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interfaces entre o público e o privado no setor odontológico
Louise Pietrobon 1
Cíntia Magali da Silva 1
Luciana Rodrigues Vieira Batista 1
João Carlos Caetano 1
Abstract The present work presents a brief his- Resumo O presente trabalho vislumbra um bre-
tory of health plans in Brazil examining the in- ve histórico dos planos de saúde no Brasil, exami-
terface between the public and the private sector. nando as interfaces entre o público e o privado.
The evolution and regulation of the supplemen- Realiza, ainda, uma análise da evolução e regula-
tary care system is analyzed, the different care mentação da saúde suplementar, definindo as mo-
modalities are defined and the main differences dalidades assistenciais de saúde, bem como enun-
between health plans and dental care insurance cia as principais diferenças entre os planos e assis-
are pointed out. The coverage provided by the tência médico-hospitalar e odontológico. Demons-
supplementary care system and its relationship tra, em dados atuais, a cobertura exercida pelos
with the public health system is shown on the planos de saúde suplementar e sua relação com a
basis of current data. On the other hand, the study assistência pública de saúde. Por outro lado, enfo-
focuses on the care services, health plans and the ca a assistência, planos de saúde e o mercado de
labor market in the sector correlating, also on the trabalho da odontologia, correlacionando, tam-
basis of current data, the challenges and new op- bém com dados atuais, os desafios e as novas opor-
portunities of the supplementary care market, tunidades do mercado de saúde suplementar, en-
mainly in the dental sector. Although the dental focado principalmente no setor odontológico. Ain-
sector is living an extraordinary moment within da que o setor odontológico esteja em um momen-
the private health care system and given that ANS to extraordinário dentro do sistema privado de
data are pointing to a growth of this sector of atenção à saúde, e que dados da ANS apontem
210% over last the 7 years, the service coverage of para um crescimento desse setor de 210% nos úl-
the supplementary care sector mainly directed to timos sete anos, a cobertura de serviços do setor
medical and inpatient care does not meet the real suplementar de saúde está aquém das reais de-
demand for integrated health care. mandas, não contemplando, portanto, a assistên-
Key words Private health plans, Regulation of cia integral à saúde.
1
Centro de Ciências da the supplementary health sector, Dental plans Palavras-chave Planos privados de saúde, Regu-
Saúde, Departamento de
lamentação da saúde suplementar, Planos odon-
Estomatologia, Programa
de Pós-Graduação em tológicos
Odontologia, UFSC.
Campus Universitário,
Trindade. 88040-900.
Florianópolis SC.
isepietro@terra.com.br
1590
Pietrobon, L. et al.
No âmbito da saúde suplementar, que atinge hoje O setor de saúde suplementar é extremamente
35 milhões de brasileiros, a gestão da atenção concentrado no Brasil. Aproximadamente du-
também entrou na agenda de debates. Com a zentas operadoras detêm 80% do mercado. E 95%
redução importante das taxas de inflação a par- dos consumidores de planos de saúde estão lo-
tir de 1994 e o fim da ciranda financeira, os pla- calizados na área urbana, sendo que cerca de 77%
nos de saúde buscaram implementar práticas de na região Sudeste do país, principalmente em São
gestão de custos e de riscos. A “medicina preven- Paulo e Rio de Janeiro16,17.
tiva” e outras estratégias de organização do cui- Segundo Duarte e Di Giovanni10, o sistema de
dado, como caminho para redução de custos, atenção médica suplementar cresceu a passos lar-
passaram a fazer parte do vocabulário dos em- gos durante a década de 80, de tal modo que, em
presários da saúde. Além disso, a Agência Nacio- 1989, cobria 22% da população total do país. So-
nal de Saúde Suplementar desencadeou, a partir mente no período 1987/89 incorporaram-se a esse
de 2004, o Programa de Qualificação da Saúde subsistema 7.200.000 beneficiários. Atualmente,
Suplementar, segundo o qual as operadoras são o número de usuários registrados na ANS é de
avaliadas também pela qualidade da atenção à aproximadamente 37 milhões17.
saúde prestada a seus beneficiários. Novidade, O setor de planos privados de assistência à
pois a saúde suplementar, como setor econômi- saúde envolve mais de quarenta milhões de vín-
co mobilizado pela busca do lucro, sempre teve a culos de beneficiários, dos quais aproximada-
saúde financeira das empresas como fator pri- mente 85% a planos de assistência médica com
mordial de avaliação13. ou sem odontologia e 15% a planos exclusiva-
O sistema privado de planos e seguros de saú- mente odontológicos; duas mil empresas opera-
de cresceu e experimentou grande diversificação doras; e milhares de prestadores de serviços –
nas modalidades empresariais que o compõem entre médicos, dentistas e outros profissionais
entre os anos de 1987 e 1998, sem que estivessem de saúde – em hospitais, laboratórios, clínicas e
submetidas à regulação pública. Apenas em 1998 consultórios15.
