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Revista Brasileira de

ISSN 1517-5545 Terapia Comportamental


2006, Vol. VIII, nº 1, 025-037 e Cognitiva

Descrição do atendimento de uma criança com déficit


em habilidades sociais
A case study of a child with deficit in social skills

Caroline Mota Branco1


Eleonora Arnaud Pereira Ferreira2
(Universidade Federal do Pará)

Resumo

O presente trabalho descreve o estudo de caso clínico de uma criança com Déficit em Habilidades
Sociais (DHS), aplicado por uma terapeuta estagiária em formação, de acordo com o modelo da
Terapia Comportamental Infantil (TCI). O manejo terapêutico baseou-se fundamentalmente no
relato de contingências, utilizando técnicas direcionadas ao Treinamento em Habilidades Sociais
(TSH). Ao final de 20 sessões, progressos comportamentais significativos foram relatados,
especialmente em relação ao ajustamento do paciente em seu contexto ambiental. Apesar dos
progressos identificados, o cliente manteve o padrão de comportamento governado por regras
imprecisas, sendo então recomendada a continuação da terapia.

Palavras chave: estudo de caso; terapia comportamental infantil; déficit em habilidades sociais;
Timidez; fobia social.

Abstract

The present work describes a study of clinical case of a child with Deficit in Social Skills (DSS),
developed by a therapist under formation, in accordance with the model of Child Behavior
Therapy (CBT). The therapeutical handling relied basically on the report of contingencies, using
techniques directed towards the Training in Social Skills (TSS). At the end of 20 sessions, some
significant progress was reported, especially referred to the adjustment of the patient inside his
environmental context. Despite the identified progress, the client maintained the standard of
behavior governed by dysfunctional beliefs, and for this reason, the continuation of the therapy
was recommended.

Key-words: case study; child behavior therapy; deficit in social skills; shyness; social phobia.

1
Psicóloga, Mestranda do curso de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento. E-mail: lin@amazon.com.br
2
Departamento de Psicologia Social e Escolar, Programa de Pós-graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento. E-mail:
eleonora@ufpa.br
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Caroline Mota Branco - Eleonora Arnaud Pereira Ferreira

A Terapia Comportamental Infantil (TCI) vem ser analisados junto com os componentes do
passando por uma mudança de paradigmas contexto da vida da criança, estabelecendo
ao se afastar dos modelos teóricos que des- uma definição mais clara sobre o processo de
cartam a análise dos fenômenos subjetivos da desenvolvimento infantil;
criança (Conte & Regra, 2000). Como resul- 5) Observação direta do comportamento da
tado, o processo terapêutico tem favorecido o criança em ambiente clínico: Continua sendo
relato verbal da criança e atribuído força à uma importante estratégia de intervenção, fa-
relação de interação entre terapeuta e cliente. vorecendo a análise funcional não só do com-
A especificação dos elementos que conduzem portamento da criança, mas também da rela-
a intervenção terapêutica, segundo Rangé ção entre cliente e terapeuta;
(1995), envolve fundamentalmente dois pro- 6) Uso do relato verbal: É por meio da con-
cessos: (1) o processo de avaliação inicial e (2) versa com a criança que o terapeuta poderá ter
o processo de formulação de caso e experi- acesso ao mundo, tanto público quanto priva-
mentação clínica, isto é, o processo de inter- do, da criança. Souza e Baptista (2001) cha-
venção terapêutica propriamente dito. O pro- mam à atenção o fato de que o terapeuta deve
cesso de avaliação inicial é baseado na coleta estar atento ao “nível de desenvolvimento
de dados sobre a queixa apresentada, assim cognitivo” da criança, observando se ela pos-
como no levantamento de informações rele- sui capacidade para entender o que o tera-
vantes sobre a história de vida do cliente. peuta diz no setting de atendimento.
Nessa fase, a preocupação inicial do terapeuta O processo terapêutico com crianças utiliza
é fazer a análise funcional dos comporta- recursos que abrangem: entrevistas com os
mentos tidos como problemáticos, bem como pais, observação da criança na sessão, em casa
a formular hipóteses. ou na escola, uso de desenhos, redação, leitu-
A metodologia de avaliação e intervenção ras, inventários de atividades diárias e
utilizada pela Terapia Comportamental In- monitoramento dos comportamentos
fantil é baseada nos seguintes procedimentos disfuncionais (Lohr, 1999; Souza & Baptista,
(Conte & Regra, 2000; Souza & Baptista, 2001): 2001).
1) Inserção direta da criança no processo tera- A Terapia Comportamental Infantil tem como
pêutico: O terapeuta passa a se relacionar di- uma de suas metas a promoção de contin-
retamente com as regras e conceitos relatados gências que promovam o autoconhecimento
pela criança, podendo auxiliá-la de maneira da criança (Conte & Regra, 2000). Para Skinner
mais precisa no processo de mudança com- (1998), o autoconhecimento é uma resposta
portamental; discriminativa verbal que especifica as variá-
2) Uso de recursos lúdicos: O uso de estra- veis das quais o próprio comportamento é
tégias lúdicas (como o uso de brinquedos e função, sendo esse o produto de uma espécie
jogos) e o uso da fantasia (como a utilização de particular de reforço diferencial oferecido pe-
histórias infantis) foram revistos, adquirindo la comunidade verbal à qual o indivíduo é
função tanto para a avaliação como para a exposto. O reforço diferencial disponibilizado
intervenção direta com a criança; à criança no processo terapêutico é um
3) Análise funcional de problemas e queixas: processo contínuo baseado em testagem de
A análise funcional continua sendo a principal hipóteses e formulação de modelos de inter-
estratégia de intervenção no ambiente tera- venção delas derivados (Rangé, 1995).
pêutico, incluindo o treino da criança na análi- Segundo Silvares (2001), os distúrbios psico-
se das contingências que estão operando sobre lógicos infantis são caracterizados como com-
as queixas identificadas. portamentos que se desviam de uma norma
4) Inclusão de variáveis orgânicas na análise social (relativa e arbitrária), adquiridos na his-
do caso: Os componentes orgânicos passam a tória de interação social da criança de acordo

