um certo ente estatal, v.g., artigo 25, § 1.º (são
reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta
Constituição). É cediço que as competências constitucionais (administrativas e
legislativas) dos Municípios e da União Federal são enumeradas, tendo sido conferida
aos Estados-membros a chamada competência reservada ou residual. Entretanto,
existe uma única exceção a esta regra, qual seja, a competência estadual para a
exploração dos serviços locais de gás canalizado, afigurando-se esta a única
competência expressa ou enumerada atribuída aos Estados.

Sendo assim, não se poderia conceber que, atribuindo a Constituição Federal


tal competência, expressamente, aos Estados, cogitasse de sua regulamentação por
norma infraconstitucional oriunda do Poder Legislativo Federal. Seria uma inegável
contradição, pois a divisão de competências se inspira no princípio de que todos os
entes estatais possuem a autonomia necessária para se desincumbirem de suas
responsabilidades e, a regulamentação, por lei federal, de um serviço público estadual
seria uma afronta à lógica que inspira o princípio da autonomia e a delimitação
constitucional de competências. Com tais argumentos, almejamos provar que, quando
o transcrito artigo 25, § 2.º, da Carta Federal diz “na forma da lei”, não está se
referindo a lei ordinária federal, mas sim a lei ordinária estadual, que deverá
regulamentar dito serviço. Este termo (na forma da lei) tem apenas o condão de
limitar-lhe a eficácia, conferindo-lhe o status de norma de eficácia limitada, não
ferindo a coerência do texto constitucional com a arbitrária atribuição à União Federal
da competência legislativa para regulamentar um serviço público de competência
estadual.

Fazendo alusão à forma da lei, refere-se, pois, à regulamentação do serviço


por lei estadual. À seguir, veda regulamentação do mesmo serviço através de medida
provisória. Ora, se a lei que regulamentará o serviço será lei estadual, e a Constituição
precisou ser expressa em proibir a utilização da medida provisória para regulamentar
dito serviço, é porque, caso assim não dispusesse, haveria a possibilidade jurídica da
adoção da medida provisória para tal regulamentação (assim demonstrou ter
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entendido o legislador constituinte). A Constituição Federal não contém palavras


inúteis. Por que o legislador constituinte reformador entendeu necessário vedar
expressamente, para este caso, a adoção de medida provisória em lugar de lei
ordinária estadual? A conclusão aparece claramente: porque se não o fizesse, tal
regulamentação poderia ser feita por medida provisória. E sendo a referida lei
regulamentadora do serviço em questão oriunda do legislativo estadual (lei ordinária
estadual), chegamos à conclusão de que o constituinte estabeleceu expressa
limitação, para um caso, de utilização de medida provisória expedida na esfera
estadual. Se excepcionou neste caso, é porque a medida provisória de expedição
pelos Governadores existe no seio da Constituição Federal, podendo tal espécie
normativa ser utilizada nos moldes traçados na Constituição Federal, segundo os
limites nesta previstos, em casos outros não ressalvados na Carta Federal.

Indo mais adiante, afirmamos que, não havendo a tão bradada exclusividade,
prevalece a natureza federal da norma do artigo 62 da Constituição e, assim, valem
aqui os princípios da autonomia dos entes estatais e da simetria constitucional, donde
se concluir constitucionalmente permitida a inclusão da medida provisória como
espécie normativa facultada aos Governadores dos Estados e aos Prefeitos
Municipais, desde que assim prevejam as respectivas Constituições Estaduais e Leis
Orgânicas Municipais. Cai por terra, assim, o argumento daqueles que defendem a
exclusividade da medida provisória para o Presidente da República.

VII. CONCLUSÃO

A competência para a expedição das medidas provisórias já foi analisada por,


cremos, a quase totalidade dos nossos mais brilhantes constitucionalistas pátrios.
Constatamos que a rejeição à tese da possibilidade constitucional de expedição das
medidas provisórias pelos Prefeitos Municipais e Governadores de Estado — outrora
ferrenha e inflexível em sua restrição à União Federal — começa a ceder espaço a
uma corrente mais liberal que vê, em tal espécie normativa, um dos veículos
jurídico-positivos conferidos aos ordenamentos das demais esferas estatais (Estados,
Distrito Federal e Municípios).
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No campo prático, argumenta-se que a conferência, aos Prefeitos Municipais,


do poder de editar medidas provisórias seria essencialmente perigosa, especialmente
nos chamados Municípios menores, cuja evolução política e o nível sócio-cultural dos
cidadãos não oferecem condições de efetiva participação popular no controle dos
negócios políticos. Haveria, dizem, sério risco ao pretenso equilíbrio entre o Executivo
e o Legislativo, sendo que aquele passaria a dispor de meios para legislar, em afronta
às prerrogativas e competências constitucionais a este atribuídas.

Concordamos parcialmente com tais argumentos. Não se pode negar que a


situação coronelista e feudal ainda existente em diversos Municípios brasileiros
favoreceria este caótico quadro. No entanto, na própria Constituição Federal
encontram-se os meios de repressão a tais abusos, incluindo, em casos extremos, e
desde que prevista a hipótese no Texto Magno, a intervenção estadual no Município
que infrinja, através do abuso na utilização das MP’s, os princípios sensíveis
constitucionais. Por outro lado, os mesmos imperativos que conferem à União o
recurso à medida provisória (hipóteses do artigo 62 da CF/88) são também aplicáveis
aos Estados e Municípios, donde se justifica, por identidade de razões, o tratamento
igualitário.

E é, finalmente, em abono à imperatividade de tal tratamento igualitário entre


os diversos entes estatais que, conciliando os princípios da autonomia e da simetria
constitucional, entendemos totalmente procedente a tese de que, segundo o texto de
nossa Constituição Federal, não apenas o Presidente da República, mas também os
Governadores de Estado e do Distrito Federal, e os Prefeitos Municipais, podem-se
utilizar, no seio de suas respectivas esferas de competência e segundo suas
conveniências, nos termos da Carta Federal Maior e de suas respectivas leis
organizativas (Constituição Estadual ou Lei Orgânica), expedir medidas provisórias
com força de lei.

VIII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1.ª edição. Saraiva. São Paulo. 1998.
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Editores. São Paulo. 1998.

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