foi aprovada legislação regulatória (Lei no 9.656, Isto exclui os clientes de esquemas particula-
de agosto de 1998), que estabeleceu regras para res administrados diretamente pelas instituições
os contratos e coberturas, e em 2000 foi criada a públicas, como os institutos de previdência esta-
Agência Nacional de Saúde Suplementar- ANS duais e municipais e pelas forças armadas. Em
(Lei no 9.961, de 28 de janeiro de 200014), respon- 1998, foram contabilizadas pela Pesquisa Nacio-
sável pelo controle dessa área15. nal por Amostra de Domicílios – PNAD/IBGE –
Apesar de diversos autores correlacionarem 9.673.993 pessoas cobertas por planos categori-
as dificuldades enfrentadas pelo SUS com a ex- zados como “instituição de assistência ao servi-
pansão da assistência suplementar, sugerindo um dor público” e 29.003.607 de planos denomina-
processo de compensação ou de substituição, os dos “empresas privadas” 5.
dados disponíveis sugerem uma correlação mai- De acordo com o PNAD/IBGE, em 200318,
or da cobertura por planos e seguros privados estimou-se em 43.202.545 de pessoas cobertas por
com a concentração de renda e de oferta de servi- pelo menos um plano de saúde. Destes, 34.198.206
ços. Assim, a região Sudeste apresenta maior co- de pessoas (79,2%) estavam vinculados a planos
bertura de planos privados de saúde e é a mais de saúde privado (individual ou coletivo); os res-
expressiva na produção de serviços para o SUS, tantes 9.004.339 de pessoas (20,8%) estavam co-
enquanto a região Norte figura como a mais des- bertos por planos de instituição de assistência ao
provida em relação aos dois setores. servidor público (municipal, estadual ou mili-
Como se vê, diferentes lógicas de acumula- tar). Verificou-se um aumento da participação
ção de capital, de racionalização de custos e de dos planos privados (79,2%) em relação ao ob-
humanização da atenção compõem as vertentes servado em 1998 (75%); entretanto, esse aumen-
que operam em favor de uma reorganização da to pode ter sido gerado pela exclusão dos servi-
atenção à saúde, todas elas prevendo novos lu- dores públicos federais dos planos de “institui-
gares e papéis para os hospitais dentro da rede ção de assistência ao servidor público”, pelo fato
de serviços de saúde. de que os planos voltados a estes servidores eram
todos privados18.
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portanto, também, são diferentes os seus planos to indicado. Já na medicina, o término do trata-
e assistências, como por exemplo, nos aspectos mento tende a não poder ser estabelecido.
operacionais. Também segundo Covre e Alves21, as dife-
Segundo Covre e Alves21, as principais dife- renças entre os planos médico-hospitalares e
renças entre as assistências médicas e odontoló- odontológicos são:
gicas são: 1) quando um indivíduo adquire um plano
1) as principais doenças bucais são apenas médico-hospitalar, seu objetivo é se proteger fi-
duas; já na medicina são inúmeras; nanceiramente contra perdas em sua renda decor-
2) a previsibilidade de acontecimento de doen- rentes do risco de adoecimento. No caso da odon-
ças bucais é alta, enquanto na medicina a previsi- tologia, este risco é razoavelmente conhecido, pode
bilidade de ocorrência de doenças ainda é baixa; ser prevenido e o gasto esperado é menor compa-
3) o número de especialidades: na odontolo- rativamente aos gastos médicos. Esta primeira
gia existem dezessete, enquanto na medicina, 66; diferença já implica distinções na abordagem de
4) o custo do diagnóstico na odontologia (ge- estruturação dos planos odontológicos;
ralmente exige apenas radiografias) é menor que 2) em função das peculiaridades da odonto-
na medicina (diversos exames); logia, o gerenciamento dos riscos e dos custos
5) maior possibilidade de escolha dentre os tendem a ser mais acurado que nos planos médi-
procedimentos existentes para um mesmo trata- co-hospitalares;
mento odontológico (por exemplo, diversos ti- 3) a maioria dos planos médico-hospitalares
pos de materiais para a confecção de uma próte- trabalha com uma alta sinistralidade, porém com
se unitária implica em diferentes preços). Já na uma baixa freqüência (enquanto a maioria dos