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com os mesmos princípios da aprendizagem pavor; (4) padrões de esquiva, medo ou a


dos outros repertórios. A Terapia Compor- antecipação ansiosa ante uma situação social
tamental, como qualquer outra forma de ou de desempenho, interferindo significa-
terapia, e aqui se destaca aquela dirigida a tivamente na condução da rotina diária, no
crianças, é analisada por Skinner como uma funcionamento ocupacional ou na vida social
agência controladora, que atua de forma do indivíduo; e (5) persistência dos sintomas
específica nos subprodutos do controle cul- por pelo menos seis meses antes de se fazer o
tural que estão, de alguma maneira, preju- diagnóstico.
dicando o desenvolvimento adequado do O padrão denominado “Fobia Social” pelo
cliente que procura a terapia (Skinner, 1998). DSM-IV é especificado pelo modelo analítico-
Skinner afirma que algumas formas de con- comportamental em termos funcionais de
trole podem ser potencialmente capazes de acordo com uma categoria comportamental
desencadear comportamentos operantes mais ampla, denominada como “Déficit em
disfuncionais, que geram respostas emocio- Habilidades Sociais”. Muitos autores da
nais privadas como medo ou ansiedade. Os análise do comportamento têm se preocupado
padrões de fuga/esquiva e de inabilidade em achar um consenso para o termo
comportamental são padrões disfuncionais Habilidades Sociais (Bolsoni-Silva &
gerados dentro de um contexto ambiental em Marturano, 2004; Del Prette & Del Prette,
que a estimulação social habitual é negligen- 2005). Caballo (1997) designa habilidades
ciada ou suspensa (Skinner, 1998). sociais como um conjunto de habilidades
Um dos motivos mais freqüentemente trazi- comportamentais aprendidas, que envolvem
dos como queixa para a intervenção com cri- a expressão de atitudes e sentimentos que ge-
anças tem sido a fobia social. De acordo com ram a resolução de problemas sociais ime-
Silvares e Meyer (2000), uma análise funcional diatos e diminuem a probabilidade da ocor-
da classe operante “Fobia Social” deve incluir rência de problemas futuros. Segundo Cabal-
a especificação dos antecedentes geradores lo, o padrão de habilidades sociais envolve
das respostas, as próprias cadeias comporta- ainda a expressão habilidosa e assertiva de
mentais e os seus conseqüentes. Tais autoras sentimentos, opiniões e desejos de forma
apontam que a prática da Psicologia Clínica apropriada mediante situações de enfrenta-
Comportamental deve ser norteada pela ava- mento social ou grupal.
liação clínica do problema, a partir da identifi- A análise do repertório de Déficit em Habi-
cação das contingências envolvidas no proces- lidades Sociais inclui a descrição de categorias
so disfuncional trazido pelo cliente, auxilian- comportamentais como Timidez e fobia (Del
do o terapeuta no delineamento na condução Prette & Del Prette, 2002). Casares e Caballo
da intervenção. (2000) descrevem a Timidez infantil (ou retrai-
Os critérios definidores que constituem a clas- mento social) como a manutenção de relações
sificação diagnóstica de um caso de Fobia sociais insuficientes da criança em relação aos
Social, segundo o DSM-IV (Associação Ame- seus pares, gerando, como conseqüência, a fu-
ricana de Psiquiatria, 1995), são apresentados ga ou evitação do contato social com outras
resumidamente como: (1) medo acentuado e pessoas.
persistente de situações sociais ou de desem- A literatura psiquiátrica não se refere especi-
penho nas quais o indivíduo poderia sentir ficamente à Timidez ou ao retraimento social,
embaraço; (2) respostas de ansiedade, geradas porém, a referência que o DSM-IV (Associa-
a partir da exposição a uma situação social ou ção Americana de Psiquiatria, 1995) faz sobre
de desempenho; (3) evitação de situações de Fobia Social e Personalidade de Evitação
exposição social ou de desempenho, sendo, aponta para a existência de antecedentes com-
porém, em algumas ocasiões, suportadas com portamentais como a Timidez infantil (Ca-

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sares & Caballo, 2000). Casares e Caballo excessiva e vômito. Em nível privado podem
(2000) chamam atenção ao fato de que o pro- ocorrer diversas respostas, como comporta-
cesso de avaliação e intervenção deve ser mul- mentos ansiogênicos (pensamentos ligados ao
timodal e multicompreensivo, pois segundo medo e preocupação), dificuldades emocio-
esses autores, nenhum método per si gera nais (geradas a partir de déficit em auto-
todas as informações necessárias para a con- conhecimento) e problemas relacionados à
dução do caso. A análise funcional do reper- afetividade.
tório de Déficit em Habilidades Sociais en- 3) Eventos Conseqüentes: Ocorrência de res-
volve a especificação de alguns termos, que postas de enfrentamento em baixa freqüência
podem fazer parte das contingências de pro- e de inabilidades no relacionamento inter-
moção e manutenção dos comportamentos pessoal.
disfuncionais. Tais termos constituem-se A formulação do estudo de caso e a avaliação
como: clínica comportamental podem contribuir sig-
1) Antecedentes históricos: Padrões de Timi- nificativamente no entendimento dos casos de
dez infantil e retraimento social, caracteri- Déficit em Habilidades Sociais em crianças,
zados por condutas de apatia, passividade, pois auxilia na especificação dos termos das
insegurança, indiferença, inibição e submis- contingências que atuam sobre os compor-
são diante de relações sociais, podem ser pro- tamentos disfuncionais da criança que
motores de respostas de Déficit em Habili- procura pela Psicologia.
dades Sociais, pois a fuga/esquiva de intera- O presente trabalho tem como objetivo prin-
ção social contribui significativamente para o cipal apresentar um estudo de caso clínico
desenvolvimento inadequado do funciona- realizado com um menino de 10 anos de
mento interpessoal da criança, extinguindo as idade, com queixas relacionadas a Déficit em
oportunidades para que a mesma desenvolva Habilidades Sociais, Timidez e Fobia Social,
o treino pessoal de habilidades específicas. A descrevendo, para tanto, o processo de avalia-
literatura também aponta, como antecedentes ção e intervenção terapêutica realizado por
históricos, que práticas parentais inadequa- uma estagiária de Psicologia em treinamento,
das podem gerar comportamentos disfuncio- com base no modelo analítico-comportamen-
nais no repertório da criança (Bolsoni-Silva & tal. O caso a ser apresentado foi atendido num
Marturano, 2004), pois muitos comporta- hospital universitário que possui um progra-
mentos inadequados dos pais poderiam ma de Psicologia Pediátrica que oferece
evocar, aleatoriamente, respostas disfuncio- atendimento clínico a crianças e adolescentes
nais nos filhos. A ausência de modelos paren- matriculados no hospital, a partir do encami-
tais reforçadores também poderia ser gera- nhamento de profissionais ou por demanda
dora de déficit em habilidades sociais (com a espontânea. Esse serviço é realizado por esta-
ausência de modeladores positivos na história giários do último ano do curso de graduação
de vida da criança). em Psicologia, que têm suas atividades super-
2) Comportamentos disfuncionais: Compor- visionadas pela coordenadora do programa.
tamentos disfuncionais ou inadequados são
emitidos tanto em nível público quanto em Caso Clínico
nível privado. Em nível público, a criança evi-
ta se expor a ambientes sociais generalizados, A) Descrição do Cliente
a
evitando, também, situações de exposição de A., sexo masculino, 10 anos, estudante da 3
seu desempenho (respostas associadas à defi- série do ensino fundamental, com histórico de
nição de Fobia Social). Algumas respostas res- repetência escolar. Morava em casa própria
pondentes (ou autonômicas) também podem com os pais e com uma irmã mais nova (quatro
ser emitidas, tais como: tremores, sudorese anos), sendo seu pai o arrimo da família. O