medicina, normalmente não existem muitas al- beneficiários não se encontra hospitalizada, aque-
ternativas, o que pode justificar a maior sensibi- les que estão hospitalizados incorrem em altos
lidade dos indivíduos às mudanças de preços dos custos). No caso dos planos odontológicos, ocor-
serviços odontológicos, bem como uma maior re o contrário: há uma alta freqüência de eventos
possibilidade de poder de mercado por parte das de baixo custo (a maioria da população possui
empresas médicas. algum tipo de doença bucal a ser tratada e a
6) na odontologia, existem formas de se pre- maioria das doenças bucais tratáveis a custos
venir o surgimento de doenças bucais e a respos- menores que as doenças médicas);
ta à prevenção é mensurável (doenças bucais não 4) muitos procedimentos odontológicos po-
são tão imprevisíveis); dem ser repetidos e, caso não sejam bem feitos,
7) com exceção de acidentes ou dores de den- podem ser corrigidos. Tal fato não ocorre na
te, a necessidade de tratamento odontológico medicina: muitos erros médicos ou procedimen-
raramente pode ser considerada uma emergên- tos realizados com baixa qualidade, uma vez re-
cia e, relativamente às doenças médicas, raramen- alizados, são irreversíveis;
te há risco de vida nos casos de doenças bucais. 5) a freqüência de utilização nos planos odon-
Por conseguinte, os indivíduos podem se plane- tológicos coletivos se comporta de forma dife-
jar “livremente” em relação a quando realizar um renciada dos planos médico-hospitalares. Naque-
tratamento odontológico (comum o adiamento les, após um pico de utilização inicial, existe uma
do tratamento mesmo na presença de doenças tendência de estabilização, reduzindo os custos e
bucais); a sinistralidade ao longo do tempo;
8) a característica acima possibilita maior li- 6) as operadoras de planos odontológicos
berdade na escolha do profissional - mais um tendem a criar mecanismos que incentivem os
motivo que o torna mais sensível às alterações beneficiários a freqüentarem o dentista regular-
nos preços dos procedimentos odontológicos. mente, uma vez que seus custos aumentam quan-
Na presença de uma doença, o indivíduo tende a do o tratamento é adiado, e este adiamento é
ficar disposto a pagar qualquer quantia para a uma prática freqüente entre os usuários;
realização do seu tratamento. 7) procedimentos odontológicos são alta-
9) doenças bucais são crônicas e não comu- mente rastreáveis, ou seja, podem ser averigua-
nicáveis. Isto é, apesar de a doença cárie ser infec- dos radiograficamente e podem auxiliar na ava-
to-contagiosa, ela não é capaz de provocar epi- liação de sua qualidade. As auditorias radiológi-
demias. cas são relativamente fáceis e resultam em uma
10) na odontologia, após a primeira consul- relação custo/benefício positiva. Geralmente, cin-
ta, o paciente normalmente fica sabendo quanto co ou mais dólares são economizados para cada
tempo será necessário para finalizar o tratamen- um dólar investido em auditoria odontológica;
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rios na região Sul. A taxa percentual de cobertura ras deverão implementar o novo plano de con-
dos planos exclusivamente odontológicos é vari- tas estabelecido pela ANS, além de ajustar suas
ável de 2,1% a 3% na região Sul. reservas técnicas. Ainda, a implantação da Troca
Os mesmos dados de dezembro de 200717 de Informações de Saúde Suplementar - TISS,
mostram uma população na região Sul de que padronizará as guias preenchidas nos diver-
27.308.919; existem 834.843 beneficiários de pla- sos prestadores de serviços médicos e odontoló-
nos de saúde exclusivamente odontológicos, per- gicos, e a instituição do Programa de Qualifica-
fazendo um percentual de 3% da população, ção, cujo principal interesse é a produção da saú-
mantendo-se estável em relação ao ano de 2006. de, com a realização de ações de promoção à saú-
Em relação ao total de 559 operadoras de pla- de e prevenção de doenças, são parte de um in-
nos de saúde odontológicos, na região Sul, 60 de- vestimento humano e tecnológico que cada em-
las detêm 80% do total de beneficiários, números, presa deverá dispor a curto prazo24.