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cliente tinha história prévia de atendimento pois ele disse que é chato ficar lá”; “Ele não
com o serviço de Psicologia do hospital. consegue resolver os problemas com seus
colegas”; “Ele foge de interagir com os meninos
A família do cliente professava a religião ca- da idade dele”; “Ele não gosta que eu fale mal
tólica. A criança não freqüentava a igreja com dele”; “Ele tem ficado cansado ao fazer Educação
regularidade em função de suas queixas. O Física. Eu mandei fazer uns exames, mas os
cliente participava, havia três anos, de ativi- resultados foram normais”.
dades no “Clube dos Lobinhos” (clube de
escoteiros mirins). A mãe relatou que o cliente Descrição da Avaliação Inicial
tinha inabilidades para resolver problemas
com seus colegas de escola e que ele se es- Na coleta inicial dos dados, a terapeuta esta-
quivava de interagir com meninos de sua ida- giária (TE) conversou com a mãe do cliente
de. Segundo a mãe, o cliente não tinha padrão sobre o processo de terapia, entregando-lhe
de agressividade em suas relações familiares um termo de compromisso e de consenti-
ou sociais. mento livre e esclarecido para ser assinado,
constando autorização para a publicação dos
B) Queixas resultados, mediante garantia de sigilo dos
A partir dos relatos trazidos pela mãe, um participantes, o qual ficou sob a guarda da TE
quadro geral foi formulado resumindo e da supervisora. Após a leitura e assinatura
queixas relacionadas a: (1) sentimentos de do termo de consentimento, a TE iniciou o
medo e ansiedade diante de situações de processo de coleta de dados por meio de um
exposição a ambientes públicos; (2) estados de roteiro de anamnese. A partir da terceira
“nervosismo” e choro diante de situações de sessão deu-se início ao processo de avaliação e
interação social; (3) episódios de vômito dian- intervenção com o próprio cliente.
te de fatores estressantes ou de exposição so- Foram realizadas 20 sessões terapêuticas, du-
cial; (4) sentimentos de desânimo na relação rante o período de um ano. As sessões tinham
com crianças da mesma idade que ele; (5) duração média de 50 minutos, com o registro
esquiva de exposição ambiental, incluindo a das sessões realizado pela TE, no decorrer de e
exposição a familiares e/ou amigos; (6) res- após cada atendimento. Foram realizadas
postas de tremor muscular e sudorese exces- sessões de atendimento individual com a mãe
siva diante de ambientes desconhecidos ou do cliente, sessões individuais com o cliente e
aglomerados; e (7) timidez exacerbada em si- sessões de interação entre o cliente e sua mãe.
tuações de interação social (especialmente Objetivos terapêuticos foram formulados a
com pessoas desconhecidas). cada sessão de atendimento. As estratégias de
As duas primeiras sessões de atendimento intervenção foram discutidas e orientadas pe-
foram realizadas somente com a mãe do cli- la supervisora do estágio. Foram utilizados
ente. A seguir estão os principais relatos for- materiais como prancheta, folhas de papel em
necidos durante estas sessões: branco e caneta, jogos, brinquedos e materiais
“Eu acho que ele tem medo de sair de casa e se para recorte e colagem direcionados à prática
divertir como criança”; “Ele fica nervoso e chora de atividades lúdicas.
muito quando convido ele para sair comigo”; Um quadro geral dos padrões comportamen-
“Ele já vomitou algumas vezes quando fica no
tais considerados inadequados foi traçado
meio das pessoas”; “Ele suou frio e teve tremores
em uma festa de aniversário da família”; “Ele mediante o relato verbal do cliente e de sua
teve uma crise de choro e vomitou em um dos responsável. Observou-se correspondência
passeios dos Lobinhos”; “Ele é muito tímido com entre as queixas apresentadas pela mãe e os
gente desconhecida” (com quem ele conhece relatos verbais do cliente, obtidos durante as
interage adequadamente); “Ele evita sair comigo,
e reluta muito pra aceitar os meus convites”; “Ele primeiras sessões. As classes operantes rela-
disse que tá com vontade de sair dos Lobinhos, tadas pelo cliente e sua responsável foram

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relacionadas a padrões de resposta caracte- piciar o estabelecimento de contingências


rizados na literatura como “Déficit em Habi- favoráveis à emissão de comportamentos de
lidades Sociais”, “Fobia Social” e “Timidez”. fuga/esquiva pela criança em situações gene-
De acordo com a avaliação, alguns padrões ralizadas.
comportamentais foram destacados com Em relação ao caso atendido, constatou-se que
maior freqüência e magnitude, sendo eles: o modelo de educação familiar (especialmente
o fornecido pela mãe da criança) era um mo-
A) Comportamentos de Fuga/Esquiva de si- delo baseado em práticas coercitivas, pois a
tuações sociais mãe do cliente apresentava comportamentos
A avaliação dos relatos trazidos pelo cliente e que reforçavam negativamente o comporta-
por sua mãe sugeriu que a criança apresen- mento da criança, ao emitir estímulos aversi-
tava respostas de fuga e esquiva diante de vos (tanto verbais quanto não verbais). Ana-
situações sociais. Respostas privadas, como lisou-se ainda a presença de expectativas ele-
sentimentos de ansiedade, medo e nervo- vadas da mãe diante do desempenho da
sismo, foram analisadas pelo cliente como criança, apontando um alto grau de exigência
comportamentos “problemáticos”, pois lhe em relação ao filho. Esse padrão pode ter ge-
causavam dor e sofrimento intensos. O cliente rado uma inabilidade da mãe do cliente para
relatou a ocorrência de respostas autonômicas discriminar comportamentos adequados da
como taquicardia, 'tremedeiras', suor exces- criança, dificultando, ainda, o relato dos pro-
sivo, contrações musculares e vômitos ao ser gressos do cliente ao longo do processo tera-
exposto a situações de enfrentamento social, pêutico.
gerando padrões de fuga/esquiva. A mãe do cliente relatou várias situações nas
Sidman (1995) afirma que a coerção é uma quais culpou o filho por não acompanhá-la em
forma de controle comportamental que surge suas atividades, sendo exemplificadas pelas
quando os comportamentos são controlados seguintes afirmações:
ou por reforçamento negativo ou por punição. “Fico sentida porque ele não sai [de casa]” (1a
O reforçamento negativo é uma forma de sessão); “Eu acho ele estranho. O pai dele vive
controle que aumenta a probabilidade da dizendo que tinha de ter um [filho-problema]
a
ocorrência de respostas que cessem a assim na família” (1 sessão); “Fico com raiva
nesses momentos porque gostaria que ele fosse
estimulação aversiva. Como Sidman afirma, o a
mais seguro e pra frente” (8 sessão); “A avó dele
sujeito que está sendo exposto à estimulação chama ele de covarde e diz que ele é doido” (8
a

aversiva se engajará em aprender habilidades sessão).


(respostas de fuga) que o ajudem a livrar-se
das conseqüências perturbadoras que o Dois subprodutos colaterais puderam ser ana-
controlam (reforçamento negativo). As res- lisados como hipóteses para a manutenção do
postas de esquiva são geradas em situações comportamento de fuga/esquiva social apre-
anteriores à apresentação da estimulação sentado pelo cliente: (1) restrição do interesse
aversiva, sendo, portanto, um ajustamento do indivíduo em engajar-se em situações no-
comportamental mais adaptativo que a fuga. vas, (2) alargamento da fonte do controle coer-
O autor ainda discute as implicações nega- citivo, tornando o ambiente social um refor-
tivas da aplicação de métodos coercitivos em çador negativo condicionado. As respostas de
práticas parentais, afirmando que efeitos cola- inabilidade em interação social (caracteri-
terais não esperados podem se estender a zadas como Timidez) foram analisadas como
outras categorias comportamentais aparen- conseqüência dos Déficit de Habilidades So-
temente não relacionadas à classe do compor- ciais, gerados, em grande medida, pela fu-
tamento que está sendo reforçada negati- ga/esquiva de situações de enfrentamento e
vamente. Tal modelo familiar poderá pro- resolução de problemas.

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B) Déficit em assertividade sempre tá me cobrando de fazer alguma coisa”


A reduzida presença de repertórios de contato (14a sessão).
social indicava déficit em habilidades sociais,
gerados na história ambiental do cliente pela C) Comportamento governado por regras
falta de modelos assertivos. O comporta- falsas
mento assertivo é definido por Alberti e Em- O cliente estabelecia relações equivocadas en-
mons (1983, citado por Falcone, 2001, p. 212), tre eventos ambientais e seu próprio compor-
como “aquele que torna a pessoa capaz de agir tamento, ficando sob controle de regras
em seus próprios interesses, a se afirmar sem imprecisas e/ou falsas. O comportamento go-
ansiedade indevida, a expressar sentimentos vernado por regras ocorre “quando alguém se
sinceros sem constrangimento, ou a exercitar comporta de uma forma determinada porque
seus próprios direitos”. A assertividade tam- um outro alguém especificou a contingência
bém é definida como a capacidade pessoal de na qual o comportamento em questão se in-
expressar sentimentos e pensamentos de for- sere” (Nico, 1998, p. 2). A literatura aponta que
ma honesta e direta, sem violar o direito dos quando um comportamento fica sob controle
outros (Falcone, 2001). de regras, ocorre insensibilidade de desem-
Em sua história ambiental, o cliente não lidava penho diante das contingências. Banaco
satisfatoriamente com as variadas situações (1997) afirma que determinadas regras podem
sociais de seu cotidiano. Esse padrão pode ter não especificar uma relação real que ocorre
sido instalado por uma excessiva exposição ao entre as contingências, gerando, por conse-
controle coercitivo familiar ou pela ausência guinte, sofrimento àquele que formula regras
de modelos de comportamentos de controle especificadoras de relações que foram esta-
positivo de forma generalizada (a emissão de belecidas acidentalmente. O autor afirma que
reforçadores ambientais como incentivo ver- ambientes pobres em reforçadores podem ser
bal, carinho e atenção, por exemplo). As es- geradores e mantenedores desse padrão de
quivas sociais foram geradas no repertório responder. As seguintes citações exemplifi-
comportamental do cliente, provavelmente, cam esse padrão de respostas apresentado
pela ausência de respostas assertivas de pelo cliente:
“O titio ficava me fazendo medo, porque ele
enfrentamento e auto-exposição. Os déficit ficava contando que lá existia o Curupira e um
em assertividade produziram, como conse- canibal”; “Eles ficavam contando histórias de
qüência, o padrão comportamental de passi- terror à noite. Eu preferi não sair pra rua porque
vidade do cliente, gerando-lhe efeitos como: lá não tinha luz à noite na rua”; “Eles ficavam me
assustando toda hora lá” (15a sessão).
perda de oportunidades; auto-imagem nega-
tiva; frustração; tensão; incontrolabilidade e
É importante destacar que, sentimentos de
isolamento.
onipotência identificados nos relatos do
As seguintes citações exemplificam respostas
cliente podem ter sido gerados em função da
verbais do cliente que apontam déficit em as-
formulação de altas expectativas da criança
sertividade:
“Tenho vergonha de contar minhas coisas na
em relação ao próprio comportamento. O
frente da mamãe” (3a sessão); “Quando tem cliente poderia estar expressando altas expec-
algum passeio para ir, eu finjo que tô doente pra tativas sobre si mesmo, geradas, provavel-
mamãe e pro pessoal da escola” (4a sessão); “Eu mente, pelas cobranças e exigências elevadas
não conto essas coisas pra ninguém...eu gosto de
a dos pais. As seguintes citações exemplificam
vir pra cá para brincar e conversar” (6 sessão);
“Tenho vergonha de responder as perguntas de esse padrão de respostas
a
gente que não conheço” (7 sessão); “Quando eu “Parece que se eu olhar muito pra alguma coisa,
a
vejo que tem briga, eu me afasto...Eu não faço eu adivinho quando alguém vai sair de casa” (6
a
nada, só faço olhar” (10 sessão); “Ela [a mãe] sessão);