esses, que se têm mantido estáveis no último ano, Para atender a estas necessidades e às atrela-
enfatizando a grande concentração de mercado das a uma redução de custos administrativos
por parte destas operadoras odontológicas. associada à economia de escala, algumas empre-
A expansão pode ser atribuída, também, ao sas, principalmente as localizadas nos grandes
aumento da expectativa de vida da população centros urbanos, estão se fundindo, sendo in-
brasileira. Conforme dados do IBGE23, houve um corporadas ou até mesmo abrindo o seu capital,
considerável incremento da população idosa, aci- lançando ações na Bolsa de Valores, para uma
ma de 70 anos, e um decréscimo de crianças e rápida capitalização. Já as operadoras de peque-
adolescentes, de 0 a 14 anos; entretanto, a propor- nas localidades, onde operam isoladamente e não
ção de indivíduos economicamente ativos passou têm o risco da eminente concorrência, deverão
de 39% em 1995 para 50% em 2005, correspon- unir forças, por meio de suas entidades repre-
dendo a um crescimento dessa população na or- sentativas, a fim de garantir o acesso às informa-
dem dos 130%, estando em franca ascensão, da- ções e à troca de experiências.
dos que comprovam um aumento da população O Sinog (Sindicato Nacional das Empresas
com possibilidades de uso de planos de saúde. de Odontologia de Grupo), por exemplo, vem
Embora este segmento esteja expandindo seus orientando suas associadas, seja de qual porte
números, o espaço para crescimento dos planos for, nestes quesitos que demandam maior aten-
odontológicos é bastante grande, tendo em vista ção, criando grupos técnicos que as instruam e
que os atuais beneficiários atendidos por estas ope- subsidiem de informações.
radoras representam apenas 4% de toda a popu- Também neste cenário de desafios, não se
lação brasileira. Isto mostra que há, ainda pela fren- pode esquecer que se torna imprescindível capa-
te, uma demanda a ser suprida e um longo cami- citar as empresas operadoras com a adoção de
nho a ser percorrido para que os planos odonto- práticas de boa governança, a correta gestão de
lógicos cheguem a um número maior de pessoas, seus negócios, além da otimização da organiza-
já que as políticas públicas de promoção e atenção ção e dos métodos gerenciais aplicados ao qua-
da saúde bucal à população são deficientes. dro de colaboradores, capacitando-os para suas
tarefas a fim de atender o objetivo da empresa.
Enfim, prestadores de serviços, gerentes de
Regulamentação e desafios contas, supervisores, pessoal de apoio e, inclusi-
ve, corretores deverão fazer parte desta estraté-
Desde que o sistema privado de atenção à saúde gia de crescimento da empresa e no conseqüente
foi regulamentado, em 1988, com a publicação aumento da participação de mercado.
da Lei nº 9.656/98 e suas sucessivas alterações,
além da implantação da ANS, as empresas ope-
radoras, sejam elas de quais segmentos forem, Novas oportunidades
têm procurado se ajustar e enquadrar-se aos
padrões e normas estabelecidas - que não são Para o caso dos planos odontológicos, que se
poucas - visando um equilíbrio financeiro inter- encontram em plena expansão, sejam eles coleti-
no e a satisfação de seus usuários e a dos presta- vos, aqueles contratados pelas empresas como
dores de serviços. E essa tarefa não tem sido fácil benefício a seus funcionários, ou os individuais,
perante os desafios e exigências impostas pela advindos da contratação por pessoas físicas, vis-
agência reguladora. lumbram-se várias oportunidades e desafios para
No ano de 2007, todas as empresas operado- a sua consolidação.
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tizam ainda que a adoção de critérios adequados Constatou-se que a cobertura de serviços do
para seleção e credenciamento de cirurgiões-den- setor suplementar de saúde está aquém das reais
tistas poderia garantir a qualidade do produto demandas por abrangerem apenas os serviços
oferecido aos usuários, pois os prestadores de médico-hospitalares, não contemplando, portan-
serviço são, em grande parte, responsáveis pela to, a assistência integral à saúde.
manutenção da boa imagem do plano. Na odontologia, essa cobertura está se am-
pliando, o crescimento do setor de saúde suple-
mentar odontológico cresceu 210% nos últimos
Considerações finais anos. Ainda se está aquém da supressão das ne-
cessidades sentidas pela população e pelos indi-
Refletindo sobre as constatações realizadas, res- víduos que obtêm acesso ao sistema de saúde
salta-se a necessidade do investimento social no suplementar; entretanto, há a possibilidade de
sentido de melhorar e adaptar o SUS e a assistên- uma ampliação do acesso.
cia privada à saúde às constantes transforma- Enfim, sugere-se a necessidade de ampliar a
ções da sociedade brasileira. Reforça-se que o agenda de debates e pesquisas sobre o mosaico
modelo mais desejável é aquele que responda com público-privado que estrutura o sistema de saú-
dignidade, eficácia e eficiência de forma acessível de brasileiro.
a todos os que dele necessitem.
Colaboradores
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