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“Eu estava tocando teclado e quando eu parei de esclarecer que o modelo triádico não exclui a
tocar parou de chover... É um poder igual ao do criança como responsável pela própria mu-
Super-homem que eu tenho. Acho que começou
quando teve um dia que eu peguei um choque” dança comportamental. Este modelo difere do
a
(7 sessão); “A águia mortalha [um tipo de ave] modelo estrutural tradicional - o diádico -, no
quando grita anuncia a morte das pessoas. Um qual as alterações comportamentais são ins-
dia desses, eu ouviu o grito dela e no outro dia a tituídas em ambiente clínico a partir da inte-
a
vovó morreu” (10 sessão); “Eu tava apostando
ração isolada entre o terapeuta e o cliente. O
corrida com uns amigos meus, daí um menino
me ultrapassou e eu caí, porque eu fiquei com modelo triádico inclui um terceiro elemento
a
raiva nessa hora” (14 sessão). (geralmente os pais da criança) como me-
diador do processo de mudanças, no sentido
D) Déficit de Respostas de Autocontrole de que ele passa a disponibilizar no ambiente
A análise dos relatos da mãe e do cliente (sob orientação clínica) as contingências ne-
possibilitou a identificação de uma baixa ocor- cessárias para a mudança comportamental da
rência de respostas de autocontrole no criança.
repertório do cliente. Tal padrão de compor- A intervenção foi estabelecida de acordo com
tamento pode ter sido instalado em função de a proposição dos seguintes objetivos terapêu-
seus déficit em assertividade diante de ticos:
situações sociais, dando condições para o (1) Fortalecimento de respostas de autoexpo-
surgimento de respostas corporais respon- sição do cliente;
dentes e operantes de fuga/esquiva. A baixa (2) Fornecimento de estimulação antecedente
exposição a modelos positivos e a reforça- e reforçamento para respostas de auto-obser-
dores sociais pode ter sido prejudicial ao vação, descrição e análise de contingências
cliente, pois como observado nos relatos, o pelo cliente;
mesmo se engajava em emitir respostas de (3) Modelagem de respostas de autodiscrimi-
autocontrole, principalmente em nível priva- nação de sentimentos do cliente associados a
do, obtendo, porém, pouco sucesso comporta- situações ambientais;
mental. Os seguintes relatos ilustram a ocor- (4) Esclarecimento sobre as implicações que o
rência dessas respostas: processo de esquiva trazia ao cliente, identi-
“Eu fico me sentindo estranho e com medo. Eu ficando-o [o processo de esquiva] como um
fico com vontade de vomitar em algumas horas, fator de intensificação de situações emocio-
só que tem horas que tenho vontade de ficar
normal. Tenho vontade de que tudo isso passe” nais indesejadas (como a ocorrência de res-
[em referência à vontade que tinha de ir a um postas respondentes), e como um padrão que
acampamento dos Lobinhos que aconteceria controlava negativamente o comportamento,
a
futuramente] (3 sessão); “Quando tem gente sendo gerador de Déficit em Habilidades
estranha por perto eu falo 'calma' para mim
Sociais;
mesmo. Eu até tenho vontade de parar de querer
vomitar, mas depois a vontade logo volta” (3
a (5) Esclarecimento sobre as implicações que a
sessão). Timidez pode provocar privadamente na
criança (crianças com história longa desse tipo
Descrição da Intervenção de padrão tendem a ter dificuldades sócio-
emocionais, como ansiedade social e
Foi realizada uma abordagem direta de ava- depressão);
liação e intervenção baseada no modelo triádi- (6) Fortalecimento de descrições verbais do
co. O modelo triádico é apontado por Silvares cliente que estabelecessem relações entre res-
(2001) como um modelo de intervenção no postas motoras disfuncionais e situações am-
qual as alterações comportamentais desejadas bientais de controle;
são instituídas a partir da relação entre tera- (7) Modelagem (em ordem crescente de difi-
peuta, cliente e um mediador. É importante culdades) de respostas de enfrentamento

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(aprendizagem de habilidades específicas); gência que fornece elementos para que a


Para cada sessão, havia o estabelecimento de criança modele seu repertório verbal, espe-
um planejamento terapêutico e a proposição cialmente em situações como interação com
de objetivos. pares, desenvolvimento de habilidades aca-
O manejo terapêutico foi baseado fundamen- dêmicas, expressão de sentimentos em am-
talmente no relato de contingências. A inte- biente social etc. O treino parental em HSE-P
ração verbal foi implementada por meio de também serviu como um recurso de mode-
técnicas utilizadas usualmente dentro da área lação de respostas educativas mais assertivas
do Treinamento em Habilidades Sociais e adequadas da mãe do cliente, reduzindo a
(THS), definido por Bolsoni-Silva e Martu- probabilidade do uso do controle coercitivo
rano (2004) como práticas interventivas de como forma de condução da educação da
promoção de repertórios socialmente habili- criança.
dosos e prevenção de comportamentos social- Para cada operante considerado como “pro-
mente indesejados. blemático”, estabeleceu-se um objetivo tera-
A interação verbal entre TE e cliente foi rea- pêutico específico:
lizada com o objetivo de instalar repertórios 1) Fuga/esquiva de interação social: Estimu-
verbais de ajustamento e enfrentamento, sen- lação da auto-exposição do paciente; treino
do aplicada por meio de operantes como: con- em assertividade; uso de técnicas de relaxa-
versação, questionamento, expressão de senti- mento; treino de controle de ansiedade.
mentos, solicitação de auxílio e emissão de 2) Déficit em assertividade: Fornecimento de
opinião pessoal. Tais operantes foram consi- modelos verbais de enfrentamento de si-
derados requisitos importantes para a tuações (tanto por parte da TE quando por
emissão de comportamentos referentes à au- parte da mãe da criança); estímulo à exposição
to-exposição, assertividade e descrição de de comportamentos privados; reforçamento
eventos ambientais. generalizado aos comportamentos adequados
Outra técnica de intervenção utilizada como da criança.
um recurso no TSH foi a Habilidade Social 3) Comportamento governado por regras fal-
Educativa Parental (HSE-P), aplicada com o sas: Trabalho verbal sobre a distinção entre
objetivo de fortalecer no repertório da mãe do comportamento governado por regras e com-
cliente operantes verbais como conversação e portamento controlado pelas contingências;
diálogo, requisitos fundamentais para mode- estimulação de operantes de assertividade,
lar no repertório da criança habilidades de que envolviam capacidade de duvidar das re-
resolução de problemas e desenvolvimento de gras fornecidas por familiares e amigos; tra-
repertórios comportamentais mais comple- balho de discriminação das relações existentes
xos, como o comportamento assertivo. A in- entre as contingências ambientais anteceden-
teração verbal entre o cliente e sua mãe foi es- tes e suas conseqüências (confrontamento en-
timulada no sentido de fornecer elementos tre as fantasias do cliente e a realidade).
que pudessem servir de reforçamento social 4) Déficit de respostas de autocontrole: ensi-
para respostas de expressão de sentimentos no da auto-observação como um fator impor-
da criança, requisito fundamental para o au- tante para o treino de controle de respostas
toconhecimento e para o treino assertivo. autonômicas.
O treino assertivo é utilizado em contexto
terapêutico com o objetivo de “desinibir com- Resultados
portamentos no contexto específico das
relações interpessoais” (Del Prette & Del Após sete sessões de intervenção, ganhos tera-
Prette, 2003, p. 151). É apontado por Bolsoni- pêuticos começaram a ser relatados pelo clien-
Silva e Marturano (2004) como uma contin- te e por sua mãe, identificados como ampli-

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ficação de respostas de autocontrole; aumento mentos; presença de relato espontâneo sobre


na ocorrência de exposição a situações de inte- seus próprios comportamentos adequados,
ração social; análise de sentimentos como sub- sugerindo presença de sentimentos de auto-
produtos de contingências; engajamento na confiança e auto-estima e maior tolerância à
relação com pares; redução de fuga/esquiva frustração. A Tabela 1 apresenta uma síntese
de ambientes sociais; diminuição na freqüên- das situações consideradas como ganhos
cia e intensidade de sentimentos como medo e terapêuticos, que foram relatadas nas sessões
ansiedade; expressão mais adequada de senti- de atendimento:

Tabela 1 - Ganhos terapêuticos observados e relatados durante as sessões.


Sessão Ganhos terapêuticos observados e relatados
Mãe relatou que ele ganhou um torneio dos Lobinhos [clube para escoteiros-mirins do qual ele
7ª sessão faz parte há 3 anos].
Cliente foi com o pai para o dia do lazer [atividade do clube dos Lobinhos]. Ambos relatam que
o cliente não brincou nos jogos individuais, mas que foi para a piscina, jogou bola e se engajou
8ª sessão
nas atividades em grupo. Cliente disse que ficou com medo de ir ao passeio, mas que depois
reconsiderou sua opinião ao pensar como poderia se divertir.
9ª sessão Cliente demonstrou interesse em ir a um acampamento onde passaria três dias longe da família.
Mãe relatou que a família passou o dia das mães no grupo dos Lobinhos. O cliente ganhou uma
10ª sessão medalha em uma competição esportiva. Mãe e filho relataram que participaram juntos de uma
gincana.
Cliente relatou que sua equipe ganhou uma gincana. Cliente foi o líder dessa equipe, ganhando
uma medalha exclusiva pelo seu desempenho na liderança. Mãe relatou que o filho ganhou a
11ª sessão medalha por ter cumprido as tarefas de acordo com os critérios determinados. Mãe relatou que
o cliente não deseja mais sair do clube dos Lobinhos. Disse que a família quer viajar para o
interior nas férias e que o cliente demonstrou muito interesse em viajar.
Cliente relatou que foi a um estádio de futebol para assistir uma competição nacional de
Atletismo. Relatou que seu grupo foi de ônibus ao estádio, descrevendo situações geradoras de
12ª sessão ansiedade e suas respostas de enfrentamento (“atravessei a passarela sem sentir medo
nenhum”; “tinha horas que eu fechava os olhos e dizia calma para mim mesmo” ; “eu
conversava com meu primo quando eu ficava nervoso”).
Cliente relatou espontaneamente (sem a intervenção da TE) que foi a uma festa junina da sua
14ª sessão escola, que dançou e se divertiu. Cliente relatou que foi a uma missa e que se sentiu bem. Cliente
relatou que foi ao parque de diversões com colegas.
15ª sessão Cliente relatou a TE que só “fica nervoso em situações quando está longe de casa”.
Cliente relatou que aceitou participar de um amigo secreto no Natal. Cliente descreveu que tem
19ª sessão participado das atividades na rua em que mora, mas que “se afasta quando vê coisas que não
gosta de fazer”.
Cliente está em testes para entrar em um programa de esportes. Relatou que tem feito as provas
de seleção desse programa sem sentir ansiedade extrema. Na escola, cliente passou de ano sem
ficar em recuperação. Cliente demonstrou interesse em viajar com sua mãe para ir pescar no
20ª sessão
interior com sua família. Cliente participou das atividades do Natal e Ano Novo com toda a
família. Cliente relatou que tem saído com primos, e que está empinando pipa e brincando na
rua com os amigos. Relatou que também tem jogado videogame com os colegas.

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Descrição do atendimento de uma criança com déficit em habilidades sociais

A promoção de situações de reforço verbal sivas pelo desempenho do cliente e a intole-


dispostas pela TE ao relato de contingências rância comportamental (produzida tanto pe-
pelo cliente (tanto públicas quanto privadas) o los familiares quanto pelo próprio cliente)
auxiliou em seu processo terapêutico, na podem ter gerado sentimentos relacionados
medida em que ele aprendeu a relacionar seus ao medo e à ansiedade no mundo privado do
estados internos às situações ambientais com cliente.
maior precisão (aumento do repertório ana- A ausência de um ambiente verbal de incen-
lítico e descritivo). Nesse sentido, a promoção tivo à auto-exposição foi uma importante va-
do processo discriminativo foi importante riável de controle dos comportamentos dis-
para a redução de padrões de fuga/esquiva, funcionais do cliente, pois gerou déficit em
pois os relatos do cliente indicaram que o habilidades de nomeação de sentimentos e
mesmo passou a analisar seu comportamento contingências, pela falta de modelos apropria-
como subproduto de contingências ambien- dos, gerando, provavelmente, sentimentos de
tais. O cliente também desenvolveu repertó- baixa auto-estima e inadequação. A autodis-
rios relacionados à assertividade, pois passou criminação corporal excessiva, expressa pela
a se expressar de maneira mais adequada alta freqüência de respostas de observação das
diante de sua família e de seu grupo social. reações do próprio corpo, teve como fonte de
instalação o controle verbal social, na medida
Macroanálise do caso e recomendações fi- em que as respostas autonômicas disfuncio-
nais nais que o cliente emitia em situações de
enfrentamento (como tremores, vômito e suor
A alta freqüência de respostas de fuga/esqui- abundante) eram nomeadas e amplificadas
va do cliente provavelmente foi estabelecida pelos que lhe cercavam. A manutenção dessas
como conseqüência do controle coercitivo fa- respostas pode estar relacionada aos déficit
miliar, especialmente materno, gerando em habilidades de enfrentamento, na medida
Déficit em Habilidades Sociais caracteriza- em que geraram esquivas de contato com o
dos como padrões de inabilidade de enfren- mundo externo e exacerbaram respostas de
tamento diante de situações sociais (corres- autodiscriminação.
pondentes à Fobia Social) e por déficit em Apesar dos progressos, ao final do processo
assertividade (correspondentes à Timidez). de intervenção, o cliente ainda mantinha o
No contexto ambiental da criança, havia baixa padrão de comportamento governado por
ocorrência de reforçadores positivos genera- regras falsas. O trabalho terapêutico relacio-
lizados que pudessem modelar, em seu reper- nado à extinção dessas respostas foi muito
tório, respostas de enfrentamento de situações reduzido, pois essa demanda só foi revelada a
e resolução de problemas. Como conseqüên- a
partir da 10 sessão de atendimento, quando a
cia, o cliente apresentava, no início do pro- Terapeuta Estagiária discriminou tal contin-
cesso terapêutico, déficit em discriminação de gência de controle; desse modo, a intervenção
sentimentos privados, gerando subprodutos relacionada à análise dessa contingência de
emocionais como insegurança, inadequação e controle ficou muito limitada.
baixa valoração pessoal. Os Déficit em Habili- Com base nos resultados apresentados me-
dades Sociais e de enfrentamento de situa- diante o processo de intervenção terapêutica,
ções, aliados às dificuldades emocionais pri- puderam-se observar relatos de diminuição
vadas, podem ter originado déficit impor- na freqüência de emissão de comportamentos
tantes em autocontrole, expressos por meio da relacionados aos Déficit em Habilidades So-
emissão de operantes de fuga/esquiva e res- ciais do paciente, provavelmente em função,
pondentes como taquicardia, sudorese exces- principalmente, do aumento das habilidades
siva, tremores e vômitos. As cobranças exces- específicas (respostas de enfrentamento de si-

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tuações e auto-exposição) e diminuição de res- tico obtido com a criança, mostrando a rele-
postas de fuga/esquiva. O controle do com- vância de uma continuidade na condução clí-
portamento por regras falsas, porém, foi man- nica direcionada à análise dos componentes
tido, em grande parte pela forte história de de controle que são externos ao comporta-
exposição do paciente a um ambiente gerador mento da criança. Em relação à evolução das
de superstições e pela intervenção terapêutica queixas, foi observado que o paciente obteve
tardia. O processo de intervenção terapêutica ganhos terapêuticos importantes, como já a-
constituiu-se provavelmente como um impor- presentados e discutidos na sessão de resul-
tante aliado do cliente em seu processo de tados. Os ganhos terapêuticos, porém, não
ajustamento funcional. A redução significati- justificaram o término da terapia, sendo reco-
va do relato das queixas apresentadas inicial- mendada a continuidade aos atendimentos.
mente foi um indicador do sucesso terapêu-

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Recebido em: 18/09/2005


Primeira decisão editorial em: 06/01/2006
Versão final em: 20/05/2006
Aceito para publicação em: 10/06/2006

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